REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503261342
Thaysa Matos Castro
RESUMO
Muito se discute sobre a importância do amor na vida do ser humano. Octávio Paz com o livro A dupla chama: amor e erotismo apresenta um ensaio sobre essa ligação. Dá destaque à Grécia Antiga como o lugar que primeiro se ouviu falar sobre a concepção amorosa que conhecemos hoje, perpassa pelo amor cortês no século XII e define os elementos que o constituem. Seu texto traz a importância da representatividade feminina e como ela está diretamente relacionada com o amor. Este artigo faz um estudo do conto “A mulher loba” do escritor galego Cláudio Rodriguez Fer aplicando os pressupostos descritos por Paz sobre os cinco elementos constitutivos do amor. Como resultado houve a compreensão de que a emergência do amor é inseparável da emergência da mulher. Todos os elementos foram observados e analisados individualmente. A narrativa apresenta uma personagem com uma feminilidade independente e rebelde. O homem é representado sem poder sobre as relações amorosas. A mulher passa a ser o centro de suas próprias escolhas.
Palavras chaves: amor; escolha; liberdade; mulher.
INTRODUÇÃO
O principal objetivo deste estudo é realizar uma análise de “A mulher loba”, conto incluído no livro Os paraísos eróticos de Claudio Rodríguez Fer. Para lograr este propósito, usarei o ensaio de Octavio Paz, A dupla chama: amor e erotismo. Em concreto, me servirei dos cinco elementos do amor que ele define e explica nesta obra.
Paz faz a distinção entre sexo, amor e erotismo. O sexo é o mais antigo, parte dos instintos dos seres vivos e fez derivar o amor e o erotismo no homem. Para ele, o erotismo é exclusivamente humano, é a sexualidade transfigurada pela imaginação e o desejo. Já o amor é a atração por uma única pessoa, é a escolha. O amor e o erotismo formam um par intrínseco, onde o erotismo vem do desejo, da atração involuntária, um magnetismo; e o amor, da escolha.
1. A história do amor
Paz expressa como se transformou o sexo em erotismo e o erotismo em amor; e como os seres humanos passaram da condição animal para a condição humana.
Todavia, discorre sobre as diferentes concepções eróticas e amorosas que influenciaram as culturas através dos tempos.
No capítulo “Eros e psiquê” estabelece o início do amor na Grécia clássica. Apuleio, em Metamorfoses (O asno de ouro) apresenta o conto de Eros e Psiquê. Este mito retrata a união entre o amor e alma: “Eros, um deus, apaixona-se por uma jovem que é a personificação da alma, Psiquê.” (PAZ, 1994, p.31). Este amor é mútuo e correspondido, mas passa por provações. Psiquê, por sua curiosidade, é castigada e necessita vivenciar situações que demonstrem seu amor a fim de ser digna de retornar ao seu amado Eros. Simbolizando que a transgressão, o castigo e a redenção constituem componentes essenciais na busca pelo amor.
Além disso, tem uma preocupação muito grande em mostrar como as concepções de amor e erotismo se manifestam em todas as sociedades, épocas e culturas: “É preciso distinguir entre o sentimento amoroso e a ideia de amor adotada por uma sociedade e uma época” (PAZ, 1994, p. 35). Embora a ideologia de amor exista em todas as sociedades, ela não é igual. Explica que no Ocidente a ideia de amor está ligada a noção de destino, escolha e liberdade; no Oriente à religião. Nessa perspectiva a Grécia, local onde a filosofia se desprendeu da religião, é o berço da primeira noção do amor ocidental como o conhecemos.
Ademais, reflete sobre a conexão entre o erotismo e a poesia, bem como entre o sentimento amoroso e a arte poética: “Destaquei as afinidades entre erotismo e poesia: o primeiro é uma metáfora da sexualidade, a segunda uma erotização da linguagem. A relação entre amor e poesia não é menos intima”. (PAZ, 1994, p. 49). Dessa maneira, mostra que tudo o que já foi dito sobre o amor são meditações preciosas e profundas da realidade humana e psicológica. Inclusive, ressalta que as fronteiras entre o amor e o erotismo são tênues, pois a maioria dos poetas gregos tenderam a abordar mais o erotismo do que o sentimento amoroso em suas obras.
