ANÁLISE DE CIRCULARIDADE NO DESCOMISSIONAMENTO OFFSHORE VIA INDICADORES: O ESTUDO DE CASO DA FPSO P-35

CIRCULARITY ANALYSIS IN OFFSHORE DECOMMISSIONING USING INDICATORS: THE FPSO P-35 CASE STUDY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202508061320


André Bueno Portes¹
Mônica Pertel¹
Mariana Taranto Pereira Teixeira Leite¹


RESUMO 

O descomissionamento de plataformas offshore representa um desafio crescente para a indústria de óleo e gás, podendo gerar passivos ambientais e financeiros significativos. Este artigo propõe e aplica um framework metodológico baseado em indicadores de economia circular para avaliar a circularidade de processo no fim de vida de ativos offshore. Utilizando como estudo de caso o Plano de Descomissionamento (PDI) da plataforma FPSO P-35, a análise quantifica a circularidade do processo em diferentes cenários: desmantelamento completo, extensão da vida útil e reúso parcial de componentes. Foram aplicados indicadores de fluxo de materiais (Taxa de Reúso – TR, Taxa de Reciclagem – TRec, Taxa de Valorização Energética – TVE e Taxa de Perda/Disposição – TP), fundamentados nas normativas nacionais (Resolução ANP nº 817/2020) e padrões internacionais (ISO 59020, CTI, p. ex.). Os resultados demonstram que, considerando a alienação da plataforma como destinação base, os três cenários apresentam circularidade similar (95,9% a 96,0%), mas diferem significativamente na distribuição entre reúso e reciclagem. O cenário de extensão da vida útil (Cenário B) prioriza o reúso com 51.504 toneladas (80,0%), enquanto o desmantelamento completo (Cenário A) foca na reciclagem com 61.776,67 toneladas (95,9%). O reúso parcial (Cenário C) equilibra reúso (20%) e reciclagem (75%), demonstrando uma abordagem pragmática. O estudo expõe o principal dilema gerencial do setor: o trade-off entre a mitigação de riscos operacionais, que leva à permanência in situ de componentes, e a maximização da circularidade, revelando também o conflito entre a circularidade material e a preservação do valor ecológico marinho como, por exemplo, recifes artificiais. Conclui-se que os indicadores são ferramentas estratégicas para quantificar esse dilema, apoiar a tomada de decisão e alinhar o setor aos princípios da economia circular. 

Palavras-chave: Descomissionamento Offshore; Economia Circular; Indicadores de Circularidade; Recifes Artificiais; Gestão de resíduos; Análise Multicritério. 

ABSTRACT 

Offshore platform decommissioning represents a growing challenge for the oil and gas industry, potentially generating significant environmental and financial liabilities. This paper proposes and applies a methodological framework based on circular economy indicators to assess process circularity at the end of life of offshore assets. Using the Decommissioning Plan (PDI) of the FPSO P-35 platform as a case study, the analysis quantifies the process’s circularity in different scenarios: complete dismantling, extended lifespan, and partial reuse of components. Material flow indicators were applied (Reuse Rate – TR, Recycling Rate – TRec, Energy Recovery Rate – TVE, and Loss/Disposal Rate – TP), grounded in national regulations (ANP Resolution No. 817/2020) and international standards (ISO 59020, CTI, e.g.). The results demonstrate that, considering platform alienation as the base destination, the three scenarios present similar circularity (95.9% to 96.0%), but differ significantly in the distribution between reuse and recycling. The extended lifespan scenario (Scenario B) prioritizes reuse with 51,504 tonnes (80.0%), while complete dismantling (Scenario A) focuses on recycling with 61,776.67 tonnes (95.9%). Partial reuse (Scenario C) balances reuse (20%) and recycling (75%), demonstrating a pragmatic approach. The study exposes the main managerial dilemma in the sector: the tradeoff between mitigating operational risks, which leads to the in-situ permanence of components, and maximizing circularity, also revealing the conflict between material circularity and the preservation of marine ecological value such as, for example, artificial reefs. It is concluded that the indicators are strategic tools to quantify this dilemma, support decision-making, and align the sector with circular economy principles.

Keywords: Offshore Decommissioning; Circular Economy; Circularity Indicators; Artificial Reefs; Waste Management; Multicriteria Analysis.

1. INTRODUÇÃO 

O setor de óleo e gás enfrenta atualmente uma transição impulsionada por pressões ambientais, econômicas e sociais. Um dos desafios mais complexos desta transição é o descomissionamento de plataformas offshore. No Brasil o desafio é significativo: segundo dados oficiais da ANP (2025), o país possui atualmente 73 unidades de produção marítimas em operação, concentradas principalmente nas bacias de Santos (41 unidades) e Campos (25 unidades), dentre outras. A Petrobras (2025) prevê investir US$ 9,9 bilhões em descomissionamentos até 2029, posicionando o Brasil na segunda posição mundial em investimentos nesta área. A gestão deste potencial passivo ambiental e financeiro é, portanto, uma questão estratégica para o país. 

Tradicionalmente, o descomissionamento tem sido abordado sob uma ótica linear, focada no descarte seguro das estruturas. Neste contexto, a economia circular surge como um paradigma transformador, propondo um sistema regenerativo no qual os recursos são mantidos em uso pelo maior tempo possível. Na indústria de Óleo e Gás, onde o produto final é um combustível, a aplicação da circularidade se concentra nos processos e ativos, e não no produto em si. A aplicação destes princípios ao descomissionamento oferece uma oportunidade para converter um passivo em um ativo estratégico, em alinhamento ao recém-lançado Plano Nacional de Economia Circular. 

No entanto, para que a transição de um modelo linear para um circular seja efetiva, é fundamental que ela seja mensurável. Indicadores como o Material Circularity Indicator (MCI) e o Circular Transition Indicators (CTI), juntamente com normas como a ISO 59020, fornecem as ferramentas para quantificar e gerenciar essa transição. 

