ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA DA INCIDÊNCIA DE CÂNCER DE COLO DE ÚTERO NO BRASIL E NO DISTRITO FEDERAL NO PERÍODO DE 2014 A 2023

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102502141337


Carolina Schmaltz Paixão Breder
Orientadora: Dra. Karen Anelize Toso


RESUMO

Com o crescimento dos casos de câncer de colo do útero (CCU) no Brasil e no Distrito Federal (DF), viu-se a necessidade de modificar e aprimorar estratégias de combate a ele, podendo ser no âmbito de incorporação e disponibilização efetiva de novo teste de rastreamento: identificação do ácido desoxirribonucleico (DNA) do Papilomavírus humano (HPV), políticas públicas de saúde em marketing direcionado e atualizado sobre o HPV e suas particularidades, e também incentivo à vacinação como medida eficaz para prevenção de lesões causadas pelo HPV. O objetivo deste trabalho foi analisar a incidência dos CCU Adenocarcinoma in Situ, Adenocarcinoma Invasor e Epidermoide Invasor no Brasil entre os anos de 2014 e 2023, buscando avaliar os locais com maior acometimento populacional da neoplasia, verificar em qual idade e em qual raça se tem maior incidência e comparar os dados do Distrito Federal com as demais unidades federativas do Brasil de forma consolidada. Para isso, extraiu-se do site DATASUS os dados supracitados, destacando os dados do DF que, por sua vez, foi comparado aos das demais unidades federativas do Brasil. Este estudo verificou que os principais tipos de CCU são o epidermoide invasor, o adenocarcinoma in situ e o adenocarcinoma invasor e que a incidência desses tipos de câncer no Brasil é maior nas regiões Nordeste e Sudeste, com variação de grupos de idade, mas especialmente entre 40 e 69 anos. No DF foi observada uma crescente de diagnósticos, também variando entre grupos de idade, sendo principalmente entre as idades de 40 e 59 anos. Com isso, este trabalho pode contribuir para projetos de políticas públicas em saúde, fornecendo dados objetivos sobre a distribuição do CCU no Brasil e no DF.

Palavras-chaves: Ginecologia e Obstetrícia, Oncoginecologia, Câncer de Colo de Útero, Papiloma Vírus Humano, Adenocarcinoma in Situ, Adenocarcinoma Invasor, Epidermoide Invasor.

ABSTRACT

With the increase in cases of cervical cancer (CC) in Brazil and the Federal District (DF), there was a need to modify and improve strategies to combat it, which could be in the scope of incorporating and effectively making available a new screening test: identification of the deoxyribonucleic acid (DNA) of the Human Papillomavirus (HPV), public health policies in targeted and updated marketing on HPV and its particularities, and also encouraging vaccination as an effective measure to prevent lesions caused by HPV. The objective of this study was to analyze the incidence of CC Adenocarcinoma in Situ, Invasive Adenocarcinoma and Invasive Epidermoid in Brazil between 2014 and 2023, seeking to evaluate the places with the highest population involvement of the neoplasia, verify in which age and in which race it has the highest incidence and compare the data of the Federal District with the other federative units of Brazil in a consolidated way. To this end, the aforementioned data were extracted from the DATASUS website, highlighting the data from the Federal District, which was in turn compared to those from other Brazilian federative units. This study found that the main types of CC are invasive squamous cell carcinoma, adenocarcinoma in situ, and invasive adenocarcinoma, and that the incidence of these types of cancer in Brazil is higher in the Northeast and Southeast regions, with variations in age groups, but especially between 40 and 69 years old. In the Federal District, an increase in diagnoses was observed, also varying between age groups, mainly between the ages of 40 and 59 years old. Therefore, this work can contribute to public health policy projects, providing objective data on the distribution of CC in Brazil and the Federal District.

Keywords: Gynecology and Obstetrics, Gynecological Oncology, Cervical Cancer, Human Papilloma Virus, Adenocarcinoma in Situ, Invasive Adenocarcinoma, Invasive Epidermoid

1     INTRODUÇÃO
1.1            Dados sobre o Câncer de Colo de Útero no Brasil e no Mundo

Ocupando a 3ª posição entre os tipos de câncer mais incidentes do mundo em mulheres – excluídos os casos de tumores de pele não melanoma, tem-se o câncer do colo do útero (CCU) ou câncer cervical, importante questão na saúde pública brasileira e mundial, compreendendo uma estimativa de 604 mil casos novos no mundo (6,5% de todos os tipos de câncer em mulheres) (INCA, 2022). Entretanto, ainda que sua incidência esteja aumentando anualmente, sua taxa de mortalidade tem diminuído, caindo desde 2018, principalmente quando se trata de países mais desenvolvidos. Em países subdesenvolvidos – como o Brasil – essa taxa varia entre as regiões, possivelmente por diferenças em relação ao acesso ao sistema de saúde. Há aproximadamente 570.000 casos de carcinoma cervical invasivo diagnosticados no mundo e 311.000 mortes devido essa patologia anualmente. 1,3,4

No Brasil, a estimativa de novos casos de câncer do colo do útero para cada ano entre 2023-2025 é de 17.010 casos, compreendendo um risco estimado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres. Em relação à distribuição geográfica, o câncer de colo do útero apresentou no ano de 2023, conforme a figura 1, maiores incidências nas Regiões Norte e Nordeste, possuindo, respectivamente 20,48 casos por 100 mil mulheres e 17,59 casos por 100 mil mulheres. Segue na terceira colocação a Região Centro-Oeste com 16,66 casos a cada 100 mil mulheres, em quarta a Região Sul com 14,55 casos por 100 mil mulheres, e, por fim, na quinta posição, tem- se o Sudeste com 12,93 casos por 100 mil mulheres, conforme demonstrado na figura 1. 4

Figura 1 – Taxa bruta de incidência de câncer do colo do útero por região no Brasil

Fonte: Boletim temático da Biblioteca do Ministério da Saúde – Volume 3 n.º 1 | abr. 2023 – Secretaria-Executiva Ministério da Saúde – versão eletrônica.

