REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11842898
Endi Samir Silva de Oliveira;
Joecila Santos da Silva.
RESUMO
A utilização da altimetria espacial, inicialmente desenvolvida para monitorar e mapear os oceanos, expandiu-se para incluir o monitoramento de águas continentais, oferecendo uma valiosa ferramenta no estudo da dinâmica fluvial. Esta pesquisa se concentra na análise do perfil longitudinal do Rio Juruá, um dos principais afluentes da Bacia Amazônica, utilizando dados altimétricos dos satélites Sentinel 3A e 3B. Ao aplicar técnicas de sensoriamento remoto e o índice de Hack, identificaram-se padrões de declividade e variações de elevação ao longo do curso do rio, revelando desequilíbrios significativos em trechos específicos. Os resultados destacam a eficácia da altimetria espacial na elaboração de perfis hidrológicos precisos, essenciais para embasar ações de conservação e manejo sustentável dos recursos hídricos na região amazônica.
PALAVRAS-CHAVE: Altimetria espacial, Monitoramento hidrológico, Rio Juruá, Sentinel-3, Índice RDE.
ASTRACT
The use of space altimetry, initially developed to monitor and map oceans, has expanded to include the monitoring of continental waters, providing a valuable tool in the study of river dynamics. This research focuses on analyzing the longitudinal profile of the Juruá River, one of the main tributaries of the Amazon Basin, using altimetric data from the Sentinel 3A and 3B satellites. By applying remote sensing techniques and the Hack index, patterns of slope and elevation variations along the river course were identified, revealing significant imbalances in specific sections. The results highlight the effectiveness of space altimetry in developing precise hydrological profiles, essential to support actions for conservation and sustainable management of water resources in the Amazon region.
KEYWORDS: Space altimetry, Hydrological monitoring, Juruá River, Sentinel-3, RDE index.
1. INTRODUÇÃO
A hidrologia desempenha um papel crucial na gestão sustentável dos recursos hídricos e na compreensão dos impactos ambientais associados. Na escala global, a bacia Amazônica se destaca como uma das maiores e mais importantes redes hidrográficas, abrangendo uma vasta área de aproximadamente 6.110.000 km², dos quais o Brasil contribui com cerca de 63% (ANA, 2024). Dentro deste contexto, o Rio Juruá, um dos principais afluentes da Bacia Amazônica, emerge como um componente fundamental do sistema fluvial da região.
Originando-se nos Andes Peruanos a uma altitude média de 453 metros, o Rio Juruá percorre aproximadamente 3.280 km até desaguar no Rio Solimões, atravessando a região noroeste do Estado do Acre. Suas águas desempenham um papel crucial no equilíbrio hidrológico da região, sustentando comunidades ribeirinhas e uma rica biodiversidade (Costa, 2012). Dessa forma, compreender a dinâmica fluvial do Rio Juruá é essencial para o manejo sustentável dos recursos hídricos e a conservação dos ecossistemas associados.
O monitoramento hidrológico da bacia Amazônica é de suma importância, para a região e o bem-estar das comunidades locais, assim como para o clima global (Marengo e Souza Jr., 2018). Nesse contexto, o uso de técnicas de monitoramento remoto oferece uma abordagem eficaz e escalável para obter dados precisos sobre os sistemas fluviais sem a necessidade de estabelecer extensas redes de estações físicas (Satgé, 2017).
A altimetria espacial destaca-se como uma das técnicas promissoras para o estudo da dinâmica fluvial na região amazônica. A missão Sentinel 3, uma iniciativa da Agência Espacial Europeia (ESA) em parceria com a Comissão Europeia, tem como objetivo fornecer dados cruciais para o monitoramento e observação da Terra, incluindo a dinâmica dos rios na bacia Amazônica (Meneses et al., 2012).
Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo realizar uma análise detalhada do equilíbrio fluvial do Rio Juruá, utilizando dados altimétricos provenientes dos satélites Sentinel 3A e 3B. A investigação do perfil longitudinal do rio permitiu identificar padrões de declividade e variações de elevação ao longo de seu curso, proporcionando uma compreensão mais aprofundada dos processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos. Os resultados obtidos têm grande relevância para o avanço do conhecimento científico sobre a dinâmica fluvial da região, bem como para embasar ações voltadas à conservação e manejo sustentável dos recursos hídricos na bacia do Rio Juruá.