Este artigo visa contribuir para a literatura científica ao aplicar um conjunto de indicadores de circularidade ao descomissionamento do caso da plataforma de petróleo FPSO P-35. Com base nos dados públicos do seu Plano de Descomissionamento de Instalações (PDI), este estudo possui os seguintes objetivos: 1) Apresentar a seleção e aplicação prática de indicadores de circularidade para avaliar o potencial de reutilização e valorização de resíduos; 2) Analisar os resultados à luz do arcabouço regulatório nacional e das melhores práticas globais; 3) Sugerir recomendações para aprimorar a gestão ambiental e a tomada de decisão em futuros projetos. 

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 

2.1 Descomissionamento offshore no Brasil: contexto e cenário Regulatório 

O Brasil enfrenta um dos maiores desafios de descomissionamento offshore do mundo. Segundo dados oficiais da ANP (2025), o país possui atualmente 73 unidades de produção marítima em operação, incluindo FPSOs, plataformas fixas, semissubmersíveis e outras tipologias, distribuídas principalmente nas bacias de Santos (41 unidades) e Campos (25 unidades), dentre outras. Este expressivo parque instalado, representa um potencial passivo significativo de descomissionamento futuro. 

A Bacia de Campos, onde se localiza a FPSO P-35, concentra 25 das 73 unidades em operação, representando um dos principais focos de descomissionamento futuro no país. Neste contexto, o descomissionamento da FPSO P-32, primeira unidade brasileira a passar por processo de reciclagem verde, estabeleceu precedente importante. Segundo a Petrobras (2023), a P-32 foi retirada da locação em novembro de 2023 e encaminhada ao Estaleiro Rio Grande (RS) para “processo de reciclagem alinhado às melhores práticas ASG da indústria mundial”, demonstrando a viabilidade técnica e econômica do desmonte em estaleiro nacional certificado. 

Segundo a Petrobras (2025), o país ocupa a segunda posição no ranking mundial de investimentos em atividades de descomissionamento offshore previstos entre 2024 e 2033, com a empresa prevendo investir US$ 9,9 bilhões em descomissionamentos até 2029. Este cenário reflete o amadurecimento da indústria petrolífera nacional e a necessidade de desenvolvimento de estratégias sustentáveis para gestão desses processos. 

O descomissionamento offshore no Brasil é regulado por um arcabouço normativo multissetorial que envolve três órgãos principais. A Resolução ANP nº 817/2020 estabelece os procedimentos para elaboração e submissão do Plano de Descomissionamento de Instalações (PDI), exigindo análise de riscos, inventário detalhado de materiais e justificativa técnica para as destinações propostas (ANP, 2020). Segundo Steenhagen (2020) IBAMA atua no licenciamento ambiental, avaliando impactos ecológicos e exigindo medidas de mitigação e compensação, conforme estabelecido na regulamentação federal para atividades de petróleo e gás offshore. A Marinha do Brasil regula aspectos de segurança da navegação e proteção do meio ambiente aquaviário, exigindo a apresentação de memoriais descritivos sobre o desmonte e os procedimentos de segurança marítima (STEENHAGEN, 2020). 

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) (BRASIL, 2010) estabelece a hierarquia de gestão de resíduos (não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final), aplicável aos materiais após chegada em terra. Esta hierarquia se alinha aos princípios da economia circular, criando uma ponte conceitual entre a regulação nacional e as melhores práticas internacionais de circularidade. 

Adicionalmente, o Decreto nº 12.082/2024 institui a Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC), que visa promover a transição do modelo linear para circular (BRASIL, 2024a). Complementarmente, o Plano Nacional de Economia Circular 2025-2034 estabelece 18 macroobjetivos e 71 ações específicas para implementar a circularidade na economia brasileira, incluindo diretrizes para setores estratégicos como o de óleo e gás (BRASIL, 2025). Esta convergência regulatória reforça a relevância de estudos que quantifiquem a aplicação prática dos princípios de economia circular em operações industriais complexas, como o descomissionamento offshore. 

2.1.1 Política de destinação verde da Petrobras 

A Petrobras implementou uma Política de Reciclagem Verde para embarcações que estabelece critérios rigorosos de sustentabilidade para a alienação de plataformas (PETROBRAS, 2025). Esta política exige que a alienação seja condicionada ao atendimento de padrões ambientais e trabalhistas rigorosos, incluindo utilização de estaleiros certificados, conformidade regulatória e implementação de ações de fomento à economia circular. No contexto da FPSO P-35, isso significa que a “alienação em leilão” prevista no PDI não implica destinação livre, mas sim alienação condicionada aos critérios de sustentabilidade estabelecidos pela política corporativa.

2.2 Economia circular no setor de óleo e gás 

A economia circular propõe um modelo restaurador e regenerativo que visa manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor pelo maior tempo possível (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013). No contexto do descomissionamento offshore, isso se traduz em priorizar estratégias que seguem a hierarquia de valor da economia circular: reutilização, remanufatura e reciclagem de materiais, conforme estabelecido pelos princípios de design circular (BOCKEN et al., 2016). O relatório da IPIECA e do Energy Institute (2025) introduz uma distinção fundamental entre a circularidade de processo (como a indústria opera seus ativos) e a circularidade de produto (o que a indústria produz). Dado que o produto final (combustíveis fósseis) é inerentemente linear em seu uso, sendo consumido e convertido em energia e emissões (GEISSDOERFER et al., 2017), o foco da circularidade no setor de E&P (Exploração & Produção), e especialmente no descomissionamento, recai sobre a circularidade de processo: a gestão otimizada de ativos, materiais e resíduos para maximizar a retenção de valor. 

2.3 Indicadores de circularidade 

A mensuração efetiva da circularidade requer ferramentas quantitativas padronizadas para avaliar, comparar e monitorar diferentes estratégias de descomissionamento (Potting et al., 2017). A família ISO 59000, em especial a NBR ISO 59020:2024, apresenta uma metodologia estruturada para essa medição, indicando como definir limites do sistema, selecionar indicadores e garantir transparência (ABNT, 2024). 

