ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS DOS ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS NO MUNICÍPIO DE TERESINA – PIAUÍ

ANALYSIS OF CLINICAL AND EPIDEMIOLOGICAL CHARACTERISTICS OF ACCIDENTS CAUSED BY VENOMOUS ANIMALS IN THE MUNICIPALITY OF TERESINA – PIAUÍ

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8397191


¹Beatriz Bandeira Mota
¹Felipe de Jesus Machado
¹Bárbara de Alencar Nepomuceno
¹Luis Eduardo Valente Amorim Fonseca
¹Maria Elvira Calmon de Araújo Mascarenhas
¹Mariana Barboza de Andrade
¹Susy Canuto de Oliveira Fenelon
²Adriana Saraiva dos Reis


Resumo

Os acidentes por animais peçonhentos são considerados doenças tropicais negligenciadas e desconhecidas, haja vista a tamanha subnotificação. Dessa forma, em 2010, o Ministério da Saúde Brasileiro incluiu os acidentes por animais peçonhentos na Lista de Agravos de Notificação Compulsória devido ao alto número de notificações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). No entanto, com a expansão de áreas urbanas e rurais, percebe-se um aumento exacerbado de acidentes, devido ao crescimento dos espaços compartilhados entre humanos e animais. Analisar as características clínicas e epidemiológicas dos acidentes com animais peçonhentos no município de Teresina-PI. Trata-se de uma pesquisa retrospectiva, com abordagem descritiva e quantitativa, realizada por meio de análise das características clínicas e epidemiológicas dos acidentes com animais peçonhentos em Teresina-PI entre os anos de 2017 e 2021. A amostra foi constituída pelas notificações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação vinculado ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SINAN/DATASUS).  Constatou-se que entre 2017 e 2021 foram registados um total de 3187 agravos, sendo 950 casos em 2021. No que tange o perfil das vítimas, houve uma predominância no sexo masculino e adultos jovens de 20 a 39 anos. Em relação as características dos acidentes, destacam-se os agravos com escorpião, seguido por abelhas e acidentes ofídicos. Dentre eles, foram registrados 4 óbitos em 2021. Conclui-se que os acidentes por animais peçonhentos são um problema de saúde pública em Teresina. Dessa forma, torna-se necessário intensificar as estratégias fiscalização quanto a notificação dos agravos, possibilitando assim o real levantamento dos casos, para que se tenha uma estimativa mais verídica do número de acidentes ocorridos, e, assim, propor ações de vigilância em saúde com medidas voltadas à prevenção, tratamento e controle dos acidentes.

Palavras-chave: Acidentes. Animais peçonhentos. Saúde pública. Intoxicação.

ABSTRACT

Accidents caused by venomous animals are considered neglected tropical diseases and are relatively unknown, given the significant underreporting. Therefore, in 2010, the Brazilian Ministry of Health included accidents caused by venomous animals in the List of Compulsory Notification Diseases due to the high number of notifications in the Notifiable Diseases Information System (SINAN). However, with the expansion of urban and rural areas, there has been a marked increase in accidents due to the growing overlap of shared spaces between humans and animals. To analyze the clinical and epidemiological characteristics of accidents involving venomous animals in the municipality of Teresina, Piauí. This is a retrospective research study with a descriptive and quantitative approach, conducted by analyzing the clinical and epidemiological characteristics of accidents involving venomous animals in Teresina, Piauí, between the years 2017 and 2021. The sample consisted of notifications from the Notifiable Diseases Information System linked to the Department of Health Informatics of the Unified Health System (SINAN/DATASUS). It was found that between 2017 and 2021, a total of 3,187 cases were recorded, with 950 cases in 2021. Regarding the profile of the victims, there was a predominance of males and young adults aged 20 to 39. Regarding the characteristics of the accidents, scorpion stings were the most common, followed by bee stings and snakebites. Among them, four deaths were recorded in 2021. Accidents caused by venomous animals are a public health problem in Teresina. Therefore, it is necessary to intensify surveillance strategies regarding the notification of cases, enabling a more accurate assessment of the number of accidents that occur. This will, in turn, allow for the proposal of public health surveillance actions focused on prevention, treatment, and control of these accidents.

Keywords: Accidents; Venomous animals; Public health; Poisoning.