Contudo, no período helênico, houve a transformação das cidades, das pessoas e das ideias. Alexandria e Roma entraram em evidência nesta época. Mulheres começaram ocupar lugares de destaque em Roma. Não há um episódio da história romana em que a mulher não esteja presente. Essa mudança social também modifica a poesia e como consequência, nos poemas começa a surgir a presença da figura feminina: “O objeto erótico começou a se transformar em sujeito” (PAZ, 1994, p. 55). Os poetas alexandrinos exaltavam o amor. Pela primeira vez na história grega a mulher surge como um ser livre e independente; uma revolução de ideias e costumam girar em torno da liberdade feminina. Em vista disso, elas passam a desempenhar ofícios e funções fora de casa, algumas a se dedicar a filosofia, a pintura e a poesia: “a emergência do amor é inseparável da emergência da mulher. Não há amor sem liberdade feminina.” (PAZ, 1994, p. 66). As mulheres assim como a poesia se libertaram. O amor tornou-se uma busca heroica e divina que todo ser deve enfrentar para contemplar sua totalidade.
Catulo, um jovem poeta dessa época, criou o que se pode chamar de a revolução da poesia alexandrina. Seus melhores poemas são confissões de seu amor por Lésbia. Sobretudo a união de sentimentos opostos. No carme 85, intitulado em tradução por José Ferreira (2005) como “Odeio e amo” , representa o que foi a obra desse autor, que não sabe explicar porque tem sentimentos tão contraditórios àquela que mexeu com suas emoções: “Odeio e amo. Talvez perguntes porque faço isso./ Não sei, mas sinto que aconteceu e me torturo.” Começando pelo amor, indo ao ódio e finalizando na saudade de sua amada. Foi o poeta latino que melhor expressou seus sentimentos, permitindo que sua poesia fosse única e sincera.
No século XII eclode o amor cortês na Europa: “nessa época surgem o que seriam depois as grandes criações de nossa civilização, entre elas duas mais notáveis: a poesia lírica e a ideia de amor como forma de vida” (PAZ, 1994, p.70). O homem muda sua conduta em relação à mulher. A submissão masculina acerca do sentimento feminino torna-se comum entre os poetas. Antes do surgimento dessa estética, a mulher era um personagem secundário das histórias de amor.
No mundo do amor cortês, por outro lado, as mulheres tornam-se destaque nas cantigas e passam a ser livres para fazer suas escolhas amorosas: “O aparecimento do ‘amor cortês’ seria inexplicável sem a evolução da condição feminina” (PAZ, 1994, p. 72). A mulher se torna autônoma e pode escolher seu companheiro. O amor cortês representa isso: o trovador deve exaltar seu amor à dama, que frequentemente é casada e de classe social mais alta, oferecendo-se como seu vassalo e servindo-lhe com lealdade: “Para os adeptos do ‘amor cortês’, o casamento era um jugo injusto que escravizava a mulher, enquanto o amor fora do casamento era sagrado e conferia aos amantes uma dignidade espiritual” (PAZ, 1994, p. 85). Em contrapartida a esse pensamento, a igreja não aprovava o adultério. O casamento, era um dos sete sacramentos instituídos por Jesus Cristo e isso era uma falta grave: uma heresia, do mesmo modo, via na união de dois seres a finalidade da reprodução; o amor cortês apenas apreciava a satisfação física dos amantes: “Os poetas provençais falavam muito de uma misteriosa exaltação, ao mesmo tempo física e espiritual, por eles chamada de joi e que era uma recompensa, a mais alta, do amor.” (PAZ, 1994, p. 85). O joi era simplesmente o estado de felicidade que os poetas sentiam. A espera e a mensura faziam parte do gozo que buscavam sentir. A poesia podia fazer referência a esse sentimento pleno que eles desfrutavam. Tendo a mulher elevada na posição de senhora, a imagem do homem e da mulher se invertem e a ascensão feminina cria uma mudança de visão de mundo. Segundo o autor, foi um passo em direção a igualdade dos sexos.