Entre os indicadores consolidados, o Material Circularity Indicator (MCI), da Ellen MacArthur Foundation, quantifica a circularidade com base na proporção de materiais virgens e reciclados e na taxa de recuperação (Ellen MacArthur Foundation, 2019). Os Circular Transition Indicators (CTI), do World Business Council for Sustainable Development, abrangem fluxos de materiais, água e energia, oferecendo uma visão integrada do desempenho circular (WBCSD, 2020).  

Além das ferramentas voluntárias apresentadas, o Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) e o European Sustainability Reporting Standard ESRS E5 (EUROPEAN COMMISSION, 2023) representam marcos regulatórios da União Europeia ao estabelecer requisitos obrigatórios de relatórios de sustentabilidade. O ESRS E5 especifica que as organizações devem demonstrar como influenciam o uso de recursos e a economia circular, abordando fluxos de entrada e saída de materiais, bem como a gestão de resíduos. Seus indicadores de massa de resíduos por tipo de tratamento — reúso, reciclagem, valorização energética e disposição final — servem como referência regulatória que valida a abordagem metodológica deste estudo. 

Outro referencial importante é o relatório conjunto da IPIECA e do Energy Institute (2025) propõe um framework específico para o setor de óleo e gás. Esse modelo combina indicadores qualitativos (políticas, estratégias, inovação, engajamento) e quantitativos (fluxos de materiais, design, circularidade da água, impactos financeiros), distinguindo a circularidade de processos (gestão de ativos e operações) da circularidade de produtos, aspecto essencial para descomissionamento offshore. 

A ferramenta Circulytics, também desenvolvida pela Ellen MacArthur Foundation, avalia empresas a partir de dois grupos de indicadores. O primeiro reúne habilitadores — estratégia e planejamento, inovação, pessoas e competências, operações e engajamento externo — enquanto o segundo mede os resultados em termos de produtos e materiais, serviços, ativos, água, energia e finanças (Ellen MacArthur Foundation, 2020). Com a adoção do padrão europeu ESRS E5, que impõe métricas obrigatórias de circularidade para o reporte corporativo, a fundação anunciou a descontinuidade do Circulytics. Ainda assim, seus princípios de mapeamento de fluxos de materiais e retenção de valor permanecem úteis para avaliações internas e para orientar a transição rumo às exigências do ESRS E5. 

Para operacionalizar a análise da FPSO P-35, foram derivados indicadores específicos de fluxo de materiais (Taxa de Reúso – TR, Taxa de Reciclagem – TRec, Taxa de Valorização Energética – TVE e Taxa de Perda/Disposição – TP). Esses índices se alinham aos módulos de fluxo do CTI e às categorias do ESRS E5, garantindo compatibilidade com padrões internacionais de reporte. 

3. METODOLOGIA 

3.1 Delineamento da pesquisa e justificativa do caso 

Este trabalho adota um estudo de caso único, de natureza descritivo-analítica e abordagem quantitativa, em conformidade com a NBR ISO 59020:2024, que orienta a medição e avaliação da circularidade (ABNT, 2024). A escolha do estudo de caso único se justifica pelo caráter exploratório da aplicação de indicadores de circularidade ao descomissionamento offshore; a revisão de literatura nas principais bases de dados nacionais não identificou pesquisas similares, evidenciando uma lacuna no tema. 

O objeto analisado é o PDI da plataforma FPSO P-35 (Petrobras, 2023). A escolha se baseou nos seguintes critérios: (i) o PDI disponibiliza inventário detalhado de materiais e destinações propostas, com tabelas e descrições acessíveis ao público; (ii) a FPSO P-35 apresenta características construtivas típicas das plataformas da Bacia de Campos implantadas na década de 1990, conforme descrito nas especificações técnicas do PDI; (iii) a unidade encerrou sua produção em 2022 e tem descomissionamento programado, o que confere relevância imediata ao estudo; (iv) a diversidade de componentes e materiais documentados permite analisar diferentes estratégias de circularidade; (v) trata-se de um dos primeiros PDIs aprovados sob a Resolução ANP nº 817/2020, o que oferece precedente regulatório importante; e (vi) há um contexto de reavaliação da unidade: informações recentes indicam que a Petrobras avalia adaptar a P-35 para operar nos campos de Barracuda e Caratinga, evidenciando na prática o potencial de extensão de vida útil previsto no Cenário B deste trabalho (REUTERS, 2025). 

Para a delimitação do sistema em análise, considerou-se a FPSO P-35 como sistema econômico definido, englobando todos os componentes estruturais, equipamentos de processo, sistemas de ancoragem e infraestrutura submarina associada, em consonância com o conceito de limites do sistema estabelecido pela ISO 59020 (ABNT, 2024). 

3.2 Framework metodológico e revisão bibliográfica 

A revisão bibliográfica foi conduzida em bases acadêmicas nacionais e internacionais, como SciELO, Web of Science e Scopus, com o uso de palavras-chave em português e inglês relacionadas a “economia circular”, “descomissionamento offshore”, “indicadores de circularidade” e “gestão de resíduos”. Foram também consultados documentos de órgãos reguladores brasileiros (ANP; IBAMA), relatórios de organizações setoriais (IPIECA; Energy Institute), normas técnicas internacionais (família ISO 59000 e ESRS E5) e literatura cinzenta especializada e relacionada com economia circular e descomissionamento offshore. 

O framework metodológico integra três abordagens complementares: (i) análise documental do PDI da FPSO P-35 para extração de dados primários; (ii) aplicação de indicadores de circularidade baseados nos padrões CTI do WBCSD e ISO 59020; e (iii) modelagem de cenários alternativos para análise comparativa. 

Seguindo as diretrizes da ISO 59020 para definição de limites do sistema e seleção de indicadores apropriados, foram derivados quatro indicadores específicos de fluxo de materiais: 

  • Taxa de Reúso (TR): percentual da massa total de materiais destinados ao reúso direto ou à extensão de vida útil; 
  • Taxa de Reciclagem (TRec): percentual da massa total encaminhada à reciclagem material; • Taxa de Valorização Energética (TVE): percentual da massa total destinada à recuperação energética; 
  • Taxa de Perda ou Disposição Final (TP): percentual da massa total direcionada à disposição final linear. 

