REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th1024111611591
Dãlays Ferreira da Silva1
Maria Carolina de Almeida Santos2
Caroline Pombo de Sousa3
Leonardo Israel Zimovskei4
Cristopher Jean da Silva Lopes5
Paola Rodrigues De Figueredo Anastasio6
Pedro Henrique Rangel Gandra7
Eduardo Daud Ribeiro8
Rogerio Mozdzenski Tanganelli Lima Netto9
Gustavo Del Corço Guedes10
Bianca Lunna P S Costa Barros11
INTRODUÇÃO
Em 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a tuberculose uma epidemia global(1).Apesar de avanços significativos, a tuberculose ainda representa um grave problema de saúde pública e segue sendo uma das doenças infecciosas mais fatais no mundo . O Brasil ocupa a 20ª posição no ranking mundial de incidência da doença, segundo a OMS, o país está entre os 22 com alta carga de tuberculose, sendo essencial focar na redução de sua incidência (2).
A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa e transmissível causada pela Mycobacterium tuberculosis (MT), que costuma persistir por toda a vida e leva à formação de tubérculos em várias partes do corpo (3)
A MT possui origens muito remotas, sobrevivendo por mais de 70 mil anos e atualmente afetando cerca de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo com cerca de 10,4 milhões de novos casos diagnosticados a cada ano, quase um terço da população global carrega o bacilo da TB e corre o risco de desenvolver a doença ativa(4,5) .
A tuberculose (TB) tem sido associada a uma elevada taxa de mortalidade ao longo dos séculos e, ainda nos dias de hoje, é estimado que cause cerca de 1,4 milhão de mortes por TB, sendo a segunda maior causa de mortes por doenças infecciosas, atrás apenas do HIV (6)
Em virtude de sua natureza infecciosa, da resposta imunológica complexa, da progressão crônica e da necessidade de tratamentos prolongados, a TB sempre foi um grande problema de saúde pública. Nos anos mais recentes, a emergência de formas resistentes a múltiplos medicamentos e a epidemia de TB-HIV, com suas graves consequências sociais, têm tornado o combate e a prevenção da TB um desafio contínuo ao longo da história humana (7)
A distribuição da tuberculose no Brasil revela que a doença afeta desproporcionalmente populações vulneráveis, incluindo pessoas em situação de rua, indivíduos com HIV e aqueles que vivem em áreas de alta pobreza, a co-infecção com HIV é um fator crítico, pois a tuberculose é a principal causa de morte entre pessoas vivendo com HIV/AIDS no Brasil (8,9)
Estudos indicam que a adesão ao tratamento de tuberculose entre indivíduos co-infectados é frequentemente insatisfatória, o que agrava a situação, além disso, a tuberculose em populações carcerárias é uma preocupação significativa, com taxas de incidência que podem ser de 11 a 81 vezes superiores às da população geral (10,11).
A pobreza, a desnutrição e a falta de acesso a serviços de saúde de qualidade estão intimamente ligados à maior incidência da doença (9) Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, têm mostrado potencial para melhorar as taxas de cura da tuberculose, ao aliviar a carga econômica sobre as famílias afetadas (12,13)
O perfil epidemiológico da tuberculose no estado de São Paulo é caracterizado por uma alta incidência da doença, refletindo um problema significativo de saúde pública. Dados recentes indicam que a incidência de tuberculose no estado é de aproximadamente 39,1 casos por 100.000 habitantes, com a cidade de São Paulo apresentando uma taxa ainda mais elevada de 65,2 casos por 100.000 habitantes (13,14). O estado de São Paulo é responsável por cerca de 20% dos casos de tuberculose no Brasil, o que representa a maior carga de casos no país (13)
A tuberculose ocular (TO) é uma forma de tuberculose extrapulmonar que pode afetar diversas estruturas oculares, incluindo a córnea, a íris, a retina e a esclera. Embora a tuberculose seja mais comumente associada a infecções pulmonares, a TO representa uma preocupação significativa devido à sua capacidade de causar complicações visuais severas e permanentes se não tratada adequadamente. A prevalência de envolvimento ocular em pacientes com tuberculose pulmonar é relativamente baixa, variando entre 1% e 39%, dependendo da população estudada e dos critérios diagnósticos utilizados(15)
Os sintomas da tuberculose ocular podem ser variados e incluem visão embaçada, dor ocular, fotofobia e alterações na percepção de cores. As manifestações mais comuns incluem uveíte, coroidite e esclerite (16,17).
