ANÁLISE DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E ECONÔMICA DA CADEIA PRODUTIVA DO MANEJO DO JACARÉ NA RESERVA EXTRATIVISTA LAGO DO CUNIÃ: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL¹

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411160701


Pedro Matteo Aguiar Garcia2;
Orientador: Allan Kardec Gurgel do Amaral3


RESUMO 

O manejo extensivo sustentável de jacarés que ocorre na Reserva Extrativista Lago do Cuniã em Rondônia,  teve seu início motivado por medidas de segurança para a população residente na área. A consolidação  da prática o transformou em uma fonte de renda, promovendo a diversificação produtiva local e fomentando  o empreendedorismo. Para melhor compreensão do contexto que envolve o manejo, este trabalho teve como objetivo analisar a relação entre a uso econômico do recurso com a sustentabilidade ambiental. A  pesquisa foi exploratória, com método dedutivo e abordagem qualitativa, a partir de pressupostos divulgados sobre o tema, que direcionaram o estudo para as conclusões acerca dos desafios e  oportunidades cogitados para a atividade. A coleta de dados ocorreu através da análise de documentos  oficiais, pesquisa bibliográfica e observação direta de algumas etapas da cadeia produtiva em campo. Os  resultados alcançados evidenciaram que o abate de jacarés proporcionou o alcance de diversos resultados  significativos, refletindo tanto na conservação ambiental, na segurança das pessoas e no desenvolvimento  socioeconômico das comunidades locais. 

PALAVRAS-CHAVE: Jacaré. Manejo. Sustentabilidade. Empreendedorismo. Conservação. 

INTRODUÇÃO  

O manejo de espécies da fauna é um instrumento utilizado para o restabelecimento de  animais ameaçados, podendo também servir para controle de espécies que estejam  causando algum tipo problema. Ao mesmo tempo, essa atividade também pode ser um  artificio para a realização de negócios econômicos sustentáveis que utilizam os recursos  naturais, conectando o uso econômico com a conservação (RANZI, 2017). Essa  associação é claramente percebida no manejo de jacarés que ocorre na Reserva  Extrativista Lago do Cuniã (RESEX Lago do Cuniã), uma vez que a atividade foi  primordialmente concebida para fazer um controle do número excessivo de jacarés, que  levava risco para as comunidades, a qual evoluiu para ser uma iniciativa econômica e  empreendedora. 

Nesse sentido, o objeto deste trabalho foi fazer uma análise qualitativa do manejo, com  um olhar sobre a sua sustentabilidade, tanto ambiental quanto econômica, ao mesmo  tempo em que buscou abordar os desafios relacionados às etapas da cadeia produtiva,  bem como as possibilidades de melhoria para a atividade, que contribui para o desenvolvimento sustentável da região, gerando benefícios tanto para o meio ambiente quanto para as pessoas. 

A RESEX Lago do Cuniã (Figura 2) é uma unidade de conservação federal localizada no  município de Porto Velho, estado de Rondônia, cuja gestão é de responsabilidadedo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal  vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (ICMBio, 2018; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2012). Trata-se de uma área de grande importância ambiental e  socioeconômica. Situada no bioma amazônico, a reserva abriga cerca de 110 famílias  extrativistas bem como uma diversidade de fauna e flora, incluindo uma população  significativa de jacarés (ICMBio, 2018). 

A Cooperativa de Pescadores, Agricultores e Extrativistas da Resex Lago do Cuniã (COOPCUNIÃ), foi criada pela comunidade da Resex com objetivo de comercializar  seus produtos extrativistas. A carne e o couro de jacaré, produtos do manejo, são  exemplos desses produtos, sendo que a Cooperativa, promove a inclusão dos moradores em todas as etapas da cadeia, desde os levantamentos censitários (contagem) até a comercialização dos produtos. 

O manejo de jacarés pode ser visto como um modelo inovador, que busca equilibrar a  conservação da espécie com o crescimento econômico das comunidades locais. Iniciado  em 2004, o projeto evoluiu para se tornar uma atividade estruturada, abrangendo captura  e abate controlado das espécies Melanosuchus niger (jacaré-açu) (Figura 4) e Caiman  crocodilus (jacaretinga). Com a atividade, buscou-se melhorar a segurança das  comunidades da RESEX e, ao mesmo tempo, garantir renda extra para as famílias  extrativistas. 

Além da exploração econômica com a produção de carne e couro de jacaré, o projeto  também contempla o monitoramento das espécies, executado anualmente pelo Centro  de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfibios (RAN) do ICMBio, que monitora a  distribuição e abundância dos jacarés nas áreas alagadas da Resex, realiza estudos  populacionais (análises de crescimento e demográfica), monitora o potencial reprodutivo  (análise dos ninhos), bem como estudos de avaliação da condição corporal, níveis  hormonais e incidência de hemoparasitos nas populações de jacarés da Resex. Isso  ajuda a garantir que as práticas de manejo sejam sustentáveis e que as populações  naturais sejam mantidas em níveis saudáveis, contribuindo para a conservação das  espécies e a sustentabilidade do manejo (COUTINHO, 2021). 

Para atingir os objetivos, foi utilizado neste trabalho o método dedutivo como uma  abordagem de raciocínio lógico a partir de elementos conhecidos e publicados sobre o tema, que direcionaram o estudo para as conclusões ou resultados. Quanto ao projeto,  contempla estudos bibliográficos e estudo de caso. Na pesquisa bibliográfica utilizou se materiais já publicados, como artigos, documentos e informações disponíveis na  Internet para realizar levantamentos e análises sobre o que é relevante, bem como do  que já foi realizado sobre o tema. A abordagem da pesquisa foi no formato de estudo de caso, com realização de investigação aprofundada e detalhada acerca do problema,  visando compreender a cadeia produtiva em sua totalidade, analisando de forma pormenorizada suas características, contextos, interações, impactos ambientais e resultados. Em suma, este trabalho teve como característica um estudo de caráter exploratório e descritivo e de natureza qualitativa, pois buscou conhecer melhor os  processos relacionados ao tema Ao final do estudo foi possível concluir que o manejo sustentável de jacarés da RESEX  Lago do Cuniã, além de ter sua importância econômica para os extrativistas beneficiários  da unidade de conservação, contribuindo para sua subsistência, é também uma prática  importante para a conservação das espécies de jacarés ali existentes. Pois envolve a  captura controlada e o uso sustentável do recurso natural, garantindo que as populações  de jacarés permaneçam saudáveis e que as comunidades possam se beneficiar  economicamente. 