A definição desses indicadores garante compatibilidade com padrões internacionais de reporte, como o Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) e o ESRS E5, e permite comparar diferentes estratégias de circularidade em bases equivalentes. 

3.3 Construção dos cenários de análise 

Para a comparação quantitativa, definimos três cenários de descomissionamento que representam filosofias distintas de gestão de fim de vida. A estruturação desses cenários baseou-se em três fontes: (i) análise das rotas de destinação propostas no PDI da FPSO P-35; (ii) revisão de literatura sobre melhores práticas internacionais de descomissionamento offshore; e (iii) análise de viabilidade técnica considerando as características dos materiais e equipamentos inventariados. Os cenários representam um espectro desde o desmonte completo (Cenário A) até a extensão de vida útil (Cenário B) e um cenário intermediário de reaproveitamento parcial (Cenário C). Essa construção permite comparar estratégias lineares e circulares com base nos indicadores escolhidos. 

3.4 Premissas e limitações metodológicas 

As premissas adotadas derivam dos dados técnicos do PDI e de padrões setoriais. Para materiais metálicos, assumiu-se composição predominantemente de aço carbono (> 90 %), conforme observado em estruturas offshore da década de 1990 (Kaiser; Pulsipher, 2004). A eficiência de reciclagem foi fixada entre 85 % e 95 % para metais, segundo estimativas da World Steel Association (2018). Reconhece-se como limitação a ausência de validação externa por especialistas independentes. Entretanto, a metodologia segue padrões internacionais (ISO 59020, CTI e ESRS E5) visando a replicabilidade. Os resultados específicos não foram contrastados com dados de outras plataformas. 

3.5 Análise de dados e indicadores 

A análise quantitativa aplicou os indicadores de outflow — Taxa de Reúso (TR), Taxa de Reciclagem (TRec), Taxa de Valorização Energética (TVE) e Taxa de Perda ou Disposição Final (TP) — aos três cenários definidos. Os resultados foram organizados em uma matriz de fluxos de materiais inspirada no framework da IPIECA e do Energy Institute (2025), que classifica os fluxos como circulares ou lineares e distingue o tratamento em extensão de vida útil, reciclagem, recuperação energética e disposição final. Para avaliar a robustez das conclusões, realizamos uma análise de sensibilidade variando as principais premissas metodológicas, como eficiência de reciclagem, percentuais de reúso e critérios de classificação entre valorização energética e disposição final. 

4. RESULTADOS 

4.1 Inventário de materiais da FPSO P-35 

O inventário extraído do PDI da FPSO P‑35 (Petrobras, 2023) registra uma massa total de 64.386,8 toneladas distribuídas entre quatro categorias principais de componentes. A tabela a seguir resume os valores e as destinações originalmente propostas no PDI. 

Tabela 1 – Inventário de materiais e destinação proposta para o descomissionamento da FPSO P-35

Fonte: PETROBRAS (2023). Elaboração própria. 

Observa-se que aproximadamente 80% da massa total (51.504 t) corresponde ao casco e sistemas integrados da FPSO P-35, conforme especificado na Tabela 3.2.1-I do PDI (p. 57) como “massa na condição de descomissionamento (peso leve)”. Os componentes do sistema de ancoragem representam 9% do total (5.801,35 t), enquanto os dutos flexíveis e umbilicais somam 11,0% (7.081,45 t). 

4.1.1 Escopo e limitações do inventário 

O presente estudo focou nos componentes estruturais principais da FPSO P-35, que representam aproximadamente 95% da massa total da plataforma. Foram excluídos da análise quantitativa principal os seguintes materiais identificados no PDI: 

  • Metais não ferrosos: cobre (200t), alumínio (90t) e ânodos de proteção catódica, destinados à reciclagem especializada; 
  • Polímeros e compósitos (~300t): materiais de vedação, revestimentos e componentes não metálicos, encaminhados para reciclagem mecânica ou química ou para coprocessamento energético; 
  • Materiais cerâmicos e isolantes (~150t): isolamento térmico e refratários, destinados à disposição controlada em aterros; 
  • Fluidos remanescentes e borras oleosas (~50t): resíduos perigosos (Classe I) destinados ao tratamento especializado; 
  • Resíduos perigosos específicos (<50t): amianto, materiais radioativos de ocorrência natural (NORM) e bifenilas policloradas (PCBs), destinados a aterros Classe I ou devolvidos a fornecedores. 

Esta delimitação metodológica se baseou em três critérios: (i) representatividade quantitativa – os componentes estruturais principais concentram mais de 95 % da massa total; (ii) homogeneidade de destinação — permitiram análise consistente dos indicadores de circularidade; e (iii) disponibilidade de dados — as informações detalhadas e confiáveis no PDI facilitaram o cálculo dos indicadores. 

4.2 Cenários de descomissionamento modelados 

A aplicação da metodologia proposta resultou na modelagem de três cenários, cada um refletindo uma abordagem específica para o descomissionamento da FPSO P-35 e alinhado à Política de Destinação Verde da Petrobras (Petrobras, 2025). Estes cenários foram desenvolvidos para considerar, desde estratégias convencionais até abordagens inovadoras baseadas nos princípios da economia circular. 

O Cenário A (Desmonte completo) representa a abordagem tradicional de descomissionamento, na qual se realiza a remoção integral de todos os componentes tecnicamente viáveis. A maior parte dos materiais é destinada à reciclagem, enquanto amarras e estacas permanecem no leito marinho. A Política de Destinação Verde determina que a alienação seja feita a um estaleiro certificado, garantindo que o desmonte e a reciclagem ocorram em conformidade com padrões ambientais e trabalhistas rigorosos. Premissas específicas do Cenário A: Reúso direto: 0,0% da massa total – nenhum componente destinado ao reuso; Reciclagem: 94,9% – foco total na reciclagem de materiais metálicos; Valorização energética: 1,0% – rejeitos de reciclagem e materiais não metálicos. Disposição final: 4,1% – amarras de fundo e estacas mantidas in situ. 

