ANÁLISE DOS DOMÍNIOS COGNITIVOS ALTERADOS EM INDIVÍDUOS COM DIABETES MELLITUS TIPO 2: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10598967


Ana Caroline Marques Araújo¹
Larissa Muniz Garrido¹
Azarias Marinho dos Santos Neto¹
Beatriz Pereira Lima¹
Fernanda Mesquita Ferreita¹
Joveline Costa de Oliveira Arruda¹
Taynara dos Santos Souza¹
Wesley Douglas Oliveira Bezerra¹
Bruna Galeno Pereira²
Vinícius Saura Cardoso³


RESUMO

Introdução: O DM2 é uma doença crônica multifatorial, que desabilita uma grande porcentagem da população, sua prevalência sugere que o declínio cognitivo afeta substancialmente a nação. Objetivo: Reconhecer os domínios da função cognitiva que estão alterados em indivíduos com DM2. Métodos: Revisão sistemática foi escrita com base no PRISMA, com número de registro PROSPERO, por meio das bases de dados PubMed, Embase, Web of Science, Cochrane e Cinahl e avaliação de qualidade pelo AXIS. Resultados: Estudos com moderado e baixo risco de viés, com significativas inferências sobre a proporção de domínios afetados, como a memória e função executiva. Em sua maioria, nos testes realizados, pessoas com DM2 obtiveram desempenho inferior significativo, quando comparados ao grupo controle. Conclusão: O estudo deve ser utilizado para conduzir novas pesquisas e auxiliar na seleção de testes eficazes, haja vista sua capacidade demonstrar correlações entre indivíduos com DM2 e alterações nos domínios cognitivos.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus tipo 2; Distúrbios Metabólicos; Disfunção Cognitiva.

ABSTRACT

Introduction: DM2 is a multifactorial chronic disease that disables a large percentage of the population. Its prevalence suggests that cognitive decline substantially affects the nation. Objective: To recognize the domains of cognitive function that are altered in individuals with DM2. Methods: Systematic review was written based on PRISMA, with PROSPERO registration number, through the PubMed, Embase, Web of Science, Cochrane and Cinahl databases and quality assessment by AXIS. Results: Studies with moderate and low risk of bias, with significant inferences about the proportion of affected domains, such as memory and executive function. For the most part, in the tests carried out, people with DM2 performed significantly worse when compared to the control group. Conclusion: The study should be used to conduct new research and assist in the selection of effective tests, given its ability to demonstrate correlations between individuals with DM2 and changes in cognitive domains.

Keywords: Type 2 Diabetes Mellitus; Metabolic Disorders; Cognitive Dysfunction.

INTRODUÇÃO

O Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) é uma doença crônica multifatorial, que desabilita e mata uma grande porcentagem da população em nível mundial (ADA, 2011). De acordo com o relatório de 2019 da Associação Internacional de Diabetes, cerca de 463 milhões de adultos vivem com a doença. Segundo Saeedi et al. (2019), espera-se que este número aumente para 578 milhões de adultos até 2030 e 7 milhões de adultos até 2045.

As complicações mais conhecidas do DM incluem retinopatia, nefropatia, neuropatia, doença coronariana, doença cerebrovascular e doença arterial periférica (SBD, 2019). No entanto, o comprometimento cognitivo (BIESSELS et al., 2018) é cada vez mais reconhecido como uma complicação importante do DM2, as evidências existentes (MOHEET et al., 2015) sugerem que o DM2 está fortemente associado ao desempenho reduzido em múltiplos domínios da função cognitiva.

A função cognitiva caracteriza-se pela capacidade de processamento de informações, aprendizagem e utilização do conhecimento, um processo essencial para a realização de atividades diárias. Sendo assim, a cognição engloba domínios cognitivos, como memória, função executiva, orientação temporal e linguagem. (APA, 2014)

O déficit cognitivo em pessoas com DM2 (MAEYAMA et al., 2020) torna-se especialmente problemático pois o manejo do diabetes exige autogerenciamento – monitoramento da glicemia, adesão rigorosa ao tratamento medicamentoso, manutenção de regime alimentar balanceado e cumprimento de uma rotina adequada de exercícios físicos.

