REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10211203
Lorrana do Vale Moreira¹
Antonio Roger Mesquita Sousa²
Esterffane Rodrigues de Paiva³
Maria Letícia Caetano Araújo4
Geisa do Vale Moreira5
Lucas Fernandes Flores Ferraz6
RESUMO
Desde o início da pandemia de COVID-19 muitas foram as teorias sobre como pacientes com câncer seriam afetados, fosse por uma maior possibilidade de eventos clínicos graves e maior taxa de mortalidade quando infectados ou pelo impacto nos diagnósticos e tratamentos, além das incertezas que isso traria para o prognósticos desses pacientes. Dessa forma, o presente trabalho terá como objetivo analisar o impacto da pandemia de COVID-19 no diagnóstico e no tratamento de pessoas com câncer nas regiões do Brasil, comparando os dados sobre diagnóstico e tratamento de um período pré-pandemia com o período pandêmico. Para isso, estudo ecológico de séries temporais de perfil exploratório foi realizado com dados coletados do PAINEL-Oncologia-Brasil da plataforma DATASUS acerca do número de diagnósticos por região, número de tratamentos (com a correlação da faixa etária e o tempo de início dos procedimentos) por região e o número de cirurgias oncológicas por região, para fins comparativos entre o período pré-pandemia e o período pandêmico. Os intervalos de tempo analisados consistem em anos anteriores à pandemia de COVID-19, 2017, 2018 e 2019, e um período de pandemia, em 2020. Nosso estudo evidenciou que a tendência de aumento verificada no primeiro intervalo de tempo sofreu reversão com uma queda significativa no número de diagnósticos e de tratamentos oncológicos realizados no país. Os dados relativos ao decréscimo do tratamento podem ser constatados através de seus números consolidados totais, de tratamento por faixa etária e de volume cirúrgico. Além disso, foi possível demonstrar que houve alargamento no intervalo de tempo entre o diagnóstico de câncer e o recebimento do primeiro tratamento. Ainda, houve um aumento no número de pacientes acima dos 75 anos que faltaram ao seu tratamento e redução do número de cirurgias oncológicas realizadas. Diante disso, nota-se que a redução do desempenho dos centros de oncologia no ano pandêmico afeta o prognóstico dos pacientes portadores da doença, necessitando de medidas de controle sobre os danos causados pelo período pandêmico, para que os setores de oncologia possam estar aptos para receber os pacientes que retardaram as consultas em 2020, de modo a evitar um futuro colapso no sistema de saúde brasileiro.
Palavras-chave: Câncer. COVID-19. Brasil. Diagnóstico oncológico. Tratamento oncológico.
ABSTRACT
Since the beginning of the COVID-19 pandemic many have been theories about how cancer patients would be affected, was for a greater possibility of serious clinical events and a higher mortality rate when infected or by the impact on diagnoses and treatments, beyond the uncertainties this would bring to the prognosis of these patients. Thus, the present work will aim to analyze the impact of the COVID-19 pandemic on the diagnosis and treatment of people with cancer in the regions of Brazil, comparing data on diagnosis and treatment of a pre pandemic period with the pandemic period. For this, ecological study of time series of exploratory profile was carried out with data collected from the PANEL-Oncology-Brazil of the DATASUS platform about number of diagnoses by region, number of treatments (with agegroup correlation and time of initiation of procedures) by region and the number of oncological surgeries per region, for comparative purposes between the pre-pandemic period and the pandemic period. The time intervals analysed consist of years prior to the COVID-19, 2017, 2018 and 2019 pandemic pandemics, and a pandemic period in 2020. Our study showed that the trend of increase observed in the first time interval was reversed with a significant decrease in the number of diagnosis and cancer treatments carried out in the country. Data on the decrease in treatment can be verified through their total consolidated figures, treatment by age group and surgical volume. In addition, it was possible to demonstrate that there was an enlargement in the time interval between the diagnosis of cancer and the receipt of the first treatment. Furthermore, there was an increase in the number of patients over 75 years who missed their treatment and reduction in the number of oncological surgeries performed. Therefore, it is noted that the reduction in the performance of oncology centers in the pandemic year affects the prognosis of patients with the disease, needing control measures over the damage caused by the pandemic period, so that the oncology sectors can be able to receive patients who delayed appointments in 2020, in order to avoid a future collapse of the brazilian health system.