O Cenário B (Extensão da vida útil) materializa a essência da economia circular ao propor a reutilização da plataforma para novas aplicações produtivas. Ele se fundamenta na possibilidade, atualmente estudada pela Petrobras, de transferir a P-35 para os campos de Barracuda e Caratinga (REUTERS, 2025), demonstra como ativos considerados “fim de vida” podem ser transformados em recursos estratégicos. Nessa hipótese, boa parte dos componentes permanecem em operação, reduzindo a necessidade de reciclagem imediata ou disposição e uma maior circularidade. A Política de Destinação Verde favorece explicitamente esse tipo de reaproveitamento ao promover o “fomento à economia circular” e o “reaproveitamento de equipamentos”. Premissas específicas do Cenário B: Reúso direto: 80,0% da massa total – correspondente ao casco e sistemas integrados da FPSO; Reciclagem: 15,5% – componentes do sistema de ancoragem e dutos que requerem substituição; Valorização energética: 0,5% – menor geração de rejeitos devido ao reúso integral. Disposição final: 4,0% – amarras de fundo e estacas mantidas in situ. 

O Cenário C (Reúso parcial) representa uma abordagem híbrida que reconhece tanto as oportunidades quanto às limitações práticas do descomissionamento circular. Neste cenário, assume-se que cerca de 20% da massa total é destinada ao reúso direto, priorizando equipamentos de processo em bom estado, sistemas de controle com vida útil residual, estruturas modulares pouco corroídas e componentes padronizados com demanda de mercado. Os demais materiais são distribuídos entre reciclagem (≈ 74 %), valorização energética (≈ 2 %) e disposição final (≈ 4 %). A Política de Destinação Verde sustenta essa abordagem ao exigir inventários prévios detalhados e a minimização de resíduos, o que possibilita identificar e segregar componentes com potencial de reúso. 

Ao caracterizar esses três cenários, o estudo busca capturar o espectro que vai de uma filosofia linear à maximização de princípios circulares, oferecendo base para comparar quantitativamente os indicadores TR, TRec, TVE e TP. 

4.3 Aplicação dos indicadores de circularidade 

A aplicação dos indicadores TR, TRec, TVE e TP aos três cenários permitiu quantificar os fluxos de materiais conforme a Tabela 2. A estrutura da tabela baseia‑se nas melhores práticas identificadas no relatório da IPIECA e do Energy Institute (2025), incorporando a classificação hierárquica de tipos de fluxo (circular versus linear), tipos de tratamento (extensão de vida útil, reciclagem, valorização energética, disposição final) e tipos de recuperação. Essa abordagem evidencia a hierarquia de valor entre as estratégias de fim de vida e facilita a identificação de oportunidades de melhoria. 

Tabela 2 – Fluxos de materiais por tipo de fluxo, tratamento e recuperação para diferentes cenários de descomissionamento da FPSO P-35.

Fonte: Elaboração própria baseada em dados do PDI (Petrobras, 2023) e na estrutura adaptada de IPIECA; Energy Institute (2025). 

A análise da Tabela 2 indica que os três cenários apresentam índices de circularidade total muito próximos, variando entre 95,9 % e 96,0 %. Essa convergência decorre, em parte, da aplicação da Política de Destinação Verde da Petrobras, que estabelece critérios rigorosos para alienação e reciclagem de ativos. No entanto, as diferenças na distribuição dos fluxos são marcantes: no Cenário A prevalece a reciclagem, enquanto no Cenário B a reutilização integral domina os fluxos circulares; já no Cenário C há um equilíbrio entre reúso e reciclagem, com pequena parcela de valorização energética. A decisão final sobre reutilizar ou reciclar a plataforma — que representa 80 % da massa total — dependerá das condições e objetivos do comprador certificado. Essas variações evidenciam filosofias distintas de gestão de fim de vida e diferentes potenciais de retenção de valor econômico. 

4.3.1 Análise específica do cenário C: incorporação de materiais adicionais 

O Cenário C, principal inovação metodológica deste estudo, foi submetido a uma análise adicional que considera os materiais excluídos do inventário principal. A proposta é demonstrar que diferentes categorias de material apresentam potenciais de circularidade distintos, enriquecendo a compreensão das estratégias híbridas de descomissionamento. A Tabela 3 apresenta as massas, estratégias de circularidade e estimativas de retenção de valor para cada categoria. Nos casos em que as porcentagens de reúso e reciclagem foram estimadas pelo autor, essas estimativas basearam‑se em dados setoriais e em diretrizes do relatório da IPIECA e do Energy Institute (2025). 

Tabela 3 – Análise do Cenário C com inclusão de materiais adicionais

*Estimativas baseadas em dados setoriais e em IPIECA; Energy Institute (2025). 

Com a inclusão desses materiais, os resultados do Cenário C seriam: 

  • Reúso total: 13.147 t (20,2% do inventário expandido, vs. 20,0% do inventário principal) 
  • Reciclagem total: 48.449 t (74,3% vs. 75,0% do inventário principal) 
  • Valorização energética: 704 t (1,1% vs. 1,0% do inventário principal) 
  • Tratamento/disposição: 2.886 t (4,4% vs. 4,0% do inventário principal) 
  • Circularidade total: 95,6% (ligeiramente inferior devido aos resíduos perigosos) 

Essa análise indica que os metais não ferrosos, embora representem apenas cerca de 0,5 % da massa total, contribuem de maneira desproporcional para a viabilidade econômica do reúso parcial, graças ao seu alto valor específico. Demonstra também que estratégias híbridas precisam levar em conta as limitações de cada categoria de material: nem todos os componentes apresentam o mesmo potencial de circularidade, e alguns segmentos (cerâmicos, isolantes, borras oleosas) continuarão dependendo de destinação controlada. Esses achados reforçam a necessidade de inventários detalhados e de políticas de segregação já na fase de planejamento do descomissionamento. 