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1. ÁREA DE ESTUDOS
O rio Juruá, um dos principais afluentes da bacia amazônica, tem sua origem no Peru, a uma altitude média de 453 metros (Costa et al., 2012). Com uma extensão de 3.280 quilômetros, atravessa partes do Estado do Acre, adentra o território do Amazonas e desemboca no Rio Solimões. A
Figura 1 oferece uma representação visual da trajetória do rio Juruá, desde sua nascente até a foz. Suas águas são notáveis pela alta concentração de nutrientes, conferindo-lhes uma tonalidade turva. No trecho médio, o nível do rio experimenta flutuações anuais entre 12 e 15 metros. É relevante destacar que a vazão do Juruá corresponde a aproximadamente 2% do total anual do Rio Amazonas.
De maneira geral, o rio Juruá é propenso a eventos de inundação em suas planícies durante o período que vai de dezembro a meados de maio. Devido à sua configuração sinuosa e à presença de inúmeros meandros, características típicas das planícies alagáveis, o Juruá ostenta o título de rio com a maior sinuosidade do mundo (Abel, 2019).
Figura 01 – Localização da bacia do rio Juruá com as estações virtuais em círculos azuis, traços dos satélites Sentinel 3A (linhas em laranja) e 3B (linhas em vermelho) e extensão do rio Juruá (linha em branco). Mosaico de imagens Google Earth, em segundo plano.
2.2. DADOS ALTIMÉTRICOS
Na pesquisa, foram utilizados os dados altimétricos dos satélites Sentinel 3A e 3B, abrangendo os períodos de 2016 a 2023 e 2018 a 2023, respectivamente. Para o tratamento dos dados, foi adotado o algoritmo padrão de processamento FO Ice-1. Tais dados fazem parte da Rede de Monitoramento Altimétrico do Laboratório RHASA e estão disponíveis na base de dados Hydroweb, hospedada na plataforma THEIA-CNES (https://www.theia-land.fr/en/product/water-levels-of-rivers-and-lakeshydroweb/ ).
A população de dados consiste em todos os registros dos satélites Sentinel 3A, abrangendo o período de 2016 a 2023, e Sentinel 3B, abrangendo o período de 2018 a 2023. A amostra utilizada neste estudo é composta pelos dados específicos das estações virtuais localizadas na bacia do Rio Juruá.
2.3. MÉTODOS
2.3.1. OBTENÇÃO DE DADOS ALTIMÉTRICOS
As Estações Virtuais (EVs) são estabelecidas pela interseção das órbitas dos satélites sobre a superfície de corpos d’água, permitindo a obtenção de uma série temporal da altura do nível da água ao longo do tempo (Silva et al., 2010; Calmant e Sayler, 2006).
Para esta pesquisa, as Estações Virtuais referentes aos satélites Sentinel-3A e Sentinel-3B já estão disponíveis e prontas para uso na Plataforma THEIA-CNES. Os arquivos foram baixados no formato CSV (Excel).
2.3.2. MAPEAMENTO DAS ESTAÇÕES VIRTUAIS
Para realizar o mapeamento das estações altimétricas, foi utilizado o software Google Earth Pro. Foram instalados complementos no programa, como os contornos de perfil da bacia hidrográfica e as órbitas dos satélites Sentinel 3A e Sentinel 3B. Após esta etapa, deu-se início ao mapeamento das EVs. É importante destacar que este processo foi realizado manualmente, utilizando as coordenadas das EVs.
2.3.3. PERFIL LONGITUDINAL
Os perfis longitudinais consistem na relação entre as variações altimétricas e o comprimento do rio desde a nascente até a foz (De Souza et al., 2011). Os dados referentes às cotas máximas, médias e mínimas para cada mês foram adquiridos a partir das séries temporais altimétricas. Em seguida, por meio do mosaico de imagens do Google Earth e utilizando a ferramenta para determinação de medidas, foi possível obter as distâncias de cada estação até a foz do rio Juruá.
Os dados obtidos foram transferidos para o software Excel 365, onde foram elaborados os perfis longitudinais do rio Juruá, demonstrados em gráficos. No eixo das ordenadas, foram representadas as altitudes (m) – cotas altimétricas, e no eixo das abscissas, foi indicada a extensão do curso do rio Juruá (m).
2.3.4. ÍNDICE DE HACK OU RELAÇÃO DECLIVIDADE EXTENSÃO
Com a obtenção dos dados, foi possível calcular o Índice de Hack ou Relação Declividade Extensão (RDE) de um segmento específico do curso d’água, seguindo a Equação 1:
Nesta equação, a diferença altimétrica entre dois pontos extremos de um segmento de drenagem é representada por Δh, enquanto ΔL indica o comprimento da projeção horizontal do segmento considerado, e L representa o comprimento do curso d’água desde o ponto inferior do segmento até a nascente.