Keywords: Cancer. COVID-19. Brazil. Cancer diagnosis. Cancer treatment
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde, em 11 de março de 2020, declarou o surto de COVID19 iniciado em dezembro de 2019 na China como uma pandemia, dado o crescente número de casos notificados da doença em território chinês e em diversos países ao redor do mundo (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2020). Apesar de, na ampla maioria de casos, os infectados por Sars-Cov-2 apresentarem apenas sintomas gripais leves, sendo a febre, a tosse e a falta de ar os principais sinais e sintomas relatados pelos pacientes infectados (GUAN et al., 2020), o nível de gravidade da doença causada pelo Sars-Cov-2 está diretamente ligada a idade, ao sexo biológico, a competência imunológica do paciente e a existência de comorbidades, a exemplo do câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, entre outras. Essas características, conforme disposto na literatura produzida até o momento, são fatores de risco para o agravamento da infecção por Sars-Cov-2 (CHEN et al., 2020; WU; MCGOOGAN, 2020).
Atualmente, segundo dados do Johns Hopkins Coronavirus Resource Center, em todo o mundo já foram confirmados mais de 229 milhões de casos de coronavírus com mais de 4,7 milhões de mortes (JOHNS HOPKINS UNIVERSITY AND MEDICINE, 2021). Já no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde, foram confirmados mais de 20,9 milhões de casos da doença, com mais de 585 mil mortes por COVID-19 desde a confirmação do primeiro caso em 26 de fevereiro de 2020 (BRASIL, 2021). Esses números expressam a gravidade da emergência em saúde pública causada pela pandemia de coronavírus, a qual gerou forte impacto no acesso aos serviços de saúde no Brasil, com redução de 25% em consultas com especialistas e de 16% em internações (COLLUCCI; FARIA, 2021), além de saturar o Sistema Único de Saúde pela alta demanda de casos com necessidade de internação em enfermarias e unidades de terapia intensiva (UTIs).
Como exposto anteriormente, no contexto da pandemia, a capacidade de atendimento das instituições de saúde para doenças que não sejam a COVID-19 foi fortemente afetada, tanto pelo redirecionamento de estruturas e profissionais de saúde, quanto pelo temor da grande maioria da população em buscar esses serviços e se infectar. Essa forte pressão sobre o sistema de saúde brasileiro afetou de maneira especial o diagnóstico e a terapia contra o câncer, o que gera incertezas quanto ao prognóstico desses pacientes. Os centros de oncologia são um exemplo do impacto causada pela pandemia no acesso aos serviços de saúde , os quais por tratarem de pacientes incluídos no grupo de risco para a infecção por coronavírus, tiveram sua rotina fortemente afetada, com a necessidade de redefinição de estratégias de atendimento, diagnóstico e tratamento, a fim de evitar a infecção dos pacientes pelo vírus e ao mesmo tempo oferecer o tratamento adequado para combater o câncer (RAYMOND et al, 2020)
O câncer é uma doença resultante de alterações genômicas sucessivas que conferem caráter maligno as células ao propiciar um crescimento desordenado e formação de tumores, apresentando fatores hereditários e ambientais forte relação com o processo de oncogênese em diversos tipos de neoplasias (INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER [INCA], 2020). Tal doença maligna apresenta alta taxa de mortalidade quando não tratada ou quando identificada em estágios avançados da doença. Estudos revelaram que, após interrupções no tratamento do câncer durante o furacão Katrina, a mortalidade em um período de 10 anos entre os sobreviventes diagnosticados com câncer, dentro dos 6 meses de furacão, foi maior em relação a outras jurisdições, analisando-se o mesmo período de tempo. (BELL et al., 2020).