Além disso, o manejo pode ser considerado um exemplo animador de como as  comunidades podem agregar práticas sustentáveis e desenvolvimento econômico. Os  benefícios sociais e econômicos potenciais podem ser substanciais, embora existam  desafios que precisam ser superados, no sentido de buscar garantir sua viabilidade em  longo prazo, os quais são abordados na conclusão deste trabalho.

1 TEMA/CONTEXTUALIZAÇÃO

Este trabalho, “Análise da sustentabilidade ambiental e econômica da cadeia produtiva  do jacaré na Reserva Extrativista Lago do Cuniã: desafios e oportunidades para o  desenvolvimento local”, surgiu da necessidade de compreender a relação entre a  atividade de manejo do jacaré e a conservação ambiental, bem como os impactos  socioeconômicos dessa prática na comunidade local. 

O tema abrange a avaliação da sustentabilidade tanto ambiental quanto econômica da  atividade de manejo do jacaré, que ocorre na Reserva Extrativista Lago do Cuniã (RESEX Lago do Cuniã). Ele permite investigar os métodos utilizados em todas as etapas da  cadeia, os impactos ambientais, os benefícios econômicos para a comunidade local, os  desafios enfrentados e as oportunidades de desenvolvimento sustentável associadas ao manejo dessa espécie. 

A RESEX Lago do Cuniã é uma unidade de conservação federal localizada no município  de Porto Velho, estado de Rondônia (Figura 2), cuja gestão é de responsabilidadedo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal  vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (ICMBio, 2018; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2012). 

Trata-se de uma área de grande importância ambiental e socioeconômica. Situada no  bioma amazônico, essa reserva abriga cerca de 110 famílias extrativistas bem como uma  diversidade de fauna e flora,incluindo uma população significativa de jacarés (ICMBio,  2018) (Figura 3). 

O manejo teve seu início idealizado para controlar o número excessivo de jacarés nos  lagos e várzeas da RESEX, que levava risco para as comunidades, tendo posteriormente  evoluído para ser uma iniciativa econômica e empreendedora. 

Envolve várias etapas até chegar aos produtos finais, que são a carne e o couro do réptil  prontos para comercialização (Figura 7). As etapas do manejo incluem o levantamento  populacional (contagem ou censo) dos animais, técnicas de captura, preparo, abate,  desossa, embalagem e comercialização dos produtos derivados. Essa atividade tem  potencial para gerar benefícios econômicos para os moradores da reserva, mas também levanta questões relacionadas à conservação da espécie, ao uso sustentável dos recursos naturais e ao equilíbrio ambiental da região. 

Nesse contexto, o estudo busca identificar os desafios enfrentados, as oportunidades de desenvolvimento local, os impactos ambientais positivos e negativos, além de propor  medidas e recomendações para aprimorar a prática do manejo de forma sustentável e responsável. Esta análise pretende contribuir para promover o uso consciente dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade e o bem-estar das comunidades que dependem desses recursos para sua subsistência e desenvolvimento. 

2 PROBLEMA A SER ABORDADO 

Como melhorar as práticas do manejo de jacaré na Reserva Extrativista Lago do Cuniã? 

3 HIPÓTESES  

Hipótese 1: Utilização de práticas sustentáveis de manejo. 

A implementação de práticas sustentáveis de manejo, como o cumprimento das quotas de captura controlada e abate legalizado, minimiza os impactos negativos na  biodiversidade e no ecossistema local. 

Hipótese 2: Realização de medidas para ampliar as oportunidades de  comercialização dos produtos derivados do manejo de jacaré. 

Destacar os aspectos positivos da carne e couro de jacaré provenientes do manejo  sustentável, como a conservação da espécie, baixo impacto ambiental e qualidade da carne. Utilizar essas informações em materiais de marketing e embalagens para atrair  consumidores que tenham maior preocupação com o meio ambiente. 

4 OBJETIVOS  

4.1 Objetivo Geral 

Compreender a cadeia produtiva do manejo do jacaré realizado na Reserva Extrativista  Lago do Cuniã e identificar quais os benefícios ambientais, sociais e econômicos dessa  prática. 

4.2 Objetivos Específicos 

• Analisar as práticas de manejo utilizadas ao longo da cadeia produtiva • Avaliar os impactos ambientais do manejo 

• Examinar os aspectos econômicos e sociais relacionados à atividade • Apontar os desafios a serem superados relacionados à qualidade, certificação e comercialização dos produtos 

• Propor alternativas para agregar valor aos produtos derivados do jacaré e aumentar a rentabilidade para os produtores locais 

5 JUSTIFICATIVA 

A Reserva Extrativista Lago do Cuniã foi criada em 1999, sob gestão do IBAMA (atualmente pelo ICMBio), com o objetivo de garantir a exploração autossustentável e a  conservação dos recursos naturais renováveis tradicionalmente utilizados pela população extrativista da área. Ela também abriga uma grande variedade de espécies  animais, incluindo o jacaré (Figura 4), que desempenha um papel importante na manutenção do equilíbrio ecológico. A promoção de práticas sustentáveis de manejo dessas espécies é crucial para conservar a biodiversidade da região e proporcionar benefícios aos moradores. 

Em vista disso, este trabalho busca analisar a compatibilização da conservação com o  desenvolvimento socioeconômico da comunidade local através do estudo da cadeia  produtiva do manejo do jacaré. Essa atividade econômica realizada na RESEX contribui para o desenvolvimento sustentável da região, gerando benefícios tanto para o meio  ambiente quanto para as pessoas. 

O manejo do jacaré representa uma forma de uso controlado dos recursos naturais,  desde que realizado de maneira responsável e equilibrada. Diante disso, este estudo vai buscar entender as práticas que tem garantido a exploração racional desses recursos de forma sustentável, sem esgotá-los 

A Cooperativa de Pescadores, Agricultores e Extrativistas da Resex Lago do Cuniã (COOPCUNIÃ), foi criada pela comunidade da Resex com objetivo de comercializar  seus produtos extrativistas. O manejo de jacaré é conduzido pela Cooperativa, que  promove a inclusão dos moradores em todas as etapas da cadeia, desde os levantamentos censitários (contagem) até a comercialização dos produtos (Figuras 5 e  6). 

