ANÁLISE DO NÍVEL DE CONHECIMENTO DE ESTUDANTES DE FISIOTERAPIA E DA PERCEPÇÃO DE GESTANTES SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

ANALYSIS OF THE LEVEL OF KNOWLEDGE OF PHYSIOTHERAPY STUDENTS AND PREGNANT WOMEN’S PERCEPTIONS OF OBSTETRIC VIOLENCE

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102410041456


Claudia Aparecida Mencaroni Lopes1,2
Flávia Cristina Sossae1
Maria Lúcia Ribeiro1
Rogério Rodrigo Ramos2


Resumo

A gestação é um período de intensa preparação e adaptação para o parto, durante o qual a mulher deve ser adequadamente orientada sobre o que ocorrerá ao longo da gestação, trabalho de parto, parto e puerpério. No entanto, muitas mulheres não recebem informações completas sobre seus direitos e a autonomia sobre seus corpos no momento do parto, o que tem contribuído para a ocorrência de violência obstétrica (VO) praticada por profissionais de saúde. A educação em saúde surge como uma intervenção fundamental para a promoção da saúde nesse período crucial. O presente estudo tem como objetivo avaliar o nível de conhecimento de estudantes do curso de fisioterapia do UNIFUNEC e de gestantes atendidas na Clínica da Mulher de Santa Fé do Sul. Para isso, foi realizada uma coleta de dados utilizando metodologia observacional, descritivo e transversal, por meio da aplicação de questionários validados e adaptados a 85 gestantes da Clínica da Mulher e 122 alunos do curso de fisioterapia. Os resultados revelaram que o conhecimento sobre os direitos das gestantes e práticas inadequadas ou violentas durante o parto ainda não é plenamente disseminado entre a população, independentemente de variáveis como idade, nível de escolaridade, estado civil e cor da pele. Isso destaca a importância de implementar ações educativas e sociais voltadas para o combate à VO. Assim, é essencial que o tema seja abordado nos cursos de graduação em fisioterapia, com o objetivo de preparar os estudantes para atuar na educação em saúde, promovendo maior conscientização e orientação sobre a VO tanto para futuros profissionais quanto para pacientes.

Palavras-chaves: Fisioterapia; Violência Obstétrica; Educação em Saúde.

Abstract

Pregnancy is a period of intense preparation and adaptation for childbirth, during which women should be adequately informed about what will occur throughout the pregnancy, labor, delivery, and postpartum period. However, many women do not receive complete information regarding their rights and bodily autonomy during childbirth, which has contributed to the occurrence of obstetric violence (OV) perpetrated by healthcare professionals. Health education emerges as a crucial intervention for promoting health during this critical period. This study aims to assess the level of knowledge of physiotherapy students at UNIFUNEC and pregnant women attending the Clínica da Mulher in Santa Fé do Sul. To achieve this, data were collected using an observational, descriptive, and cross-sectional methodology through the application of validated and adapted questionnaires to 85 pregnant women from the Clínica da Mulher and 122 physiotherapy students. The results revealed that knowledge about the rights of pregnant women and inadequate or violent practices during childbirth is still not fully disseminated across the population, regardless of variables such as age, education level, marital status, and skin color. This highlights the importance of implementing educational and social initiatives aimed at combating OV. Therefore, it is essential that this topic is addressed in physiotherapy undergraduate programs, with the goal of preparing students to engage in health education, promoting greater awareness and guidance on OV for both future professionals and patients.

Keywords: Physiotherapy; Obstetric Violence; Health Education.

Introdução

A gestação é um período marcado por profundas modificações físicas e emocionais, que preparam a mulher para o parto e a chegada de um novo ser. Durante o pré-natal, é fundamental que a gestante receba orientações adequadas sobre essas transformações, bem como sobre os eventos que ocorrerão ao longo da gestação, trabalho de parto, parto e puerpério. Mas, a falta de informações sobre seus direitos e a autonomia sobre o próprio corpo durante o parto tem contribuído para a prática da violência obstétrica (VO) por parte de profissionais de saúde (LAGADEC et al., 2018; LOPES; SOSSAE; RIBEIRO, 2024).

A VO é definida como qualquer ato, omissão ou conduta inadequada cometida por profissionais de saúde que desrespeite ou viole os processos corporais naturais da mulher, como negligência, discriminação, violência verbal, abuso sexual, e uso inadequado de tecnologias e intervenções desnecessárias. Ela se manifesta em cinco formas principais: violência física, institucional, moral, sexual, psicológica e verbal, e constitui uma violação de direitos fundamentais, como o direito à dignidade, autonomia, privacidade e igualdade (DINIZ et al., 2015).