2. O amor e suas representações
A literatura para Octávio Paz tem em uma de suas funções a representação das paixões. Ao longo do tempo as obras literárias tiveram como tema central o amor de homens e mulheres do Ocidente. No século XII, temos o amor cortês e de lá para cá, uma variedade de motes de paixões amorosas entre poetas e romancistas que movimentaram esse meio. Entre todas elas permaneceram um conjunto de qualidades e condições que distinguem o amor de outros sentimentos que são: “atração/escolha, liberdade/submissão, fidelidade/traição, alma/corpo” (PAZ, 1994, p. 94). Em vista disso, pode-se observar que existem limites entre o amor e outras paixões que precisam ser analisados em suas manifestações.
A literatura moderna não se encarrega apenas em contar histórias heroicas, mas também as analisa. Mesmo que o objeto de predileção dos poetas seja a paixão amorosa, pode-se encontrar outras manifestações, como obsessão, emoção e sensações: “Não há amor sem erotismo como não há erotismo sem sexualidade” (PAZ, 1994, p. 97). É mais fácil desassociar o amor de outros afetos que não envolvam a sexualidade. Utiliza-se a palavra amor para dizer que se ama a igreja, a pátria ou a família. Isso não tem relação nenhuma com amor. É afeto. Não se escolhe família, mas há a escolha dos amantes.
Alerta sobre a confusão entre amor e amizade: “Podemos estar apaixonados por uma pessoa que não nos ama, mas a amizade sem reciprocidade é impossível” (PAZ, 1994, p. 101). A amizade está ligada à comunhão de ideias, sentimentos e interesses. Os chineses usam o tema da amizade junto com o tema da natureza. Já para Aristóteles é vista como uma virtude social. Octavio Paz utiliza as palavras de Montaigne para dizer que a amizade é um calor uniforme e universal, constante e tranquilo que dura muito mais que o amor.
Dito isso, determina os cinco elementos constitutivos do amor: “Aqui me atrevo a chamá-los constitutivos porque são os mesmos desde o princípio: sobreviveram a oito séculos de história” (PAZ, 1994, p. 105). São a linha que traça a fronteira entre o amor e o erotismo. O erotismo é social, a dimensão humana da sexualidade, é aquilo que a imaginação do homem acrescenta a natureza. Não há sociedade sem erotismo, sem ritos ou práticas eróticas; o amor é individual e único.
3. Os cincos elementos constitutivos do amor
3.1 Exclusividade
O amor é individual ou melhor, interpessoal. Ama-se apenas uma pessoa e deseja-se que ela a ame com o mesmo amor. A exclusividade exige reciprocidade, a concordância do outro. A vontade do outro também é importante. Isso beira a liberdade, pois é uma escolha. Não há amor sem a exclusividade, pois a infidelidade de um dos amantes provoca o sofrimento do outro e se há a concordância nisso, não é mais amor, é cumplicidade erótica: “O amor único é o fundamento dos outros componentes: todos nele repousam, também ele é o eixo e todos giram ao seu redor.” (PAZ, 1994, p. 107). A escolha de amar uma única pessoa é a condição do amor.
3.2 Obstáculo e a transgressão
Desde a época do trovadorismo, os obstáculos aparecem nos poemas e nos romances. Sejam eles geográficos, sociais ou espirituais: “O diálogo entre obstáculo e desejo se apresenta em todos os amores e assume a forma de um combate” (PAZ, 1994, p. 108). A busca do reconhecimento da pessoa amada, da reciprocidade do outro não depende apenas da vontade e do desejo, mas da liberdade do outro em querer isso. Sendo este um grande paradoxo; o amor sendo representado por um nó que é feito de duas liberdades entrelaçadas que por sua vez necessita do reconhecimento do outro como um ato involuntário e livre. Mesmo havendo proibições, isso não impedirá que os amantes as violem e fiquem juntas no final. Provando que o amor sempre prevalece sobre todas as coisas.
3.3 Domínio e servidão
Com a sua origem na relação senhorial, o amor cortês mais uma vez traz como modelo o vínculo de vassalo com seu senhor: “O amor é atração involuntária em relação a uma pessoa e voluntária aceitação dessa atração.” (PAZ, 1994, p. 114). Os amantes se unem através de um laço mágico concebendo o amor como uma atração fatal. Seguindo esse modo de viver, o vassalo escolhe a sua senhora e deseja servi-la. Mas precisa de seu consentimento, se ela aceitar, vira sua soberana. Assim é o amor. O paradoxo da servidão se dá na transformação do objeto erótico em pessoa que tem o poder de permitir ou rejeitar seu servo. Não basta apenas oferecer a sua servidão, ela tem que ser permitida pelo sujeito desejoso.
