ANALYSIS OF THE USE OF CANNABIDIOL IN THE TREATMENT OF EPILEPTIC SYNDROMES: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411250816
Hellen de Araújo Queiroz 1;
Brenda de Moura Meneses 1;
Alécio Galvão Lima 1;
Anna Beatriz Fortes De Cerqueira 1;
Antônio Gabriel dos Santos Castro 1;
Isabela da Silva Coimbra 1;
Luana Kaira Lopes do Bonfim 1;
Luís Octávio Furtado Azevedo de Melo Pires 1;
Maria Heloise Rosendo Sampaio 1;
Ana Rachel Oliveira de Andrade 2;
José Lopes Pereira Júnior 2;
Vanessa Meneses De Brito Campelo 2;
Resumo
A epilepsia é clinicamente definida como uma síndrome de crises recorrentes não provocadas ou como uma crise com evidência de um risco aumentado de recorrência de crises acima de 60% nos próximos 10 anos. Não é uma doença única, mas sim um conjunto de distúrbios neurológicos que partilham uma predisposição duradoura para gerar crises epilépticas. As convulsões, embora sejam o sintoma principal, não são o único aspecto da epilepsia que afeta a qualidade de vida do paciente. Infelizmente, até 30% dos pacientes com epilepsia não alcançam a liberdade das crises com dois anticonvulsivantes adequadamente escolhidos, portanto, devem ser considerados resistentes aos medicamentos. As convulsões, bem como os efeitos colaterais dos medicamentos anticonvulsivantes, as comorbidades e as consequências sociais das convulsões levam a uma perda significativa na qualidade de vida das pessoas afetadas. Assim, vem sendo discutida a utilização do canabidiol (CBD) no tratamento da epilepsia. Dessa forma, urge a necessidade de discutir acerca da importância do CBD no que diz respeito ao tratamento das síndromes epilépticas, bem como o desenvolvimento de mais estudos acerca da sua eficácia e dos mecanismos pelos quais o CBD age nesse controle. Assim, esse estudo objetiva analisar, por meio de uma revisão de literatura, o impacto da utilização do canabidiol no tratamento de síndromes epilépticas.
Palavras-chave: Cannabis. Canabidiol. Epilepsia.
1 INTRODUÇÃO
A epilepsia é clinicamente definida como uma síndrome de crises recorrentes não provocadas ou como uma crise com evidência de um risco aumentado de recorrência de crises acima de 60% nos próximos 10 anos. Com uma prevalência de 0,5–1%, a epilepsia é uma das doenças neurológicas mais comuns. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 50 milhões de pessoas vivem com epilepsia em todo o mundo. A epilepsia não é uma doença única, mas sim um conjunto de distúrbios neurológicos que partilham uma predisposição duradoura para gerar crises epilépticas. As convulsões, embora sejam o sintoma principal, não são o único aspecto da epilepsia que afeta a qualidade de vida do paciente. Diversas comorbidades (por exemplo, depressão, ansiedade, distúrbio motor, déficits cognitivos, disfunção social) também contribuem para a redução da qualidade de vida, além do mau prognóstico. As doenças sociais, físicas, psicológicas e econômicas criam um impacto substancial nos indivíduos afetados, nas suas famílias e cuidadores, bem como na sociedade como um todo (ARZIMANOGLOU et al., 2020; OSHIRO & CASTRO, 2021; LATTANZI et al., 2021).
Até 30% dos pacientes com epilepsia não alcançam a liberdade das crises com dois anticonvulsivantes adequadamente escolhidos, portanto, devem ser considerados resistentes aos medicamentos. Infelizmente, os anticonvulsivantes de nova geração desenvolvidos recentemente não resultaram em uma taxa significativamente maior de pacientes livres de convulsões, embora a tolerabilidade e o perfil de interação dos anticonvulsivantes mais recentes sejam, geralmente, mais favoráveis. As convulsões, bem como os efeitos colaterais dos medicamentos anticonvulsivantes, as comorbidades e as consequências sociais das convulsões levam a uma perda significativa na qualidade de vida das pessoas afetadas. Portanto, a busca por novas terapias ainda é um grande desafio para pacientes e médicos (VON WREDE et al., 2021; DAVIS et al., 2021).