4.4 Análise de sensibilidade dos resultados 

Com o objetivo de avaliar a robustez dos resultados obtidos, foi conduzida uma análise de sensibilidade variando as principais premissas metodológicas em cada cenário. As faixas de variação baseiam-se em dados da literatura e em hipóteses técnicas plausíveis extraídas de relatórios setoriais. 

Cenário A – Desmonte completo 

Eficiência de reciclagem: a literatura sobre reciclagem de metais sugere que a eficiência de recuperação varia tipicamente entre 85 % e 95 % em condições industriais (WORLD STEEL ASSOCIATION, 2018). Para refletir ambientes com maior contaminação salina e complexidade de processamento offshore, adotou‑se uma faixa ampliada de 75 % a 95 %. Essa variação provoca alterações de até ± 3 % na circularidade total, pois parte da massa originalmente classificada como reciclada se desloca para valorização energética (TVE) ou disposição final. 

Reclassificação para valorização energética: a migração de materiais não metálicos entre valorização energética e disposição final, variando de 0,5 % a 2,0 % da massa total, fundamenta‑se em estimativas de perdas nos processos de reciclagem e no poder calorífico de polímeros (POTTING et al., 2017). Essa mudança resulta em oscilações de até ± 1,5 % na circularidade. 

Mercado de reciclagem: considerando relatos de saturação temporária do mercado de sucata naval em mercados internacionais (STAHEL, 2016), simulou‑se uma queda de 20 % na demanda por aço reciclado. Nessa condição, a circularidade global do cenário A reduz‑se para cerca de 93,5 %, ainda mantendo alta circularidade. 

Cenário B – Extensão da vida útil 

Percentual de recondicionamento: segundo diretrizes do relatório IPIECA/Energy Institute (2025), o recondicionamento de componentes varia conforme a avaliação de vida útil residual. Optou-se por testar intervalos de 10 % a 25 % de componentes que necessitariam substituição. Essa variação provoca alterações de ± 2 % na circularidade, já que o volume destinado ao reúso (TR) migra para reciclagem (TRec). 

Critérios de reúso: critérios mais rigorosos, baseados em STEENHAGEN (2020) para avaliação de integridade estrutural, podem reduzir o reúso de 80 % para 65 %. Mesmo assim, a circularidade mantém‑se acima de 95 %, demonstrando resiliência do cenário. 

Viabilidade técnica: em um cenário conservador, no qual apenas 60 % da plataforma é considerada apta para reúso (IPIECA; ENERGY INSTITUTE, 2025), a circularidade recua para cerca de 94,2 %. Essa sensibilidade evidencia que o cenário B depende fortemente da avaliação de vida útil residual. 

Cenário C – Reúso parcial 

Taxa de reúso seletivo: de acordo com Potting et al. (2017), a escolha de componentes para reúso pode variar amplamente. Neste estudo, testou‑se uma faixa de 15 % a 25 % para o reúso direto, resultando em oscilações de apenas ± 1,5 % na circularidade. 

Complexidade de processamento: um aumento da valorização energética de 2,0 % para 3,5 % — devido a processos adicionais de limpeza e adaptação dos materiais para reúso parcial — baseia‑se em estimativas de rejeitos adicionais na reciclagem de metais (WORLD STEEL ASSOCIATION, 2018). Essa mudança reduz a circularidade em cerca de 1 %. 

Mercado adverso: considerando incertezas de mercado apresentadas por Stahel (2016), simulou‑se um cenário em que apenas 10 % dos componentes selecionados encontram compradores para reúso. Mesmo nessa condição, a circularidade do cenário C cai para aproximadamente 94,5 %. 

Análise comparativa 

A análise de sensibilidade mostra que o Cenário B é o mais sensível a variações técnicas (± 2– 4 %), refletindo a complexidade de avaliar a vida útil residual de todos os componentes. O Cenário A apresenta sensibilidade moderada às eficiências de reciclagem e ao mercado de sucata (± 1,5–3 %), enquanto o Cenário C se revela o mais robusto (± 1–2 %), mantendo vantagens de circularidade mesmo com oscilações nas premissas. Esses resultados, alinhados às referências citadas, confirmam a robustez das conclusões principais e a utilidade dos indicadores para orientar decisões estratégicas sobre descomissionamento 

5. DISCUSSÃO 

5.1 O dilema multidimensional do descomissionamento 

A aplicação dos indicadores revela um dilema central no descomissionamento offshore que vai além da contabilidade de materiais: há um conflito entre risco operacional, valor material e valor ecológico. Esse dilema se evidencia ao comparar diferentes abordagens de desmonte. 

A decisão de manter in situ as amarras e estacas da FPSO P‑35 produz um fluxo 100 % linear do ponto de vista da economia circular material, mas é justificada por critérios de risco. A Resolução ANP nº 817/2020 autoriza a permanência quando a remoção impõe riscos inaceitáveis (ANP, 2020), e o PDI da P‑35 fundamenta‑se nesse argumento. Além disso, essa opção reflete um paradigma de engenharia anterior, que não contemplava o “design para desmontagem”, conceito hoje central para a circularidade (IPIECA; Energy Institute, 2025). 

Do ponto de vista da circularidade material, a perda é mensurável. As 2.610,13 toneladas de aço das amarras de fundo (1.848,13 t) e estacas (762 t), conforme registrado na Tabela 3.2.3-I do PDI, representam um “custo da linearidade” já que são materiais que deixam de ser reinseridos na economia circular. 

Por outro lado, a permanência in situ pode gerar valor ecológico ao funcionar como recife artificial. Estudos indicam que estruturas metálicas submersas se transformam em habitat para a vida marinha, contribuindo para a biodiversidade local (Fowler et al., 2014; Schroeder; Love, 2004). Esse benefício ecológico, não contemplado nos indicadores de circularidade material, sugere a existência de outra dimensão de circularidade — baseada na geração de serviços ecossistêmicos — que merece ser considerada em análises mais amplas. 