3.4 Fatalidade e liberdade
Eis o elo: liberdade e destino: “A fatalidade se manifesta só com e por meio da cumplicidade de nossa liberdade.”(PAZ, 1994, p. 114). Tema central de vários poetas, o mistério da liberdade amorosa está na predestinação dos amantes. Ao se apaixonar, o homem escolhe a sua fatalidade. A infidelidade, a traição, o abandono e o ciúme são paradoxos da liberdade, uma vez que só podem ocorrer quando é priorizada a pessoa amada. Os amantes são livres para optar, porém suas escolhas partem de uma atração inexplicável e o livre arbítrio dos apaixonados está na sua aceitação. A atração é involuntária; a aceitação voluntária.
3.5 Corpo e alma
O quinto elemento se constitui na união indissolúvel de dois opostos: corpo e alma: “A noção de alma constitui a pessoa e, sem pessoa, o amor volta ao mero erotismo.” (PAZ, 1994, p. 115). E deixa claro que para o amor existir a condição prévia é que a alma imortal que habita um corpo mortal faça nascer o amor único. O objeto desejado vira sujeito desejoso. A pessoa amada deve ser composta de alma e corpo. O corpo mortal sujeito ao tempo e acidentes e a alma imortal, entretanto, juntos formam um par insolúvel. Ama-se com corpo e alma e essa completude é o amor único. Sem a alma o amor deixa de ser amor e se torna mero erotismo.
4. Análise do conto
“A mulher loba” narra a história de uma mulher chamada Ruth, que possui uma ligação misteriosa com lobos e mantém sua independência a todo custo. Ela passa por diversas experiências em Nova York, onde encontra pessoas que tentam controlá-la, mas acaba se libertando e assumindo sua natureza selvagem. Após uma série de acontecimentos trágicos, incluindo a morte de dois amantes, passa a viver em harmonia com sua própria essência. Cuidando de um jardim e mantendo seu segredo guardado em uma caverna, segue seu caminho solitário enquanto a cidade murmura sobre sua presença misteriosa.
Como a língua galega é bem próxima do português, os trechos retirados do conto não serão traduzidos.
“A mulher Loba” começa como uma típica lenda tradicional galega:
Todos sabemos que en Galicia houbo sempre lendas sobre lobos, lobishomes e alobados, pero tamén as houbo sobre mulleres lobas. A mim mesmo, por exemplo, contáronme a historia dunha da que, maldicida no momento de nacer por motivos de envexa, se dicía que andara de moza libre cunha grea de lobos polo monte e que, nas noites de lúa chea, se volvía loba e se apareaba con aqueles. Chegou a ter sete fillos, dos que só a sobreviviron dous, pero nunca casou nin viviu con ningún home. (RODRÍGUEZ FER, 2010, p. 11)
Saturnino Valladares sobre o início do conto diz:
Neste primeiro parágrafo já se abordam dois jogos de poder: a independência vinculada ao género – a mulher vital e sexualmente livre que nunca quis casar nem viver com nenhum homem – e a transgressão que supõe a metamorfose sobrenatural do corpo. (VALLADARES, 2023, p. 18)
Com as palavras de Valladares, inicia-se esta análise a partir do ponto de vista da protagonista, uma mulher sexualmente livre que via no casamento uma maneira de perder sua liberdade e sua identidade.
Para fugir dos abusos do padrasto, Ruth decide ir morar em Nova York com o tio, irmão de seu pai. Lá consegue um trabalho como limpadora de fachadas. Não era muito, mas poderia ter uma cama, um trabalho e sua liberdade:
(…)Pero, malia a tan precaria situación, a Ruth pareceulle fabuloso poder dispoñer polo menos dun leito e traballar empoleirada nas fachadas dos rañaceos.