As estratégias atuais de manejo do DM2 não visam principalmente a disfunção cognitiva (TAMBOLI, 2018). A crescente prevalência do diabetes e o envelhecimento da população sugerem que o declínio cognitivo relacionado com o diabetes afeta substancialmente o mundo e a nação, o que define a necessidade de explorar o declínio cognitivo e os domínios alterados nessa síndrome metabólica. Dessa forma, o objetivo desta revisão é reconhecer os domínios da função cognitiva estão alterados em indivíduos com DM2.

METODOLOGIA

A presente revisão sistemática foi escrita com base no PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analysis), com número de registro PROSPERO (Prospective Register of Systematic Reviews) CRD42022347151.

Estratégia de busca

Dois autores fizeram a busca de forma independente em cinco bases de dados eletrônicas (PubMed, Embase, Web of Science, Cochrane e Cinahl). A última pesquisa foi realizada em 09 de outubro de 2023. Ao final do processo de busca, a seleção de artigos foi complementada por busca manual nas bases de dados e nas referências dos artigos selecionados.

A busca foi composta por termos controlados e termos livres combinados com operadores booleanos “AND”, “OR” e “NOT”. Os termos foram testados nas plataformas para obter a melhor estratégia de busca (Tabela 01). Combinações para a busca nas bases de dados foram utilizadas as seguintes palavras-chave: Diabetes, Diabetes Mellitus, Diabetes Mellitus Type 2, Diabetes Mellitus Type II, type 2 Diabetes, Type II Diabetes Mellitus, Cognitive Dysfunction, Mild Cognitive Impairment, Cognitive Decline, Mild Cognitive Impairment, Neuropsychological Tests, Memory disorders, Memory, Episodic, Executive Function, Processing speed, Cross Sectional Study, Observational Stud*, Alzheimer, Dementia.

Tabela 01. Descritores e operadores de pesquisa.

Fonte: Elaboração própria.

Critério de seleção dos estudos

Os estudos foram selecionados por dois autores independentes e em duas etapas. A primeira etapa foi composta por leitura de título e resumo. Posteriormente, os artigos selecionados passaram por leitura completa para inclusão na revisão. Para inclusão foram considerados os seguintes critérios: 1) Trabalhos que investiguem a função cognitiva em pessoas com diabetes tipo 2; 2) Estudos que relatem quais domínios da função cognitiva estão alterados; 3) Estudos transversais.

Não foram considerados para esta revisão trabalhos que apresentaram resultados de indivíduos com diagnóstico prévio de disfunções do sistema nervoso, como AVE, Alzheimer e outras demências. Pessoas em tratamento de câncer, uso de drogas depressoras ou estimulantes do sistema nervoso central e intervenções que incluam tratamento farmacológico que interfiram na função cognitiva.

Extração de dados

A extração de dados foi realizada de forma independente por dois autores e as discrepâncias foram resolvidas por um terceiro autor. Os dados foram coletados conforme ficha de extração elaborada pelos autores.

Avaliação da qualidade dos estudos e risco de viés

Dois autores avaliaram independentemente o risco de viés dos estudos por meio da Ferramenta de Avaliação para Estudos Transversais (AXIS)(Downes et al., 2016), o terceiro autor resolveu as discrepâncias. O AXIS auxilia a interpretação sistemática de uma pesquisa transversal e colabora nas decisões sobre a qualidade e confiabilidade do estudo avaliado, o instrumento é composto por 20 perguntas – segmentadas em Introdução (1); Método (2-11); Discussão (12-16); Resultados (17-18) e Outro (19-20) – que contemplam âmbitos pertinentes como a clareza do objetivo, o tamanho da amostra, a população-alvo do estudo e como foi selecionada, campos esses que, caso não estejam claramente definidos, as interferências feitas podem ser inadequadas.

Além disso, foi adaptado de Taylor et al. (2020) e Wunsch et al. (2021) um método de pontuação para calcular o risco de viés em estudos característicos, com isso, classificou-se em muito baixo o risco de viés se preencher pelo menos 19 das 20 questões, baixo risco de viés se acertaram 17 ou 18 de 20 das questões do AXIS; com risco moderado de viés se pontuaram 15 ou 16 de 20 e com alto risco de viés se os estudos obtiveram 14 ou menos pontos.