Tendo em vista esse cenário, um estudo realizado em um centro oncológico na cidade de São Paulo, demonstrou declínio significativo no número de consultas oncológicas e de pacientes em tratamento, redução no tempo de internação em oncologia clínica e no número de cirurgias oncológicas e decréscimo nos números relacionados a transplante de células tronco após o início da ampla disseminação de COVID-19 ao comparar o período pandêmico com o período pré-pandêmico, o que pode ocasionar em prejuízos nos resultados clínicos desses pacientes (ARAUJO et al.,2020). Dessa forma, tendo em vista o contexto mundial, especialmente no Brasil, a exposição de evidências científicas acerca do impacto da pandemia sobre pacientes com câncer e o fato de que mais estudos necessitam ser realizados para constatar o impacto da pandemia de COVID-19 sobre o diagnóstico e tratamento desses pacientes, fazse necessário um estudo retrospectivo a partir dos dados de câncer no país, a fim de analisar as implicações que o coronavírus trouxe para o setor de oncologia.
OBJETIVOS
Analisar o impacto da pandemia de COVID-19 no diagnóstico e no tratamento de pessoas com câncer nas regiões do Brasil, comparando os dados sobre diagnóstico e tratamento de um período pré-pandemia com o período pandêmico.
MÉTODO
Este é um estudo ecológico de séries temporais de perfil exploratório que busca compreender o impacto da pandemia de COVID-19 no diagnóstico e tratamento de pessoas com câncer em centros de referência em oncologia no Brasil. Para isso, foram coletados dados do PAINEL-Oncologia-Brasil da plataforma DATASUS acerca do número de diagnósticos por região, número de tratamentos (com a correlação da faixa etária e o tempo de início dos procedimentos) por região e o número de cirurgias oncológicas por região, para fins comparativos entre o período pré-pandemia e o período pandêmico. Os intervalos de tempo analisados consistem em anos anteriores à pandemia de COVID-19, 2017,2018 e 2019, e um período de pandemia, 2020, na perspectiva de analisar tal conjuntura, para que assim, sejam observadas possíveis alterações nos padrões de dados em relação aos anos anteriores. Para análise do período de pandemia será realizada a coleta de dados referentes a um certo período de 2020, a fim de colher informações que demonstrem uma possível repercussão negativa nas variáveis observadas em comparação com períodos semelhantes dos anos anteriores. Não foi necessário análise do comitê de ética para esse projeto, visto que os dados são agrupados e não foram acessados identificação e nem dados individuais dos pacientes em qualquer momento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise do número de diagnósticos de câncer entre 2017 e 2020 nas regiões brasileiras, apresentado no gráfico 1, permite avaliar uma ruptura em 2020 no perfil de aumento registrado nos anos anteriores. Na região Norte, houve 7.555 casos diagnosticados em 2017, com um aumento nos anos 2018 (cerca de 41%) e 2019 (cerca de 70% em relação ao ano anterior). No entanto, observa-se uma redução de cerca de 3% nos diagnósticos em relação ao ano anterior. Na região Nordeste, 40.608 diagnósticos foram registrados em 2017, com acréscimo em 2018 (cerca de 97%) e 2019 (cerca de 55%) em relação aos seus respectivos anos anteriores, porém em 2020 houve um decréscimo de cerca de 18% em comparação a 2019. Na região Sudeste em 2017 ocorreram 79.151 diagnósticos, com o perfil de crescimento em 2018 (cerca de 76%) e 2019 (cerca de 61%) sobre seus respectivos anos anteriores. Entretanto, em 2020 nota-se uma redução de 19.213 casos (cerca de 9%) em relação ao ano antecessor. O Centro Oeste brasileiro registrou em 2017 um total de 10.403 pacientes diagnosticados com câncer, com um padrão de aumento de casos em 2018 (cerca de 62%) e 2019 (cerca de 83%) que não permaneceu em 2020, visto que nota-se um decréscimo de 4.683 diagnósticos (cerca de 16%) quando comparado ao período anterior. Na região Sul, 39.513 casos foram registrados em 2017, cujo perfil de aumento em 2018 (cerca de 82%) e 2019 (cerca de 79%) não foi continuado em 2020, no qual observou-se uma diminuição de 6.834 ocorrências (cerca de 6%).