1.2            Características dos Papilomas Vírus Humano

O CCU é causado, em sua maioria, por infecção persistente pelo Papiloma Vírus Humano (HPV), transmitido sexualmente. Comumente, mulheres sexualmente ativas são infectadas ao longo da vida, sendo essa infecção cessada após alguns meses devido a própria competência do sistema imunológico da hospedeira. Porém, uma parte dessas mulheres desenvolve infecção persistente pelo vírus, aumentando a chance de desenvolvimento de CCU.2 A maioria das infecções por HPV, incluindo aquelas com genótipos cancerígenos, normalmente se resolve em 12 meses. Durante essas infecções cervicais, anormalidades citológicas podem ser clinicamente detectáveis na triagem, mas geralmente são transitórias. Porém, aquelas que persistem por mais de 12 meses possuem chance aumentada de lesões pré- cancerosas ou cancerosas propriamente ditas. Nos Estados Unidos da América (EUA), a idade média das lesões do colo do útero se dá após aproximadamente 10 anos do início da vida sexual.

Em estimativa mundial, a infecção viral tem incidência em população feminina na faixa dos 25 anos, seguindo um padrão linear após essa idade.2

Os papilomas vírus humanos são vírus de ácido desoxirribonucleico (DNA) de fita dupla, que constituem o gênero Papillomavirus da família Papillomaviridae. Esses vírus são altamente específicos para cada espécie, infectando, nesse caso, apenas humanos em seus epitélios cutâneo e mucoso. Ele é capaz de provocar patologias de grande morbimortalidade, incluindo lesões benignas ou cânceres.2

Existem mais de 200 tipos de HPVs, podendo ser divididos em categorias cutâneas ou mucosas com base no seu tropismo tecidual, associando-se a diferentes doenças. 3 A infecção cutânea pelo HPV tem predileção pelo epitélio cutâneo e é encontrada em verrugas plantares (HPV tipos 1, 2 e 4), verrugas comuns (os mesmos tipos da anterior), verrugas planas (HPV tipos 3 e 10). Já a infecção do epitélio anogenital (mucosa) compreende tipos de HPV – mais de 35 – com predileção por pele queratinizada anogenital, também afetando a membrana mucosa. Os locais comuns incluem colo do útero, vulva, introito vaginal, região perianal, canal anal, períneo, bolsa escrotal e pênis.3

A doença anogenital se manifesta de acordo com o tipo de HPV, podendo ser:

  • Verrugas genitais (condiloma acuminado): benignas e causadas mais frequentemente pelos HPVs tipos 6 e 11.3
  • Lesões intraepiteliais escamosas e/ou carcinoma (CA) da vagina/vulva/colo do útero/ânus/pênis: aproximadamente 15 tipos de HPV são associados ao câncer e identificados como de alto risco. O mais comum é o 16, sendo associado ao maior risco de progressão para câncer.3
  • Outras superfícies mucosas: o HPV tipo 16 pode infectar também a mucosa oral, sendo associado ao carcinoma espinocelular da cavidade oral.3

As evidências que ligam o HPV ao carcinoma cervical são muitas, com praticamente todos os casos dessa patologia atribuíveis à infecção por HPV, sendo majoritariamente o HPV 16 responsável por 50% dos casos, seguido pelo HPV 18 em 20%. Estima-se que os tipos 31, 33, 45, 52 e 58 causem 19% adicionais. O restante se enquadra nos tipos 35, 39, 51, 56, 59, 68, 73, 82. Diferentemente dos sorotipos de baixo risco, os oncogênicos podem integrar-se ao genoma humano, também impulsionados pelas oncoproteínas do HPV. Com a infecção do vírus, as proteínas de replicação inicial do HPV de alto risco permitem que o vírus de replique no interior das células cervicais, podendo causar alterações citológicas detectadas como lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau (LIBEG) em exame de preventivo. As proteínas mais envolvidas nesse processo são as E1 e E2.3,9

Há destacados cofatores associados à progressão da doença, sendo eles: infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), variações genéticas nas células somáticas, seguido de condições que favoreçam a supressão do sistema imune, como tabagismo, multiparidade, uso prolongado de contraceptivos orais, início precoce de atividade sexual (< 16 anos), grande número de parceiros sexuais ao longo da vida.4

1.3            Tipos e Forma de Evolução do Câncer de Colo de Útero

O câncer do colo do útero apresenta-se de forma assintomática ou pouco sintomática em sua fase inicial, muitas vezes deixando passar ou espaçando a procura pelo rastreamento. O crescimento do câncer é local atingindo vagina, tecidos paracervicais e paramétrios, podendo evoluir com comprometimento de ureteres, bexiga e reto. O envolvimento ovariano por extensão direta do câncer cervical é raro, e metástases ovarianas ocorrem em aproximadamente 0,5% dos carcinomas de células escamosas e 1,7% dos adenocarcinomas. Sua disseminação é linfática, compreendendo de forma inicial linfonodos pélvicos e, posteriormente, para-aórticos, também podendo ser classificada em hematogênica. Nesse caso, os locais mais comuns de disseminação hematogênica são pulmões, fígado e ossos; o intestino, as glândulas supra-renais, o baço e o cérebro são locais menos frequentes.5,7

O quadro clínico vai depender da localização e da extensão da lesão. Pode evoluir com corrimento vaginal amarelado, sanguinolento e com odor forte/fétido, escapes menstruais, alteração de ciclos menstruais, dispareunia, sangramento pós-coito, dores crônicas pélvicas e em baixo ventre. No câncer mais avançado a paciente pode evoluir com piora dos sintomas, exacerbando a dor pélvica, cursando com anemia devido sangramento e tecido friável, lombalgia por acometimento ureteral e até mesmo parede pélvica, disfunções miccionais por comprometimento da bexiga, alterações de hábitos intestinais devido invasão do reto.5

Dentre os subtipos histológicos mais comuns de CCU existem o carcinoma de células escamosas (epidermoide) e o adenocarcinoma. Desses, os tumores de células escamosas são a maioria, aproximadamente 75% de todos os CCU, e iniciando na ectocérvice. Eles podem ser divididos em queratinizante, não queratinizante e papilar. Os adenocarcinomas compreendem em torno de 20-25% dos CCU, surgindo de células colunares produtoras de muco da endocérvice. São classificados como mucinoso, endometrioide, seroso, células claras e mesonéfrico. Por originar na endocérvice, os adenocarcinomas frequentemente são ocultos e podem ser descobertos já em estágio avançado. Há outros tipos de câncer de colo de útero, sendo eles carcinomas mistos do colo uterino, tumores neuroendócrinos, e outros, como sarcoma, linfomas e melanomas, que, por sua pouca incidência, não serão abordados nos dados estatísticos.9

