ANALYSIS OF COVID-19RAPID TEST NOTIFICATIONS AND BIOETHICAL IMPACTS ON DATA COLLECTION AND STORAGE
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7995547
Alexsander Frederick Viana do Lago¹
Helen Diana Dos Santos Luz Rolim²
Jandson Vieira Costa³
Larissa Cantanhêde do Lago4
Mayara Ladeira Côelho5
Rossana Maria Carvalho Seixas Castro Diniz6
Suely Moura Melo7
RESUMO
O objetivo do trabalho foi analisar os impactos das notificações dos laudos emitidos a partir dos testes de COVID-19 e o registro de dados sobre os infectados dentro do contexto da pandemia, o que apresenta impacto na tomada de decisão quanto a procedimentos e armazenamento desses, bem como a observância dos limites bioéticos. Tratou-se de uma revisão integrativa do tipo exploratória, com abordagem quali-quantitativa. A seleção dos artigos foi realizada utilizando as bases de dados SciELO e LILACS no período de 2020 a 2023. Foi observado que das discussões judiciais surgem novos paradigmas, com o reconhecimento pelo STF de um direito fundamental à proteção de dados pessoais, o compartilhamento de dados pelo poder público sofre uma restrição no ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser realizado, desde que seja atendida a finalidade que determinou a coleta e observadas as regras procedimentais e os princípios aplicáveis ao tratamento de dados pessoais, à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Constituição Federal. Portanto, ressalta-se a importância da proteção de dados pessoais em relação aos testes de COVID-19, especialmente em relação à coleta e uso desses dados para a interpretação confiável dos sintomas e diagnósticos, com necessidade de considerar cuidadosamente as implicações éticas e de privacidade das abordagens utilizadas para lidar com a pandemia, enfatizando a importância da atuação do Estado na proteção dos direitos dos titulares dos dados.
Palavras- Chave: Teste de Covid-19; Notificações. Impactos Éticos e Bioéticos. Lei Geral de Proteção de Dados.
ABSTRACT:
The objective of the study was to analyze the impacts of the notifications of the reports issued from the COVID-19 tests and the recording of data on those infected within the context of the pandemic, which has an impact on decision-making regarding procedures and storage of these, as well as the observance of bioethical limits. This was an integrative exploratory review, with a qualitative and quantitative approach. The selection of articles was carried out using the SciELO and LILACS databases in the period from 2020 to 2023. It was observed that new paradigms emerge from judicial discussions, with the recognition by the STF of a fundamental right to the protection of personal data, the sharing of data by the public power suffers a restriction in the Brazilian legal system, and can be carried out, provided that the purpose that determined the collection is met and the procedural rules and principles applicable to the processing of personal data are observed, in the light of the General Data Protection Law ( LGPD) and the Federal Constitution. Therefore, the importance of protecting personal data in relation to COVID-19 tests is highlighted, especially in relation to the collection and use of these data for the reliable interpretation of symptoms and diagnoses, with the need to carefully consider the ethical and privacy implications. of the approaches used to deal with the pandemic, emphasizing the importance of the State’s role in protecting the rights of data subjects.
Keywords: Covid-19 test. Notifications. Ethical and Bioethical Impacts. General Data Protection Law.
- INTRODUÇÃO
Nos últimos dois anos, vivenciamos a pandemia de COVID-19 que trouxe uma reflexão sobre a atuação da Ciência e da Saúde. Estudos e investigações indicaram que esse estado mundial iniciou na China em dezembro de 2019, mas somente fora declarada internacionalmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como pandemia em março de 2020. A COVID-19 com certeza causou impactos capazes de alterar o histórico da saúde pública de todo o mundo (ASKIN, 2020).
Após pesquisas e monitoramento em todo o mundo, considerou-se que a transmissão da conhecida COVID-19 pode ocorrer de forma direta através de contato com algum fluido da pessoa contaminada, seja por meio de gotículas ou aerossóis que se espalham quando o indivíduo tosse, espirra ou fala; ou por contato indireto, quando há uma aderência do vírus nas vias respiratórias (DEBORAH, et al. 2020).