5.2 Análise econômica da circularidade por cenário 

Para avaliar o impacto econômico das diferentes estratégias de circularidade, realizamos uma análise qualitativa da retenção de valor em cada cenário, considerando a hierarquia de valor proposta pela literatura de economia circular (Stahel, 2016). 

Cenário A (Desmonte completo): Com 94,9% de reciclagem (61.132,8 t), este cenário apresenta a menor retenção relativa de valor. Embora seja uma estratégia circular, a reciclagem acarreta perda significativa de valor devido aos processos intensivos em energia de refundição e reprocessamento. Estudos indicam que a reciclagem de materiais metálicos retém, em média, de 10 % a 20 % do valor original, em função da degradação de propriedades e dos custos de reprocessamento (Stahel, 2016; Potting et al., 2017). 

Cenário B (Extensão da vida útil): Com 80,0% de reúso (51.504 t), este cenário oferece o maior potencial de retenção, preservando a funcionalidade e as propriedades dos materiais. De acordo com Stahel (2016), o reúso direto pode reter entre 60 % e 80 % do valor inicial dos ativos, configurando a estratégia mais vantajosa na hierarquia de valor circular. 

Cenário C (Reúso parcial): Combinando 20 % de reúso (12.877,36 t) e 75 % de reciclagem (47.655,44 t), este cenário apresenta retenção intermediária. A abordagem híbrida equilibra a alta retenção de valor do reúso com a recuperação de valor via reciclagem, alinhando-se às estratégias de transição circular descritas por Bocken et al. (2016). 

Assim, a análise econômica reforça as conclusões obtidas pelos indicadores: maximizar o reúso direto tende a preservar mais valor econômico, enquanto a reciclagem, apesar de necessária, representa destruição parcial de valor. 

5.3 Hierarquia de valor na recuperação de materiais 

A análise dos cenários evidencia a importância de considerar a hierarquia de valor na recuperação de materiais, princípio básico da economia circular (Stahel, 2016). O reúso direto, como no Cenário B, preserva aproximadamente 60–70 % do valor original dos materiais. A reciclagem, predominante no Cenário A, retém apenas entre 15 % e 20 % desse valor em razão da energia gasta no processo e da perda de propriedades (Potting et al., 2017). O Cenário C, com 20 % de reúso e 75 % de reciclagem, oferece uma retenção ponderada de cerca de 25–35 %, superior ao cenário A. 

Essa diferença reflete a destruição de valor inerente à reciclagem e mostra como estratégias híbridas podem otimizar resultados econômicos por meio da seleção criteriosa de componentes para reúso. A seguir, exemplificam‑se os valores retidos para categorias específicas da FPSO P‑35: 

  • Equipamentos de alta complexidade (sistemas de controle, válvulas especializadas): a remanufatura ou reúso pode reter 50–80 % do valor original, ao passo que a reciclagem como sucata metálica preserva apenas 5–10 % (Bocken et al., 2016). No Cenário C, tais equipamentos são priorizados para reúso. 
  • Estruturas metálicas (casco e sistemas integrados): reutilizadas em novos projetos, podem reter 40–60 % do valor; reciclando‑as como aço, retém‑se apenas 10–15 % (Potting et al., 2017). O Cenário C possibilita decidir a destinação conforme o estado de cada estrutura. 
  • Dutos e tubulações: dependendo das condições de integridade, o reúso retém de 30 % a 50 %, enquanto a reciclagem retém de 8 % a 12 %.  

Esses dados sugerem que estratégias que priorizam reúso e remanufatura, mesmo com custos operacionais mais elevados, podem proporcionar maior retenção de valor econômico total. Isso justifica investimentos em logística reversa e processos de recondicionamento. O Cenário C surge como solução pragmática, equilibrando retenção de valor e viabilidade operacional, e oferece um caminho realista para a transição à economia circular no descomissionamento offshore. 

5.4 Implicações para a gestão ambiental e tomada de decisão 

Os resultados obtidos apresentam três implicações principais para a gestão ambiental e a tomada de decisão no setor de óleo e gás.  

Primeiro, evidenciam que a aplicação de indicadores de circularidade pode quantificar objetivamente os trade-offs entre diferentes estratégias de descomissionamento, fornecendo base científica para decisões que tradicionalmente baseavam-se em critérios predominantemente técnicos e econômicos. 

Segundo, os achados sugerem que existe uma convergência regulatória favorável à economia circular. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), o Plano Nacional de Economia Circular (BRASIL, 2025) e a Resolução ANP nº 817/2020 (ANP, 2020) criam conjuntamente um ambiente propício para incorporar critérios de circularidade na avaliação dos PDIs. Futuras revisões regulatórias poderiam, portanto, tornar obrigatória a apresentação de métricas de circularidade no processo de aprovação. A Política de Destinação Verde da Petrobras (Petrobras, 2025) é um exemplo de como diretrizes corporativas podem antecipar esse movimento: ao restringir a alienação de plataformas a estaleiros certificados e com padrões ambientais rigorosos, ela reduz o risco de destinação inadequada e incentiva práticas circulares como o reúso e a reciclagem. 

Terceiro, os resultados destacam que o Cenário C, de reúso parcial, constitui uma solução pragmática para operadoras que não podem prolongar completamente a vida útil de suas plataformas. Essa estratégia híbrida equilibra retenção de valor e viabilidade operacional, permitindo avanços em circularidade sem comprometer a segurança. A exigência de inventário prévio detalhado, viabiliza a identificação e segregação de componentes com potencial de reúso, condição essencial para a adoção desse cenário. 

Essas implicações apontam caminhos para políticas públicas e práticas empresariais que acelerem a transição do descomissionamento offshore para modelos de economia circular. 

6. LIMITAÇÕES DO ESTUDO 

Este estudo apresenta limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados e em futuras aplicações da metodologia proposta. 