Aínda que todos os compañeiros temeron que tivese medo ou sentise vertixe o primeiro día de traballo, a moza parecía máis segura e decidida ca eles mesmos. De feito, mirando dende a estada o impresionante panorama de Manhatthan, a altura púxoa tan eufórica que volveu ouvear cunha forza sobrecolledora, tras encher de ar o seu peito e abrir os brazos liberada. (RODRÍGUEZ FER, 2010, p. 14)
O primeiro elemento constitutivo do amor segundo Octavio Paz é a exclusividade. No minúsculo apartamento de seu tio, também moravam outros imigrantes, um desses, um galego, com quem Ruth se tornou mais íntima: “Con este foi co que máis intimou e todas as noites ía recollelo ao restaurante arxentino no que traballaba.” (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 15). Todas as noites quando ele saia do restaurante, ela o aguardava. Levando sobras de carnes para que ela se deliciasse, aguardava o final de suas refeições para que recebesse seus carinhos. Sua ferocidade em se satisfazer ao comer carne continuavam com carícias ao seu companheiro. Ela mantinha uma relação voraz com seu amante:
A penas comía nada polo día agardando aquel momento, que gozaba con gruñidos de satisfacción e acenos de ferocidade, e que logo parecía ter continuación nas constantes mordeduras con que trababa o pescozo e a lingua do seu acompañante. (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 15)
Era uma relação aceitável. Ela se sentia bem. Satisfazia seus desejos alimentares e sexuais; e sua liberdade continuava intacta. Entretanto, em um passeio que os dois fizeram, foi pedida em casamento. Isso ocasionou um misto de sensações ruins em seu peito, em seguida disse não ao pedido:
Foi nunha excursión polos montes de Catskills cando o mozo propúxolle casar e Ruth, que sentiu unha tromba de víboras descendendo en fervenza polo peito, non quixo. Pararon nun alto da serra onde había cervos e ao saír ela do auto botáronse a fuxir espavorecidos monte abaixo, cunha sensación de perigo semellante á de Ruth diante das propostas matrimoniais do pretendente, que non comprendeu o seu desexo de preservar a independencia e que non puido evitar dicirlle con raiba contida:
–Has morrer soa como unha loba. (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 15)
Após esse episódio, ele se tornou agressivo e sarcástico, utilizando de subterfúgios para pressioná-la a se casar com ele a todo custo.
Outro trecho em que a presença da exclusividade é notada é em um diálogo que tem com seu segundo companheiro: “Faloulle por iso da súa pretensión de deixar a súa familia e propúxolle viviren xuntos, incitándoa a abandonar o traballo e dedicarse tan só a el.” (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 17). Aqui ela estava se envolvendo com um homem casado que diz que irá largar a família para viverem juntos e pede que ela largue o emprego para que se dedique somente a ele. Mais uma vez ela se sente ameaçada. Seu desejo é não ser de ninguém.
Portanto, a exclusividade, apesar de estar presente no conto, não pode ser aplicada a Ruth, pois esse elemento exige reciprocidade. Os dois devem estar em concordância com seus sentimentos. A vontade de ambos deve ser a mesma. No entanto, ela sendo uma mulher de espírito livre e independente, teme perder sua liberdade, pois vê no casamento uma forma opressora de seus sentimentos. Enquanto os homens com quem se relacionava sempre a queriam para eles.
O segundo elemento que será analisado é duplo: o obstáculo e a transgressão. Quando decide fugir de seu primeiro companheiro, estabelece que não se envolveria em relacionamentos tão perigosos a ponto de ameaçarem sua liberdade. Com o tempo, começou a ficar íntima com o dono do açougue em que sempre comprava carnes:
Encantáballe vela comer como unha fera e a ela que lle dixera, cando chegaba a casa, despois do traballo, cargado de viandas:
–Máis carne para a miña loba.
Logo dos interminables festíns, e para tranquilidade e satisfacción de Ruth, el marchaba para a súa casa, onde moraba coa súa esposa vexetariana e cunha numerosa prole de fillos e fillas malabocas. (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 16)
O fato de o açougueiro ser casado, era uma coisa boa. Isso significaria que com ele teria somente encontros casuais. Sua liberdade continuaria não seria ameaçada.