1.4            Prevenção e Tratamento do Câncer de Colo de Útero

O câncer cervical é considerado passível de erradicação e/ou de prevenção pela vacinação contra os tipos de HPV oncogênicos mais prevalentes. A introdução da vacina no calendário do Sistema Único de Saúde (SUS) ocorreu em 2014. É indicada para meninas e

meninos de 9 a 14 anos com esquema de duas doses, mulheres e homens que vivem com HIV, transplantados de órgãos sólidos, de medula óssea ou pacientes oncológicos na faixa etária de 9-45 anos, com esquema de três doses – 0, 2 e 6 meses. Porém, segundo a nota técnica de abril de 2024, o Ministério da Saúde modificou o esquema vacinal para uma única dose da vacina de HPV para adolescentes de 9 a 14 anos, tanto meninas quanto meninos. As demais classes como imunossuprimidos e vítimas de violência sexual terão os esquemas anteriores mantidos.5,11

Associado à vacinação recomenda-se o rastreamento de lesões precursoras, atualmente realizado com o exame citológico (Papanicolau), que é realizado regularmente nos serviços públicos de saúde desde a década de 1990, haja vista a vacina não prevenir infecções causadas por todos os tipos de HPV. A vacina tetravalente apresenta proteção contra subtipos de HPV 6, 11, 16 e 18. Há atualmente a vacina para HPV nonavalente, porém ainda não está disponível pelo SUS, sendo ela passível de proteção contra os tipos 6, 11, 16, 18, 31, 33, 45, 52 e 58.5,3

Mesmo em se tratando de mulheres vacinadas, quando na idade recomendada pelo Ministério da Saúde (MS), deverão realizar o exame de Papanicolau – preventivo, que engloba mulheres de 25 a 64 anos de idade. A rotina se dá por repetição a cada três anos, após dois exames normais consecutivos realizados com um intervalo de um ano. Em caso de alteração no resultado, a conduta é específica.5

As atuais nomenclaturas citopatológicas e histopatológicas utilizadas para classificação de alterações do exame Papanicolau são da Classificação Citológica Brasileira (2006). Essa compreende: alterações benignas, atipias de significado indeterminado, lesões intraepiteliais de baixo grau, lesões intraepiteliais de alto grau, adenocarcinoma in situ, carcinoma invasor, como exemplificada na figura 2. Também existe a classificação histológica de Richart (1967), introduzindo o termo neoplasia intra-epitelial cervical (NIC) para indicar uma gama de atipias celulares limitadas ao epitélio. Foi dividida em NIC 1 – displasia leve, NIC 2 – displasia moderada, NIC 3 – displasia grave e ao carcinoma invasor.6,16

Em relação à presença de alterações como lesão de alto grau ou de persistência de lesão de baixo grau em exame Papanicolau, é necessário aprofundar investigação com colposcopia, visando possível conduta cirúrgica com biópsia ou excisão da lesão. Se biópsia confirmando o diagnóstico de CCU, trata-se com excisão da zona de transformação (EZT) ou conização (carcinoma in situ).6

Figura 2 – Aparência do colo do útero normal e com lesões precursoras e câncer

Fonte: Boletim temático da Biblioteca do Ministério da Saúde – Volume 3 n.º 1 | abr. 2023 – Secretaria-Executiva Ministério da Saúde – versão eletrônica – adaptado de biology- forums.com.

Como alternativa para captação de paciente, tratamento eficaz e melhor seguimento, as diretrizes de 2016 sobre o rastreamento de câncer cervical do MS possuem a opção de “Ver e Tratar”, consistindo em realização da EZT independentemente do resultado da biópsia prévia realizada. Essa é recomendada para pacientes com citologia com lesão intraepitelial escamosa de alto grau (HSIL), colposcopia com achados anormais maiores, junção escamocolunar (JEC) visível, lesão restrita ao colo e ausência de suspeita de invasão ou doença glandular.6

Já em casos de diagnóstico firmado de CCU e considerando seu estadiamento, condições clínicas e desejo reprodutivo, o tratamento varia entre abordagem cirúrgica, quimioterapia, radioterapia/braquiterapia, ou combinação desses.6

Tabela 1 – Estadiamento do Câncer de Colo de Útero

ESTADIAMENTO CÂNCER DE COLO DE ÚTERO – FIGO – 2019
ICarcinoma confinado ao colo do útero – deve-se desconsiderar a extensão em relação ao corpo uterino
IACarcinoma diagnosticado apenas por microscopia, com profundidade máxima de invasão menor ou igual a 5 mm*
IA1Invasão mensurada de estroma menor ou igual a 3mm de profundidade
IA2Invasão mensurada de estroma > 3 mm e menor ou igual a 5 mm de profundidade
IBInvasão mais profunda medida de > 5 mm (ou seja, mais profunda que estágio IA) com lesão limitada à cérvice **
IB1Lesão > 5mm de profundidade e < ou = 2cm na maior dimensão
IB2Lesões > 2 e <= 4cm na maior dimensão
IB3Lesão > 4cm na maior dimensão
IIExtensão além do útero, mas não até a parede pélvica ou até o terço inferior da vagina
IIALimitado a 2/3 superiores da vagina sem envolvimento parametrial
IIA1Lesão menor ou igual a 4cm na maior dimensão
IIA2Lesão >4cm na maior dimensão
IIBEnvolvimento parametrial, mas não até a parede pélvica
  IIIExtensão até a parede pélvica e/ou envolvimento do terço inferior da vagina, e/ou causa hidronefrose ou rim não funcional, e/ou envolve linfonodos pélvicos e/ou para-aórticos
IIIAExtensão até o terço inferior da vagina, mas não até a parede pélvica
IIIBExtensão até a parede pélvica e/ou causa hidronefrose ou rim não funcional (a menos que se saiba que é devido a outra causa)
IIIC***Envolve os linfonodos pélvicos e/ou para-aórticos, independentemente do tamanho e extensão do tumor (com as notações r e p)
IIIC1Apenas metástases nos linfonodos pélvicos
IIIC2Metástases nos linfonodos para-aórticos
IVExtensão para além da pelve verdadeira, ou envolvimento comprovado por biópsia da bexiga ou mucosa retal
IVADisseminação em órgãos pélvicos adjacentes
IVBDisseminação para órgãos distantes

Fonte: based on Bhatla N, Aoki D, Sharma DN, et al: Cancer of the cervix uteri: 2021 update. Int J Gynaecol Obstet 155 Suppl 1:28-44, 2021. doi: 10.1002/ijgo.13865 – Traduzido por Manual MSD – versão para profissionais de saúde

* Podem ser realizados exames de imagem e de patologia, se disponíveis, para complementar os achados clínicos ao determinar o tamanho e a extensão do tumor em todos os estágios. Os achados patológicos substituem os achados clínicos e de imagem. Deve-se medir a profundidade da invasão a partir da base do epitélio (superfície ou glandular) de onde se origina.