1. INTRODUÇÃO

No período colonial do Brasil, registros de acidentes são encontrados de maneira esparsa e não sistematizada. A célebre carta datada de 31 de maio de 1560, escrita em São Vicente pelo jesuíta espanhol José de Anchieta e dirigida a seu superior Padre Diego Laynes em Roma, relata acidentes causados pelos diversos gêneros de serpentes venenosas existentes no Brasil (BOCHNER, 2003). Em 1901, Vital Brazil iniciou a produção de soro antiofídico no Brasil, um marco que ajudaria milhares de pessoas futuramente.

Dessa forma, em 1988 foi implementado o Programa Nacional de Controle de Acidentes por Animais Peçonhentos (PNCAAP), que tem como objetivo diminuir o número de casos, por meio da educação em saúde, e a letalidade dos acidentes por este grupo de animais, através do uso adequado da soroterapia.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2009 passou a considerar os acidentes por animais peçonhentos como doenças tropicais negligenciadas. O Ministério da Saúde Brasileiro por meio da portaria nº 2.472 de 31 de agosto de 2010 incluiu os acidentes com animais peçonhentos na Lista de agravos de Notificação Compulsória em território nacional devido ao alto número de casos previamente notificados por meio do SINAN. 

Dados do Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológica (SINITOX) em 2018 revelam que os animais peçonhentos são o segundo maior agente de intoxicação humana no Brasil. Apesar dos números elevados, a real magnitude dos dados epidemiológicos ainda é inconsistente no Brasil devido ao alto índice de subnotificação e à omissão de dados no preenchimento das fichas de notificação/investigação (BRAGA et al., 2021), pois muitas pessoas não procuram serviço médico quando são picadas, ou quando procuram não são notificadas pelos serviços de vigilância epidemiológica.

De acordo com a OMS em 2020, a maior parte desses agravos ocorrem devido a acidentes ocasionados pelo escorpionismo e ofidismo. Estima-se uma ocorrência maior que 2,7 milhões de casos anualmente, no planeta. No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam que as ocorrências desses eventos mórbidos têm aumentado importantemente no país, sendo em sua maioria escorpionismo, ofidismo e araneísmo, levando a mais de 200 mil agravos anualmente nos últimos cinco anos (DATASUS, 2022).

Devido aos processos de crescimento urbano desordenado e desmatamento em regiões urbanas e rurais, os espaços compartilhados entre humanos e animais peçonhentos aumentaram, contribuindo, assim, com o número de lesões. Aponta-se também que alterações climáticas, como o aumento dos índices pluviométricos, baixo nível de escolaridade, condições de trabalho insalubres e precárias dentre outras, são aspectos favoráveis ao aumento do número de casos desses acidentes.

Assim, com base nestas informações este estudo tem como objetivo analisar as características clínicas e epidemiológicas dos acidentes com animais peçonhentos no município de Teresina-PI. 

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa retrospectiva, com abordagem descritiva e quantitativa, realizada por meio de uma análise das características clínicas e epidemiológicas dos acidentes com animais peçonhentos da população residente no município de Teresina, estado do Piauí. Dessa forma, a amostra foi constituída pelas notificações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação vinculado ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SINAN/DATASUS) ocorridas no período de 2017 a 2021 na cidade de Teresina-PI.

A pesquisa foi realizada no ano de 2022, por intermédio de uma busca sistemática de trabalhos, contemplando o objeto do estudo proposto e de relevância para a análise proposta, cuja base de dados utilizada será SciELO, BVS, Science Direct e Pubmed (Medline), utilizando-se a combinação de descritores controlados, aqueles estruturados e organizados para facilitar o acesso à informação, cadastrados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Acidentes; Animais peçonhentos; Saúde pública; Intoxicação. Além das bases de dados citadas anteriormente, foi utilizado dados das variáveis disponibilizadas no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) que se trata de um órgão da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde ao qual estão anexadas as informações do SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).