Assim, considerando que o manejo do jacaré é um empreendimento coletivo que pode gerar benefícios socioeconômicos para a comunidade local, como a diversificação de fontes de renda e o fortalecimento da economia a partir da comercialização dos produtos  derivados do jacaré, este trabalho também pretende demonstrar que havendo  compromisso com a sustentabilidade e conservação da natureza, a exploração do  recurso torna-se uma atividade ambientalmente viável e que proporciona incremento na  renda das famílias extrativistas. 

6 REFERENCIAL TEÓRICO 

6.1 Sustentabilidade Ambiental 

A Lei N° 9.985 de 18 de julho de 2000, que regulamenta o Artigo 225 da Constituição  Federal, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC)  e estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de  Conservação (UC) (BRASIL, 2000). Também define “uso sustentável” como: 

exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (art. 2º, XI). 

As Unidades de Conservação possuem várias categorias, desde as mais restritas onde são permitidas apenas acesso a pesquisa, até as menos restritivas ou abertas para visitação e atividades produtivas sustentáveis, inclusive moradia (UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASL, s.d.) 

Sobre o assunto, RUIZ (2020) expõe que “conservar e preservar possuem objetivos  diferentes; nas áreas destinadas à conservação é possível a permissão de uso do meio  ambiente, desde que de modo sustentável”. Nas áreas de preservação somente  pessoas com autorização podem ter acesso, para realização de pesquisas científicas  ou para desenvolver outras atividades que não envolvam extração, coleta,derrubada,  abate. É importante ressaltar que ambas possuem o mesmo objetivo de proteger os ecossistemas 

A Reserva Extrativista Lago do Cuniã, criada pelo Decreto 3.238 de 10 de novembro de  1999, situa-se no Estado de Rondônia a 130 km da cidade de Porto Velho, na margem esquerda do Rio Madeira. É uma Unidade de Conservação pertencente a categoria de Uso Sustentável (QUEIROZ et al., 2013; MINISTÉRIODO MEIO AMBIENTE, 2012). De acordo com a Lei, Reserva Extrativista é:  

uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência  baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência  e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos  proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade” (BRASIL, 2000). 

O manejo é definido pela Lei do SNUC como “todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas” (art.2º, VIII). Pode-se compreender, a partir desses conceitos, que uso sustentável é o objetivo da sustentabilidade ambiental, social e econômica a ser alcançado em relação a  determinado recurso, ecossistema ou espécie, enquanto o manejo se refere ao conjunto  de procedimentos adotados para que a conservação da biodiversidade e a manutenção  dos processos ecológicos seja alcançado (RANZI, 2017). 

O manejo de jacaré, analisado neste trabalho, é um exemplo de uso sustentável de  recurso natural em Unidade de Conservação, nesse caso, na RESEX Lago do Cuniã. Conforme afirma CARVALHO (2011), o principal beneficiado por esse tipo de atividade  

deve ser o ribeirinho, morador e usuário dos recursos da Unidade de Conservação. Na intenção de ordenamento do manejo e padronização de métodos e técnicas para o  uso sustentável das populações naturais de crocodilianos, pelas comunidades tradicionais em Reserva Extrativista, o ICMBio, órgão ambiental federal responsável pela gestão das Unidades de Conservação federais, publicou a Instrução Normativa (IN) nº 28/2012, que estabeleceu normas para utilização sustentável, por meio de Plano de Manejo de Crocodilianos, das populações naturais de jacaretinga (Caiman crocodilus) e jacaré-açu (Melanosuchus niger) (Tabela 2). 

Os crocodilianos brasileiros, que incluem espécies como o jacaretinga e o jacaré-açú,  não estão atualmente listados entre as espécies ameaçadas de extinção no país. Essa  situação é resultado de avaliações realizadas pelo ICMBio, que classificou o jacaretinga  (Caiman crocodilus) como “Menos Preocupante” (LC) em sua última avaliação, realizada  em agosto de 2016, segundo dados do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da  Biodiversidade (SALVE).  

O jacaré-açu (Melanosuchus niger), embora esteja citado na Lista Vermelha de Espécies  Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), atualmente  também é classificado como “Menos Preocupante” (LC) na lista. Essa avaliação reflete a  situação da espécie, que é amplamente distribuída na bacia Amazônica e em outros  países sul-americanos, com uma população considerada estável e sem evidências de  uma redução significativa, conforme aponta BORIS Et al no trabalho “Avaliação do risco  de extinção do jacaré-açu Melanosuchus niger (Spix, 1825) no Brasil”. 

A sustentabilidade ambiental do manejo do jacaré pode ser traduzida no conceito de  “conservação através do uso sustentável”. De acordo com MACHADO (2024), as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, dentre elas as Reservas Extrativistas,  procuram compatibilizar o uso sustentável dos recursos naturais com a conservação da  natureza, admitindo a presença de moradores nos locais. Nessas unidades, são  permitidas atividades que envolvam coleta e uso dos recursos naturais, desde que  ocorram de forma responsável, sem exaurir os recursos ambientais e sem prejudicar os  processos ecológicos. Ou seja, busca-se equilibrar o crescimento econômico com a  proteção ambiental. A ideia é que as espécies que trazem benefícios tangíveis à  sociedade sejam manejadas de forma correta e, consequentemente, conservadas. 

A RESEX do Lago do Cuniã é exemplo prático dos benefícios advindos da implantação  do manejo tipo Harvesting (COUTINHO, 2021). Este conceito é frequentemente aplicado  no contexto da exploração de crocodilianos, onde a captura do animal é feita de forma a  não comprometer as dinâmicas populacionais. 

Por meio do Plano de Manejo de Jacarés, a comunidade da RESEX organizou grupos de  manejadores que vem acompanhando as tendências do índice de tamanho populacional  dos jacarés, desde 2004. Juntamente com os dados populacionais, os grupos monitoram  o nível d’água e as condições de temperatura e precipitação, uma vez que o  monitoramento de tais variáveis é parte dos requisitos para realização do programa de  uso sustentado dos jacarés em unidades de conservação de uso sustentável (COUTINHO, 2021).  