Por outro lado, o cálculo do Índice de Hack ou RDE para o curso total é obtido dividindo a diferença altimétrica total do curso (ΔH) pelo logaritmo natural da extensão total (lnL), conforme a Equação 2:
Na Figura 2, são mostrados os parâmetros utilizados no cálculo do RDE.
Figura 02 – Parâmetros utilizados no cálculo do RDE
2.3.5. ANÁLISE DO EQUILÍBRIO DO RIO JURUÁ
A análise do equilíbrio do Rio Juruá em relação à sua capacidade de erosão, transporte e deposição foi realizada com base nas anomalias encontradas para cada trecho entre as EVs. Essas anomalias foram obtidas dividindo o RDEtrecho pelo RDEtotal, conforme a Equação 3:
Não é considerada uma anomalia se o resultado da Equação 3 apresentar valores menores que 2. Valores de anomalias acima do limiar 10 são considerados anomalias de primeira ordem e estão relacionados a terrenos muito íngremes. Valores de anomalias entre 2 e 10 são considerados anomalias de segunda ordem e estão relacionados a terrenos íngremes (Souza e Arruda, 2014), como mostrado na tabela 01.
Tabela 01 – Anomalias de um rio.
ANOMALIA (A) | CLASSIFICAÇÃO |
0 < A < 2 | Faixa de equilíbrio do Canal |
2 < A < 10 | Anomalias de 2ª Ordem |
A > 10 | Anomalias de 1ª Ordem |
Fonte: Adaptado de GOLDFARB (2012)
3. RESULTADOS E DISCISSÃO
Foram identificadas 24 estações virtuais sob a cobertura dos satélites Sentinel 3A e 3B ao longo do rio Juruá, com uma extensão de aproximadamente 3000 km, no intervalo assistido pelas estações virtuais AMAZONAS_JURUA_KM4695 e AMAZONAS_JURUA_KM2248, conforme Tabela 2. A cota máxima encontrada foi de 193,66 metros e a cota mínima de 45,66 metros. O RDE total encontrado foi de 9,9407.
Tabela 2 – Resumo das variáveis morfométricas do Rio Juruá com RDEtotal de 9,9407. Parte 01.
Fonte: Oliveira, 2024
Tabela 02 – Resumo das variáveis morfométricas do Rio Juruá com RDEtotal de 9,9407. Parte 02.
Fonte: Oliveira, 2023
A Figura 3 mostra as áreas em ascensão (convexas) e de subsidências (côncavas).
Dos trechos analisados no Rio Juruá, a maioria apresenta anomalias de 2ª ordem, totalizando 16 trechos, enquanto 8 estão com anomalias de 1ª ordem. Nenhum trecho apresentou equilíbrio. A Figura 4 mostra os valores das anomalias.
Figura 03 – Perfil Longitudinal do rio Juruá.
Figura 04 – Distribuição dos valores das anomalias ao longo da extensão Rio Juruá.
Estes resultados corroboram com os achados de Freitas et al. (2023), que também identificaram anomalias morfométricas significativas ao longo do rio Juruá utilizando dados do satélite ENVISAT. Os autores apontaram que, dos trechos analisados, apenas três foram identificados como em equilíbrio, enquanto 28 apresentaram anomalias de 2ª ordem e um trecho apresentou anomalia de 1ª ordem. Tais conclusões reforçam a importância de uma análise detalhada e multifatorial para a compreensão da dinâmica fluvial da bacia do rio Juruá.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo do perfil longitudinal do rio Juruá, realizado através da análise dos dados altimétricos das missões Sentinel 3A e 3B, revelou importantes informações sobre a dinâmica hidrológica dessa região da Amazônia. Os resultados obtidos indicam a presença de anomalias ao longo do curso do rio, destacando-se a ausência de trechos em equilíbrio e a predominância de anomalias de 2ª ordem.
As anomalias identificadas podem ser atribuídas a uma variedade de fatores, incluindo mudanças litológicas, modificações na carga sedimentar, estrutura topográfica e convergência de canais. Esses achados ressaltam a complexidade e a heterogeneidade do ambiente fluvial do rio Juruá, bem como a importância de considerar múltiplos fatores na análise hidrológica.
É importante destacar que, durante a análise dos dados, alguns pontos precisaram ser excluídos devido a inconsistências ou erros, ressaltando a necessidade de rigor metodológico e cuidado na utilização dos dados altimétricos para evitar conclusões equivocadas.
Os resultados deste estudo contribuem para o conhecimento científico sobre a hidrologia do rio Juruá e destacam a importância da altimetria espacial como uma ferramenta eficaz para o estudo de rios e ambientes aquáticos na Amazônia. Espera-se que essas informações sejam úteis para futuras pesquisas e para o manejo sustentável dos recursos hídricos na região Amazônica.
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