Em relação aos tratamentos oncológicos a avaliação entre o período 2017-2019 (prépandêmico) e 2020 (pandêmico), exposto no gráfico 2, permite observar que em três regiões do Brasil ocorreu um decréscimo de casos em 2020 e nas regiões contrárias a essa redução, seu crescimento foi sutil em comparação aos anos que antecederam a pandemia. Com isso, na região Norte, em 2017 foram registrados 4.811 tratamentos, com aumento nos períodos 2018 (cerca de 80%), 2019 (cerca de 18%) e 2020 (cerca de 1,5%) em comparação com seus respectivos anos precedentes. A região Nordeste obteve 28.228 procedimentos terapêuticos em 2017, seguido com acréscimo em 2018 (cerca de 77% ) e em 2019 (cerca de 22%) em relação aos anos anteriores. No entanto, 2020 registrou um decréscimo de 4.975 (cerca de 8%) no número de tratamentos. O Sudeste brasileiro realizou 55.079 tratamentos em 2017 , casos que seguiram de modo crescente em 2018 (cerca de 77%) e 2019 (cerca de 23%), no entanto houve uma queda de 5.128 (cerca de 4,2%) no número de tratamentos em 2020. Na região Centro-Oeste houve 7.223 métodos terapêuticos em 2017, esse valor foi crescente nos anos 2018 (cerca de 80%) , 2019 (cerca de 26%) e 2020 (cerca de 0,7%). O Sul do país registrou 28.968 tratamentos em 2017, com crescimento em 2018 (cerca de 88%) e em 2019 (cerca de 27%), comparados a seus respectivos anos anteriores. Entretanto, no período de 2020 houve um decréscimo de 3.304 (cerca de 5%) nos casos.
Na perspectiva de analisar o impacto da pandemia de COVID-19 no tempo de tratamento de pacientes com câncer, realizou-se um comparativo entre o período pré-Covid-19, o que compreende os anos de 2017, 2018 e 2019, e o período pandêmico, em questão o ano de 2020, relativo ao período de tratamento, sob a perspectiva de três intervalos: Até 30 dias, de 31 a 59 dias e a partir de 60 dias. A análise dos dados, exibida no gráfico 3, é referente às regiões brasileiras (Centro-Oeste, Sul, Sudeste, Norte e Nordeste). No que concerne o período de tratamento até 30 dias, pode-se salientar que durante os três anos pré-pandêmicos houve uma tendência de crescimento do número de casos de câncer tratados nesse intervalo de tempo, configurando uma eficácia da metodologia terapêutica precoce. Contudo, essa tendência não se manteve no ano de 2020, pois houve um decaimento do número de pessoas tratadas, visto que na Centro-Oeste houve um decréscimo de 6,5%, na região Sul de 10,3%, no sudeste de 9,7% e no Nordeste de aproximadamente 15% entre o período de 2019 e 2020, evidenciando uma restrição significativa de tratamentos, o que confirma o atraso em virtude da pandemia. Essa tendência é reafirmada ao se analisar o aumento do número de pacientes tratados no intervalo de 31 a 59 dias, ocorrendo um aumento de 3,2% no Centro-Oeste; 3,9% no Sul; 8,3 % no Sudeste e 7,5% no Norte, elucidando uma prerrogativa terapêutica para períodos mais longos. Já no período de tratamento para mais de 60 dias, nota-se um aumento significativo do número de casos em algumas regiões como no Centro-Oeste que é de aproximadamente 5,3% e no Sul é em torno de 3,8%, o que valida a tendência de atrasos no período de tratamento durante a pandemia da Sars-Cov-2.