Análise dos dados

A síntese descritiva dos dados foi norteada pela composição preliminar dos esboços das pesquisas incluídos, agrupando-os e dispondo-os em formato descritivo, bem como identificando padrões junto aos estudos. Em seguida, as relações entre os dados foram aprofundadas e investigadas.

RESULTADOS

A estratégia de busca permitiu a identificação de 1573 artigos, dos quais 306 artigos foram excluídos por duplicidade. Após leitura do título e resumo, foram excluídos 1.157 artigos. Assim, foram lidos 110 estudos na íntegra. Ao final da busca, foram selecionados 9 artigos e mais 3 após a leitura das referências dos artigos anteriormente selecionados. A Figura 1 apresenta um fluxograma que ilustra o processo de seleção.

Figura 1. Etapas da Revisão Sistemática.

Características do Estudo e da Amostra

Os artigos analisados reúnem uma amostra de 2.604 indivíduos, dentro da amostragem, 52,3% representam o sexo feminino, com pesquisas realizadas entre 1997 e 2023, além disso a revisão contempla pesquisas conduzidas em países desenvolvidos como Canadá, Irlanda, Holanda e Taiwan, bem como em países em desenvolvimento, especificamente a Índia, Romênia, Equador, Bulgária e Chile.

Avaliação da Qualidade dos Estudos

Os estudos selecionados tiveram sua qualidade avaliada por meio do AXIS, ferramenta de avaliação de estudos transversais, a partir disso a pontuação das 20 questões foi quantificada na Tabela 02, adaptada de Taylor et al. (2020) e Wunsch et al. (2021), para inferir o risco de viés presente nas pesquisas avaliadas. A partir do somatório do questionário, constatou-se que Bozanic et al. (2023) possui muito baixo risco de viés, Dyer et al. (2020), Kinattingal et al. (2023) e Chen et al. (2023) apresentaram baixo risco de viés e os demais com risco moderado. Por fim, positivamente, nenhum estudo possui alto risco de viés.

Constitui-se, portanto, em termos de qualidade, um estudo com níveis sólidos e homogêneos de comparatividade. Entretanto, o principal ponto fraco encontrado na busca da qualidade das pesquisas corresponde às medidas para categorizar ou interpretar as taxas de não-respostas diante do pesquisador, que se refere às questões 7 e 13 (Q7 e Q13), sobretudo.

Tabela 02. Avaliação de Qualidade dos estudos incluídos

(n)=Descritos na Tabela 03.

Fonte: Elaboração própria.

Para a compreensão e avaliação dos domínios cognitivos da população com DM2, as pesquisas utilizaram-se de grupos de controle, amostragem confiável e de instrumentos como o MoCA (Montreal Cognitive Assessment), Exames de Estado Mental Padronizado (SMMSE), Breve Escala de Classificação Cognitiva (BRCS), além de outros testes neuropsicológicos, capazes de demonstrar a vulnerabilidade dessa população e de qualificar seus domínios cognitivos. A quantificação estatística dos estudos foi delineada por testes e padrões, a exemplo do Qui-Quadrado e T de Student. A Tabela 3 sintetiza as principais características das pesquisas investigadas.

Tabela 03. Características dos estudos selecionados.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Duração da DM2 e comprometimento cognitivo Pacientes de longa data, embora mais jovens, surgem com complicações definitivas e disfunções cognitivas, advindas da DM2, observado por Dey et al. (1997). Identicamente, observou-se piores desempenhos em pacientes há mais de 5 anos, quando comparados ao grupo com tempo inferior (pb 0,05), nos testes FCSRT – Free and Cued Selective Reminding Test – e DSS – Direct Simple Shear – que avaliam recordação livre e evocação livre (MEHRABIAN et al., 2012).

Além da interferência da duração do DM2 (ALEX, 2019), Bozanic et al. (2023) apontou significância na associação em pacientes com presença de dislipidemia e maior risco de comprometimento cognitivo. A pesquisa de Jurado et al.(2018) comprovou com escores leves para a correlação entre os anos de evolução da doença com a memória (-0,055), atenção (-0,40) e função executiva (0,16). Utilizando-se da escala MEEM e do reconhecimento visual (SWAMINATHAN et al., 2022), registra-se a correlação negativa com a duração do DM2.