6.2 Sustentabilidade Econômica 

O manejo de jacaré na RESEX Lago do Cuniã teve seu início a partir de conflitos na  população local, devido à alta densidade dessas espécies nos lagos e várzeas da  reserva. A comunidade viu o jacaré abundante como um recurso renovável que poderia ser manejado para o uso sustentável (ICMBio, 2018). Após intensas discussões e  consultas, começaram as capacitações e pesquisas voltadas a dar subsídio à atividade de manejo, incluindo-se levantamento de dados ambientais, monitoramento populacional, técnicas de coleta e processamento, entre outras atividades realizadas  pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN) do  ICMBio (ICMBio, 2010) (RANZI, 2017).  

Conforme ICMBio (2018), a comunidade da Resex possui uma licença de abate de até  900 jacarés por ano, com possibilidade máxima de 3.600 animais de acordo com os  estudos, tudo com intuito de controlar uma população estimada de mais de 36 mil  animais, distribuídos em cerca de 18.000 hectares de ambiente (lagos e várzeas). O  manejo permite a redução apenas de jacarés machos com comprimento entre 1,60m e  2,80m, com cotas anuais específicas para cada espécie (70% para Jacaré-açu e 30%  para Jacaretinga), de acordo com RUIZ (2021). O manejo pelo já citado Sistema  Harvesting é consolidado como uma importante atividade extrativista, com a utilização  de métodos e tecnologias sustentáveis, para que não afete a conservação dos ecossistemas e funções ecológicas na UC. 

Segundo a Instrução Normativa ICMBio (IN) nº 28/2012, a definição legal de “sistema  extensivo de manejo ou sistema Harvesting” é “sistema de manejo em que os animais para abate são retirados diretamente da natureza” (art. 3º). É também denominado de  “caça direta”, conforme MAGNUSSON & MARIANO, 1984; MOURÃO Et. al., 2006. Para CAMPOS, Z, Mourão, G; Coutinho, M (2005), os aspectos positivos desse tipo de  manejo extensivo são: 1) a atividade significa uma alternativa econômica para os  moradores da região e para a conservação dos estoques de populações naturais e dos  ambientes naturais; 2) possivelmente implica em menos aplicação de capital do que  modelos de criação; 3) incorporação de mão de obra local ao processo produtivo legal. Ainda segundo esses autores, esse tipo de exploração deve ser economicamente viável  e ter enfoque de conservação dos estoques e habitats naturais. 

Diante disso, a RESEX do Lago do Cuniã pode ser vista como um exemplo prático dos  benefícios advindos da implantação do manejo tipo Harvesting (COUTINHO, 2021). Segundo a IN nº 28/2012, a proposta de plano de manejo de crocodilianos em unidade  de conservação somente pode ser apresentada por entidade representativa dos  beneficiários da UC, legalmente constituída. O Artigo 2º dessa norma salienta que o  plano deve estar em consonância com o Plano de Manejo da Unidade de Conservação  e conter estudos biológicos que apontem a viabilidade do manejo sob o sistema  extensivo (Artigo 2º). No caso da RESEX Lago do Cuniã, o proponente foi a Cooperativa  de Pescadores, Agricultores e Extrativistas da Resex Cuniã – COOPCUNIÃ. De acordo com ICMBio (2018), em 2011 a COOPCUNIÃ buscou viabilizar o projeto de  manejo do jacaré e fortalecer outras atividades de comercialização da comunidade. No mesmo ano foi instalado o abatedouro de jacarés no núcleo comunitário Silva Lopes  Araújo (Figura 11), juntamente com apoio da empresa Santo Antônio Energia S/A, do  ICMBio e da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento de Porto Velho (SEMAGRIC). A partir de 2013, a Cooperativa passou a gerir o projeto com recursos  próprios dos cooperados (ICMBIO, 2018). 

A realização do primeiro abate com atividade comercial ocorreu em 2012, mas antes  disto foi realizado um abate experimental em 2011. Com o início do abate em 2012, os  produtos advindos dos jacarés como carne e pele começam a ser comercializados pela COOPCUNIÃ. Conforme dados obtidos, mais de 100 moradores da RESEX cooperam  com o manejo de jacarés, com uma estimativa de que cerca de 90% das famílias da RESEX possuem algum envolvimento com a atividade (Figura 8), possibilitando melhorias nas vidas das pessoas que ali vivem (SILVA, 2022). 

Para comercialização da carne de jacaré a COOPCUNIÃ buscou dentre os supermercados de Porto Velho/RO a aceitação de seu produto, culminando com o  interesse da rede de supermercados Araújo, cujas negociações só avançaram quando, mediante referências obtidas junto ao ICMBio, foi confirmado pela empresa que o “produto se originava de manejo sustentável legalizado, sob acompanhamento e controle dos órgãos ambientais e sanitários” (FERNANDES, 2014). Todo o estoque de  carne adquirido pelo supermercado foi vendido em curto espaço de tempo. Outra questão importante a ser mencionada é referente à pele (couro) (Figura 9), que é  o produto principal do animal, segundo FERNANDES, 2014. Observou-se que “no processo de manejo apele é considerada o lucro, tendo em vista que a venda da carne de jacaré paga os custos do processo produtivo”. Como em Rondônia não há curtume  e nem empresas que comercializam ou exportam o couro de jacaré, foi estabelecido  uma parceria com a empresa REGON de Betim-MG, que adquire toda a produção  oriunda do manejo para exportação. O Brasil é um grande exportador de peles de jacaré,  ocupando a segunda posição mundial (DANTAS FILHO, 2020). 

A Instrução Normativa IBAMA nº 07/2015 instituiu e normatizou as categorias de uso e  manejo da fauna silvestre em cativeiro, e definiu, no âmbito daquela autarquia, os  procedimentos autorizativos para as categorias estabelecidas. Em seu Anexo II estão  as determinações para o plano de manejo sustentado de crocodilianos das espécies  Caiman crocodilus (jacaretinga), Caiman yacare (jacaré-do-pantanal), Caiman latirostris  (jacaré-do-papo-amarelo) e Melanosuchus niger (jacaré-açu). A comercialização das  peles segue as diretrizes dessa norma, cujo transporte é de responsabilidade da  COOPCUNIÃ, após emissão dos lacres e autorização pelo IBAMA.  