Com base nas bases descritas anteriormente, utilizou-se como critérios de inclusão: os artigos completos, sem restrição de idiomas, com total disponibilidade do texto e publicados nos últimos 5 anos, os casos notificados de acordo com: o sexo, ano, idade, raça, escolaridade, tipo de acidente, evolução dos casos, tipos de animais que provocaram os acidentes, tempo de picada/atendimento e a classificação final dos casos que ocorreram no período determinado pelo estudo, de 2017 a 2021. Ademais, ser componente da amostra da população residente e possuir registo da ficha de notificação para acidentes com animais peçonhentos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação vinculado ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SINAN/DATASUS) com dados do estado do Piauí. Já os critérios de exclusão, foram: os casos fora do período de estudo, casos notificados da população não residente no município de Teresina, Piauí e casos não concluídos.

Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários disponibilizados em modo público no site do DATASUS/SINAN vinculado ao Ministério da Saúde não foi necessário à avaliação para apreciação e aprovação do comitê de ética em Pesquisa. Os dados coletados foram submetidos a uma análise estatística descritiva através das frequências absolutas e relativas. O processamento será feito por meio da planilha Excel e do Programa SPSS. Os resultados foram apresentados em forma de tabelas e gráficos.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nos anos de 2017 a 2021 foram notificados 3187 casos de acidentes por animais peçonhentos no município de Teresina, Piauí. A partir dos dados obtidos, observa-se que os números de notificações aumentaram de 2017 a 2019, em seguida, decresceram no ano de 2020 e em 2021 cresceram. Logo, nota-se que 2021 foi o período em que houve a maior taxa de incidência, totalizando 950 acidentes, com percentual de cerca de 29,8%.

Já o período em que houve a menor taxa de incidência foi no ano de 2020, em que totalizaram 464 acidentes, correspondendo a cerca de 14,5% ( Tabela 1).

Tabela 1: Taxa de incidência dos acidentes por animais peçonhentos por ano de ocorrência no período de 2017 a 2021, T = 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

ANONÚMERO
2017476
2018610
2019681
2020464
2021950
TOTAL3187

Com relação à faixa etária, nota-se que há predominância de acidentes com animais peçonhentos entre 20 e 39 anos, totalizando 1190 agravos, correspondente a aproximadamente 37,3%. Enquanto a minoria se enquadrou na faixa etária de 80 anos ou mais, com 28 agravos, equivalente a cerda de 0,87% ( Tabela 2).

Tabela 2: Taxa de incidência dos acidentes por animais peçonhentos por faixa etária de ocorrência no período de 2017 a 2021, T = 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

FAIXA ETÁRIA (ANOS)NÚMERO
EM BRANCO/IGN2
< 1 ANO69
1 – 4235
5 – 9214
10 – 14180
15 – 19223
20 – 391190
40 – 59733
60 – 64123
65 – 6983
70 – 79107
80 +28
TOTAL3187

Em relação ao sexo, nota-se que há predominância masculina, totalizando 1890 agravos, com cerca de 59,3% (Tabela 3). Já em relação à raça, a maioria se autodeclarou parda com 691 acidentes, 21,6%, e a minoria indígena, com 4 acidentes, 0,12% (Tabela 4).

Tabela 3: Taxa de incidência dos acidentes por animais peçonhentos por sexo de ocorrência no período de 2017 a 2021, T = 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

SEXONÚMERO
IGNORADO1
MASCULINO1890
FEMININO1296
TOTAL3187

Tabela 4: Taxa de incidência dos acidentes por animais peçonhentos por raça de ocorrência no período de 2017 a 2021, T = 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

RAÇANÚMERO
IGN/BRANCO2378
BRANCA46
PRETA54
AMARELA14
PARDA691
INDÍGENA4
TOTAL3187

No que tange aos tipos de acidentes, a maioria dos acidentes ocorrem com escorpião, totalizando 1276 agravos, cerca de aproximadamente 40%. Seguido por abelha, com 708 agravos, 22,2% e, posteriormente, por serpente, com 263 agravos, 8,2% (Tabela 5).

Dos acidentes causados por serpentes, o gênero crotálico, apresentou maior prevalência com 132 casos, cerca de 50,1% (Tabela 6). Nos acidentes causados por aranhas, 82 agravos foram identificados como ignorado/branco, seguido pelas aranhas marrons, da espécie Loxosceles spp, família Sicariidae, com 17 notificações, correspondente a 9,8% (Tabela 7).