Assim, vem sendo discutida a utilização da cannabis no tratamento da epilepsia. Nas últimas décadas, pesquisadores identificaram uma classe de produtos químicos conhecidos como canabinoides, categorizados em três classes principais: fitocanabinoides, endocanabinoides e canabinoides sintéticos. Os fitocanabinoides são conhecidos pelos seus efeitos fisiológicos e muitas vezes psicogênicos. O canabidiol (CBD), um dos seus principais constituintes, vem sendo amplamente conhecido nas últimas décadas por suas propriedades antiepilépticas (DAVIS et al., 2021).
Dessa forma, urge a necessidade de discutir acerca da importância do CBD no que diz respeito ao tratamento das síndromes epilépticas, bem como o desenvolvimento de mais estudos acerca da sua eficácia e dos mecanismos pelos quais o CBD age nesse controle. Assim, esse estudo objetiva realizar uma revisão integrativa de literatura, a fim de averiguar a contribuição do CBD nas síndromes epilépticas, avaliando sua eficácia no tratamento comparado aos tratamentos convencionais e os fatores que interferem na sua eficácia.
2 METODOLOGIA
Em virtude das evidências observadas na literatura científica, realizou-se, durante o ano de 2024, uma revisão de literatura acerca da contribuição do CBD nas síndromes epilépticas. A revisão de literatura é um método que proporciona a síntese de conhecimento e a incorporação da aplicabilidade de resultados de estudos significativos na prática (SOUZA et al., 2010). Para a composição desta revisão, foram utilizadas as seguintes etapas na pesquisa: elaboração da pergunta de pesquisa, busca na literatura nas principais bases de dados, seleção dos artigos de acordo com os critérios de exclusão e inclusão adotados, extração dos dados, avaliação da qualidade metodológica dos estudos, síntese dos dados encontrados, avaliação e publicação dos resultados.
No que diz respeito à busca dos artigos científicos, foram realizadas pesquisas nas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (PubMed), Biblioteca Eletrônica Científica Online (Scielo) e Periódico CAPES, utilizando os descritores “cannabis”, “cannabidiol” e “epilepsy”, escolhidos de acordo com o DeCs (Descritores em Ciências da Saúde) e combinando-os com o operador booleano “AND”.
Acerca dos critérios de elegibilidade para a seleção adequada dos artigos, foram adotados tais critérios de inclusão: artigos que abordassem sobre a temática escolhida, disponíveis integralmente, na língua inglesa, portuguesa e espanhola e redigidos nos últimos 5 anos (2019-2024). Foram excluídos artigos de revisão, artigos duplicados, relatos de experiência e que não atendiam aos objetivos do estudo. Após seleção dos artigos por meio da leitura do título, foram analisados seus respectivos resumos, e os estudos que não correspondiam ao objetivo e temática da pesquisa, foram desconsiderados. Por fim, os artigos restantes, que se ajustavam ao interesse do presente estudo, foram analisados por meio de sua leitura integral, e comparados com outros estudos, a fim de identificar convergência e similaridade de resultados.
3 RESULTADOS
A partir da utilização dos descritores anteriormente citados, foram encontrados 423 artigos provenientes das bases de dados definidas para a busca. Após o processo de seleção e análise dos trabalhos encontrados, foram selecionados 47 artigos (Figura 1). Em seguida, após a segunda análise dos estudos, por fim, foram selecionados 17 artigos para a presente revisão bibliográfica. Encontra-se disposto na tabela 1 o resumo dos estudos selecionados, abordando o autor e o ano, o tipo de estudo, a população alvo, tamanho da amostra, tipo de intervenção proposta e os resultados de cada estudo.
Figura 1: Etapas de elaboração da revisão.
Fonte: autoria própria. 2024.
Tabela 1: Estudos selecionados para a revisão.