Referente ao comparativo do número de cirurgias oncológicas realizadas no período de pré-pandemia (2017,2018,2019) e no período da pandemia de COVID-19 (2020) nas regiões brasileiras, registrado no gráfico 4, observou-se um declínio substancial do número total de procedimentos cirúrgicos em pacientes com câncer, uma vez que houve diminuição de 3,4% na região Norte; 19,2% na região Nordeste; 13,2% na região Sudeste; 10% no Centro-Oeste e de 12,3% no Sul no ano de 2020 relativo ao de 2019. Esse panorama reflete o impacto da pandemia do coronavírus nos diversos âmbitos de saúde, sendo prorrogados em virtude da necessidade de priorizar serviços para o combate ao COVID-19.
Relativo ao tratamento por faixa etária, no que concerne a região Norte, nota-se uma tendência de aumento do número de tratamento de pessoas com mais de 75 anos no período pré-pandemia, que inclui os anos de 2017, 2018 e 2019. No entanto, essa inclinação muda a partir da pandemia de Sars-Cov-2 em 2020, sendo possível observar uma diminuição do número de pessoas tratadas a partir de 75 anos, havendo um decréscimo de aproximadamente 8,1%, enquanto que nos intervalos de de 0 a 24 , 25 a 49 e de 50 a 74 anos não observou-se regressão.
Na região Nordeste, a tendência de aumento no número de tratamentos por faixa etária mantém-se nos períodos de 2017, 2018 e 2019, havendo, contudo, um decréscimo no ano de 2020 referente à pandemia de Covid-19. Dessa forma, pode-se salientar que no período de 2019 a 2020 houve uma diminuição no tratamento de pessoas com câncer, havendo um declínio de 8,1% na faixa etária de 0 a 24 anos; 7,6 % na de 25 a 49; 6,6% na de 50 a 74 anos e declínio de 15% no público com mais de 75 anos.
Na região Centro-Oeste, o principal público com tratamento atingido pela pandemia de COVID-19 foi a faixa etária de pessoas com mais de 75 anos, havendo um declínio de aproximadamente 8,5% no ano de 2020, o qual deflagrou-se a pandemia, em relação a 2019, que seguia uma tendência de aumento analisada em 2017, 2018 e 2019. Já as faixas etárias de 0 a 24, 25 a 49 e de 50 a 74 anos não mostraram diminuição referente ao período analisado.
Na região Sudeste, nota-se um perfil de crescimento nos casos de tratamento das faixas etárias entre 2017, 2018 e 2019, seguido de um decréscimo em 2020 (período pandêmico) comparado ao seu respectivo ano anterior. Nos pacientes com idade de 0 a 24 anos houve um decréscimo nos procedimentos terapêuticos de cerca de 7% em 2020. Em relação ao intervalo entre 25 a 49 anos o padrão de crescimento é descontinuado com a redução de cerca de 2,1% no período da pandemia. A faixa etária de 50 a 74 anos teve uma diminuição de cerca de 3,5% em 2020. Nos tratamentos com pacientes a partir de 75 anos o perfil de acréscimo obtido entre 2017- 2019 também foi cessado em 2020 com uma redução de cerca de 10%, representando a faixa etária com maior declínio observado no período da pandemia de Sars-Cov-2.
A região Sul obteve acréscimos nos casos de tratamento de câncer em 2017, 2018 e 2019, no entanto em 2020, ano que desencadeou a pandemia de COVID-19, houve uma redução no número de modalidades terapêuticas em relação ao seu ano anterior. O intervalo entre 0 a 24 anos obteve um decréscimo de cerca de 5% no período pandêmico. Pacientes com a faixa etária de 25 a 49 anos observou-se uma redução de cerca de 4% em 2020. Os casos de tratamento na faixa de 50 a 74 anos obtiveram uma diminuição de cerca de 4,2 % no ano de 2020. Os pacientes a partir de 75 anos reduziram em cerca de 8,1% os casos de tratamento, faixa etária que sofreu maior declínio de atendimentos durante o ano da pandemia. Essa análise do número de tratamentos por idade é representada nos gráficos 5, 6, 7 e 8.