Tabela 5: Taxa de incidência dos acidentes por animais peçonhentos de acordo com os tipos de acidentes de ocorrência no período de 2017 a 2021, T = 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

TIPOS DE ACIDENTESNÚMERO
IGN/BRANCO52
SERPENTE263
ARANHA172
ESCORPIÃO1276
LAGARTA125
ABELHA708
OUTROS591
TOTAL3187

Tabela 6: Taxa de incidência dos acidentes por animais peçonhentos de acordo com os tipos de serpentes de ocorrência no período de 2017 a 2021, T = 263, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

TIPOS DE SERPENTESNÚMERO
IGN/BRNACO34
BOTRÓPICO58
CROTÁLICO132
MICRURUS10
NÃO PEÇONHENTA29
TOTAL263

Tabela 7: Taxa de incidência dos acidentes por animais peçonhentos de acordo com os tipos de aranhas de ocorrência no período de 2017 a 2021, T = 172, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

TIPOS DE ARANHASNÚMERO
IGN/BRANCO82
PHONEUTRIA5
LOXOSCELES17
OUTRA ESPÉCIE68
NÚMERO172

Com relação ao tempo decorrido entre a picada e o atendimento da vítima, a maioria dos casos, correspondente a 955 agravos, 29,9%, obtiveram atendimento entre 1 e 3 horas. Essa relação é imprescindível para determinar o prognóstico dos acidentes, pois quanto mais rápido for o atendimento, melhor será a evolução do paciente.

Tabela 8: Distribuição do tempo decorrido entre a picada/atendimento dos casos de acidentes causados por animais peçonhentos no período de 2017 a 2021, T = 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

TEMPO DE PICADA/ATENDIMENTONÚMERO
IGN/BRANCO590
0 A 1 HORA684
1 A 3 HORAS955
3 A 6 HORAS296
6 A 12 HORAS146
12 A 24 HORAS161
24 + HORAS355
TOTAL3187

Observa-se que 82,5% (2630 casos) dos acidentes com animais peçonhentos são classificados como leve, o que contribui, também, para melhor resolução dos acidentes (Tabela 9). Durante os anos de 2017 a 2020, não foi registada nenhuma notificação de óbito, porém, no ano de 2021, foram contabilizados 4 óbitos, o que chama a atenção para a importância de um menor tempo de atendimento da vítima, acompanhado de um diagnóstico e de um tratamento direcionado e eficaz (Tabela 10).

Tabela 9: Classificação dos casos de acidentes causados por animais peçonhentos no período de 2017 a 2021, T = 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

CLASSIFICAÇÃO DOS CASOSNÚMERO
IGN/BRANCO239
LEVE2630
MODERADO234
GRAVE84
TOTAL3187

Tabela 10: Evolução dos casos de acidentes causados por animais peçonhentos no período de 2017 a 2021, T= 3187, no município de Teresina, Piauí, Brasil, 2022, Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

ANO DO ACIDENTEIGN/BRANCOCURAÓBITO PELO AGRAVONOTIFICADO
20166
20175471
20182608
2019119562
202028436
20211238234
TOTAL27729064

O estado do Piauí apresentou nos anos de 2018, 2019 e 2021, uma maior incidência de notificações de acidentes causados por animais peçonhentos (TABELA 1), devido ao aumento do número de desmatamentos e ao crescimento urbano. De acordo com os dados do último Relatório Anual de Desmatamento (RAD), em 2021 foram desmatados 189 hectares por dia no Piauí, o que resultou em, aproximadamente, 69.151 hectares ao longo do ano. Sabe-se que há uma grande negligência nas notificações, pelas altas taxas de subnotificações, o que prejudica as ações de prevenção, acarretando em piora da problemática. 

Os dados revelaram que os indivíduos do sexo masculino apresentaram predominância dos acidentes (59,3%) quando comparado às estatísticas do sexo feminino (TABELA 3), pois sabe-se que há uma maior quantidade de homens no trabalho manual nas zonas urbana e rural, expostos a variadas condições trabalhistas e associados à ausência do uso de equipamentos de proteção como botas, luvas e roupas apropriadas, que diminuem a exposição do trabalhador à picada de um animal peçonhento. Além disso, observa-se maiores casos em adultos jovens de 20 a 39 anos (TABELA 2), devido suas atividades laborais, agrícolas, pastoris, pesca, lazer e fora do ambiente doméstico, associado, ainda a baixa escolaridade desses grupos.