Com o crescimento de novos casos em todo o mundo, o Ministério da Saúde pensou numa maneira de facilitar a adesão da realização de testes rápidos para toda a população. Dessa maneira, criou-se uma normativa (RDC/Anvisa nº 377, de 28/04/2020) que autoriza a realização de testes (ensaios imunocromatográficos) em Farmácias e Drogarias pelos profissionais farmacêuticos que receberam treinamento e puderam emitir laudos desses testes. Essa normativa configurou a responsabilidade pelas notificações diárias dos testes rápidos realizados, sejam eles positivos, negativos, inconclusivos e correlatos, em qualquer que seja a metodologia de testagem utilizada (BRASIL, 2020).
A notificação destes testes rápidos tem como intuito fornecer dados capazes de ajudar na tomada de decisões de políticas para saúde pública de forma coletiva para fim de investigação epidemiológica em nível local, bem como para o monitoramento da epidemia em nível nacional (TEODOSIO, 2020).
A Rede Nacional de Dados de Saúde é capaz de arquivar os resultados individuais de cada paciente notificado pelo profissional de saúde. Assim, o crescimento na disponibilidade de informações do paciente em formato digital vem crescendo e estima-se que esse aumento é devido ao acesso a plataforma nacional de integração de dados em saúde, sendo essa estruturada e desenvolvida pelo Conecte SUS, programa que o Governo Federal utiliza como ferramenta categórica para transformação de informação digital da saúde no Brasil (BRASIL, 2020).
Essa plataforma foi criada com base nas diretrizes da Estratégia da Saúde Digital, sendo construída a partir da Política Nacional de Informática e Informações em Saúde (PNIIS) e no documento Estratégia e Saúde para o Brasil (BRASIL, 2020). Com o acesso a essas plataformas digitais, as notificações realizadas são fáceis de verificação devido a facilidade de acesso aos serviços de saúde, sejam eles presenciais ou digitais. Toda essa sistematização digital com coleta e armazenamento de dados dos cidadãos fomenta a necessidade de proteção das informações, bem como a observância dos impactos bioéticos desde a coleta até o armazenamento destas (PAVÃO, 2021).
No momento de crise sanitária vivida no ano de 2020, a comunicação e os serviços de saúde digitais e presenciais apresentaram uma relevância para a sociedade em decorrência do poder da informação acerca da epidemia ocorrida no período. Com o crescimento das plataformas digitais, o acesso à informação ficou mais rápido e facilitado. Borges (2019) apresenta dados que enfatizam o acesso digital em diferentes modelos, tais como: os dados cadastrais dos pacientes (89%); os principais motivos que levaram o paciente à realização do teste rápido para COVID-19 (64%) e a admissão, a transferência e a alta hospitalar (56%) (BASTOS, 2020).
A utilização das informações cadastrais dos testes notificados, embora sejam de natureza compulsória, devem guardar o devido sigilo de dados (BRASIL, 1988). Em âmbito nacional, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) enfatiza a autorização de acesso aos dados pessoais como foco na tutela da saúde, desde que sejam de forma específica para manutenção dos direitos e garantias fundamentais para possíveis regras aplicáveis à saúde pública, bem como a observância de questões bioéticas (ALVES, 2021).
A utilização de dados pessoais coletados nas notificações deve ser pontual e com a finalidade de conter ou minimizar os riscos à saúde e proteger a vida humana, priorizando a anonimização dos dados e de forma que não transgrida os direitos fundamentais do cidadão (ALVES, 2021).
Dessa maneira, o objetivo do trabalho é analisar a repercussão das notificações dos laudos dos testes de COVID-19 e a manipulação de dados dos infectados durante a pandemia, incidindo diretamente na tomada de decisão quanto a procedimentos e o armazenamento desses, bem como a observância dos limites bioéticos.
- MÉTODO
O presente trabalho tratou-se de uma revisão integrativa do tipo exploratória, com abordagem quali-quantitativa. Os periódicos analisados foram artigos publicados no período de 2020 a 2023 obtidos nos bancos de dados da SciELO e LILACS utilizando os descritores: Teste de Covid-19; Impactos Bioéticos e proteção de dados e Tomada de Decisões. A busca foi realizada no período de Fevereiro a Abril de 2023, sendo encontrados 27 artigos, sendo que atenderam aos critérios de inclusão (artigos publicados no idioma português, disponíveis em texto completo, de caráter original e que estivessem condizentes com o objetivo do estudo dos últimos cinco anos) e os critérios de exclusão (artigos duplicados, teses, dissertações e com resultados questionáveis) apenas 08 artigos.