Autor e ano | Tipo de estudo | População; amostra; intervenção | Resultados |
Knupp et al., 2019. | Pacientes com idade entre 1 mês e 21 anos, acompanhados na clínica de neurologia pediátrica do Children’s Hospital Colorado e que indicaram que estavam planejando iniciar um produto de CBD foram abordados para inscrição no estudo | A taxa de resposta observada neste estudo é semelhante às taxas de placebo em ensaios randomizados prospectivos de produtos de grau farmacêutico e a taxa de retirada é maior do que as taxas obtidas com métodos retrospectivos. As doses de OCE administradas foram menores do que as doses usadas em ensaios randomizados. | |
Mitelpunkt et al., 2019 | Estudo prospectivo | Pacientes pediátricos com epilepsia resistente ao tratamento, em doses estáveis de medicamentos epilépticos, que apresentaram mais que 4 convulsões dentro de quatro semanas. | No final do estudo, 8 (73%) cuidadores relataram uma condição melhorada/muito melhorada e 9 (82%) relataram gravidade reduzida/muito reduzida das convulsões. Os efeitos adversos relacionados ao tratamento mais comumente relatados foram distúrbios do sono/insônia (4 (25,0%) pacientes), seguidos de sonolência, aumento da frequência de convulsões e inquietação (3 pacientes cada (18,8%)). Nenhum foi grave ou grave e todos foram resolvidos. |
Sharma et al., 2019. | Estudo clínico | Vinte e sete pacientes com epilepsia resistente ao tratamento foram recrutados do Programa CBD da Universidade do Alabama em Birmingham | Apesar da ação positiva do CBD em alvos moleculares para reduzir a frequência e a gravidade das convulsões, a ausência de alterações estruturais no cérebro reforça ainda mais a noção de que o CBD é seguro, pelo menos a curto/médio prazo |
Miller et al., 2020. | Estudo clínico duplo-cego randomizado | 285 pacientes entre 2 e 18 anos de idade com pelo menos 4 crises convulsivas durante o período inicial de 4 semanas enquanto recebiam pelo menos 1 medicamento epiléptico. | O resultado primário foi a mudança em relação ao valor basal na frequência de crises convulsivas durante o período de tratamento. Os desfechos secundários incluíram alteração na frequência de todas as crises, proporção com redução de pelo menos 50% na atividade das crises convulsivas |
Klotz et al., 2021. | Estudo prospectivo aberto | Crianças com epilepsia resistente a medicamentos foram acompanhadas prospectivamente de novembro de 2019 a janeiro de 2021 durante um ensaio aberto de canabidiol na dose de 20 mg/kg/dia (até um máximo de 50 mg/kg/dia) e medicação concomitante estável. | O canabidiol demonstrou ser eficaz na redução de convulsões em pacientes com síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gastaut e esclerose tuberosa. |
Thiele et al., 2021. | Estudo clínico randomizado | 224 pacientes com complexo de esclerose tuberosa foram tratados com canabidiol (25 ou 50 mg/kg/dia) ou placebo correspondente por 16 semanas | A redução percentual no tipo de convulsões consideradas como desfecho primário foi de 27% para placebo, 49% para 25 mg/kg/dia de canabidiol e 48% para 50 mg/kg/dia de canabidiol; uma dosagem de 25 mg/kg/dia levou a menos eventos adversos do que a dosagem de 50 mg/kg/dia. |
Zafar et al., 2021. | Estudo clínico retrospectivo | Dez crianças, de 18 anos ou menos, com epilepsias intratáveis foram recrutadas de duas instituições de caridade. Não houve limitações quanto ao diagnóstico, sexo ou origem étnica. | A frequência de convulsões em todos os 10 participantes foi reduzida em 86%, sem eventos adversos significativos. Os participantes reduziram o uso de medicamentos antiepiléticos de uma média de sete para um após o tratamento com cannabis medicinal. |
Caraballo et al., 2022. | Estudo de coorte | 59 crianças entre 2 a 17 anos. | Ao final do acompanhamento, 78% das crianças teve uma diminuição ≥ 50% na frequência de convulsões e 47,5% tiveram queda > 75%. sete pacientes (11,9%) estavam livres de convulsões. |