No que diz respeito às perspectivas futuras, a manutenção da sustentabilidade do manejo deverá ser uma prioridade. As práticas produtivas devem “minimizar o impacto  ambiental e assegurar a saúde das populações selvagens de jacarés” (PEREIRA, 2023). Também é fundamental reconhecer que o consumo dos produtos derivados do jacaré  envolve considerações éticas e ambientais, mas há muito boa aceitação no mercado. A  conservação das espécies de jacarés é essencial para manter o equilíbrio nos ecossistemas aquáticos e terrestres onde esses animais desempenham papéis importantes (SILVA et al., 2022). 

6.3 Desafios e Oportunidades 

A atividade relacionada ao uso econômico do jacaré na Reserva Extrativista Lago do  Cuniã apresenta uma série de desafios e oportunidades que refletem a complexidade  das interações entre a conservação do meio ambiente, o desenvolvimento econômico e  a vida das comunidades locais. Segundo BOTERO-ARIAS e REGATIERI (2013) em  estudo realizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDS) no  Amazonas, em situação similar ao Lago do Cuniã, o desafio de estruturar um manejo  participativo de jacarés amazônicos, baseia-se na necessidade de consolidar e replicar  estratégias de conservação dos recursos naturais. Conforme se implementa o manejo,  faz-se necessário aplicar princípios claros de monitoramento que acompanhem a  adequação e viabilidade das ações propostas, fazendo deste processo uma iniciativa  integradora e, principalmente, adaptativa. 

O manejo realizado no Lago do Cuniã surgiu em resposta a um ataque de jacaré a uma  criança, gerando preocupações sobre a segurança da comunidade, de acordo com RUIZ  Et al, 2021. A necessidade de controlar a população excedente de jacarés para proteger  os moradores e a pesca local é um desafio constante, pois envolve equilibrar a  segurança das pessoas com as práticas de manejo sustentável.  

Assim, tem-se como um dos principais desafios a manutenção da sustentabilidade do  meio ambiente, considerando o sistema de manejo utilizado, que visa controlar a  população de jacarés em seu habitat natural, sem afetar a conservação dos  ecossistemas e funções ecológicas (RUIZ Et al, 2021). 

Isso implica na necessidade de um monitoramento rigoroso das populações de jacarés  para garantir que as atividades estejam dentro das normas estabelecidas pelos órgãos  reguladores. A obtenção das licenças necessárias e a realização de censos  populacionais anuais são essenciais, mas podem ser desafiadoras devido à burocracia  e à necessidade de recursos (COUTINHO, 2014). 

Quanto as perspectivas futuras, embora o manejo de jacarés não seja uma fonte de renda  fixa para as famílias, ele é uma oportunidade de desenvolvimento do empreendedorismo coletivo da comunidade, conforme análise de SILVA Et al, 2022. Nesse sentido, a  capacitação dos moradores para realizar atividades relacionadas ao manejo, desde a  captura até o beneficiamento da carne e do couro, pode fortalecer o comprometimento  dos moradores da RESEX. Isso inclui treinamentos contínuos que aprimorem as  habilidades dos comunitários, aumentando sua capacidade de gestão e operação dentro  da cadeia produtiva (COUTINHO, 2014) (SOUZA DO VALE, Et al).  

Ao mesmo tempo, com a regulamentação adequada e o reconhecimento da qualidade  da carne e do couro de jacaré no mercado nacional e internacional, há potencial para  expandir as vendas. O frigorífico (Figura 11) localizado dentro da unidade de conservação é o único no Brasil autorizado a operar com essas atividades, o que pode servir como um  modelo para outras regiões (SOUZA DO VALE, Et al).  

Por fim, pode-se vislumbrar uma integração do manejo de jacarés com outras práticas  econômicas sustentáveis, como pesca e agricultura, diversificando as fontes de renda  das famílias envolvidas. Isso é especialmente importante em uma comunidade que  depende fortemente dos recursos naturais para sua manutenção (SOUZA DO VALE, Et  al).  

7 METODOLOGIA DE PESQUISA 

Para compreender a cadeia produtiva do manejo do jacaré da Reserva Extrativista Lago  do Cuniã, foi utilizado neste trabalho o método dedutivo como uma abordagem de  raciocínio lógico a partir de premissas conhecidas/publicadas sobre o tema, que direcionaram o estudo para as conclusões ou resultados. 

A pesquisa foi do tipo básica ou fundamental, com a intenção de ampliar o conhecimento  teórico e a compreensão dos conceitos e práticas relacionados ao manejo. Buscou-se  obter respostas a perguntas formuladas para esclarecer como as práticas de manejo  são aplicadas ao longo da cadeia produtiva, visando contribuir para a construção de  conhecimento sobre o tema. 

Como método de investigação, foi utilizado o método descritivo com vistas à buscar o detalhamento das informações através de estudos de observação, levantamentos, análises de documentos e publicações para descrever as características que envolvem  as etapas de execução do manejo do jacaré. 

Sob o ponto de vista dos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, pois  investigou-se o problema de forma inicial e abrangente, com a intensão de familiarização  com o assunto, gerar percepções, identificar questões-chave e construir uma base para estudos posteriores mais detalhados. 

A abordagem da pesquisa foi no formato de estudo de caso, com realização de  investigação aprofundada e detalhada acerca do problema, visando compreender a cadeia produtiva em sua totalidade, analisando de forma pormenorizada suas  características, contextos, interações, impactos ambientais e resultados. Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos: a) Análise Documental: análise de documentos, registros, arquivos e informações existentes no banco de dados do ICMBio que sejam relevantes para a pesquisa. Por  exemplo: relatórios, documentos oficiais, registros históricos, bases de dados, entre outros,que abordam o histórico relacionado ao manejo do jacaré na RESEX Lago do Cuniã; 

b) Observação: Foi realizada observação direta de algumas etapas da cadeia produtiva, de acordo com o que foi autorizado pelo ICMBio e COOPCUNIÃ. c) Pesquisa Bibliográfica: Realização de buscas, seleção, avaliação e análise de  materiais bibliográficos relevantes para o tema em questão, como artigos científicos,  teses, dissertações, relatórios técnicos, entre outros. Reuniu-se as informações já  existentes sobre o assunto, proporcionando uma base sólida de conhecimento para o  desenvolvimento do trabalho. 