Gráfico 1 – Número de Diagnósticos Oncológicos nas Regiões Brasileiras por Ano.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Gráfico 2 – Número de Tratamentos Oncológicos nas Regiões Brasileiras por Ano.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Gráfico 3 – Tempo de Início dos Tratamentos Oncológicos nas Regiões Brasileiras por Ano.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Gráfico 4 – Número de Cirurgias Oncológicas nas Regiões Brasileiras por Ano.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Gráfico 5 – Número de Tratamentos nas Regiões Brasileiras na Faixa Etária 0 a 24 Anos.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Gráfico 6 – Número de Tratamentos nas Regiões Brasileiras na Faixa Etária 25 a 49 Anos.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Gráfico 7 – Número de Tratamentos nas Regiões Brasileiras na Faixa Etária 50 a 74 Anos.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Gráfico 8 – Número de Tratamentos nas Regiões Brasileiras na Faixa Etária a Partir de 75 Anos.
Fonte: Dados do Painel-Oncologia, DATASUS.
Por meio de um estudo retrospectivo dos dados consolidados sobre câncer disponíveis no PAINEL-Oncologia-Brasil da plataforma DATASUS do Ministério da Saúde, a análise dos números do período pré-pandêmico de 2017 a 2019 em comparação com o período pandêmico de 2020, evidenciou que a tendência de aumento verificada no primeiro intervalo de tempo sofreu reversão com uma queda significativa no número de diagnósticos e de tratamentos oncológicos realizados no país. Os dados relativos ao decréscimo do tratamento podem ser constatados através de seus números consolidados totais, de tratamento por faixa etária e de volume cirúrgico. Além disso, foi possível demonstrar que houve alargamento no intervalo de tempo entre o diagnóstico de câncer e o recebimento do primeiro tratamento.
Como já apontado nesse trabalho, a pandemia fez com que houvesse redução importante no número de consultas nos serviços especializados de saúde brasileiros e, consequentemente, reduziu o número de diagnósticos realizados nesse período. Assim sendo, os dados que demonstram o número de diagnósticos de câncer por região no Brasil acompanham essa tendência de queda relativa à assistência especializada em saúde. Nota-se que em todas as regiões brasileiras ocorreu redução de diagnósticos no ano de 2020 em comparação com o ano de 2019, havendo quebra da tendência de crescimento vista nos anos anteriores, com as maiores reduções ocorrendo nas regiões Nordeste com 18% e Centro-Oeste com 16%.
Podemos destacar como fator relacionado a essa diminuição de diagnósticos o fato que no início da pandemia de coronavírus a recomendação para que todos permanecessem em casa e evitassem ao máximo os ambientes de cuidado em saúde para realização de consultas e exames que pudessem ser adiados com segurança, fez com que menos pessoas procurassem serviços médicos. Outro fator que merece destaque é a distribuição de oncologistas no país, que de acordo com a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (2018) apresenta maior concentração nas Regiões Sudeste e Sul, com especial atenção para São Paulo, perspectiva que se mantém de acordo com dados do relatório Demografia Médica no Brasil 2020. Dessa forma, o advento da pandemia e o recrutamento do maior número de médicos para tratar pacientes com covid, além daqueles profissionais infectados em quarentena, contribuíram para reduzir ainda mais a disponibilidade de médicos especialistas para realização do correto diagnóstico.
Ao se analisar os números consolidados sobre tratamento em todas as regiões do Brasil observamos decréscimo nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, com leve acréscimo nas regiões Norte e Centro-Oeste. Novamente a região Nordeste apresentou a maior redução entre os períodos comparados, com 8%, seguida do Sul (5%) e Sudeste (4,2%). Essa redução quanto a terapia oncológica pode ser devida ao fato de que as regiões que apresentaram queda quanto ao número de tratamentos oncológicos realizados no ano de 2020, apresentaram no decorrer da pandemia os maiores números de casos e mortes por COVID-19, fato que se mantém até o presente momento, de acordo com dados disponíveis no Painel Coronavírus do Ministério da Saúde do Brasil.