Marchese et al., 2022. | Estudo prospectivo | 37 pacientes (46% mulheres) com idade média de 16,1 (variação: 2–54) anos. Vinte e dois (60%) pacientes sofriam de encefalopatia epiléptica, 9 (24%) de epilepsia focal e 6 (16%) de epilepsia generalizada. A duração média do acompanhamento foi de 68 (variação: 24–72) semanas. | Foi demonstrada a eficácia de uma formulação de óleo à base de CBD com poucos efeitos colaterais significativos em pacientes com TRE de várias etiologias. |
O’brien et al., 2022. | Ensaio clínico randomizado | Adultos com epilepsia focal resistente a medicamentos que receberam um regime estável de até 3 medicamentos anticonvulsivantes. | Nenhuma diferença significativa na eficácia foi observada entre o canabidiol e o placebo durante o período de tratamento duplo-cego. Foi demonstrado segurança, tolerabilidade e aceitabilidade a longo prazo da administração de canabidiol. |
Thiele et al., 2022. | Estudo clínico randomizado | 201 pacientes, entre 1 a 57 anos, portadores de esclerose tuberosa, receberam CBD de doses de 25mg/kg/dia | Em pacientes com esclerose tuberosa, o tratamento adicional com CBD a longo prazo foi bem tolerado e reduziu de forma sustentável as convulsões durante 48 semanas, com a maioria dos pacientes/cuidadores relatando melhora global. |
Kuhne et al., 2023. | Estudo multicêntrico restrospectivo | A coorte do estudo compreendeu 311 pacientes com epilepsia com idade média de 11,3 (0-72) anos (235 crianças e adolescentes, 76 adultos). | Nosso estudo destaca que o CBD tem um efeito anticonvulsivante comparável a outros medicamentos anticonvulsivantes com um perfil de segurança positivo independente do subtipo de epilepsia. |
Erridge et al., 2023. | Série de casos | Trinta e cinco pacientes foram incluídos na análise. Os pacientes foram prescritos durante o tratamento com o seguinte: óleos isolados de CBD ( n = 19), óleos de amplo espectro de CBD ( n = 17) e terapia combinada de CBD/Δ 9 -THC ( n = 17). | Os resultados deste estudo demonstram um sinal positivo de melhora na frequência de convulsões em crianças tratadas com produtos medicinais à base de Cannabis (CBMPs). |
Devinsky et al., 2022. | Estudo observacional | Observamos prospectivamente 29 indivíduos (12 a 46 anos) com epilepsias resistentes ao tratamento (11 síndrome de Lennox–Gastaut; 15 com epilepsia focal ou multifocal; três epilepsia generalizada) que foram tratados com cannabis medicinal (1THC:20CBD e/ou 1THC:50CBD; máximo de 6 mg de THC/dia) por ≥24 semanas. | O desfecho primário foi a mudança na frequência de crises convulsivas da linha de base pré-tratamento para a fase de dose ótima estável. |
Pesántez Ríos et al., 2022. | Estudo descritivo observacional retrospectivo | O estudo inclui todos os pacientes tratados com medicação antiepiléptica associada ao CBD por pelo menos 12 meses no Centro Nacional de Epilepsia (NCE) em Quito, Equador. | CBD adicionado aos medicamentos habituais consegue reduzir significativamente a frequência, a duração e o tipo de crises nas diferentes etiologias da epilepsia, sendo especialmente eficaz nas crises que mais incapacitam os pacientes e, por isso, pode melhorar a qualidade de vida do indivíduo e de sua família. |
Reddy et al., 2023. | Estudo clínico | Camundongos C57BL/6 machos adultos (25 a 30 g) foram usados neste estudo. Os camundongos foram alojados em uma instalação de animais com controle ambiental, O CBD (25 e 100 mg/kg, ip) foi administrado por 14 dias | No estudo de retenção, camundongos previamente tratados com CBD reduziram significativamente a carga geral de convulsões, sugerindo modificação da doença. |
Szaflarski et al., 2023. | Estudo clínico | Os pacientes receberam CBD altamente purificado derivado de plantas (Epidiolex®; solução oral de 100 mg/ml), aumentando de 2 para 10 mg/kg/dia até a tolerância ou dose máxima de 25–50 mg/kg/dia, dependendo do local do estudo. | Os desfechos de eficácia incluíram alteração percentual da linha de base na frequência média mensal de convulsões e crises totais e taxas de resposta de ≥50%, ≥75% e 100% em janelas de visita de 12 semanas por até 192 semanas. |
Fonte: autoria própria. 2024.