Para a realização do estudo foi realizada uma análise do conteúdo seguindo a ordem de leitura de título, objetivos e resumo. Os resultados extraídos dos estudos que atenderam aos critérios estabelecidos estão apresentados em forma de quadro contendo o título, autores, ano, caracterização ou objetivo do estudo e principais resultados.
- ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os artigos selecionados estão compilados pela revisão integrativa sendo apresentados em forma de Quadro 1, onde, as descrições dos resultados juntamente com a sistematização de dados estão separadas de acordo com a relevância do tema.
Quadro 1:
Características das publicações incluídas que constituíram o corpus da análise.
Autor/ Ano | Título | Objetivo do Estudo | Principais Resultados |
SILVA et al. (2022) | Desafios do Teste Rápido para COVID-19em Drogarias | Descrever os desafios da implementação dos testes rápidos de COVID-19nas drogarias | São testes que são capazes de detectar anticorpos contra o núcleocapsídeo, que possuem maior sensibilidade. |
WIMMER (2021) | Proteção de dados pessoais em tempos de pandemia: novos paradigmas para o compartilhamento e o uso secundário de dados no poder público. | Investigar possíveis critérios e parâmetros capazes de delimitar de modo legítimo o compartilhamento e o uso secundário de dados pessoais no poder público, tendo como referência a interpretação do princípio da finalidade. | A autorização para o compartilhamento de dados pelo poder público é restrita no ordenamento jurídico brasileiro. Não há impedimentos para o compartilhamento de dados visando ao tratamento de dados pessoais para finalidades compatíveis com aquelas que justificaram a coleta original, desde que observadas as regras procedimentais e os princípios aplicáveis ao tratamento de dados pessoais. |
LIMA et al. (2021) | Intervalo de tempo ocorrido entre o início dos sintomas e a realização do exame para o Covid- 19 nas capitais brasileiras | Analisar as notificações de síndrome gripal segundo o intervalo de tempo decorrido entre início dos sintomas e realização do exame para covid – 19 | Entre as notificações, o tempo médio entre o início dos sintomas e a execução dos testes foi de 10,2 dias. Entre os testados prevalecem o sexo feminino e região sudeste. O teste Elisa IGM foi realizado em tempo adequado e o teste rápido- antígeno em tempo inadequado. |
ALVES (2021) | Breves considerações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e sua consonância com o Direito Fundamental à saúde em tempos da pandemia do novo coronavírus. | Estabelecer uma conexão entre o direito de salvaguarda das informações pessoais, em conformidade com a proteção da privacidade, e os direitos de defesa da saúde pública e da vida, tendo em vista o atual cenário da pandemia ocasionada pelo Coronavírus/COVID-19. | Ressaltou a importância da LGPD como legislação imprescindível para a garantia da segurança das informações inerentes à intimidade do indivíduo durante e pós fase pandêmica, consolidando-se como instrumento de restrição a eventuais danos ao direito à privacidade, compreendido como fundamental pela Magna Carta de 1988. |
PAVÃO (2021) | A proteção de dados clínicos durante a pandemia da Covid-19: comentários à luz dos direitos da personalidade e dos referenciais bioéticos | Analisar o questionamento citado sob os prismas da teoria geral dos direitos da personalidade e dos referenciais bioéticos, tentando solucionar a questão levantada. Além disso, a pesquisa se desenvolve com base no método dedutivo, realizando uma análise bibliográfica e legislativa, implantadas no território nacional afetas aos dados pessoais. | Os referenciais bioéticos da autonomia, justiça, beneficência e não maleficência foram apontados como mais uma alternativa hábil a direcionar a proteção de dados – especificamente clínicos -, objeto do presente estudo, corroborando que a Bioética e o Biodireito têm se revelado profícuas áreas nas tratativas dos desafios pandêmicos e pôs pandémicos |
Helmann.F, Homedes., N(2022) | Uma pesquisa clínica não ética e a politização da pandemia da COVID-19no Brasil: o caso da Prevent Sênior | Analisa a validade cientifica da pesquisa e os problemas éticos relacionados à sua implementação. | O caso de fraude cientifica e víeis político-ideológico exemplifica como a Prevent Senior, usando um protocolo questionável para melhorar a reputação e ganhar o apoio do governo, foi fundamental na construção da narrativa do tratamento precoce para a COVID-19 e mostra como serviu de base para uma política pública precoce. |