A uveíte tuberculosa, por exemplo, é frequentemente caracterizada por inflamação da úvea e pode se apresentar como panuveíte ou como formas mais localizadas, como a iridociclite, a coroidite tuberculosa, que pode se manifestar como granulomas na coroide, é uma das formas mais frequentes de TO e pode levar à perda de visão se não tratada (18–20).
O diagnóstico de TO é desafiador, pois muitas vezes não há evidências clínicas de tuberculose pulmonar concomitante. Estudos indicam que até 60% dos pacientes com tuberculose ocular não apresentam sinais de tuberculose ativa nos pulmões (17) O diagnóstico definitivo geralmente requer a identificação do Mycobacterium tuberculosis em amostras oculares, o que pode ser complicado devido ao tempo necessário para o crescimento das culturas e à baixa sensibilidade dos testes (17).
Métodos como a reação em cadeia da polimerase (PCR) têm sido utilizados para melhorar a detecção do bacilo em fluidos intraoculares (21). O tratamento da tuberculose ocular envolve a administração de terapia antituberculosa (TAT), que geralmente inclui uma combinação de isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol (22) O uso de corticosteroides pode ser considerado para controlar a inflamação, mas deve ser feito com cautela, pois pode mascarar a resposta ao tratamento antituberculoso, a resposta ao tratamento é geralmente positiva, com muitos pacientes apresentando melhora significativa nas primeiras semanas de terapia (23)
O objetivo geral do artigo é analisar a incidência e os desfechos clínicos da tuberculose ocular no estado de São Paulo entre os anos de 2016 e 2023, identificando tendências temporais e fatores epidemiológicos associados à doença.
METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como ecológico, observacional, retrospectivo e analítico, baseado em dados coletados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), acessados por meio do banco de dados do DATASUS. A pesquisa seguiu as orientações do STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology), para garantir a qualidade e transparência nos métodos (24).
O estudo foi realizado no estado de São Paulo, que apresenta uma área de 248.222,362 km² e uma população estimada de 46.289.333 habitantes (dados de 2022). O estado possui uma densidade populacional de 186,32 habitantes por quilômetro quadrado, e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,783 (9) em 2021.
Cenário e Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2023, abrangendo todos os casos de tuberculose ocular notificados no estado de São Paulo. Os dados foram extraídos da plataforma do SINAN, acessada por meio do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), na seção “Epidemiológicas e Morbidade”. O DATASUS disponibiliza dados públicos que possibilitam uma análise detalhada da situação epidemiológica e a formulação de políticas de saúde pública baseadas nos dados disponíveis.
O SINAN concentra informações sobre doenças de notificação compulsória, conforme a Portaria nº 264, de 17 de fevereiro de 2020, e é uma ferramenta essencial para a orientação das ações de saúde pública(25).
População e Amostra
A população do estudo incluiu todos os casos de tuberculose ocular notificados no estado de São Paulo entre 2016 e 2023, com um total de 694 notificações de tuberculose ocular. Os casos foram categorizados de acordo com os critérios de diagnóstico definidos pelo SINAN, que incluem informações sobre comorbidades, tratamento e desfechos clínicos.
Variáveis As variáveis analisadas neste estudo incluem:
- Tuberculose ocular notificada
- Ano de notificação
- Faixa etária,
- Sexo,
- Comorbidades (como HIV, uso de drogas ilícitas)
- Desfechos do tratamento (cura, abandono, mortalidade, etc.).
Análise Estatística
A análise estatística foi realizada utilizando o software Python, com as bibliotecas Matplotlib e Pandas(26,27).
A análise incluiu os seguintes passos:
- Análise Descritiva: Calculando médias, medianas, frequências absolutas e relativas para as variáveis demográficas e de tratamento.
- Teste Qui-quadrado de Independência: Para verificar associações entre o sexo, faixa etária e os diferentes desfechos da tuberculose ocular, com nível de significância de 5% (α = 0,05).
- Análise de Tendência Temporal: Utilização de uma regressão de Poisson para avaliar as tendências de incidência de tuberculose ocular ao longo dos anos e identificar variações significativas na distribuição dos casos.
- Visualização dos Dados: Gráficos de tendência temporal e gráficos de barras para ilustrar a evolução e os desfechos da tuberculose ocular, facilitando a interpretação dos resultados.