DISCUSSÃO
A revisão de literatura realizada destaca o potencial do canabidiol (CBD) como um tratamento adjunto no manejo de epilepsias resistentes, oferecendo um avanço significativo para pacientes que não respondem adequadamente aos antiepilépticos convencionais. Essa resistência ocorre em aproximadamente 30% dos pacientes epilépticos e constitui um dos maiores desafios na prática clínica neurológica. Os estudos analisados apontam que o uso de CBD pode resultar em uma redução substancial na frequência de crises convulsivas e em uma melhoria geral na qualidade de vida dos pacientes.
Os estudos de Thiele et al. (2021) e Kuhne et al. (2023) destacam a eficácia do CBD em síndromes epilépticas de difícil controle, como as síndromes de Lennox-Gastaut e Dravet. O uso de CBD em doses moderadas, como 25 mg/kg/dia, foi capaz de reduzir as crises convulsivas em aproximadamente 49%, comparado a uma redução de 27% observada em grupos placebo. Esta taxa de redução é particularmente significativa em pacientes pediátricos com epilepsia resistente, que frequentemente enfrentam múltiplas crises diárias, impactando gravemente o desenvolvimento neurológico, cognitivo e social. Klotz et al. (2021), ao abordar casos pediátricos de síndrome de Dravet, observaram que o CBD não apenas diminui a carga de crises, mas também reduz a necessidade de uso concomitante de outros medicamentos antiepilépticos, minimizando assim os efeitos colaterais associados à politerapia.
Uma das principais vantagens do CBD em relação a antiepilépticos tradicionais é seu perfil de segurança. Enquanto os medicamentos antiepilépticos podem causar efeitos adversos graves, como problemas hepáticos, alterações de humor e declínio cognitivo, o CBD apresenta efeitos adversos mais leves, como sonolência e distúrbios de sono, conforme descrito por Mitelpunkt et al. (2019). Isso torna o CBD uma alternativa atraente para uso a longo prazo, especialmente em pacientes pediátricos e idosos, que são mais suscetíveis aos efeitos adversos de medicamentos tradicionais. Além disso, a possível combinação de CBD com doses baixas de THC ou outros canabinoides ainda está em fase exploratória, mas possui grande potencial terapêutico. Estudos futuros, com foco em terapias combinadas, poderão revelar interações sinérgicas que ampliem a eficácia anticonvulsivante do CBD sem comprometer a segurança, conforme sugerido nos primeiros relatos de estudos como o de Erridge et al. (2023).
Em relação ao seu mecanismo de ação e modulação, o CBD atua no sistema endocanabinoide, influenciando a excitabilidade neuronal e a resposta inflamatória, dois fatores críticos na gênese das crises epilépticas. O CBD exerce seu efeito primário através de receptores CB1 e CB2, modulando neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, e inibitórios, como o GABA. A ação sobre esses receptores é capaz de reduzir a hiperexcitabilidade neuronal e, portanto, a predisposição a crises convulsivas, conforme observado por Reddy et al. (2023). A atividade anti-inflamatória do CBD é outro mecanismo essencial, especialmente em síndromes epilépticas associadas a neuroinflamação crônica. Ao reduzir os níveis de citocinas pró-inflamatórias, o CBD pode atuar de maneira a controlar não só as crises agudas, mas também os danos cerebrais associados a crises frequentes e a progressão das doenças epilépticas.