Segundo Albuquerque et al. (2022), a prestação de cuidados obstétricos muitas vezes ignora as necessidades reais das mulheres, que frequentemente são submetidas a práticas desumanas e discriminatórias. Para evitar essas práticas, é essencial desenvolver cuidados assistenciais que levem em consideração os aspectos culturais das pacientes, promovendo uma assistência mais humanizada.

As formas mais comuns de VO incluem peregrinação em busca de leito, episiotomias sem justificativa, uso de medicamentos para acelerar o trabalho de parto sem consentimento, e manobras como a de Kristeller, que são proibidas. Além disso, a VO verbal se manifesta por meio de repreensões, ameaças e humilhações durante o parto, perpetuando um ambiente de medo e insegurança (SOUZA et al., 2019). Essas práticas resultam em sentimentos de vulnerabilidade, abandono, e perda de dignidade por parte da mulher.

A prática de VO é uma realidade em várias regiões do Brasil, onde muitas mulheres relatam abusos por profissionais de saúde, configurando um problema de saúde pública reconhecido pela OMS em 2014. O mesmo relatório aponta que mulheres de baixa renda, adolescentes, migrantes e de minorias étnicas são as mais vulneráveis a esses abusos. Segundo a Fundação Perseu Abramo (2010), uma em cada quatro mulheres no Brasil já sofreu algum tipo de VO, e a pesquisa “Nascer no Brasil” (2011-2012) revelou que gestantes atendidas no SUS relataram maus-tratos durante o parto (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996; DOMINGUES et al., 2014).

Muitas mulheres desconhecem seus direitos, o que dificulta o reconhecimento e a denúncia de situações de desrespeito. É crucial que os direitos das mulheres sejam amplamente abordados nas consultas pré-natais, permitindo que as gestantes sejam empoderadas a exercer sua autonomia e denunciar violações, recorrendo a canais como o Ministério Público (KRUSKE et al., 2013; SOLNES et al., 2016).

Portanto, a formação de profissionais de saúde deve ir além da capacitação técnica, envolvendo a troca de informações com pacientes, familiares e comunidades, a fim de promover uma vivência mais positiva do parto. Ações educativas que reduzam a VO são essenciais e devem incluir a avaliação do nível de conhecimento dos diferentes protagonistas, principalmente das gestantes, sobre o que caracteriza a VO.

O objetivo deste estudo foi avaliar o nível de conhecimento sobre VO entre gestantes e estudantes universitários da área da saúde, utilizando um questionário adaptado com doze questões sobre práticas frequentemente observadas. Também foram analisadas as correlações entre o nível de conhecimento e fatores sociodemográficos, como escolaridade, idade, cor da pele e estado civil.

Metodologia

Este estudo é do tipo observacional, descritivo e transversal, utilizando questionário para a coleta de dados. A pesquisa foi realizada na Clínica da Mulher de Santa Fé do Sul e no Centro Universitário de Santa Fé do Sul (UNIFUNEC), com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do UNIFUNEC, sob o parecer nº 5.946.138.

Os critérios de inclusão foram gestantes em qualquer trimestre gestacional, pacientes de pré-natal da Clínica da Mulher de Santa Fé do Sul, e alunos regularmente matriculados no curso de fisioterapia. O critério de exclusão incluiu gestantes de alto risco, aquelas com impedimentos médicos para participar do estudo, e participantes que não assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram investigadas 75 gestantes atendidas na Clínica da Mulher e 122 acadêmicos do curso de fisioterapia do UNIFUNEC durante o primeiro semestre de 2023. Para a aplicação do questionário com as gestantes, seguiu-se um processo estruturado, iniciando com o estabelecimento de uma parceria entre a pesquisadora e a coordenação da Clínica da Mulher, após a apresentação dos objetivos e metodologia da pesquisa. As gestantes que concordaram em participar voluntariamente foram agendadas conforme sua disponibilidade para responder ao questionário.

Dois questionários foram aplicados aos grupos de participantes. O primeiro, de caráter sociodemográfico, coletou informações sobre nível de escolaridade, cor da pele, faixa etária e estado civil. O segundo foi um questionário adaptado, cujas perguntas foram baseadas no Dossiê da Violência Obstétrica ‘Parirás com dor’, encaminhado à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a violência institucional na assistência à gestação e ao parto, conforme disponibilizado pelo Senado Federal Brasileiro (CIELLO, 2012). Nesse questionário (Tabela 1), o nível de conhecimento sobre violência obstétrica (VO) foi avaliado por meio de respostas dicotômicas (sim ou não).