** O envolvimento do espaço vascular (venoso ou linfático) não deve alterar o estadiamento. A extensão lateral da lesão não é mais considerada.

*** Deve-se acrescentar a notação r (exames de imagem) e/ou p (patologia) para indicar os métodos utilizados para atribuir o estádio IIIC (por exemplo, estádio IIICp). Deve-se sempre documentar o tipo de técnica de imagem ou patologia utilizada. Se o estádio não está claro, deve-se atribuir o estádio mais baixo.

Como uma atual alternativa para rastreamento de câncer de colo uterino em mulheres acima de 30 anos de idade, a implementação de testes que detectam o DNA HPV de alto risco (teste de HPV), aplicados sistematicamente em intervalos longos, tem sido escolha em países de alta renda, com resultados mais sensíveis que a citologia, detectando 60-70% mais casos de doença invasiva, além de mais lesões precursoras de adenocarcinoma (in situ). Desde 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o rastreamento baseado em teste de HPV, quando disponível. O grande desafio de países de baixa renda como o Brasil é o custo- efetividade, sendo difícil o acesso das mulheres ao rastreamento e à referência para investigação e tratamento, além de descontrole em relação ao intervalo entre os testes.1

A atual estratégia global encabeçada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) visa acelerar a eliminação da doença como problema de saúde pública. Com isso, foram propostas metas até 2030, sendo elas ter 90% das meninas totalmente vacinadas contra HPV aos 15 anos, 70% das mulheres submetidas a um teste de rastreamento de alta performance aos 35 anos e aos 45 anos, e 90% das mulheres identificadas com lesões precursoras e câncer recebendo tratamento.4

1.5            Objetivo deste Estudo

Destacando a relevância epidemiológica do câncer cervical, o presente estudo tem como objetivo analisar a incidência dos cânceres de colo de útero Adenocarcinoma in Situ, Adenocarcinoma Invasor e Epidermoide Invasor no Brasil entre os anos de 2014 e 2023, buscando avaliar os locais com maior acometimento populacional da neoplasia, verificar em qual idade e em qual raça se tem maior incidência e comparar os dados do Distrito Federal com as demais unidades federativas do Brasil de forma consolidada.

Este estudo se justifica devido ao aumento de casos de incidência – e consequentemente da incidência – do CCU, que é um tipo de câncer evitável devido ao fator de risco e patógeno relacionado ao desenvolvimento do mesmo ser a infecção por HPV. Caracteriza-se o CCU como de longa duração, devido alterações gradativas de lesões de alto grau até estágios mais avançados, com uma média de 10 anos. Com isso, busca-se incentivar consultas regulares com médicos da família e coleta de exames com enfermeiros capacitados, no qual, havendo alterações primárias de resultados, seja possível encaminhamento à rede de atenção secundária, e até terciária, se preciso, para acompanhamento na oncoginecologia. Bem como busca incentivar a vacinação como forma primária de prevenção contra o CCU e contra lesões de HPV, tanto de baixo grau quanto de alto grau, sendo possível o uso do trabalho em estratégias do Governo Federal e do Sistema Único de Saúde (SUS) para ampliação dos programas de saúde em ações contra o HPV, pois, ao mensurar sua incidência no Brasil, por região geográfica, idade e raça, é possível concentrar os esforços para sua prevenção e futura erradicação nos públicos-alvo mais atingidos pela doença, dirimindo a ocorrência do vírus.

2     METODOLOGIA:

Trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal descritivo, com recorte temporal de 2014 a 2023, realizado através de dados secundários do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), Sistema de Informação do Câncer (SISCAN), onde os resultados dos exames citológicos do colo do útero são registrados em um formulário padronizado nacionalmente para captação dos dados a serem informados.

As seguintes variáveis foram analisadas: incidência de carcinoma epidermoide invasor, incidência de adenocarcinoma in situ e incidência de adenocarcinoma invasor durante o período de 2014-2023, de acordo com a unidade federativa de referência, sendo englobadas todas as do Brasil e acrescentado o Distrito Federal. Foram avaliadas as incidências dessas lesões por faixa etária, por raça e o ano de sua competência. Níveis de escolaridade não foram acrescentados devido falta de registro em DATASUS, e os dados de incidência dos carcinomas não foram comparados com a quantidade populacional de cada região.

Os dados foram coletados dos 26 estados do Brasil e do Distrito Federal, totalizando, então, 27 unidades federativas para comparação e foi comparada a incidência dos casos dos 26 estados de forma consolidada com o Distrito Federal. Além disso, foi utilizada também a classificação em regiões do Brasil, sendo elas distribuídas em:

  • Norte: Amazonas, Pará, Roraima, Amapá, Rondônia, Acre e Tocantins;
  • Nordeste: Piauí, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Ceará, Bahia, Alagoas e Sergipe;
  • Centro-Oeste: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás;
  • Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais;
  • Sul: Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

Por ser um estudo que não envolve diretamente seres humanos e utiliza dados secundários de domínio público pertencentes ao SUS, não houve necessidade de submissão e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), segundo a Portaria nº 466/2012.

3     RESULTADOS E DISCUSSÕES:
3.1        Carcinoma Epidermoide Invasor
Tabela 2 – Carcinoma Epidermoide Invasor – Distribuição no Brasil 
 Quantidade%
Incidência de Carcinoma Epidermoide Invasor no DF891,19%
Incidência de Carcinoma Epidermoide Invasor nos Demais Estados739398,81%
Região Norte103813,87%
Região Nordeste220429,46%
Região Centro-Oeste (excluindo o DF)6769,04%
Região Sudeste205827,51%
Região Sul141718,94%
Total7482100.0%

A tabela 2 evidencia as cinco regiões do Brasil, distinguindo-se o Distrito Federal, para avaliação da incidência de casos de câncer de colo de útero tipo epidermoide invasor ocorridos no período de 2014 a 2023. É visto que a maior incidência se encontra na região Nordeste, que possui 29,46% de todos os casos deste tipo de câncer do Brasil, totalizando 2204 casos na região. O Nordeste é seguido muito proximamente pelo Sudeste, que apresentou 27,51% dos casos no Brasil, totalizando 2058.As demais regiões seguem a ordem: Sul com 1417 casos, Norte com 1038 e o Centro-Oeste (excluindo os dados do DF) com 676. O Distrito Federal compreende apenas 1,19% dos casos no Brasil, até por conta do seu tamanho em relação às demais unidades federativas, com uma quantidade de 89 casos, como pode-se verificar também na figura 3 onde está apresentada a distribuição dos casos no Brasil.