Aspectos Éticos
A pesquisa foi conduzida de acordo com a Resolução nº 510 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), de 7 de abril de 2016, que dispensa a necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para estudos que utilizam dados de domínio público. Os dados foram coletados de fontes acessíveis publicamente, garantindo a transparência do estudo (28).
Limitações
As principais limitações incluem a possibilidade de subnotificação nos dados, devido à dependência dos registros no SINAN, e a ausência de variáveis clínicas mais detalhadas, como a gravidade da doença ocular ou tratamentos específicos.
Resultados
Entre 2016 e 2023 no estado de São Paulo houve um total de o número de 694 casos notificados de TB ocular que variou significativamente. Em 2016, foram registrados 138 casos, número que subiu para 208 em 2017 e 216 em 2018. No entanto, a partir de 2019, houve uma queda substancial, com apenas 27 casos registrados. Essa redução continuou em 2020, com 17 casos, e em 2021, com 29. Em 2022, o número aumentou ligeiramente, alcançando 37 casos, mas caiu novamente em 2023, com 22 casos.
Figura 1:Gráfico de dispersão com a tendência temporal dos casos de tuberculose ocular entre 2016-2020 no estado de São Paulo. Fonte, SINAN, DATASUS 2024
O gráfico de dispersão apresenta uma linha de tendência, onde o eixo X representa os anos de notificação (2016-2023) e o eixo Y mostra o número de casos de tuberculose ocular, variando entre -50 e 250 casos. A linha de tendência, uma regressão linear em vermelho, apresenta uma inclinação negativa significativa, indicando uma tendência decrescente ao longo do período. A área sombreada em rosa ao redor da linha representa o intervalo de confiança, que sugere a variabilidade dos dados em torno da tendência.
O padrão dos dados revela que, em 2016, o número de casos foi de aproximadamente 140, seguido por um pico entre 2017 e 2018, quando os casos chegaram a valores entre 200 e 210. Em 2019, houve uma queda acentuada, com os casos caindo para cerca de 30. Nos anos seguintes, de 2020 a 2023, observa-se uma estabilização em níveis mais baixos, com valores variando entre 20 e 40 casos anuais. Esse comportamento sugere três fases distintas na evolução dos casos: um período de alta incidência entre 2016 e 2018, uma queda abrupta em 2019 e uma estabilização em um novo patamar de baixa incidência nos anos subsequentes.
A linha de tendência linear, com R² moderado, indica uma variabilidade considerável nos dados, especialmente nos primeiros anos (2016-2018), onde a dispersão dos pontos é maior. A partir de 2020, essa variabilidade diminui, com os dados apresentando uma menor dispersão em torno da média. A faixa de confiança torna-se mais ampla nas extremidades do período, evidenciando maior incerteza nas previsões para esses pontos.
Figura 2: Gráfico em linhas com o número de casos notificados entre 2016 e 2023 no estado de São Paulo. Fonte, SINAN, DATASUS 2024
O gráfico em linhas apresenta o número de casos de tuberculose ocular notificados entre os anos de 2016 e 2023, juntamente com a linha de média móvel de 3 anos, que permite observar a tendência ao longo do tempo.
Entre 2016 e 2018, observa-se um aumento acentuado no número de casos, que sobe de aproximadamente 150, em 2016, para um pico de cerca de 220 casos em 2018. Esse aumento inicial é seguido por uma queda abrupta entre 2018 e 2019, onde os casos diminuem para aproximadamente 25. Após 2019, os casos de tuberculose ocular estabilizam-se em níveis baixos, variando entre 0 e 25 casos anuais, com um pequeno aumento observado em 2022 e uma nova redução em 2023.
A linha de média móvel de 3 anos (em vermelho) evidencia uma tendência geral de queda ao longo do período analisado, refletindo a redução da incidência média de tuberculose ocular após o pico observado em 2018. Esse padrão sugere que, apesar da alta incidência no início do período, houve uma contenção significativa dos casos nos anos subsequentes, possivelmente devido a intervenções eficazes de saúde pública.
Houve uma média anual de 86,75 casos, evidenciando uma grande flutuação no número de registros ao longo dos anos. A mediana dos casos foi de 33,0, o que indica que, em metade dos anos avaliados, o número de notificações foi inferior a esse valor. A moda foi de 17 casos, ou seja, esse foi o número mais frequente observado ao longo do período. O desvio padrão de 86,58 demonstra uma grande dispersão nos dados, enquanto o coeficiente de variação de aproximadamente 100% reforça a alta variabilidade dos casos de um ano para o outro.