Em suma, este trabalho teve como característica um estudo de caráter exploratório e  descritivo e de natureza qualitativa, pois buscou conhecer melhor os processos  relacionados ao tema. 

O projeto contempla estudos bibliográficos e estudo de caso. Na pesquisa bibliográfica  utilizou-se materiais já publicados, como artigos, documentos e informações disponíveis  na Internet para realizar levantamentos e análises sobre o que é relevante, bem como do  que já foi feito sobre o tema. Quanto ao estudo de caso, trata-se de um método de  pesquisa especialmente adequado para explorar ou descrever eventos complexos, como  é o caso do manejo do jacaré. 

8 RESULTADOS 

O manejo de jacarés que ocorre na Reserva Extrativista Lago do Cuniã em Rondônia pode ser visto como um modelo inovador, que busca equilibrar a conservação da espécie com o crescimento econômico das comunidades locais. Iniciado em 2004 com o objetivo  primordial de controlar a densidade populacional do jacaré, o projeto evoluiu para se  tornar uma atividade estruturada, abrangendo captura e abate controlado das espécies  Melanosuchus niger (jacaré-açu) e Caiman crocodilus (jacaretinga). Buscou-se, com isso,  melhorar a segurança da comunidade e, ao mesmo tempo, garantir renda extra para as  famílias extrativistas. 

Para isso, em 2012 o ICMBio regulamentou o manejo de jacarés em algumas categorias  de unidades de conservação federais (Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e  Reservas de Desenvolvimento Sustentáveis), através da Instrução Normativa nº 28/2012.  No Lago do Cuniã, para tornar o projeto possível, foram feitos estudos populacionais, de  reprodução, incluindo os ninhos dos jacarés. A partir dos dados obtidos houve a definição  das cotas de abate, garantindo o equilíbrio da cadeia alimentar e contribuindo para a  proteção da comunidade. 

Desde a implementação do plano de manejo de jacarés na RESEX Lago do Cuniã,  diversos resultados significativos foram alcançados, refletindo tanto na conservação  ambiental, na segurança das pessoas e no desenvolvimento socioeconômico das  comunidades locais. Dentre eles, destacam-se: 

Estruturação de uma nova cadeia produtiva na RESEX: 

O projeto de manejo resultou na criação de uma nova cadeia produtiva da  sociobiodiversidade, permitindo que a comunidade local explore de forma sustentável as  populações de jacarés, contemplando o primeiro frigorífico de beneficiamento de jacarés  da Amazônia e o único do Brasil localizado no interior de unidade de conservação. Isso garante a qualidade dos produtos comercializados, 

Geração de renda complementar para as famílias extrativistas: O manejo beneficia mais de 90 famílias, proporcionando uma fonte adicional de renda  através da comercialização da carne e do couro de jacaré. A comercialização dos produtos é feita pela cooperativa COOPCUNIÃ, a qual foi criada para representar  comercialmente todos os produtos produzidos na RESEX, fortalecendo a economia local  e promovendo o empreendedorismo coletivo. 

Realização de capacitações: 

A capacitação dos comunitários “jacarezeiros” em técnicas de manejo, beneficiamento e  gestão comunitária tem sido fortalecida no projeto, com o intuito de aperfeiçoar as  habilidades técnicas dos moradores e promover maior envolvimento da comunidade nas  decisões relacionadas ao manejo (Figura 5). 

Desenvolvimento comunitário: 

Com a organização da comunidade da Reserva Extrativista em Cooperativa, a partir da  implementação do manejo do jacaré, abriu-se a possibilidade do desenvolvimento de  outras atividades econômicas sustentáveis, com outros produtos extrativistas como o  pirarucu, a castanha do Brasil, o açaí, óleos vegetais, bem como o turismo comunitário,  uma vez que a Cooperativa foi criada com o objetivo de promover o fortalecimento da  produção e comercialização dos produtos locais e não somente para para viabilizar o  projeto de manejo de jacarés.  

Monitoramento e conservação das espécies de jacarés: 

O projeto contempla o monitoramento das populações de jacarés, executado anualmente pelo Centro de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfibios (RAN) do ICMBio, que  monitora a distribuição e abundância dos jacarés nas áreas alagadas da RESEX, realiza  estudos populacionais (análises de crescimento e demográfica), monitora o potencial  reprodutivo (análise dos ninhos), bem como estudos de avaliação da condição corporal,  níveis hormonais e incidência de hemoparasitos nas populações de jacarés da Resex. Isso ajuda a garantir que as práticas de manejo sejam sustentáveis e que as populações  naturais sejam mantidas em níveis saudáveis, contribuindo para a conservação das  espécies e a sustentabilidade do manejo. 

Melhoria na qualidade dos produtos 

Com a implementação de normas e procedimentos sanitários rigorosos, os produtos  derivados do manejo têm garantido a qualidade para o consumo humano, aumentando  sua aceitação no mercado nacional e internacional. As embalagens de carne lacradas e rotuladas com a logomarca da Cooperativa são um exemplo desse compromisso com a  qualidade. 

Esses resultados demonstram que o manejo sustentável de jacarés na Reserva  Extrativista Lago do Cuniã não apenas aborda questões de segurança das pessoas e  conservação ambiental, mas também proporciona benefícios econômicos importantes  para as comunidades locais, promovendo um modelo que pode ser replicado em outras  regiões da Amazônia. 

Quanto à regulamentação, foi verificado que a execução do manejo envolve as seguintes  instituições: 

ICMBio: responsável pela definição da cota anual (número de jacarés passíveis de  captura e abate) com base no censo realizado previamente. Emissão das autorizações  para captura e abate; 

SEMAGRIC (Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Porto  Velho): realiza a inspeção sanitária no frigorífico e emite o Selo de Inspeção Municipal (SIM). 

IBAMA: responsável pelo licenciamento ambiental do frigorífico (Figura 10). Também  autoriza e supervisiona o transporte de peles até o seu destino. 

EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia):  promoção do fortalecimento do cooperativismo (gestão coletiva do projeto), atuação para  a gestão financeira e comercial da Cooperativa. 