Oliveira, et.al., (2022) | Testes diagnósticos para o SARS-COV2: Uma Reflexão Crítica | Tem o intuito de apresentar aos leitores o estado da arte envolvendo o tema em epígrafe, um esforço crítico e interpretativo envolvendo a busca e investigação bibliográfica, foi direcionado. | A execução de um exame laboratorial passa por várias etapas: pré-analítica, analítica e pós-analítica. Estimando-se que os erros pré-analíticos correspondem a 75% dos erros perante o ambiente laboratorial. Assim, os métodos sorológicos, imunoabsorção, quimioluminescência, moleculares e a utilização de biomarcadores possuem custos e sensibilidade clínica e analíticas distintas. A expectativa é de aumento nas ofertas de novos testes e métodos com menor custo, maior confiabilidade e rapidez nos resultados. |
Soares et al, (2020) | Vulnerabilidades, vazamentos de dados e vigilância digital no Brasil em tempos de pandemia. | Estabelecer uma relação entre o direito à saúde e o direito ao sigilo das informações pessoais, com base da Lei Geral de Proteção de Dados, apontando as vulnerabilidades e a necessidade de vigilância digital no cenário da pandemia ocasionada pelo Coronavírus/COVID-19. | É necessário cautela ao se estabelecer medidas de vigilância e de adiamento nos prazos de entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, visto que as medidas de urgência, adotadas à época, trarão consequências futuras que afetarão os nossos direitos. |
Além desses artigos, incluímos documentos que completaram o corpus, sendo os principais destes listados no Quadro 2.
Quadro 2
Documentos selecionados para o corpus de análise
Documento | Data | Ementa |
Resolução de Diretoria Colegiada /Anvisa nº 377/20 | 28.04.2020 | Autoriza, em caráter temporário e excepcional, a utilização de “testes rápidos” (ensaios imunocromatográficos) para a COVID-19 em farmácias, suspende os efeitos do § 2º do art. 69 e do art. 70 da Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 44, de 17 de agosto de 2009 |
Portaria GM/MS nº 1.768/21 | 30.07.2021 | Altera o Anexo XLII da Portaria de Consolidação GM/MS nº 2, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS). |
estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 | 2020 | Procura sistematizar e consolidar o trabalho realizado ao longo da última década, materializado em diversos documentos |
Lei nº 13.709/18 | 14.08.2018 | Dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. |
Lei n 12. 527/11 | 18.11.2011 | Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. |
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.387 MC-Ref/DF | 07.05.2020 | Reconhecimento pelo STF da proteção aos dados pessoais como sendo um direito fundamental. |
A maioria dos estudos tratou de uma abordagem qualitativa. Apresentou-se em forma de quadro 1 os principais resultados encontrados acerca da realização dos Testes Rápidos e os impactos bioéticos sobre o armazenamento e controle dessas notificações, trazendo uma ideia da importância de entender como funciona o armazenamento e a notificação desses resultados sob a Lei de Proteção de Dados (LGPD).
Os testes rápidos realizados em Farmácias e Drogarias que foram autorizados pela RDC/Anvisa nº 377, de 28/04/2020 devem ser realizados por um profissional de saúde qualificado que entenda as metodologias capazes de identificar a detecção ativa da COVID-19 em indivíduos infectados. Essas metodologias são capazes de detectar resultados positivos, negativos e inconclusivos, em qualquer que seja a testagem utilizada (BRASIL, 2020).
O profissional de saúde, ao executar a metodologia adequada é capaz de realizar o teste rápido da COVID-19 e fornece a interpretação do resultado por meio de um laudo. Quando o resultado é conclusivo, é preciso notificar a Rede Nacional de Saúde, sendo que essa notificação é de total responsabilidade do profissional de saúde (BRASIL,2020).
Observou-se que os indivíduos que se submeteram a testes e tiveram seus dados coletados sem que fosse realizada uma autorização formal, posto que esses dados eram direcionados ao órgão competente para a correta notificação e acompanhamento do número de infectados pela COVID-19, pois disse dependiam as medidas protetivas tais como lockdown ou restrição em ambientes coletivos, reduzindo assim a circulação de pessoas a fim de reduzir a transmissão do vírus (WIMMER, 2021).