Em relação aos animais peçonhentos, os acidentes causados por escorpiões tiveram maiores incidências (40%), seguido por abelha (22,2%), serpentes (8,25%) e aranhas (5,36%) (TABELA 5). Os acidentes por escorpiões apresentam uma clínica com manifestações locais e/ou sistêmicas, os efeitos locais são mais comumente evidenciados por dor, edema, calor e hematoma e sistemicamente pode ocorrer hipotensão ou hipertensão, insuficiência respiratória e renal, toxicidade cardiovascular, hemorragia e confusão mental. Esses sintomas são provenientes da toxina escorpiônica, na qual é desprovida de atividade hemolítica e proteolítica, que promove alterações no funcionamento do sistema nervoso autônomo, devido à liberação desregulada de acetilcolina, noradrenalina e adrenalina. A gravidade depende de fatores, como: espécie do escorpião, tamanho, quantidade de veneno inoculada, idade e peso do paciente. O diagnóstico é clínico, realizado com o achado do animal no local do acidente. O tratamento baseia-se em controlar os sintomas e neutralizar o mais rápido possível as toxinas, através da administração de analgésicos e soro antiescorpiônico.

Entre as serpentes, o tipo crotálico, pertencente à família Viperidae, foi o mais frequente (50,19%) (TABELA 6), já que a peçonha crotálica é uma mistura complexa de proteínas e polipeptídeos que ocasionam manifestações clínicas de ações neurotóxicas, miotóxicas, coagulantes e nefrotóxicas, que eventualmente, podem evoluir para óbito, devido as graves complicações clínicas. Dentre os sinais e sintomas que podem ser manifestados, destacam-se: hemorragia, coagulação intravascular disseminada, devido ao consumo de fatores de coagulação e das plaquetas, alterações do equilíbrio, distúrbios visuais, paralisia de grupamentos musculares, comprometimento da mecânica respiratória, desenvolvimento de rabdomiólise e consequente vasoconstrição e hipoperfusão renal, anorexia, mialgia sistêmica leve ou intensa. Sob o risco de evoluírem com graves complicações clínicas, as pacientes vítimas de acidentes ofídicos devem ser atendidas o mais rápido possível, com verificação da necessidade de suporte ventilatório, cuidados no local da picada, realização de testes de coagulação sanguínea e de outros exames laboratoriais para auxiliar no diagnóstico, além da administração do soro antiofídico e orientação para que a vítima se mantenha em repouso.

Quanto às aranhas, a maioria dos dados relacionados as espécies estão em branco (47,6%) e cerca de 9,8% relaciona-se com o gênero Loxosceles (TABELA 7), mostrando ainda um despreparo na identificação das espécies causadoras dos acidentes com aranhas. Sabe-se que a clínica do acidente com aranha do gênero Loxosceles baseia-se em dor e prurido no local, seguidos de formação de vesículas e de bolhas hemorrágicas, evoluindo para uma necrose tecidual devido à ação de enzimas proteolíticas do veneno. Além disso, há febre, calafrios, mal-estar, náuseas e mialgias, em casos mais raros pode evoluir com hemólise intravascular e coagulopatia intravascular disseminada. Dessa forma, é necessário acompanhamento médico, através da administração de medicações sintomáticas e do soro antiaracnídeo, a fim de minimizar os efeitos do veneno.

Já em relação às abelhas, há uma carência de dados epidemiológicos que apontem as principais espécies, denominadas abelhas africanizadas (mestiças de Apis melífera scutellata e Apis melífera ligustica), que provocam acidentes em seres humanos. Logo, destaca-se de forma geral que a picada de abelhas pode provocar lise de células sanguíneas, além de miotoxicidade, paralisia respiratória e lesão cardíaca em casos com múltiplas picadas. No entanto, torna-se um rápido suporte hospitalar ao paciente.

É de grande importância o tempo entre a picada do animal peçonhento e o atendimento hospitalar, esse tempo está intimamente ligado aos recursos disponíveis no local da picada ou no ambiente de atendimento hospitalar. Dessa forma, o atendimento precoce está relacionado com a boa evolução do caso. No município de Teresina, na maioria dos casos o atendimento ocorreu entre 1 e 3 horas do acidente (29,96%), enquanto cerca de 11,13% dos acidentes obtiveram atendimento com mais de 24 horas (TABELA 8), podendo acarretar em um desfecho pior do quadro do paciente.