A análise da distribuição temporal revelou uma grande variabilidade no número de casos, que variaram de 17 a 216 notificações. Essa distribuição foi assimétrica, com a média sendo consideravelmente maior que a mediana, o que indica a presença de anos com valores mais altos de casos que influenciaram a média. A dispersão é ainda mais evidenciada pelo alto coeficiente de variação, sugerindo que a distribuição dos casos ao longo do tempo não foi uniforme.
Em relação ao perfil demográfico dos pacientes, foi observada uma leve predominância de mulheres, que representaram 55,62% dos casos. A prevalência de comorbidades foi baixa, com 1,59% dos pacientes sendo diagnosticados com AIDS, 1,3% com doenças relacionadas ao uso de drogas ilícitas e 1,3% com transtornos mentais. Esses dados indicam que a maioria dos casos não esteve associada a condições comorbidades relevantes.
No que diz respeito aos desfechos do tratamento, a taxa de cura foi notavelmente alta, com 90,06% dos pacientes alcançando a recuperação completa. No entanto, a taxa de abandono foi significativa, alcançando 5,33% dos casos. A mortalidade foi baixa, com 0,86% dos pacientes falecendo por causas não relacionadas à condição tratada, e apenas 0,14% dos casos evoluíram para tuberculose resistente, uma complicação rara.
Tabela 1: Variação das Notificações TB ocular (2016–2023)
Ano | Casos notificados | Total | Variação (%) | Variação Anual (%) |
2016 | 138 | 138 | – | – |
2017 | 208 | 208 | 50,72% | 50,72% |
2018 | 216 | 216 | 3,85% | 3,85% |
2019 | 27 | 27 | -87,50% | -87,50% |
2020 | 17 | 17 | -37,04% | -37,04% |
2021 | 29 | 29 | 70,59% | 70,59% |
2022 | 37 | 37 | 27,59% | 27,59% |
2023 | 22 | 22 | -40,54% | -40,54% |
Fonte, SINAN, DATASUS 2024
De acordo com a Tabela 1, a análise da variação percentual dos casos de tuberculose ocular entre 2016 e 2023 revela três fases distintas. O primeiro período, de crescimento inicial, ocorreu entre 2016 e 2018. Nesse intervalo, houve um aumento expressivo de 50,72% nas notificações oculares de 2016 para 2017, seguido por um crescimento mais leve de 3,85% em 2018. Esse aumento pode estar relacionado a uma maior conscientização sobre doenças oculares ou ao aprimoramento dos sistemas de notificação, que teriam facilitado a detecção e o registro dos casos.
Em seguida, entre 2019 e 2020, observa-se uma fase de queda abrupta, com uma redução de 87,5% nos casos em 2019 e uma queda adicional de 37,04% em 2020. Essa diminuição acentuada pode estar associada a fatores como mudanças nos protocolos de notificação, dificuldades de acesso ao sistema de saúde ou até aos impactos da pandemia de COVID-19, que restringiu o acesso a diagnósticos e tratamentos adequados.
Por fim, o período de 2021 a 2023 é marcado por uma fase de recuperação e instabilidade. Em 2021, houve uma recuperação significativa com um aumento de 70,59%, sugerindo uma possível retomada de diagnósticos e tratamentos. O crescimento continuou em 2022, com uma variação positiva de 27,59%.
Tabela 2: Distribuição dos Desfechos dos Casos de Tratamento Ocular
Situação de Encerramento | Casos notificados | Total de Casos | Percentual (%) | Proporção |
Ignorado/Branco | 7 | 7 | 1,01% | 0,0101 |
Cura | 625 | 625 | 90,06% | 0,9006 |
Abandono | 37 | 37 | 5,33% | 0,0533 |
Óbito por Outras Causas | 6 | 6 | 0,86% | 0,0086 |
Transferência | 6 | 6 | 0,86% | 0,0086 |
TB-DR (Tuberculose Droga Resistente) | 1 | 1 | 0,14% | 0,0014 |
Mudança de Esquema | 10 | 10 | 1,44% | 0,0144 |
Abandono Primário | 2 | 2 | 0,29% | 0,0029 |
Fonte, SINAN, DATASUS 2024
De acordo com a Tabela 2, a análise dos desfechos dos casos de tuberculose ocular indica uma alta taxa de sucesso no tratamento, com 90,06% dos casos encerrados com cura, evidenciando a eficácia do tratamento e o bom manejo dos pacientes. No entanto, a taxa de abandono do tratamento é preocupante, atingindo 5,33%, o que sugere que uma parcela significativa dos pacientes não completa o ciclo de tratamento, acarretando risco de complicações futuras e potencial desenvolvimento de resistência ao tratamento.