Concorrente a isso, as recomendações para que pacientes com câncer evitassem ao máximo os ambientes de saúde dado estudos indicarem que esses pacientes apresentavam uma alta taxa de mortalidade quando da sua contaminação em ambientes hospitalares como ambulatórios e pronto-socorros (MEHTA et al., 2020). Além disso, as terapias antitumorais podem contribuir em conjunto com o próprio tumor para a maior imunossupressão dos pacientes e dessa forma predispor a eventos clínicos graves na infecção por COVID-19. Contudo, é sem dúvidas preocupante essa redução das terapias antitumorais, uma vez que é sabido que o tratamento do câncer é extremamente importante para evitar sua progressão e no prognóstico de vida do paciente, podendo acarretar uma pior perspectiva quanto às taxas de cura e de sobrevida livre de câncer.
Em nossa análise foi possível constatar um aumento no tempo desde o diagnóstico até receber o primeiro tratamento, com decaimento dos números de até 30 dias e aumento nas faixas superiores a esse limite (31 a 59 dias e 60 dias ou mais). Concomitantemente, foi possível observar queda nos números de procedimentos cirúrgicos oncológicos, fato que demonstra relação com o aumento do período para recebimento do primeiro tratamento, uma vez que a cirurgia oncológica se configura como uma das modalidades terapêuticas possíveis. Esse alargamento do tempo de tratamento é bastante preocupante, pois é sabido que quanto mais precoce for instituída a terapêutica melhor será o prognóstico do paciente. Um fator que pode está envolvido na redução do número de cirurgias oncológicas realizadas no ano de 2020 é o fato de que estudos e diversas sociedades oncológicas no mundo apontaram para a possibilidade de adiamento de cirurgias eletivas em pacientes cujo adiamento não implique em mudança do prognóstico, posição endossada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (2021) que lançou recomendações para tomada de decisões sobre realização de cirurgias levando em consideração o perfil epidemiológico de cada região. Para além disso, estudo multicêntrico realizado por Dai et al. (2020) demonstrou que pacientes submetidos à cirurgia de câncer apresentaram maiores taxas de mortalidade, maiores chances de ser admitidos em UTIs e receber ventilação mecânica invasiva, além de maiores chances de apresentar sintomas críticos.
Acerca do exposto é importante ressaltar os tratamentos por faixa etária ,que apesar de não terem sido reduzidos em todas as idades nas diferentes regiões brasileiras apresentou um dado que se repetiu em todas as análises, visto que, em todas elas houve decréscimo no tratamento de pacientes com idade superior ou igual a 75 anos. Alguns motivos podem ter contribuído para essa situação, como por exemplo recomendações dos órgãos de saúde pública que orientaram a prática do isolamento domiciliar, principalmente para idosos portadores de comorbidades, como hipertensão arterial sistêmica, que constitui cerca de 60% dos idosos brasileiros e diabetes mellitus que constitui 23% do mesmo grupo (Brasil, 2020), o que pode ter inibido a busca por serviços de saúde. Além disso, o tratamento oncológico nesses pacientes, como seções de radioterapia e quimioterapia, podem expor os mesmos a maiores riscos de terem complicações graves ao contrair Covid-19 (INCA, 2020). Estudos semelhantes também denotaram a baixa adesão de pacientes idosos ao tratamento e a busca por atendimento durante a pandemia, como demonstra uma pesquisa realizada em Xangai, ao analisar indivíduos portadores de câncer colorretal (XU et al.,2021).