Neste estudo, em 91,1% dos casos os pacientes foram curados, o que provavelmente está associado à quantidade de casos que são classificados como leves sendo de 82,5% (TABELA 9) e ao tempo de atendimento concomitante as terapias antiveneno. Dos cinco anos analisados foram registadas apenas 4 mortes no ano de 2021 (TABELA 10), que podem estar relacionadas com o número de subnotificações dos anos anteriores e com o aumento do desflorestamento e da urbanização.

Muitos dos acidentes ocorrem por falta de conhecimento da população acerca da biologia dos animais peçonhentos e sobre como reagir frente a um acidente. Sabe-se que a saúde pública está intimamente ligada à educação em saúde e esta pode ser estabelecida através da conscientização e informatização populacional, instruindo a população sobre os hábitos dos animais e quais as espécies mais prevalentes na região, sobre as medidas profiláticas, como uso de luvas, botas e o cuidado ao amanhecer e entardecer, e sobre como proceder diante um acidente com animal peçonhento. Dessa forma, seria possível estabelecer uma abordagem específica e personalizada de profilaxia e manejo de incidentes.

Por fim, frente ao grande número de acidentes subnotificados, vale ressaltar a importância de notificar, a fim de saber o grau de ocorrência dos agravos no município de Teresina-PI e, consequentemente, prevenir novos casos com evoluções mais graves e com desfechos de óbitos, além de tornar o tratamento mais efetivo ao ser realizado de forma precoce e com um melhor preparo da região. 

4. CONCLUSÃO

Com base no estudo apresentado, este trabalho contribui de forma a melhorar as atualizações referentes ao município de Teresina acerca dos animais peçonhentos. Também propõe a divulgação de informações sobre a epidemiologia das vítimas mais acometidas, contribuindo para as ações de prevenção de acidentes.

Nota-se que os acidentes causados por animais peçonhentos são um grande imbróglio para a saúde pública. No qual, estão associados a grandes taxas de subnotificações e ao desmatamento exacerbado concomitante à invasão urbana dos habitats naturais desses animais. Como consequência, obriga os mesmos a buscar novos espaços para residirem.

Além disso, percebe-se que no município de Teresina-PI os índices de acidentes aumentaram consideravelmente no último ano, dentre os 5 anos analisados somente em 2021 foram notificados 4 óbitos, enfatizando a importância deste estudo.

Diante dos dados apresentados neste artigo, nota-se que jovens adultos do sexo masculino são mais acometidos, principalmente em acidentes com escorpiões, abelhas e serpentes, o que torna necessário uma educação popular sobre os perigos que estão sujeitos.

Dessa forma, os dados apresentados podem auxiliar no gerenciamento e controle deste tipo de agravo neste município, em programas de prevenção e tratamento de casos, diminuição da gravidade, do número de óbitos, mapeamento de animais peçonhentos e sua população de risco e até auxiliar o centro de controle de zoonoses, a secretaria do meio ambiente e ao PNCAAP em programas de intervenções no ambiente. 

Ademais, embora seja de grande importância a apresentação dos dados do presente artigo, sabe-se que ainda existem certas limitações nos levantamentos dos dados, uma vez que uma grande quantidade de casos não são notificados por uma variedade de motivos (como a falta de campanhas que orientem os profissionais sobre a importância da notificação; ou por uma importância maior dada à outro agravo que o município esteja enfrentando, tornando o acidente por animal peçonhento despercebido). Surgindo, então, um desafio para o combate aos acidentes por animais peçonhentos.

Portanto, torna-se necessário intensificar as estratégias fiscalização quanto a notificação dos agravos, possibilitando assim o real levantamento dos casos, para que se tenha uma estimativa mais verídica do número de acidentes ocorridos, e, assim, propor ações de vigilância em saúde com medidas voltadas à prevenção, tratamento e controle dos acidentes. 

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¹Discentes do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário Uninovafapi.
E-mail: beatrizbandeiramota@gmail.com 

² Docente do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário Uninovafapi.
Mestra em Agronomia pela UFPI e Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFPI.
E-mail: adriana.reis@uninovafapi.edu.br