Várias ferramentas tecnológicas foram utilizadas visando o monitoramento e a diminuição da disseminação do vírus, tais como o uso de aplicativos de rastreamento de contato com base na emissão de sinais Bluetooth. Nesse panorama, a utilização dessas soluções tecnológicas de enfrentamento à COVID-19 foi vista com prudência no que tange à proteção de dados pessoais, necessitando uma verificação quanto a análise da garantia de direitos, tais como o exercício de autonomia e proteção de informações pessoais (WIMMER, 2021).
A LGPD “[…] aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio […]” (BRASIL, 2018).
Importante ressaltar que o termo “tratamento” utilizado pela lei diz respeito ao tratamento de dados é toda a operação, ou atividade que se realiza através da coleta e do manuseio de algum tipo de dados pessoais de terceiros, tais como:
[…] coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, edição, eliminação, avaliação, ou controle de informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração” (PINHEIRO, 2018).
Quando se utiliza o termo “dados pessoais” a referência é feita no caso de informações que tem vínculo com uma pessoa, reveladoras de suas características ou ações. O Conselho Europeu entende que são as características definidoras de uma informação pessoal, pois elas são capazes de identificação, ou, ao menos suscetível de, são informações que podem particularizar alguém (DONEDA, 2011).
Já quando se utiliza o termo “dados pessoais sensíveis” diz respeito às informações de caráter absolutamente íntimos de uma pessoa natural, dados alusivos às suas convicções religiosas; filiações partidárias; dados referentes à sua saúde, vida sexual, dado genético etc. (BRASIL, 2018).
Depreende-se que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais surge com o objetivo de garantir a proteção aos direitos fundamentais que encontram base na Constituição Federal como o direito à privacidade, à intimidade, ao direito de honra e à dignidade (BRASIL, 1988). Todavia, com o crescente desenvolvimento e expansão das tecnologias, esses direitos se viram ameaçados. Assim, a LGPD mostra-se essencial, tanto para proteger e responsabilizar àqueles que forem morosos no tratamento de dados quanto para garantir o acesso à informação e ao consentimento do titular (SOARES, 2020).
Quanto às questões jurídicas podem-se observar, em análise de estudos já realizados, o fortalecimento da globalização política dos Direitos Fundamentais, relacionando-as à perspectiva de novas democracias e destacando os direitos bioéticos nos quais devem ser pautados todos os estudos que envolvem humanos (PAVÃO e ESPOLADOR, 2021). Além disso, compreende-se a importância da proteção de dados pessoais como direito fundamental, justificando a cobertura constitucional como uma salvaguarda à privacidade do indivíduo.
Destaca-se que houve a inclusão da proteção de dados pessoais como direito fundamental na Constituição Federal em 2022, que busca garantir a unificação das regras praticadas pelos diferentes entes federativos, tornando-as únicas e harmônicas (BRASIL, 1988). Ainda, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, que entrou em vigor em 2020, busca ajustar as normativas brasileiras ao contexto mundial e atender a normativas internacionais que exigem níveis de proteção de extremas eficácia e eficiência.
Em discussões judiciais, surgem novos paradigmas, com o reconhecimento pelo STF de um direito fundamental com relação à proteção de dados pessoais. Frise-se que o compartilhamento de dados pelo poder público sofre uma restrição no ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser realizado desde que seja atendida a finalidade que determinou a coleta (SIMITIS apud WIMMER, 2021). Ainda há de serem observadas as regras procedimentais e os princípios aplicáveis relacionadas ao tratamento de dados pessoais, à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Constituição Federal.
A situação de pandemia vivenciada até maio de 2023 pela disseminação da COVID-19 e a globalização do compartilhamento de dados em ampla escala, tendo em vista a necessidade de gerenciamento de riscos que o cenário exigia, traz uma vigilância intrusiva, com foco no monitoramento da pandemia, evitando tornar-se um mecanismo expandido para funções obscuras, de ética questionável quanto à real finalidade do tratamento de dados por gestores públicos e privados (ALVES, 2021).