Após a coleta dos dados, estes foram tabulados e submetidos ao teste do qui-quadrado, com o objetivo de identificar possíveis diferenças nas respostas às questões aplicadas, verificando quais conceitos relacionados à VO eram mais ou menos conhecidos. Além disso, foi analisado o nível de conhecimento dos participantes, explorando possíveis relações entre os dois grupos avaliados (universitários e gestantes), bem como as variáveis cor da pele, nível de escolaridade, faixa etária e estado civil. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o software Jamovi 2022.

Tabela 1. Questionário aplicado ao grupo de gestantes da Clínica da Mulher de Santa Fé do Sul e universitários do curso de fisioterapia do Unifunec (ADAPTADO; CIELLO, 2012).

QuestãoPergunta
1Você sabe o que é violência obstétrica?
2Não permitir que a parturiente fique na posição de sua preferência na hora do parto é considerado VO?
3Negar a presença de um acompanhante escolhido pela parturiente na hora do parto é considerado VO?
4Realizar a manobra de Kristeller (subir/apertar/empurrar a barriga para a saída do bebê) é considerado VO?
5Realizar episiotomia (corte na vagina) na hora do parto é considerado VO?
6Restringir a movimentação da mulher durante o trabalho de parto é considerado VO?
7Induzir a parturiente a realizar cesária por senso comum é considerado VO?
8Prestar informações em linguagem pouco comum, de forma grosseira e desrespeitosa é considerado VO?
9Infusão intravenosa de ocitocina é considerada V.O?
10Tricotomia (remoção dos pelos) é considerada VO?
11Não prestar atendimento a gestante em situações de abortamento, investigar e julgar são considerados atos de VO?
12Impedir ou dificultar contato mãe – bebê ou aleitamento mãe – bebê é considerado VO?

Resultados e Discussão

Verificou-se que a percepção dos participantes sobre VO é diferente dependendo do conceito/questão avaliado. As questões 5: “Realizar episiotomia (corte na vagina) na hora do parto é considerado VO?”, 9: “Infusão intravenosa de ocitocina é considerada V.O?” e 10:“Tricotomia (remoção dos pelos) é considerada VO?” foram as que obteram os piores níveis de percepção, e as questões 8:“Prestar informações em linguagem pouco comum, de forma grosseira e desrespeitosa é considerado VO? “, 11: “Não prestar atendimento a gestante em situações de abortamento, investigar e julgar são considerados atos de VO?” e 12: “Impedir ou dificultar contato mãe – bebê ou aleitamento mãe – bebê é considerado VO?” obteram os melhores níveis de resposta (p ≤ 0,01) (Figura 1).

Figura 1. Nível de percepção de gestantes da Clinica da Mulher de Santa Fé do Sul e de acadêmicos do curso de fisioterapia do Unifunec quanto à diferentes assuntos/questões sobre VO (p ≤ 0,01).

Foram verificadas influência dos fatores: tipo de partipante, cor da pele e nível de escolaridade no nível de percepção dos entrevistados, sendo os melhores resultados encontrados entre os universitários, participantes com ensino superior completo e de pele branca (Figura 2, 3 e 4).

Figura 2. Nível de percepção entre o grupo das gestantes da Clinica da Mulher de Santa Fé do Sul e dos acadêmicos do curso de fisioterapia do Unifunec sobre VO (p ≤ 0,01).

Figura 3. Nível de percepção sobre VO dos participantes de acordo com diferentes graus de escolaridade. 2- Ensino Primário incompleto; 3- Ensino Primário Completo; 4- Ensino médio incompleto; 5- Ensino médio completo; 6- Ensino superior incompleto; 7- Ensino Superior Completo. (p ≤ 0,01).

Figura 4. Nível de percepção sobre VO dos participantes de acordo com a cor da pele. 1- Branca; 2- Parda; 3- Negra; 4- Amarela; 5- Indígena. (p ≤ 0,05).

A VO é um termo considerado novo, quando se trata da especificidade do mesmo, onde é limitada informação, sendo mais conhecida por mães e profissionais que buscam pelo tema, ainda não havendo uma divulgação ampla por meios comuns que atingem todos os públicos. Observou-se que apenas 65% das mulheres tem conhecimento a respeito da VO e que a informação parece ter relação com a escolaridade e pele branca. O viés racial implícito pode ser entendido por meio da discriminação e preconceito, resultante de estereótipos à pessoa negra. Este seria o caminho percorrido pelo racismo institucional, possibilitando desigualdades no acesso aos serviços institucionais. É possível observar que a VO atinge altamente as mulheres negras, já que os indicadores sociais apontam que esse público vive mais expressivamente a desigualdade (LÓPEZ, 2012; ASSIS, 2018).