Interferência do controle metabólico

Os testes de SMMSE e BCRS indicaram o pior desempenho de pacientes com DM2 com maiores HbA1c (ALEX, 2019), o mesmo foi observado em Mehrabian et al. (2012) e Jurado et al. (2018), que identificou alterações e comprometimento cognitivo em todas as funções avaliadas. Por meio do PPBS (Prandial Blood Sugar Test), observou-se comprometimento cognitivo leve nos pacientes com o nível médio 249,85 (107,973) mg/dL, número maior do que o apresentado pelos observados com função cognitiva normal (KINATTINGAL et al., 2023).

Além disso, em Swaminathan et al. (2022) a escala MEEM (Mini Exame do Estado Mental) apresentou correlações negativas entre os níveis de HbA1c, da mesma forma com os subconjuntos da escala de memória PGI, alterando ainda equilíbrio mental, atenção/concentração, recordação atrasada e retenção visual. Chen et al. (2023), igualmente destaca a influência negativa das altas taxas de HbA1c para a memória.

Cernea et al. (2016) e Dyer et al. (2020), ambas utilizaram-se do teste MoCA e não obtiveram resultados relevantes da HbA1c para inferências, resultante da probabilidade de erro ao utilizar o referido teste.

Proporção para os domínios e seus testes

Memória

A memória verbal e visual foi avaliada em 11 estudos (n=974 pessoas com diabetes e n= 1.308 controles não diabéticos). Nos testes realizados, pessoas com DM2 obtiveram desempenho inferior significativo, quando comparados ao grupo controle.

Chen et al. (2023) norteou sua pesquisa para avaliar a diferença de domínios entre os gêneros, assim, não apresentando divisão em grupos de indivíduos com DM2 e grupo controle, investigou-se por meio da escala HVLT-R (Hopkins Verbal Learning Test – Revised), identificando que para a memória e a velocidade psicomotora não houveram diferenças significativas entre os gêneros. A nível de domínio, IC 95% [-0,28, -0,14]. O teste de heterogeneidade não foi significativo (p>0,05).

Função Executiva

Desse modo, 10 estudos avaliaram singularmente esse domínio (n= 946 pessoas com DM2 e n= 1280 pessoas não diabéticas) e 1 estudo avaliou a diferença de gêneros (n=135 mulheres e n=183 homens). Observou-se piores desempenhos nos testes SMMSE e BCRS (ALEX, 2019) para avançadas DM2 e maiores valores de HbA1c.

Por intermédio do MoCA, inferiu-se que sexo feminino (CERNEA et al., 2016) teve pior desempenho nos domínios visoespacial/executivo, além de correlacionar negativamente tal domínio com a idade dos indivíduos. Em Dyer et al. (2020) DM2 foi associado a probabilidade de erro diante dos propósitos dos instrumentos [IRR 3,3 (IC 95% = 1,6-9,0) p= 0,003] e em Kinattingal et al. (2023) 71,42% do grupo diabético teve comprometimento significativo, comparado ao grupo com funções normais.

Em Jurado et al. (2018), o grupo diabético gerou menor número de palavras em tarefas de fluência verbal e apresentou maior dificuldade em identificar os critérios de classificação em atividades de flexibilidade cognitiva.

O Trail Making Test (TMT) foi relevante para a qualificação do domínio (MEHRABIAN et al., 2012), quando associado com o WAIS-IV (Weschler Adult Intelligence Scale) apresentou o comprometimento de diversos domínios (BOZANIC et al., 2023). Ademais, Swaminathan et al. (2022) encontrou correlações da função executiva com a duração do DM2 e com a HbA1c, ao utilizar-se juntamente do Wisconsin Card Sorting Test (WCST). Igualmente, Chen et al. (2023) aplicou o TMT para a comparação entre sexo masculino e feminino, em que as mulheres foram idetificadas com menores pontuações [Parte A (M= 60,6; F= 49,2) p= 0,011]; [Parte B (M= 109,5; F= 85,7) p= 0,002].

Harten et al. (2007) empregou o Teste de Associação de Palavras Orais Controladas e o Teste Stroop de Palavras de Cores (COWAT). Outrossim, o grupo controle apresentou desempenho significativamente superior comparado ao grupo com DM2 nas atividades dos 4 testes (YEUNG et al., 2009) após otimização dos resultados pela análise univariada de covariável. A nível de domínio, IC 95% [-0,54, -0,22]. O teste de heterogeneidade não foi significativo para esses testes (p>0,05).