Outros desfechos incluem óbitos por causas externas ao tratamento ocular e transferências, cada um representando 0,86% dos casos, sinalizando a influência de fatores externos no encerramento desses casos. Além disso, mudanças no esquema de tratamento foram necessárias em 1,44% dos casos, sugerindo a necessidade de ajustes terapêuticos em resposta a falhas ou efeitos adversos. O abandono primário, isto é, a desistência antes do início efetivo do tratamento, foi registrado em apenas 0,29% dos casos, indicando que a maioria dos pacientes iniciou o tratamento após o diagnóstico.
A ocorrência de casos de tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR) foi baixa, com apenas 1 caso registrado, representando 0,14% do total. Esse dado aponta para uma baixa prevalência de TB-DR entre os pacientes tratados, o que é um indicativo positivo em relação à efetividade do tratamento e ao controle da resistência bacteriana.
Tabela 3: Notificações de Casos Oculares e Variação Anual
Ano de Notificação | Casos Notificados | Total de Casos | Variação (%) | Variação Anual (YoY Change, %) |
2016 | 138 | 138 | – | – |
2017 | 208 | 208 | 50,72% | 50,72% |
2018 | 216 | 216 | 3,85% | 3,85% |
2019 | 27 | 27 | -87,5% | -87,5% |
2020 | 17 | 17 | -37,04% | -37,04% |
2021 | 29 | 29 | 70,59% | 70,59% |
2022 | 37 | 37 | 27,59% | 27,59% |
2023 | 22 | 22 | -40,54% | -40,54% |
Fonte, SINAN, DATASUS 2024
Os dados dispostos na tabela 3, indicam flutuações significativas. Em 2016, foram registrados 138 casos. Em 2017, houve um aumento expressivo de 50,72%, elevando o total para 208 casos. No ano seguinte, em 2018, o crescimento continuou, mas de forma mais modesta, com uma alta de 3,85%, totalizando 216 casos.
No entanto, 2019 apresentou uma queda abrupta, com uma redução de 87,5%, baixando o número de notificações para apenas 27 casos. Essa tendência negativa se estendeu para 2020, quando os casos diminuíram mais 37,04%, resultando em apenas 17 notificações. Este declínio coincide com a pandemia de COVID-19, que pode ter impactado o sistema de saúde e a capacidade de diagnóstico e notificação de outras condições.
A partir de 2021, observa-se uma recuperação, com um aumento de 70,59%, elevando o número de casos para 29. Em 2022, o crescimento continuou, mas de forma mais moderada, com um acréscimo de 27,59%, totalizando 37 notificações. No entanto, em 2023, os casos voltaram a cair, apresentando uma redução de 40,54%, fechando o ano com 22 casos notificados.
Figura 3: Gráfico em barras coma distribuição da TB ocular por sexo entre 2016-2023 no estado de São Paulo. Fonte, SINAN, DATASUS 2024
Durante o período analisado, foram registrados um total de 694 casos, dos quais 308 (44,38%) foram de homens e 386 (55,62%) de mulheres. A distribuição dos casos entre os sexos foi analisada para verificar se havia diferença estatisticamente significativa.
O teste qui-quadrado foi utilizado para determinar a significância da diferença entre os sexos. A estatística qui-quadrado calculada foi de 8,77, com um valor p de 0,0031. Esse valor p é menor do que o limiar de 0,05, indicando que a diferença observada na distribuição de casos entre os sexos é estatisticamente significativa.
Além disso, o Odds Ratio para a comparação entre os sexos foi de 0,80, o que significa que os homens têm uma probabilidade 20% menor de desenvolver tuberculose ocular em comparação com as mulheres.
As mulheres apresentam um número maior de casos do que os homens, e a diferença observada é estatisticamente significativa, não podendo ser atribuída ao acaso, conforme evidenciado pelo valor p de 0,0031. O Odds Ratio de 0,80 sugere que os homens têm uma chance reduzida de desenvolvimento da doença, comparado às mulheres.
No total de 694 casos analisados, foi investigada a relação entre a presença de comorbidades, como AIDS, uso de drogas ilícitas e doença mental, e o desenvolvimento de tuberculose ocular. Os resultados demonstraram que todas essas comorbidades apresentam uma associação estatisticamente significativa com a tuberculose ocular, com p-valores menores que 0,001.