Figura 3 – Carcinoma Epidermoide Invasor – distribuição no Brasil

Em se tratando da incidência do carcinoma epidermoide invasor no Brasil e no Distrito Federal distribuído por faixa etária, a figura 4 demonstra que a idade mais acometida nas unidades federativas do Brasil de forma consolidada e excluindo o DF está entre 50 e 59 anos (24,41%), seguindo-se de 40-49 anos (22,26%), 60-69 anos (19,33%), 35-39 anos (10,01%) e 70-79 anos (9,70%).

Figura 4 – Carcinoma Epidermoide Invasor distribuído por faixa etária

Já no DF é observado que a incidência de carcinoma epidermoide invasor distribui-se pelas idades de 50-59 anos (28,09%), 40-49 anos (26,97%), se iguala entre as idades 35-39 anos

e 60-69 anos com 14,61% dos casos, seguidos por 30-34 anos (8,99%). As idades entre 0 e 24 anos não obtiveram incidência deste tipo de carcinoma, assim como as mulheres acima de 79 anos. A tabela 3 apresenta os dados em numerais da incidência do carcinoma epidermoide invasor distribuído por região e por faixa etária.

Tabela 3 – Carcinoma Epidermoide Invasor distribuído por faixa etária e região anos

Quando se compara os dados do Brasil (excluindo o DF) com os dados do Distrito Federal, vê-se que a maior incidência do carcinoma epidermoide invasor no consolidado do Brasil é a partir de 35 anos até acima dos 79 anos, somando 89,26% dos casos deste câncer, se diferenciando do Distrito Federal, que obteve o maior somatório de sua incidência mais cedo, entre 25 e 59 anos, que apresentam 82,02% dos casos e, quando acrescentada a faixa etária de 60 a 69 anos, demostra quase a totalidade dos casos, ou seja, 96,63% da incidência deste tipo de câncer no DF.

Em se tratando dos casos de CA epidermoide ao longo dos anos, no Brasil, o ano de 2019 foi o ano de maiores diagnósticos da patologia, com 953 casos, decrescendo até 2022, e atingindo novo pico em 2023, com 920 casos, conforme apresentado na figura 5.

Figura 5 – Incidência de Carcinoma Epidermoide Invasor por Ano no Brasil e no DF

No DF, o ano com maior número de casos também foi 2019, com 19 casos relatados. Obteve-se queda posteriormente, voltando a elevar em 2022, com 17 casos, e em 2023, com 18 casos. Para ambos os casos de queda na incidência do carcinoma epidermoide invasor no ano de 2020 demonstrado na figura 2, tanto para os estados do Brasil, quanto para a queda visualizada no Distrito Federal, a pandemia iniciada também no ano de 2020 devido ao vírus SARS-CoV-2 pode ter sido um dos fatores que influenciou a queda do número, uma vez que foi indicado a população como um todo que não saísse de casa – conforme protocolo “A quarentena na COVID19: orientações e estratégias de cuidado” – Ministério da Saúde e Fio Cruz em 2020, podendo ter atrasado a identificação e, por conseguinte, o tratamento da doença.

Com relação a incidência do carcinoma epidermoide invasor por raça, verifica-se na figura 6 que no Brasil, a incidência foi, em sua maioria, para raça branca, totalizando 35,74% do total de ocorrências, seguida bem de perto pela raça amarela (33,11%), as demais raças seguiram a seguinte ordem: parda com18,17%, registros sem informação totalizaram 6,09%, preta com 6,05% e, por fim, a indígena com 0,85%.

Figura 6 – Incidência de Carcinoma Epidermoide Invasor por raça no Brasil e no DF

Também na figura 6, percebe-se que, no Distrito Federal, diferente do que ocorre no consolidado dos demais estados do Brasil, a maior incidência deu-se na raça amarela, que totalizou 60,67% das ocorrências deste tipo de CCU, seguindo-se para raça branca com 22,47%, posteriormente pela parda com 11,24% e, por fim, pela preta com apenas 5,62%, percentual muito semelhante ao percentual da raça preta no consolidado dos estados do Brasil (6,05%).

3.2        Adenocarcinoma in Situ

Observa-se na tabela 4 e na figura 7 deste trabalho que, em se tratando de adenocarcinoma in situ e sua distribuição por idade, a maior incidência da doença no Brasil encontra-se entre a faixa etária de 40-49 anos, com 31,49% e totalizando 821 casos, assim como também é a maior faixa etária acometida no DF, totalizando 14 casos com percentual de 37,84%.

Tabela 4 – Incidência de Adenocarcinoma in Situ por idade e região do Brasil.

Figura 7 – Carcinoma Adenocarcinoma in Situ distribuído por faixa etária

Em seguimento, percebe-se que no Brasil a incidência por idade do adenocarcinoma in situ tem a segunda maior incidência na faixa etária de 50 a 59 anos com 21,75% dos casos, seguido pela faixa etária de 35 a 39 anos com 15,96%, a de 30 a 34 anos com 11,70% e a de 60 a 69 anos com 9,78%.

Em relação ao Distrito Federal, em sequência à incidência de 40 a 49 anos que obteve o maior acometimento da doença, têm-se a faixa etária de 35 a 39 anos com 35,17% dos casos, a de 50 a 59 anos com18,92%, e a de 60 a 69 anos com apenas 5,41%. As idades de 15 a 29 anos e de 70 a acima de 79 anos de idade não apresentaram casos da doença no Distrito Federal. Com isso, durante o período analisado, o total de adenocarcinoma in situ no DF entre os anos de 2014 e 2023 foram de 37 casos.