Ao analisar as informações que foram extraídas, armazenadas e tabuladas dos testes de COVID-19 pode-se perceber a quantidade de informações sigilosas que passaram a integrar o banco de dados governamental, suscitando o questionamento da larga escala quando se pensa nas mesmas informações em nível nacional e ou mesmo internacional.
Sob a perspectiva da proteção de dados pessoais, é imprescindível considerar que, não obstante os objetivos em geral relevantes e legítimos para o compartilhamento e o uso secundário de dados pessoais no poder público, a (re)utilização dos dados pode trazer consequências negativas, oriundas da quebra de confiança entre o titular dos dados e a instituição coletora, bem como a sensação de insegurança no que se refere à forma como os dados pessoais serão utilizados no futuro (SOLOVE, apud WIMMER, 2021).
Além disso, destaca-se em apreciações prévias a pseudonimização de dados como uma alternativa para estudos em saúde pública, visando a redução de riscos aos titulares dos dados. O Direito à privacidade é compreendido como um direito individual e negativo, destacando-se sua relação complementar ou limitante ao direito de acesso à informação garantido pelo texto constitucional brasileiro (BRASIL, 1988).
Ponto relevante nos estudos realizados destacou ainda a Lei de Acesso à Informação (LAI) e as diretrizes que traz para a administração pública em relação à proteção da informação sigilosa e pessoal, enfatizando a necessidade de observar a disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso (BRASIL, 2011). Destarte, é importante apresentar, ainda, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) como órgão responsável pela supervisão da adequada aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em caráter coletivo de proteção de informações pessoais.
No período da pandemia, vivenciou-se uma dicotomia entre a proteção de dados e o direito à saúde, com programas de governança sendo utilizados, fundamentados no princípio do accountability, objetivando a utilização dos dados de maneira clara, responsável, dando segurança a um propósito específico e atendendo a finalidade do tratamento (CARLONI, 2020).
Pode-se, com relação à análise dos dados coletados, compreender-se de forma clara e objetiva as principais questões relacionadas à proteção de dados pessoais e seus impactos bioéticos no que tange aos resultados dos testes de COVID-19, destacando a importância da atuação do Estado e da ANPD na garantia desses direitos.
A saúde é um direito subjetivo do cidadão que pode exigir o efetivo fornecimento de acompanhamento e/ou tratamento médico, mas mesmo nesses casos, não se pode afastar a observância a questões éticas que devem direcionar e pautar a manipulação desses dados. Assim, pode-se deduzir que a LGPD estabelece que os dados sensíveis relacionados à saúde devem ser tratados com grau de proteção especial, submetidos a um regime limitado de tratamento e exigindo o consentimento específico do titular em determinados casos.
O uso de tecnologias como os testes para o combate ao COVID-19, envolve a coleta de dados pessoais dos usuários, ensejando assim a necessidade de se observar os aspectos bioéticos. Assim como na coleta de amostras para interpretação confiável dos sintomas, a proteção dos dados pessoais é uma preocupação importante no contexto das ferramentas tecnológicas utilizadas para enfrentar a pandemia. Portanto, há necessidade de considerar cuidadosamente as implicações éticas e de privacidade das abordagens utilizadas para lidar com o COVID-19.
Depreende-se que a LGPD não especifica de que forma os princípios de proteção de dados pessoais podem repercutir no fluxo dos dados dentro do Estado, mas não resta dúvidas de que a discussão sobre compartilhamento e uso secundário de dados pessoais é inerente à interpretação do princípio da finalidade, base das normas de proteção de dados pessoais presente também na LGPD. O princípio da finalidade restringe o uso secundário de dados pessoais, pois condiciona a realização do tratamento a objetivos específicos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior que não se coadune com essas finalidades (WIMMER, 2021).
Destaque-se a importância de diferenciar a natureza do dado e a finalidade do seu tratamento, tendo em vista que os dados relativos à saúde podem ser utilizados de forma prejudicial para discriminar pessoas e ou direcionar conteúdos prejudicais, podendo favorecer um traçado de perfis de produtos ou serviços médicos que podem ser encaminhados a esses indivíduos.
Nesse sentido, a LGPD busca garantir a não discriminação e a manutenção das oportunidades sociais, protegendo os dados sensíveis relacionados à saúde como dados pessoais de natureza compassiva.