  1. A análise baseou-se exclusivamente nos dados disponíveis no PDI da FPSO P-35, documento oficial e detalhado, mas que não contém dados sobre estado de conservação, vida útil residual ou viabilidade técnica de reúso de componentes (Petrobras, 2023). Essas lacunas limitam análises mais granulares. 
  2. Generalização dos resultados: A FPSO P‑35, convertida e instalada em 1999 na Bacia de Campos, possui características específicas que podem não refletir outras tipologias de unidades — como plataformas fixas, semi‑submersíveis ou FPSOs construídas para fins específicos — nem diferentes contextos operacionais (águas profundas versus rasas). Aplicar a metodologia a outras instalações requer adaptar critérios e validar premissas. 
  3. A avaliação do valor econômico retido foi conduzida de forma qualitativa, baseada em percentuais de retenção de valor extraídos da literatura sobre economia circular. Uma quantificação econômica mais precisa exigiria dados de mercado sobre materiais reciclados e equipamentos remanufaturados, os quais não foram identificados disponíveis de forma pública. 
  4. O estudo não abordou custos de transporte, disponibilidade de infraestrutura portuária e capacidade de processamento dos materiais. Esses fatores podem influenciar a viabilidade prática dos cenários, especialmente do Cenário C, que envolve maior complexidade operacional. Pesquisas futuras deverão incorporar esses elementos por meio de coleta de dados primários ou modelagem logística. 

7. CONCLUSÕES 

Este estudo demonstrou a aplicabilidade e a relevância dos indicadores de economia circular no descomissionamento de plataformas offshore, tendo a FPSO P‑35 como estudo de caso. Ao empregar um framework metodológico baseado na NBR ISO 59020, nos Circular Transition Indicators e no padrão ESRS E5 (ABNT, 2024; WBCSD, 2020; European Commission, 2023a), foi possível quantificar objetivamente a circularidade de três estratégias de descomissionamento. 

Os resultados mostram que, embora os cenários apresentem índices de circularidade totais próximos (95,9% a 96,0 %), eles diferem na distribuição entre reúso e reciclagem. Essa distribuição reflete filosofias distintas de gestão de fim de vida e diferentes potenciais de retenção de valor econômico. O Cenário C (reúso parcial) é apresentado como a principal contribuição metodológica, equilibrando os princípios da economia circular com as limitações práticas do descomissionamento. A análise detalhada dos materiais adicionais indica que diferentes categorias exigem abordagens específicas para maximizar a circularidade. 

O estudo também destaca o dilema multidimensional do descomissionamento offshore: equilibrar a mitigação de riscos operacionais, que às vezes justifica a permanência in situ de componentes, com a maximização da circularidade material. Essa tensão evidencia a necessidade de considerar valores materiais, econômicos e ecológicos em avaliações de sustentabilidade. 

A convergência entre as políticas nacionais — PNRS e Plano Nacional de Economia Circular (Brasil, 2010; BRASIL, 2025) —, a Resolução ANP nº 817/2020 (ANP, 2020) e a Política de Destinação Verde da Petrobras (Petrobras, 2025) cria um ambiente favorável para implementar estratégias circulares no descomissionamento offshore. A integração de indicadores de circularidade nos PDIs pode, assim, tornar-se requisito de futuras revisões regulatórias. 

Conclui‑se que os indicadores de circularidade constituem ferramentas estratégicas para quantificar os desafios do descomissionamento e fornecer suporte científico à tomada de decisão. A metodologia desenvolvida é replicável e poderá ser aplicada a outras instalações, contribuindo para a construção de conhecimento voltado à transição do setor de óleo e gás para práticas mais sustentáveis. Políticas corporativas como a Destinação Verde criam as condições operacionais para que cenários inovadores, como o Cenário C (reuso parcial), sejam aplicados na prática, aumentando a relevância e a aplicabilidade dos resultados. 

8. RECOMENDAÇÕES PARA ESTUDOS FUTUROS 

Com base nos resultados e nas limitações identificadas, se propõe as seguintes direções para pesquisas futuras sobre economia circular aplicada ao descomissionamento offshore. 

Primeiramente, sugere-se o desenvolvimento de estudos comparativos que apliquem a metodologia proposta a múltiplas plataformas (FPSOs, plataformas fixas, semi-submersíveis) em variados contextos operacionais. Essa abordagem permitirá identificar padrões e validar a generalização dos indicadores de circularidade. 

Em segundo lugar, a ampliação do escopo de indicadores para incluir fluxos de água e de energia, conforme proposto pelo framework completo do CTI (WBCSD, 2020), e integre Avaliações de Ciclo de Vida (ACV) baseadas na ISO 14040/44 (ABNT, 2006) para mensurar impactos ambientais associados a cada estratégia de descomissionamento. 

Terceiro, sobre a análise econômica quantitativa podem ser desenvolvidas metodologias para valorar economicamente os materiais e equipamentos recuperados, realizar análises de custo‑benefício das estratégias circulares e avaliar a viabilidade financeira de mercados especializados para componentes offshore remanufaturados. 

Quarto, recomenda-se a pesquisa sobre regulação e governança para explorar como políticas públicas e instrumentos de governança podem incentivar ou dificultar a adoção de práticas circulares. Podem ser considerados incentivos econômicos, critérios de circularidade em licenças ambientais e mecanismos de certificação para materiais reutilizados. 

Finalmente, é válido investigar as interações entre circularidade material e valor ecológico, especialmente no contexto de recifes artificiais. Desenvolvendo metodologias para quantificar e comparar diferentes formas de valor (econômico versus ecológico) a fim de apoiar análises mais holísticas de sustentabilidade. 

Essas recomendações buscam contribuir para o avanço do conhecimento científico e apoiar a construção de práticas sustentáveis no setor de óleo e gás, em consonância com os objetivos de transição energética e economia circular previstos nas políticas nacionais e internacionais. 

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 59020:2024. Economia circular — Medição e avaliação da circularidade. Rio de Janeiro: ABNT, 2024. 

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¹Programa de Engenharia Ambiental (PEA), Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

E-mail: andreportes@poli.ufrj.br