Orientação Temporal

O domínio foi qualificado, essencialmente, em 6 estudos (n= 560 pessoas com DM2 e n= 601 não diabéticos). Alex et al. (2019), identificou diferenças na orientação entre os grupos, com média (28,06) e desvio padrão (1,05) no grupo controle (9,3) e no grupo caso (8,3), por meio do SMMSE (média = 24,27 e d= 1,11), p= 0,001.

Bozanic et al. (2023) empregou o MEEM-Ch (Mini Exame do Estado Mental), Kinattingal et al. (2023) por meio do MoCA, identificou 71,42% do grupo diabético com o domínio comprometido, comparado aos 43,47% dos indivíduos não diabéticos.

Instrumentos como a Escala de Memória PGI (SWAMINATHAN et al., 2022) e a NCSE – Neurobehavioral Cognitive Status Examination – foram aplicados para orientação e atenção (DEY et al., 1997) demonstrando escores prejudicados, além de associar a disfunção cognitiva como uma complicação do DM2 de longa data.

Entretanto, associações significativas entre tal domínio e o Comprometimento Cognitivo Moderado, Comprometimento Cognitivo Leve e Função Cognitiva Normal não foram encontradas (CERNEA et al., 2016). A nível de domínio, IC 95% [-0,26, -0,12]. O teste de heterogeneidade não foi significativo na comparação geral (p>0,05).

Linguagem

Diante dos estudos selecionados, a linguagem foi um item específico avaliado em 7 pesquisas (n=578 pessoas com diabetes e n= 939 controles não diabéticos). Bozanic et al. (2023) e Mehrabian et al. (2012) utilizaram-se do BNT (Boston Naming Test), identificando comprometimento em múltiplos campos cognitivos.

O teste MoCA (KINATTINGAL et al., 2023), diante da pontuação máxima para o domínio, constatou que conseguiram atingir 93,75% do grupo controle não diabéticos, à medida que somente 50% dos indivíduos com DM2 apresentaram pontuação máxima, inferindo-se a prevalência substancial de comprometimento cognitivo. Além disso, o mesmo instrumento quando associado a parâmetros laboratoriais (CERNEA et al., 2016) também apresenta correlações negativas, entre os níveis séricos de leptina e os escores de linguagem (p= 0,02 e 0,007).

Harten et al. (2007) obteve diferenças entre o grupo com DM2 (24,8) e o grupo controle (32,1), p= 0,01 e d= 0,65. Dois estudos (YEUNG et al., 2009; ALEX, 2019) não obtiveram diferenças significativas entre os grupos. A nível de domínio, IC 95% [-0,44, 0,24]. O teste de heterogeneidade não foi significativo para esses testes (p>0,05).

DISCUSSÃO

Em virtude da associação significativa do DM2 ao risco maior de comprometimento cognitivo (ALEX, 2019), o presente estudo revisou 12 publicações com o objetivo de identificar os principais domínios da função cognitiva estão alterados em indivíduos com DM2.

O controle metabólico do DM demonstrou ser uma variável importante no que tange ao desempenho cognitivo geral e de domínios independentes, Jurado et al. (2018) identificou correlação entre a hemoglobina glicosilada e o comprometimento cognitivo para todas as funções investigadas, como memória, atenção, velocidade de processamento e função executiva. Corroborando com esse achado, Alex (2019) e Swaminathan et al. (2022) encontraram correlação entre os níveis elevados de HbA1c e o pior desempenho nos testes SMMSE e BCRS, e MEEM, respectivamente. A memória foi um domínio relacionado negativamente com os níveis de HbA1c.(SWAMINATHAN et al., 2022; CHEN et al., 2023). Diferente dos achados anteriores, dois estudos relataram que não foram encontradas correlações significativas para escore total e para a probabilidade de erro no teste MoCA com medidas laboratoriais. (CERNEA et al., 2016; DYER et al., 2020)

Quanto à duração da DM2, Dey et al. (1997) sugere que a disfunção cognitiva deve ser reconhecida como uma complicação definitiva do DM2 de longa data, mesmo em indivíduos relativamente mais jovens. A duração da diabetes teve correlação negativa e significativa na pontuação do MEEM e domínio de reconhecimento visual e velocidade motora (SWAMINATHAN et al., 2022; HARTEN et al., 2007). Achados de Mehrabian et al. (2012) indicam que pacientes com DM2 há mais de 5 anos tiveram desempenho

significativamente pior no teste 1 e no teste 2 de recordação livre e evocação livre tardia de FCSRT e DSS do que aqueles com duração da doença ≤ 5 anos. Confrontando esses resultados, Jurado et al., (2018) relatou que não houve nenhum caso de correlação significativa entre os anos de evolução da doença e o comprometimento cognitivo.