Compreendeu-se que o reconhecimento do profundo impacto que a circulação de dados pessoais na esfera estatal pode acarretar prejuízos para o âmbito de direitos dos indivíduos que obriga que o uso secundário dos dados estejam acompanhados tanto da identificação de uma base legal adequada, bem como de uma análise acerca das consequências dos novos usos para os direitos e as liberdades do titular, determinando a maior transparência possível nas políticas adequadas para a atenuação de eventuais riscos identificados (WIMMER, 2021).
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo permitiu observar que a pandemia COVID-19 fortaleceu e agilizou as medidas de compartilhamento de dados pessoais com o poder público, o que fez surgir discussões judiciais que determinaram novos paradigmas.
O compartilhamento de dados é permitido, a priori, desde que atendido precipuamente ao princípio da finalidade. Contudo, em algumas situações específicas, esse compartilhamento na esfera do poder público poderá ser realizado com alteração das finalidades justificadoras de sua coleta. Portanto, não basta conceder uma base legal para fundamentar tal uso secundário.
É imprescindível a determinação de medidas de salvaguarda consistentes, bem como a observância dos direitos e princípios referentes à proteção de dados pessoais, com o interesse público buscado sendo plenamente especificado frente aos parâmetros protetivos concedidos pelos princípios constitucionais garantidores da liberdade individual, da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade.
À luz das disposições da Constituição Federal e da LGPD, haverá, ainda, enfrentamentos doutrinários e legais acerca do tema na busca por medidas concretas por parte do poder público para que se atinja um equilíbrio entre o compartilhamento de dados e a proteção destes para um maior sigilo e restrição de informações.
REFERÊNCIAS
ALVES, Jarli ALVES. Breves considerações à lei geral de proteção de dados (lgpd) e sua consonância com o direito fundamental à saúde em tempos da pandemia do novo coronavírus. Revista de Direito e Atualidades. Ministério Público do Estado de São Paulo. 2021. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/2021_Periodicos/Rev-DIr-tualidades_v.1_n.1_2021.pdf. Acesso Abril 2023
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BASTOS, L. Novos testes rápidos de antígeno podem transformar resposta à COVID-19nas Américas. Paho. Out./2020. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/14-10-2020-novos-testes-rapidos-antigeno-podem-transformar-resposta-covid-19-nas-americas >. 2021.
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1Farmacêutico. Mestrando em Biotecnologia e Atenção Básica à Saúde. Condomínio Residencial Village Horizonte, nº 1533. Teresina, Piauí. CEP: 64079-250. E-mail: fredvianalago@gmail.com
2Química. Mestranda em Biotecnologia e Atenção Básica à Saúde. Condomínio. Rua Texeira Mendes nº 128.Caxias, Maranhão. CEP: 65606-100. E- mail: helen_dhyanaluz@hotmail.com
3Engenheiro Agrônomo e docente. Doutor em Ciência Animal. Centro Universitário UniFacid Wyden, Rua Veterinário Bugyja Brito, nº 1354. Horto Florestal. Teresina, Piauí. CEP: 64052-410. E-mail: jandsonvc@gmail.com
4Advogada e docente. Mestranda em Biotecnologia e Atenção Básica à Saúde. Centro Universitário UniFacid Wyden, Rua Veterinário Bugyja Brito, nº 1354. Horto Florestal. Teresina, Piauí. CEP: 64052-410. E-mail: larissaclago@gmail.com
5Farmacêutica e docente. Doutora em Biotecnologia. Centro Universitário UniFacid Wyden, Rua Veterinário Bugyja Brito, nº 1354. Horto Florestal. Teresina, Piauí. CEP: 64052-410. E-mail:
6Advogada e docente. Mestranda em Biotecnologia e Atenção Básica à Saúde. Centro Universitário UniFacid Wyden, Rua Veterinário Bugyja Brito, nº 1354. Horto Florestal. Teresina, Piauí. CEP: 64052-410. E-mail: rossanacasteo@uol.com.br
7Química e docente. Doutora em Biotecnologia. Centro Universitário UniFacid Wyden, Rua Veterinário Bugyja Brito, nº 1354. Horto Florestal. Teresina, Piauí. CEP: 64052-410. E-mail: suelymelo6@gmail.com