Dessa maneira, o que para o amor único se tornaria algo doloroso e teria que ser superado, nesta história é algo positivo. O obstáculo aqui não impede que a protagonista viva feliz, pelo contrário, serve como pretexto para que não tenha um envolvimento mais sério. No seu entender, os dois viviam em harmonia dessa maneira e não havia necessidade de mudança. Quando estavam juntos, o açougueiro se satisfazia vendo como comia e com a sua companhia; e ela matava seus desejos por carne e sexo com ele. Quando ambos estavam satisfeitos, ele retornava para sua casa onde seus filhos e esposa o esperavam e ela continuava sozinha seguindo a sua vida.
O terceiro elemento também é duplo: dominação e servidão. Nos dois relacionamentos há a manifestação desses sentimentos. No primeiro, seu companheiro a deseja como sua esposa e faz de tudo para que isso aconteça:
Dende entón, el volveuse agresivo e sarcástico, mentres Ruth trataba de eludilo. Esquiva como unha esquío, agora resultáballe agobiante a insistencia daquel mozo que recorría a todo subterfuxio para presionala, dende convencer ao tío para que mediara entre eles a, finalmente, ameazala con toda clase de violencias. (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 15)
Nesse trecho, percebe-se que ao ser rejeitado, seu ex-companheiro não aceita o fim e passa a persegui-la com intuito de dominá-la a qualquer custo. Utilizando das violências psicológica e física, pois seu desejo era que ela fosse sua esposa e que ficassem juntos para sempre:
Efectivamente, unha noite, suponse que axexando pola zona onde ela moraba, encontrou unha morte estraña e nunca esclarecida, pois, sen outros sinais de violencia, o seu corpo presentaba tan só dúas incisivas punzadas no corazón. Unha testemuña asegurou que antes de bater co corpo escoitara unha especie de berro animal que proviña dun alto, pero que non reparara de onde procedía exactamente, porque en Nova York ninguén mira nunca para arriba. (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 16)
Aqui percebe-se o quanto ela foi atormentada. Para se ver livre dos abusos do seu ex-companheiro resolve ir morar do outro lado da cidade. No entanto, ele foi atrás dela. Até que um dia foi encontrado morto. Uma morte nunca explicada. Se sabe apenas que alguém ouviu um grito como de um animal antes que homem morresse.
A relação de dominação e servidão também aparecem em seu segundo relacionamento. O açougueiro diz que deixará sua família e em troca deseja que ela deixe seu trabalho e se dedique apenas a ele:
Fora pola independencia económica acabada de recuperar ou polo absorbente do novo labor, o carniceiro aseguraba que cambiara e que a penas tiña tempo para el. Faloulle por iso da súa pretensión de deixar a súa familia e propúxolle viviren xuntos, incitándoa a abandonar o traballo e dedicarse tan só a el. (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 17)
Mais uma vez a protagonista se sente em uma armadilha. O açougueiro era um bom pretendente. Em seu relacionamento, não haveria a dominação entre eles; ele viveria sua vida com sua família e ela viveria sua vida livre, desfrutando de seus desejos e de sua liberdade. Quando essa harmonia é quebrada com a proposta dele em largar a família e ela o emprego para que fossem viver juntos, sente-se como uma presa encurralada em uma armadilha, prestes a ser capturada e aprisionada.
Seus companheiros desejavam dominá-la. Mas por ser uma mulher livre, não aceitou nenhum dos dois em sua vida. Portanto, a dominação e servidão fazem parte desta história, mas os fatos desenrolam-se para que a protagonista sempre se sinta ameaçada e fuja. Ela não deseja ser serva e nem dominadora de seus amantes.
O quarto elemento existente é a fatalidade e liberdade. Há um elo entre liberdade e destino. Desde o início do conto pode-se notar essa presença. Ruth busca sempre e incansavelmente sua liberdade, mas seus relacionamentos amorosos sempre a distanciam disso. Só conseguiu se ver livre de seu primeiro companheiro quando acontece a morte misteriosa dele. O fim com o açougueiro também foi trágico.