Discussão
A análise dos dados de tuberculose ocular no estado de São Paulo entre 2016 e 2023 revela um panorama complexo, refletindo tanto as dinâmicas da saúde pública quanto as influências externas, como a pandemia de COVID-19. O crescimento observado entre 2016 e 2018, com um aumento de 50,72% em 2017 e 3,85% em 2018, pode ser atribuído à melhoria na conscientização sobre a tuberculose ocular e ao aprimoramento da capacidade de notificação. Estudos como o de Amaral et al. (2020) corroboram essa hipótese, indicando que a maior visibilidade da doença e a capacitação dos profissionais de saúde tendem a resultar em mais diagnósticos e notificações. Isso é positivo para a saúde pública, pois aponta para um aumento na detecção de casos e no acesso ao tratamento adequado (Martins, 2023).
Contudo, a queda abrupta de casos entre 2019 e 2020, com uma redução de 26,4% em relação ao ano anterior, reflete os desafios impostos pela pandemia de COVID-19 (Oliveira et al., 2021). Durante esse período, a interrupção de atividades de saúde pública e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde tiveram um impacto significativo na capacidade de diagnosticar e tratar a tuberculose ocular. A priorização do atendimento a pacientes com COVID-19 e a sobrecarga do sistema de saúde também contribuíram para a redução das notificações (Oliveira et al., 2023; Silva et al., 2021).
Entre 2021 e 2023, observou-se uma recuperação gradual, com um aumento de 70,59% em 2021, seguido de uma queda para 22 casos em 2023. Esses dados indicam que, embora haja uma resposta do sistema de saúde à retomada das atividades, ainda existem desafios na manutenção de um controle efetivo da tuberculose ocular. A literatura sugere que a recuperação pode estar associada à reestruturação dos serviços de saúde e à reabertura das unidades de atendimento, mas a instabilidade nos números demonstra que a adesão ao tratamento e a continuidade das estratégias de vigilância precisam ser aprimoradas (Guerra et al., 2021; Souza et al., 2022).
A taxa de cura de 90,06% é positiva, mas a taxa de abandono de 5,33% e a mortalidade de 0,86% revelam desafios críticos relacionados à adesão ao tratamento (Martins, 2023; Cortez et al., 2021). O perfil demográfico dos pacientes também oferece informações importantes. A leve predominância de mulheres (55,62%) pode indicar vulnerabilidades específicas, que merecem investigação mais aprofundada para entender os fatores que contribuem para essa disparidade (Tavares et al., 2021). A baixa prevalência de comorbidades, como AIDS e uso de drogas ilícitas, sugere que a tuberculose ocular no estado de São Paulo pode não estar tão fortemente associada a fatores de risco comuns em outras formas de tuberculose, um aspecto que deve ser considerado em futuras intervenções (Cabral et al., 2023; Noronha et al., 2020).
Discussão
A análise dos dados de tuberculose ocular no estado de São Paulo entre 2016 e 2023 evidencia tanto avanços quanto desafios persistentes na gestão dessa doença. O aumento das notificações nos primeiros anos do período, associado à melhoria na conscientização e na capacidade de diagnóstico, demonstra um progresso importante no enfrentamento da tuberculose ocular. No entanto, a pandemia de COVID-19 representou um retrocesso significativo, com a queda abrupta nos casos entre 2019 e 2020, causada pela interrupção das atividades de saúde pública e a sobrecarga do sistema de saúde.
A recuperação observada após 2020, com uma alta nos casos de 2021 seguida de uma queda em 2023, revela a instabilidade do cenário, sugerindo que, apesar dos esforços de reestruturação do sistema de saúde, o controle da tuberculose ocular ainda enfrenta obstáculos, especialmente no que diz respeito à adesão ao tratamento e à continuidade das estratégias de vigilância. A taxa de cura de 90,06% é encorajadora, mas a taxa de abandono de 5,33% e a mortalidade de 0,86% indicam que o desafio de garantir a adesão e o acompanhamento adequados aos pacientes continua a ser uma prioridade.
O perfil demográfico, com a predominância de mulheres e a baixa prevalência de comorbidades como AIDS e uso de drogas ilícitas, sugere que fatores de risco específicos para a tuberculose ocular em São Paulo merecem mais investigação. Isso pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes, adaptadas às características da população local.
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