É possível detalhar, inclusive, a existência desse câncer entre as faixas etárias de 15-19 anos, com 1 caso no Nordeste e 1 caso no Centro-Oeste (excetuando-se o DF), bem como as faixas etárias de 20-24 anos, com 6 casos no Norte, 5 no Nordeste, 3 no Centro-Oeste (excetuando-se DF), 13 no Sudeste e 14 no Sul. Essas faixas etárias inferiores aos 25 anos não são consideradas pelo governo como as faixas de risco.2

Quando se compara a incidência do adenocarcinoma in situ do consolidado dos estados com o Distrito Federal, destaca-se a faixa etária de 30 a 34 anos onde, no primeiro, o acometimento foi de 11,70% do total de casos e no segundo de apenas 2,70%. Já na faixa etária de 35 a 39 anos, vê-se o contrário, no Distrito Federal o percentual de acometimento deste CCUf oi mais que o dobro do percentual no Brasil, sendo o primeiro 35,14% dos casos e no segundo 15,96%.

Na figura 8, em relação às regiões do Brasil, o adenocarcinoma in situ possui maior incidência, respectivamente: Sudeste (35,51% | 939 casos), Nordeste (22,92% | 606 casos), Sul (20,12% | 532 casos), Norte (14,03% | 371) e Centro-Oeste (7,41% | 196 casos já contando o DF, que compreende 37 casos). A maior incidência do câncer se encontra na região Sudeste do Brasil, com idades entre 40-49 anos, seguida de 50-59 anos, 35-39 anos, 30-34 anos, 60-69 anos, 25-29 anos, 70-79 anos, 20-24 anos. A faixa etária de 15-19 anos não apresentou diagnóstico para adenocarcinoma in situ.

Figura 8 – Adenocarcinoma in situ – Distribuição regional no Brasil

Na figura 9, vê-se que houve uma crescente na ocorrência do diagnóstico do adenocarcinoma in situ no Brasil nos últimos 3 anos, onde sua maior incidência foi no ano de 2023 com 504 casos, seguindo-se de 2022 com 360 casos e 2021 com 314 casos. Observa-se um pico de casos também no ano de 2018, com 293 casos.

Figura 9 – Adenocarcinoma in Situ por Ano

Já no DF, a primeira ocorrência do adenocarcinoma in situ entre os anos de 2014 e 2023 foi em 2018, com apenas 1 caso. Após esse primeiro caso, os demais anos subsequentes sempre apresentaram diagnóstico desse CCU, com pico no ano de 2022, com 13 casos relatados. Percebe-se ainda uma queda na ocorrência dos casos no ano de 2020, com apenas 2 ocorrências, estando abaixo da média de ocorrências entre os anos de 2019 e 2023, média esta de 7 casos por ano.

Com relação à distribuição da incidência de adenocarcinoma in situ por raça, extrai-se da tabela 10 que no Brasil (excluindo o DF) apresenta-se maior nas mulheres que se declaram brancas, com 38,97% dos casos, seguindo-se pelas mulheres amarelas com32,68% dos casos, as pardas com 17,30%, as pretas com 6,14%, sem informação declarada foram 4,53% dos casos, e, por fim, 0,38% dos casos para as mulheres indígenas.

Figura 10 – Adenocarcinoma in Situ por Raça no Brasil

Já no DF, essa incidência se difere do consolidado dos estados brasileiros ao possuir mais da metade do percentual de incidência para a raça amarela, totalizando 70,27% dos casos no DF em comparação a 32,68% de raça amarela no Brasil. Destaca-se também a ocorrência do CCU na raça branca, que no DF teve incidência de 13,51% dos casos e no consolidado do Brasil (excluindo o DF) foi de 38,97%.

3.3        Adenocarcinoma Invasor

Entre as idades mais acometidas pelo adenocarcinoma invasor por idade no Brasil (excluindo o DF) têm-se: 60-69 anos (23,36%), seguida de 50-59 anos (20,40%), seguidos de 70-79 anos, acima de 79 anos, decrescendo, então, nas idades inferiores a 49 anos, com apenas um caso relatado entre 15 e 19 anos (0,05%), vide figura 11.

Figura 11 – Adenocarcinoma invasor por idade

Já no DF, a idade com maior incidência de adenocarcinoma invasor é de 50-59 anos (21,88%), tendo maior acometimento também a partir dessa idade até acima de 79 anos (14,06%). Assim como vê-se no consolidado dos demais estados brasileiros, os menores casos decrescem nas idades inferiores a 49 anos, com casos relatados até a faixa etária de 25 a 29 anos (3,13%).

Em relação ao adenocarcinoma invasor por idade e região do Brasil, verifica-se na tabela 5, que o maior número de casos é no Sudeste, com um total de 808, sendo a idade mais acometida nesta região pela patologia a de 50 a 59 anos de idade. Em seguimento têm-se: o Nordeste com 543 casos e idade prevalente de 40 a 49 anos; o Sul, com 318 casos e idade mais diagnosticada com 50 a 59 anos; o Centro-Oeste (com o DF), totalizando 198 casos e idade prevalente de 40 a 49 anos; e, por último, o Norte, com 123 casos e maior idade sendo 40 a 49 anos.

Tabela 5 – Incidência de Adenocarcinoma Invasor por Idade e Região

No DF, as idades mais acometidas pelo adenocarcinoma invasor são 40 a 49 anos com 14 casos e 60 a 69 anos com 12 casos. Não há relatados de casos entre 10 e 19 anos de idade. O DF comporta 3,22% dos casos desse câncer no Brasil, com um total de 64 diagnósticos dele e, conforme demonstra a figura 12, 40,60% dos casos de adenocarcinoma invasor estão localizados na região Sudeste.

Figura 12 – Adenocarcinoma invasor por região no Brasil

No Brasil (excluindo o DF), o ano com maiores diagnósticos de adenocarcinoma invasor foi o ano de 2019, decrescendo significativamente em 2020, assim como foi verificado nos

demais tipos de HPV avaliados neste estudo (epidermoide invasor e epidermoide in situ) e voltando a aumentar após esse ano, com novo pico em 2023, com 246 casos, vide figura 13.

Figura 13 – Adenocarcinoma invasor por Ano

Já no DF, a maior incidência dos casos de adenocarcinoma invasor foi no ano de 2018, com 15 casos, com média de 9 casos por ano entre 2017 e 2023, com uma posterior máxima em 2023 com 13 casos.

No quesito raça, observa-se na figura 14 que a mais acometida no Brasil (excluindo o DF) pelo câncer de colo de útero tipo adenocarcinoma invasor foi a branca, com 42,4% dos casos, seguida da amarela com 26,38% dos casos, a parda com 16,56% dos casos, a preta com 7,32% dos casos, e finalizando com 6,59% sem informação e 0,21% de casos com mulheres indígenas.