Os produtos oriundos do manejo de jacarés que são aproveitados e comercializados pela  Cooperativa são a carne e o couro:  

Carne de Jacaré: é o principal produto gerado no manejo até o momento. Seu  processamento ocorre nas estruturas do frigorífico existente na comunidade Silva Lopes  Araujo, interior da unidade de conservação (Figura 7). Na atualidade, a venda tem  ocorrido somente no mercado local em Porto Velho/RO, mas a Cooperativa tem  demostrado interesse em expandir para outras regiões. É uma proteína animal de alvo  valor nutricional, saborosa e com pouca gordura, de primeira qualidade, sabor suave, de  boa aceitação nos restaurantes e residências quando o consumidor tem a comprovação  da origem legal do produto. Os cortes inicialmente realizados no jacaré são filé de cauda,  filé de dorso, filé de lombo e membros.  

Couro de jacaré: é o outro produto oriundo do manejo no Lago do Cuniã que tem  aproveitamento econômico (Figura 8). Segundo dados levantados, o couro de jacaré  possui grande valor comercial, sendo utilizado para fabricação de artigos de luxo, como  bolsas, carteiras, cintos e sapatos. O couro precisa passar por um processo de curtimento  especializado para garantir sua qualidade e durabilidade, o que, devido as características  específicas desse produto proveniente dos jacarés, o processo é bastante difícil. Ao  contrário da carne, que é comercializada no mercado local, o couro é adquirido por uma  empresa de Minas Gerais e depois é exportado. Em Rondônia não há beneficiamento do  couro do jacaré. 

Vale salientar que além da carne e do couro, outros subprodutos dos jacarés também  têm potencial para serem aproveitados, como os dentes, que podem ser usados para  fazer colares e outros itens de artesanato, e a gordura, que pode ser utilizada na indústria  de cosméticos. 

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As unidades de conservação da categoria Reserva Extrativista (RESEX) são criadas a  partir da solicitação das comunidades tradicionais que vivem em determinado território,  que almejam o fortalecimento dos seus meios de vida e a sua cultura. Uma característica importante dessas unidades de conservação é o uso coletivo que dever ser dado ao  território e aos recursos naturais. Essa é a sua essência, sendo necessário que esse tipo  de uso seja incentivado pelo órgão gestor da unidade. No caso da RESEX Lago do Cuniã,  alvo deste estudo, em vários momentos ao longo do trabalho foi demonstrado o uso  coletivo, ao apresentarmos o trabalho realizado pela Cooperativa COOPCUNIÃ nas  atividades relacionadas ao projeto de manejo de jacarés. A exploração sustentável desse  recurso natural abundante nos lagos e várzeas da RESEX somente ocorre porque há o  envolvimento da comunidade. Podemos assim, afirmar, que se trata de um  empreendimento coletivo, pois a comunidade local se organizou em uma cooperativa  para desenvolver uma atividade econômica. 

O manejo sustentável de jacarés, além de ter sua importância econômica para os  extrativistas beneficiários da unidade de conservação, contribuindo para sua subsistência, é também uma prática importante para a conservação das espécies de  jacarés ali existentes. Pois envolve o controle populacional com a captura controlada e o  uso sustentável do recurso natural, garantindo que as populações de jacarés  permaneçam saudáveis e que as comunidades possam se beneficiar economicamente. 

Além disso, o manejo pode ser considerado um exemplo animador de como as  comunidades podem agregar práticas sustentáveis com desenvolvimento econômico. Os  benefícios sociais e econômicos potenciais podem ser substanciais, embora existam  desafios importantes que precisam ser abordados, no sentido de buscar garantir sua  viabilidade em longo prazo.  

Assim, com base no que foi levantado e analisado neste estudo, vários aspectos podem  ser reavaliados e aprimorados, para alavancar o manejo de jacarés e outras iniciativas  empreendedoras da RESEX Lago do Cuniã, tendo como parâmetro as atividades e  desafios que já existem, as quais são listadas abaixo: 

a) Dar continuação aos estudos populacionais anuais, de reprodução e sobre os ninhos  dos jacarés, para subsidiar as cotas de abate para o manejo, de forma a manter o  equilíbrio o ambiente e garantir a sustentabilidade da população de jacarés. 

b) Implementar ações continuadas de capacitação dos comunitários em técnicas de  manejo, beneficiamento da produção, incluindo treinamentos específicos para captura, transporte e abate, bem como de gestão financeira e comercial. 

c) Melhorar o entendimento e capacitar para o empreendedorismo coletivo  (cooperativismo), procurando envolver todas as comunidades da RESEX no manejo  de jacarés, com o objetivo de potencializar a atuação da COOPCUNIÃ, buscando  mais participação e divisão de tarefas. 

d) Fomentar a organização comunitária através da Associação de Moradores do Cuniã  (ASMOCUN) e outras instituições locais que porventura existirem, para garantir a  gestão coletiva e a sustentabilidade deste e de outros projetos na RESEX. 

e) Prover melhorias nas instalações do frigorífico de beneficiamento de jacarés,  garantindo que todos os procedimentos sanitários e operacionais sejam rigorosamente seguidos para manter a qualidade da carne e do couro. Implementar  boas práticas na instalação e uso dos equipamentos. 

f) Fazer estudos de mercado, com a intenção de ampliar as oportunidades de  comercialização da carne e do couro de jacaré, tanto no mercado local, quanto no nacional e internacional. Seria interessante a Cooperativa identificar restaurantes que  tenham boas clientelas e que possam ter intensão em oferecer no seu cardápio a  carne de jacaré, como uma iguaria ou prato exótico. Isso pode despertar interesse,  atrair mais clientes e dar mais popularidade ao produto. Embora o que já foi  conquistado pela COOPCUNIÃ seja bastante importante e positivo, é possível  expandir para alcançar mais consumidores. Com a regulamentação consolidada e a  garantia de qualidade dos produtos, há potencial para crescimento de mercado. 

g) Desenvolver ações para que que o manejo dos jacarés seja economicamente  sustentável ao longo do ano e não apenas durante os três meses de abate. A  diversificação de produtos derivados dos jacarés e a exploração de subprodutos pode  gerar renda extra em outros períodos do ano.  

h) Utilizar as ações que envolvem o manejo do jacaré como atrativo para outras  atividades geradoras de renda nas comunidades, como a visitação (turismo  comunitário) para visualização dos animais no seu habitat natural, bem como o  acompanhamento de etapas do manejo (monitoramento, captura, etc). 

i) Fortalecer a implementação de projetos que busquem maior envolvimento dos jovens  extrativistas na gestão da reserva, com capacitações e atividades de educação  ambiental participativas. Temas como empreendedorismo, cooperativismo, sucessão  familiar, geração de renda, cadeias produtivas, turismo de base comunitária, gestão  participativa, são importantes e podem despertar interesse nos jovens, que são o  futuro da RESEX Lago do Cuniã. 