A memória obteve escores significativamente menores em pessoas com DM2 em 7 dos estudos revisados. Em contrapartida, Harten (2007) e colaboradores obtiveram resultados divergentes, a memória subjetiva foi o domínio menos afetado, enquanto todos os escores de teste globais diferiram significativamente no grupo de diabetes em comparação com pacientes de controle. Yeung et al. (2009) também não apresentaram diferenças significativas nos domínios de memória episódica e semântica entre os grupos.

As funções executivas também foram avaliadas, no estudo de Yeung et al. (2009), o grupo controle teve um desempenho significativamente melhor do que o grupo de diabetes na tarefa dHayling, que avalia componentes das funções executivas – como iniciação, inibição e velocidade de processamento – já nos teste de Brixton e Stroop não surgiram diferenças entre os grupos. Funções como capacidade de mudança de cenário, flexibilidade cognitiva, velocidade psicomotora, memória de trabalho e nova capacidade de aprendizagem se correlacionam negativamente com a hiperglicemia em indivíduos com DM2. (SWAMINATHAN et al., 2022). No estudo de Bozanic et al. (2023) o grupo teste, quando analisado individualmente, alcançou resultados significativamente inferiores na função visuoespacial/executiva, nomeação, atenção, abstração e recordação atrasada. Kinattingal et al. (2023) demonstrou que apesar de escores altos nos testes de funções visuo espacial/executiva, 71,42% dos pacientes com DM2 apresentava comprometimento cognitivo, em contraste, no grupo de não diabéticos, todos os indivíduos com altos escores de função visuoespacial/executiva apresentaram cognição normal.

Em tarefas de velocidade de processamento, indivíduos com DM2 demoravam mais tempo para completar sequências alfanuméricas e para responder sim ou não em tarefas de tempo de reação com opções. O DM2 foi associado também a um desempenho significativamente menor em todas as medidas de velocidade do funcionamento cognitivo, bem como processos menos eficientes de aprendizagem e aquisição de novas informações. (JURADO et al., 2018; MEHRABIAN et al., 2012).

Alguns trabalhos trataram das diferenças entre sexo feminino e masculino, Cernea et al. (2016) relatou que embora não tenha havido diferença de gênero entre o estado cognitivo geral (escores MoCA), pacientes do sexo feminino com DM2 tiveram pontuações significativamente mais baixas para os domínios visuoespacial/executivo, nomeação e linguagem, já no domínio de recordação tardia, as mulheres obtiveram escores maiores. Os resultados de Chen et al. (2023) demonstraram que para desempenho cognitivo, as mulheres tiveram pontuações significativamente mais baixas do que os homens na função cognitiva global e função executiva, incluindo TMT parte A e parte B.

CONCLUSÃO

A presente revisão sistemática da literatura demonstra-se como um instrumento capaz de indicar os efeitos do DM2 quanto às interferências nos domínios cognitivos, no que tange a memória, atividades executivas, aquisição de novas informações, associação com o tempo de evolução, em um público de adultos de meia-idade e idosos. O estudo deve ser utilizado para conduzir novas pesquisas e auxiliar na seleção de testes eficazes. A cuidadosa seleção de estudos foi responsável por uma amostragem com baixo risco de viés, com dados sólidos, que oferecerá à comunidade científica mais um suporte para a investigação do diabetes e cognição.

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¹Graduando em Fisioterapia, Universidade Federal do Delta do Parnaíba – UFDPar
²Fisioterapeuta pela Universidade Federal do Piauí (UFPI); Pós-graduada em Traumato-Ortopedia pela Faculdade Einstein (FACEI); Mestranda em Gestão e Saúde.
³Doutorado em Biotecnologia pela Rede Nordeste de Biotecnologia; Professor Associado da Universidade Federal do Delta do Parnaíba – UFDPar