Ou seja, por meio do racismo incubado na sociedade, as mulheres negras são descriminadas e sofrem com o preconceito, sendo atingidas em grande maioria pela VO. No entanto, o presente estudo não demonstra relação estatística da raça que mais sofre com a violência, mas sim a relação das mulheres entrevistadas na clínica da mulher para abordar o conhecimento sobre o tema, na qual grande parte das participantes se identifica com a cor branca (52%).

Quanto ao estado civil, mais da metade das gestantes (71%) são casadas/união estável. Uma pesquisa realizada em Minas Gerais, demonstra que há uma prevalência de 78% de VO em mulheres casadas/união estável. Um estudo realizado com 446 mulheres, 16 afirmaram não ter a presença de um parceiro ou acompanhante homem, sendo que todas afirmaram ter sofrido algum abuso ou desrespeito, não ficando esclarecido se esse fator se deve a presença de um acompanhante que observaria e relataria uma violência ou apenas pelo fato de o acompanhante ser do sexo masculino (OKAFOR, 2015; OLIVEIRA, 2016).

A prática da episiotomia se incorporou à rotina da assistência ao parto desde o início do século passado com a intenção de reduzir o dano causado pela laceração natural do períneo, reduzir o risco de uma posterior incontinência urinária e fecal, e proteger o neonato do trauma do parto. Essa prática foi incorporada à rotina da assistência obstétrica sem que nenhum trabalho que avaliasse seus riscos e benefícios tivesse sido realizado. Contudo, estudos controlados demonstram que a episiotomia aumenta o risco de laceração perineal de terceiro e quarto graus, de infecção e hemorragia, sem diminuir as complicações a longo prazo de dor e incontinência urinária e fecal (LEAL et al., 2014).

A partir dos estudos realizados, a tentativa da OMS de reduzir a quantidade de episiotomias tem sido cada vez maior, com porcentagem ideal proposto de no máximo 30%. Porém, algumas mulheres ainda acreditam que trata-se de uma rotina ou que é necessária a realização desse procedimento no momento em que o parto está ocorrendo, por achar que não há espaço suficiente para saída do bebê, sem ter conhecimento dos riscos, facilitando assim que a episiotomia continue sendo utilizada sem o menor pudor em partos que possivelmente não seria necessária. Baseado no questionário realizado, mais de 50% das mulheres afirmaram que a episiotomia não é considerado VO. No entanto, o que se observa na realidade é uma imposição da vontade da equipe no momento do parto, indicando claramente um caso de VO, onde a mulher se encontra em estado de fragilidade, buscando o melhor para seu bebê.

A ocitocina utilizada de modo rotineiro é considerada um tipo de VO, com os dados obtidos pode-se observar que as mulheres e os estudantes não possuem conhecimento sobre os riscos que esta droga trás durante o parto, sendo que 60% das mulheres e 43% dos alunos não consideram a ocitocina um tipo de VO. O uso da ocitocina é frequente como forma de acelerar o trabalho de parto, assim, as mulheres são internadas precocemente. A dor provocada pelo uso da droga aumenta o risco de sofrimento fetal. O uso da ocitocina pode levar a um parto cirúrgico (ZORZAM; CAVALCANTE, 2017).

Pode-se observar dentre a resposta dos alunos e das gestantes que ambos não consideram essa restrição de movimentos durante o trabalho de parto como uma VO, onde 33% dos alunos e 37% das mulheres disseram não ser. De acordo com o Ministério da Saúde, as mulheres devem ser encorajadas a se movimentar e adotarem as posições que lhes sejam mais confortáveis (BRASIL, 2016).

Corroborando com esta afirmação tem-se o estudo de Wei et al. (2011) que diz que a locomoção durante o trabalho de parto traz benefícios como, redução da dor, acelera o trabalho de parto, aumenta a dilatação provocada pela deambulação, além de ter a gravidade atuando positivamente nesses casos.

De acordo com as Diretrizes para o Parto descrita pelo Ministério da Saúde, a mulher precisa se colocar na posição mais confortável para ela parir e não para a equipe (BRASIL, 2016).