Todas as vezes que sente que sua liberdade está sendo ameaçada, foge ou faz coisas estranhas. Agindo como um animal, lança-se sobre a carne crua, mostra seus dentes enormes, aflorando sua natureza selvagem. Tudo planejado para afastar o açougueiro que, assustado com a cena, sai correndo, é atropelado e morre:
Por iso, cando ao día seguinte da súa proposición compareceu na casa cun cabrito como quen leva un cebo, disposto a cebar a presa antes de engulila, ela relambeu o seu carnoso fociño, chasqueou coa longa lingua dende o máis escuro da boca e, arregañando os beizos, amosou a súa dentamia incisiva e enorme. Entón lanzouse literalmente sobre a carne crúa, despezándoa coas mans ao tempo que devoraba as súas entrañas. O carniceiro fuxiu arrepiado escaleiras abaixo, sentindo sobre a caluga unha tensión imantada aos sanguinolentos cairos de loba que parecían perseguilo de preto. Ao chegar ao portal titubeou entre o freo e a escorrentada, pero algo máis terrible debeu sentir tras de si que preferiu arriscarse a esquivar unha motocicleta de pizzas a domicilio que pasaba a grande velocidade e que o atropelou de cheo. (RODRIGUEZ FER, 2020, pp. 17, 18)
As contradições envolvendo a liberdade estão presentes do início ao fim desde o conto. O amor surge da livre escolha, mas sua aceitação só pode ser consentida se houver o sentimento no outro de maneira natural, nunca imposta. A liberdade da protagonista sempre irá prevalecer sobre todos os seus outros desejos: “Tras esta morte, volveu decidir non ter máis relacións, sobre todo sabendo que, chegada a hora da verdade, practicamente ningún home acepta a independencia dunha femia.” (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 18). Mesmo que se envolvam em outros relacionamentos, sua liberdade será posta em primeiro lugar quando se sentir ameaçada. Ela é uma mulher livre e sem sua liberdade não é nada.
O quinto elemento é o corpo e alma. O amor precisa de um corpo e uma alma. Contudo este conto revela que a alma que habita o corpo pode ser livre. Que busca em sua liberdade uma maneira de engrandecer o corpo:
Paseando pola praia de Brighton, onde a súa incontible peluxe púbica abraiaba aos rusos da zona estendéndose pelve arriba e coxas abaixo por fóra do traxe de baño, pensaba que só podería entenderse cunha especie de lobo solitario, pero tamén que sería difícil atopalo dentro daquela manda de cans domésticos. Agora era cando comprendía o sentido represivo do seu vello temor a encontrarse na noite da cidade coa inquedante presenza do lobo traído. dos terrores da súa infancia.
–O lobo é a miña sombra se estou soa, murmurou. (RODRIGUEZ FER, 2010, p. 18)
A alma de Ruth é uma alma selvagem, relacionada com sua descendência familiar. Não precisa do outro para ser completa. Seu medo não está em ficar sozinha, mas perdesse em meio a amores que a prendam em relacionamentos que podem comprometer sua liberdade. Há a perspectiva subversiva da mulher: livre de padrões, não permite que seu corpo seja domesticado pelas convenções de gênero, tornando-o livre, assim como sua alma.
5. Considerações Finais
A análise do conto “A Mulher Loba” traz uma reflexão que nem todas as histórias de amor são sobre a busca da pessoa amada. Claudio trouxe uma perspectiva onde o amor e a liberdade feminina estão entrelaçados. A protagonista desafia os papéis tradicionais de gênero e sua identidade é constantemente fluída e subvertida. Transitando entre a imagem frágil e vulnerável de uma mulher indefesa, e a figura poderosa e selvagem de uma loba. Essa ambiguidade é representada tanto em suas descrições físicas, como nas interações que possui com outros personagens ao longo da história. No decorrer da trama há o confronto da ideia de existência marcada pela dualidade entre o desejo de conexão com o outro e a necessidade da preservação da individualidade. O amor, nesse contexto, é retratado como uma força transformadora capaz de transcender o físico e atingir uma dimensão mais profunda da conexão humana e que não necessariamente depende do outro para que exista.
REFERÊNCIAS
CATULO. Odeio e amo. Trad. José Ferreira. Coimbra: Minerva, 2005
PAZ, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1994.
RODRIGUEZ FER, Cláudio. Paraísos eróticos. Compostela: MeuBook, 2010.
VALLADARES, Saturnino. The vital transgression of Claudio Rodríguez Fer. Global Journal of HUMAN-SOCIAL SCIENCE: A Arts & Humanities – Psychology. V. 23 Issue 7 Version 1.0 Ano 2023