O presente estudo, representa uma análise retrospectiva do quadro oncológico em diferentes regiões do Brasil. Como limitações, a utilização de dados generalizados inviabiliza uma análise minuciosa acerca da situação epidemiológica do câncer, além de impossibilitar o conhecimento do estadiamento da doença e não utilizar parâmetros de tratamento para análise. A pesquisa também pode estar sujeita a subnotificação dos dados, que apesar de possuir caráter de notificação compulsória, pode sofrer atraso de repasse de dados no sistema utilizado. Além do exposto, a utilização de dados anuais não pode representar de maneira absoluta o padrão de acréscimos e decréscimos mensais, do mesmo modo que a análise de regiões pode não demonstrar o padrão estadual ou municipal dos dados colhidos.
Assegurar o bem estar dos pacientes com câncer em um cenário pandêmico se mostra uma tarefa importante para a continuidade do tratamento, que deve ser priorizada pelos centros oncológicos, além de oferecer um local seguro para que estes se sintam aptos a buscar atendimento e diagnóstico. O fortalecimento da perspectiva de que muitos pacientes não buscaram atendimento por se sentirem inseguros e vulneráveis se mostra relevante para o estudo, a partir da coleta de dados, principalmente, em pacientes acima de 75 anos.
CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo realizado sobre o setor de oncologia nas regiões brasileiras permitiu expor as repercussões negativas que a pandemia acarretou a essa área da saúde. Dessa forma,é notório que o decréscimo de diagnósticos e cirurgias no ano de 2020, em todo o país, é um cenário preocupante tendo em vista que o retardo nesses aspectos favorece o caráter de lesão progressivo da neoplasia maligna. Vale destacar também atraso no início dos tratamentos e a redução da adesão de indivíduos com mais de 75, constatada na pesquisa, como um risco à qualidade de vida dos pacientes.
Além disso, a tendência do número geral de tratamentos analisada nesta pesquisa pode ser útil como parâmetro nas avaliações de performance dos centros oncológicos no país, visto que no Norte e Centro-Oeste, apesar de sutil, houve um crescimento nos procedimentos terapêuticos no período pandêmico, em relação ao ano anterior. Nesse sentido, o acréscimo observado nessas duas regiões, por ter sido uma exceção quando comparado ao restante do território brasileiro, demanda investigações específicas para buscar compreender aspectos que favoreceram esse resultado positivo e tentar adotá-los nos setores oncológicos das demais regiões.
Diante dos resultados obtidos nesta pesquisa, nota-se que a redução do desempenho dos centros de oncologia no ano pandêmico afeta o prognóstico dos pacientes portadores da doença. Sendo assim, devido a importância do tema são necessários mais estudos de abordagem individualizada, para que medidas de controle sobre os danos causados pelo período pandêmico possam efetivados, para que os setores de oncologia possam estar aptos para receber os pacientes que retardaram as consultas em 2020, de modo a evitar um futuro colapso no sistema de saúde brasileiro.
REFERÊNCIAS
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Discurso de abertura do Diretor-Geral da OMS no briefing para a mídia sobre COVID-19 – 11 de março de 2020. Disponível em:
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GUAN, W et al. Características clínicas da doença coronavírus 2019 na China. Jornal de medicina da Nova Inglaterra , v. 382, n. 18, pág. 1708-1720, 2020. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2002032. Acesso em: 11 set. 2021.
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¹Coautor do Trabalho: Lucas Fernandes Flores Ferraz
Instituição de Origem do Coautor do Trabalho: Universidade Federal de Juiz de Fora
²Coautor do Trabalho: Geisa do Vale Moreira
Instituição de Origem do Coautor do Trabalho: Universidade Federal do Ceará
³Coautor do Trabalho: Maria Letícia Caetano Araújo
Instituição de Origem do Coautor do Trabalho: Universidade Federal do Ceará
4Coautor do Trabalho: Esterffane Rodrigues de Paiva
Instituição de Origem do Coautor do Trabalho: Universidade Federal do Ceará
5Coautor do Trabalho: Antonio Roger Mesquita Sousa
Instituição de Origem do Coautor do Trabalho: Universidade Federal do Ceará
6Autor Principal (Apresentador): Lorrana do Vale Moreira
Instituição de Origem do Autor Principal: Universidade Federal do Ceará
E-mail do Autor Principal: lorranadovale22@gmail.com