Em um estudo realizado em uma maternidade pública do Rio de Janeiro, foram analisados 3540 partos do ano de 2005 quanto às posições verticais e horizontais. Fica evidenciado que, com a adoção da posição vertical, mesmo não sendo realizada episiotomia de rotina, não aconteceram lacerações perineais que exigissem sutura ou reconstituição (MOUTA, 2008).

Outro problema enfrentado pelas mulheres por parte dos profissionais é induzir a parturiente a realizar cesárea por senso comum, onde por meio dos dados coletados, essa pesquisa obteve dados significativos, onde 55% das gestantes consideraram um tipo de violência e 61% dos estudantes.

A cesárea eletiva, ou seja, sem necessidades em mulheres que poderiam ter um parto normal, é considerado um tipo de violência. No Brasil é o país com maior índice mundial de cesáreas, sendo de 27% na rede pública e até 90% na rede privada, enquanto o recomendado pela OMS em 2012 seria de 10% a 15% ao ano (SALGADO, 2012).

De acordo com os dados coletados pode-se observar que tanto os alunos quanto as gestantes não consideram a tricotomia como uma VO, sendo que mais de 70% deles votaram como não. Ministério da Saúde descreve que a tricotomia pubiana não deve ser realizada durante o parto, pois não traz benefícios significativos e apresentam danos como infecções por má raspagem e ferimentos na pele (BRASIL, 2016). Sodré e Lacerda (2007) comunicam que a raspagem dos pêlos pubianos ou perineais é um procedimento que reduzia o risco de infecção, caso houvesse laceração perineal espontânea ou se fosse necessário a realização de uma episiotomia, favorecendo uma sutura mais fácil e segura. No entanto, não existem evidências que demonstrem a eficácia da tricotomia na diminuição dos casos de morbidade febril materna. No mesmo sentido, Porto et al. (2010) enfatiza que não existem elementos suficientes para recomendar a indicação de tricotomia e nem o uso de enema, o qual, de acordo com os profissionais, facilitaria o parto e diminuiria o risco de contaminação fetal ao nascimento, se o reto estivesse vazio. Contudo, tanto a prática da tricotomia, como o uso de enema, são consideradas pela OMS condutas que deveriam ser eliminadas.

Ações de educação em saúde são parte essencial da assistência pré-natal, que não deve se restringir apenas às abordagens clínico-obstétricas. A assistência integral deve considerar a história obstétrica prévia e investigar aspectos antropológicos, sociais, econômicos e culturais, para que os profissionais compreendam as mulheres em seu contexto de vida. Dessa forma, busca-se preparar a mulher para a maternidade e para um parto e puerpério saudáveis, combinando ações clínicas com educação em saúde e os encaminhamentos necessários.

O fisioterapeuta desempenha um papel fundamental na preparação física da gestante, participando ativamente desse processo ao longo da gestação. Além disso, sua função vai além do preparo físico, ao fornecer informações sobre os direitos das gestantes, prevenindo casos de VO e garantindo que a mulher possa decidir, de forma informada, sobre seu plano de parto em conjunto com outros profissionais de saúde.

Considerações Finais

O estudo destaca a importância da educação em saúde no que tange aos direitos garantidos durante o parto e o pós-parto, reforçando a necessidade de conscientizar as mulheres sobre os diferentes tipos de violência que podem ocorrer desde o pré-natal. É fundamental que elas sejam empoderadas com informações científicas e atualizadas sobre as modalidades de parto, permitindo que façam escolhas informadas quanto ao nascimento de seus filhos, garantindo que sua autonomia seja plenamente respeitada.

Apesar de os resultados indicarem a presença de diversas situações de VO no cotidiano, muitas mulheres ainda não reconhecem os constrangimentos aos quais foram submetidas como formas de violência. Esse desconhecimento faz com que a VO permaneça, em grande parte, invisível e frequentemente naturalizada pelas vítimas, que não recorrem a canais de denúncia, como ouvidorias ou gestores, por acreditarem que tais práticas são parte do atendimento padrão.

Portanto, o conhecimento sobre a VO não deve se limitar apenas às mulheres, mas deve ser ampliado para toda a sociedade, incluindo pesquisadores, acadêmicos, médicos e outros profissionais de saúde. Somente assim será possível promover uma atuação coletiva e eficaz para erradicar essas práticas e garantir um atendimento humanizado e respeitoso.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Não aplicável.

REFERÊNCIAS

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1Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Doutorado) em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente pela Universidade de Araraquara, Araraquara, Brasil
2Centro Universitário de Santa Fé do Sul (UNIFUNEC), Santa Fé do Sul, Brasil