Figura 14 – Adenocarcinoma invasor por Raça

No DF, a raça mais diagnosticada com o CCU tipo adenocarcinoma invasor foi a amarela com 53,13%, assim como foi observado nos demais carcinomas avaliados neste estudo, seguida da branca com 20,31%, mulheres sem informação são 10,94%, raça parda com 9,38%, e raça preta com 6,25%. Indígenas não foram diagnosticadas com essa patologia no Distrito Federal segundo os dados coletados. No total, foram 64 registros de CA adenocarcinoma invasor no DF para entre os anos de 2014 e 2023.

3.4        Conjunto dos Achados

Ao se comparar a incidência dos três principais tipos de CCU no Brasil, verifica-se na figura 15 que o CA epidermoide invasor foi o que obteve maior quantidade de diagnóstico entre os anos de 2014 e 2023 no Brasil, com 61,75% do somatório dos três, seguido pelo adenocarcinoma in Situ com 21,82% e pelo adenocarcinoma invasor com 16,42% dos casos, sendo o câncer de menor ocorrência no Brasil entre os três examinados neste trabalho.

Figura 15 – Distribuição dos três tipos de câncer de colo de útero deste estudo no Brasil

Em se tratando da incidência do epidermoide invasor, do adenocarcinoma in situ e do adenocarcinoma invasor por região geográfica do Brasil, verificou-se que os dois últimos apresentaram maior ocorrência no Sudeste, seguido pelo Nordeste, indo em concordância com a quantidade de mulheres por região no Brasil que, conforme vê-se na figura 16, também possui maior quantidade primeiramente na região Sudeste que, conforme censo do IBGE 2022, possui 42,07% de todas as mulheres no Brasil, seguida do Nordeste que possui 27,01%. Já o epidermoide invasor obteve maior incidência no Nordeste (29,45%), seguido de perto pelo Sudeste (27,50%), divergindo dos demais HPVs avaliados neste estudo e da distribuição das mulheres no Brasil conforme figura 16.

Figura 16 – Quantidade de Mulheres por Região do Brasil

Fonte: Sistema IBGE de Recuperação Automática – Tabela 9514 – População residente, por sexo, idade e forma de declaração da idade

No que tange a incidência dos carcinomas por faixa etária, observou-se que a maior parte da incidência dos HPVs avaliados neste estudo se deu entre 30 e 79 anos, sendo essa faixa etária responsável por 92,77% dos casos para o CA epidermoide invasor, 93,27% para o adenocarcinoma in situ e 89,25% para o adenocarcinoma invasor.

Há, em todos os três CAs avaliados neste estudo, casos de pacientes diagnosticadas abaixo dos 25 anos de idade, que é a idade recomendada pelo Ministério da Saúde para início de coleta de preventivo, bem como casos relatados acima de 64 anos de idade, sendo a recomendação de idade final para coleta do citopatológico. Para os três CAs, a ocorrência em mulheres na faixa etária inferior a 19 anos foi rara, somando apenas 8 casos para epidermoide invasor, 2 casos para o adenocarcinoma in situ e 1 para o adenocarcinoma invasor.

Em todos os CAs avaliados, houve um decréscimo nos diagnósticos no ano de 2020, coincidindo com o início do período de pandemia do vírus SARS-CoV-2, ou COVID19, podendo essa ser uma justificativa para tal queda nos números. Após esse ano, também foi possível perceber retorno no aumento no diagnóstico da doença.

A raça mais acometida pelas três doenças no Brasil (excluindo o DF) foi a raça branca, sempre seguida pela amarela e depois pela parda, porém, para o Distrito Federal, percebeu-se que para todos os três tipos de CAs avaliados, a raça que predominou a ocorrência de casos foi a amarela (apresentando os seguintes percentuais: 60,67% no epidermoide invasor, 70,27% no adenocarcinoma in situ e 53,12% no adenocarcinoma invasor), seguida da branca.

3.4.1   Vacinação e Expectativa de Erradicação

Em se tratando de vacinação e expectativa para erradicação do CCU, sabe-se que em 2023 foram aplicadas mais de 6,1 milhões de doses de vacina contra o papilomavírus humano. O número de doses aplicadas vinha decrescendo desde 2018 – 5,1 milhões, chegando a 4 milhões de doses em 2022. Acredita-se que a procura pela vacinação tenha sido impulsionada pelas atividades de conscientização e movimento nacional pela vacinação dos Estados e Municípios do Brasil, junto ao Ministério da Saúde.11

A adoção de esquema único para meninos e meninas de 9 a 14 anos tem também como objetivo alcançar uma maior adesão à vacinação, aumento da cobertura vacinal, melhor logística e facilidade da introdução da vacina HPV em programas para imunização no país, e, principalmente, combater de forma ativa a eliminação do câncer de colo do útero. Conjuntamente com essa mudança, é orientado fazer busca ativa de adolescentes com 19 anos que não tenham sido vacinados, a fim de incluí-los na oportunidade de se vacinarem.11,14

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), é estimado que até 2030 90% das meninas completem esquema vacinal aos 15 anos de idade; 70% das mulheres passem por teste de alta qualidade aos 35 anos e, novamente, aos 45 anos; e que 90% das mulheres com diagnóstico de CCU estejam em tratamento.12,13

Esse trabalho pode ser utilizado para promover a discussão em relação ao marketing social do Brasil sobre a vacinação e demais orientações sobre HPV e seus possíveis desfechos. Muitos empecilhos são colocados quando em relação à vacinação devido o desconhecimento sobre o HPV, suas possíveis complicações e quadro clínico, sobre a vacina, também associando baixo engajamento de profissionais de saúde, dificuldade de acesso e políticas deficientes. A forma mais comum de divulgação de informações é por materiais fixados em postos de saúde, não atingindo o público final de forma eficaz.15

Na Austrália, por exemplo, como parte do programa de vacinação, o governo local criou um registro nacional de exames de saúde da mulher, com comunicação realizada por correios contendo cartas de convite para realização de exames, acompanhamento ou lembretes. Para tornar ainda mais acessível, foi criado um website com informações sobre o HPV e vacinação, telefone para chamadas gratuitas para informações adicionais, além de realizações de workshops eventuais e mensagens eletrônicas com informações sobre o programa, aumentando em 15% a realização de exames e em 21% a adesão ao seguimento.15

Já no México, o investimento em marketing social do sistema de saúde local foi através da campanha de vacinação gratuita em escolas, mediante autorização dos pais e comunicação prévia, além de outros comuns tipos de campanhas públicas.15

Figura 17 – Gráfico de Pareto – Problemas que mais impactam a adesão à campanha de vacinação contra HPV no Brasil.