Entretanto, apesar dos avanços, algumas limitações metodológicas são observadas. Estima-se que a resposta ao CBD possa variar significativamente entre os pacientes, dependendo do subtipo de epilepsia, do histórico de resistência medicamentosa e de fatores genéticos. A pesquisa de O’Brien et al. (2022), que não encontrou diferenças significativas entre o CBD e o placebo em um grupo específico de pacientes com epilepsia focal resistente, sugere que subgrupos de pacientes podem responder de maneira distinta ao CBD. Para identificar os perfis mais responsivos, estudos futuros poderiam incluir análises genéticas que auxiliem a personalizar as doses e a identificar combinações específicas de terapias para subtipos de epilepsia.
Outro desafio é a falta de padronização nos protocolos de administração e formulações de CBD, como óleos, cápsulas e extratos de espectro completo ou isolado. Essa variabilidade dificulta a comparação de resultados entre estudos e a aplicação clínica uniforme dos achados. Em uma perspectiva mais ampla, a viabilidade econômica do CBD ainda é uma barreira para muitos pacientes, considerando que o acesso ao produto purificado e em doses adequadas nem sempre é possível, especialmente em contextos de saúde pública. Pesquisas que avaliem o impacto econômico e os custos-benefícios do uso de CBD, em comparação ao uso prolongado de antiepilépticos tradicionais, são necessárias para subsidiar políticas públicas que possibilitem o acesso a essa terapia.
Portanto, a introdução do CBD no tratamento de epilepsias resistentes tem implicações sociais profundas. Em crianças, a redução da frequência de crises convulsivas impacta positivamente seu desenvolvimento neuropsicomotor, escolar e social, proporcionando-lhes uma qualidade de vida melhorada e menos estigmatização. Para adultos e idosos, a melhora na gestão de crises significa maior autonomia e redução dos custos indiretos com cuidados e monitoramento constante. No entanto, o uso de CBD também levanta questões éticas e regulamentares, especialmente em países onde o acesso ao produto é restrito. A aprovação de novos estudos clínicos em diferentes populações e contextos de saúde poderá contribuir para a aceitação e regulamentação do CBD como uma opção terapêutica viável e segura.
Dessa forma, ensaios clínicos randomizados, amplos e de longa duração são essenciais para consolidar a posição do CBD como parte integral do manejo de epilepsias resistentes. Estudos focados em estabelecer a dose-resposta ideal, considerando os diferentes subtipos de epilepsia, a idade e as condições clínicas dos pacientes, são particularmente importantes. Além disso, o impacto de combinações de CBD com outros canabinoides, como THC em doses controladas, poderia abrir novas possibilidades para otimizar o tratamento e minimizar os efeitos adversos. A pesquisa farmacoeconômica sobre o impacto do uso do CBD a longo prazo e a redução de despesas com tratamentos antiepilépticos convencionais pode também oferecer dados robustos para a incorporação desse composto em políticas de saúde pública.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo demonstra que o canabidiol (CBD) é uma alternativa promissora no manejo de epilepsias resistentes, oferecendo benefícios substanciais na redução da frequência e gravidade das crises convulsivas, especialmente em pacientes pediátricos e em síndromes de difícil controle, como as de Lennox-Gastaut e Dravet. A eficácia do CBD, aliada a seu perfil de segurança relativamente favorável em comparação aos antiepilépticos convencionais, sugere que ele pode se tornar um adjuvante terapêutico de grande relevância. No entanto, a variabilidade de resposta em diferentes subtipos de epilepsia e a necessidade de padronização das formulações e dosagens indicam que o uso clínico do CBD deve ser cuidadosamente personalizado. Estudos adicionais, com ensaios clínicos amplos e acompanhamento a longo prazo, são essenciais para consolidar o CBD como uma intervenção terapêutica segura e eficaz no manejo de epilepsias resistentes, permitindo assim seu uso mais difundido e respaldado em políticas de saúde pública.
REFERÊNCIAS
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¹ Discente do curso de medicina do Instituto de Educação Superior do Vale do Parnaíba
² Docente do curso de medicina do Instituto de Educação Superior do Vale do Parnaíba