Fonte: Imunização do HPV no Brasil e propostas para aumento da adesão à campanha de vacinação – Rev. Saúde Pública. 2023;57:79

A figura 17 mostra o impacto das principais causas de não adesão à vacinação HPV de forma isolada e acumulada, sendo elas: desconhecimento da doença e da vacina, hesitação do público, baixo engajamento de profissionais de saúde, dificuldade de acesso, alcance da promoção, políticas deficientes. O gráfico orienta sobre quais causa devem ser priorizadas em um plano de ação. É inferido que a atenção aplicada ao foco em dificuldade de acesso e o alcance da promoção poderiam resolver os principais desafios da não adesão às orientações do ministério da saúde quanto ao HPV.15

Em se tratando da mudança de testes diagnósticos para melhor cobertura de rastreamento do HPV, foi publicada nota técnica em 08 de março de 2024 incorporando testes moleculares para detecção de HPV oncogênico (DNA-HPV) no âmbito do Sistema Único de Saúde. Para isso, sabe-se que autoridades de gestão tanto estadual quanto municipal terão de reorganizar serviços, fluxos, oferta de procedimentos, além de capacitação profissional para essa introdução de novo método de rastreamento.14 O presente trabalho está em consonância com a orientação de que os métodos anteriormente utilizados, principalmente o citopatológico, podem ser trocados para o de DNA-HPV, haja vista as evidências de resultados mais sensíveis que a citologia, detectando 60-70% mais casos de doença invasiva, além de mais lesões precursoras de adenocarcinoma (in situ).1,14

Em se tratando do exame citopatológico, foi demonstrada que o CCU foi mais prevalente a partir dos 25 até os 69 anos. Essa informação está em consonância com a literatura, que mostra que há elevada incidência do HPV entre mulheres menores de 25 anos, sendo próxima a 55%, todavia raros casos evoluirão para CCU antes dessa idade, sendo a maioria diagnosticada após os 40 anos. Tal fenômeno é explicado pelo longo tempo entre o contágio – momento em que a paciente contrai o vírus – até a evolução para o câncer propriamente dito, que é um período de 10 a 15 anos. Por isso, mantém-se o rastreio a partir dos 25 anos.17

4     CONCLUSÃO

Destacada a relevância epidemiológica do câncer cervical, este estudo analisou as incidências dos principais tipos de CCU no Brasil, ou seja, o epidermoide invasor, o adenocarcinoma in situ e o adenocarcinoma invasor. Os dados foram extraídos do site do DATASUS para os anos entre 2014 e 2023, incluindo informações sobre raça, ano de diagnóstico, idade e unidade federativa das mulheres acometidas pela doença. Por fim, comparou-se a incidência dos HPVs mencionados entre os estados do Brasil de forma consolidada, excluindo as informações do Distrito Federal, e comparada com os dados do Distrito Federal de forma isolada, a fim de verificar se o DF obteve incidência de forma coerente com o Brasil como um todo.

Com isso, o estudo verificou que a região do Brasil com maior incidência de casos de CCU do tipo epidermoide invasor foi a região Nordeste, com idade mais acometida entre 50 e 59 anos tanto no Brasil de forma consolidada quanto no Distrito Federal de forma isolada. O tipo adenocarcinoma in situ obteve maior incidência na região Sudeste, bem como o adenocarcinoma invasor. A idade mais acometida de adenocarcinoma in situ no Brasil foi 40 a 49 anos, assim como no DF. Já em relação ao adenocarcinoma invasor, a idade mais diagnosticada no Brasil foi 60 a 69 anos, sendo no DF de 50 a 59 anos.

Em se tratando de vacinação, o número de doses anuais estava em queda, porém, em 2023 foram aplicadas mais de 6,1 milhões de doses de vacina contra o HPV, com o esquema de duas doses para adolescentes de 9 a 14 anos. Com a recente modificação para dose única, a expectativa é de que haja uma maior adesão à vacinação, melhor logística e facilidade de introdução da vacina contra HPV em programas de imunização no país. Por isso, faz-se necessário o aumento em marketing social de saúde sobre o HPV, com ampliação de projetos conscientizadores sobre a doença em questão, novas orientações sobre os testes mais eficazes para rastreio – DNA-HPV, bem como a necessidade de incentivo à vacinação contra HPV.

Por este estudo apresentar quais os públicos de maior incidência dos CCUs epidermoide invasor, adenocarcinoma in situ e adenocarcinoma invasor no Brasil e no Distrito Federal, este estudo pode ser utilizado como instrumento para novas ações sociais do governo, podendo focar o marketing dessas ações às mulheres de idade, raça e nas regiões de maior incidência das doenças, sendo mais assertivos nesses públicos e buscando a erradicação das doenças. Este trabalho pode ainda ser utilizado para focar melhor a realização de mutirões de atendimento em vacinação, visto essa ser a forma mais utilizada para prevenção de lesões precursoras de CCU, para as idades mais afetadas ou para as raças de maior incidência.

Para as possíveis futuras pesquisas sobre o tema, indica-se a comparação dos dados levantados neste estudo com a quantidade de mulheres por região geográfica, a fim de mapear ainda mais a concentração mais impactada pelos vírus no Brasil. Sugere-se ainda a comparação dos dados discutidos com os dados de vacinação do Brasil, a fim de verificar se, de fato, uma maior vacinação culminou em menores ocorrências das três doenças ou de uma ou mais das CCUs estudadas, enriquecendo o conhecimento sobre o tema e colaborando para uma real erradicação da doença. As informações sobre os anos de ocorrência dos HPVs podem ser aprofundadas a fim de confirmar se a queda na incidência no ano de 2020, por exemplo, se deu devido a pandemia do vírus SARS-CoV-2 e o motivo das oscilações dos demais anos avaliados, além de examinar se a crescente de diagnósticos das doenças nos últimos anos tem ocorrido, por exemplo, devido a melhora na facilidade dele, na sua maior divulgação, no aumento da busca das mulheres pela melhora na saúde ou apenas no aumento da população.

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