Concluindo, ressalta-se que a continuidade do monitoramento das populações de  jacarés, juntamente com esforços para capacitar os membros da comunidade e  diversificar as fontes de renda, será fundamental para assegurar que a iniciativa empreendedora do Lago do Cuniã não apenas proteja os recursos naturais da região,  mas também melhore a qualidade de vida dos seus habitantes. 

Por fim, vale salientar que o manejo de jacarés e o bom funcionamento de cooperativas  e associações extrativistas, tal como a COOPCUNIÃ e a ASMOCUN, devem fazer parte  das agendas públicas do desenvolvimento sustentável, fundamentais nas ações que tem  por objetivo trabalhar pela conservação do meio ambiente na Amazônia e pelo bem-estar das comunidades tradicionais.  

10 RECURSOS 

Este orçamento foi elaborado levando em conta todo o período usado para a realização  da pesquisa, bem como elaboração do artigo científico, sua qualificação para publicação  ou defesa e entrega final para o professor orientador da disciplina que fará o encaminhamento à biblioteca da UniSAPIENS. 

Tabela 1: Despesas previstas 

Fonte: Autor, 2024 

11 CRONOGRAMA  

O cronograma da pesquisa foi elaborado levando em consideração o período de  desenvolvimento da pesquisa em três semestres: TCC I (Projeto de Pesquisa), e TCC II  (consolidação da pesquisa, finalização do artigo científico, qualificação para sua  publicação ou defesa oral em banca).

Figura 1 – Cronograma de atividades. 

Fonte: Autor, 2024.

Tabela 2. Proporção de indivíduos de jacaré-açu e jacaretinga na Resex Cuniã, RO, 2004 a 2022. Fonte:  ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá 

Figura 2 – Mapa da Reserva Extrativista Lago do Cuniã.

Fonte: Elaboração do autor.7 

Figura 3 – O Lago do Cuniã, suas várzeas e comunidades, Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá

Figura 4 – O jacaré-açú do Lago do Cuniã. Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá.

Figura 5 – Comunitários manejando o jacaré no balcão de higienização. Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá

Figura 6 – Etapas do manejo no frigorífico. Fonte: Coopcuniã.

Figura 7 – Processamento da carne e produto final embalado à vácuo. Fonte: Coopcuniã.

Figura 8 – Comunitários do manejo, com o couro do jacaré-açu. Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá 

Figura 9– Couro curtido de jacaré em exposição na Coopcuniã. Fonte: Autor 

Figura 10 – Acompanhamento de vistoria do Ibama no frigorífico. Fonte: Autor 

Figura 11 – Instalações do frigorífico de jacarés. Fonte: Coopcuniã

12 REFERÊNCIAS 

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CARVALHO, Thiago dos Santos. Manejo e uso sustentável do jacaretinga (Caiman crocodilus) por ribeirinhos: um estudo avaliativo. 2011 

Disponível em: <http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/3133> Acesso em:  25/03/2024 

CAMPOS, Z, Mourão, G; Coutinho, M. Avaliação de Três Modelos de Manejo Para o  Jacaré-do-Pantanal. Comunicado Técnico 46. Embrapa Pantanal. 2005. 

COUTINHO, M. E.; SANTOS, M. R. DE D.; BARRETO-LIMA, A. F.; NÓBREGA, Y. C.  Conservação de crocodilianos no Brasil: Perspectivas e possibilidades. In: BARRETO LIMA, A. F.; SANTOS, M. R. de D.; NÓBREGA, Y. C. (Ed.) Tratado de Crocodilianos do  Brasil. 1a. ed. Vitória: Editora Instituto Marcos Daniel, 2021. Cap. 24, p. 622-641.  Disponível em:  <https://www.researchgate.net/publication/353914376_conservacao_de_crocodilia nos_no_brasil_perspectivas_e_possibilidades >. Acesso em: 05/11/2024. 

COUTINHO, M. E. Monitoramento do manejo de jacarés na Resex Cuniã: Modelo de  desenvolvimento de cadeias de valores da sócio-biodiversidade amazônica. Disponível  em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/pesquisa/projetos apoiados/projetos-apoiados-em-2014. Acesso em: 04/11/2024. 

DANTAS FILHO, Jerônimo Vieira et al. Desenvolvimento da jacaricultura no Brasil.Revista  Ciência e Saúde Animal, v. 2, p. 32-47, 2020. Disponível em: <http://revistas.icesp.br/index.php/CSA/article/view/969> Acesso em: 25/03/2024 

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FARIAS, I.P.; Bataus, Y.S.L.; Rodrigues, J.; Uhlig, V.M.; Andrade, T.A.; Bassetti, L.A.;  Coutinho, M.E.; Magnusson, W.E.; Valadão, R.M.; Campos, Z. Ago/2016. Caiman  crocodilus. Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade – SALVE. Disponível em: https://salve.icmbio.gov.br/salve/. Acesso em: 05/11/2024.  

Lei nº 9.985. Regulamenta o art. 225, § 1o , incisos I, II, III e VII da Constituição Federal,  institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras  providências. 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm> Acesso em: 25/03/2024 

IBAMA. Instrução Normativa nº 07, de 30 de abril de 2015. Institui e normatiza as  categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro, e define, no âmbito do IBAMA,  os procedimentos autorizativos para as categorias estabelecidas. Disponível em:  https://www.ibama.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&legislacao=135756. Acesso em 22/10/2024. 

ICMBio. Instrução Normativa nº 28/2012. Estabelece normas para a utilização sustentável  das populações naturais de crocodilianos em Reserva Extrativista (RESEX), Floresta Nacional (FLONA) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável(RDS. Disponível em:  <https://www.gov.br/icmbio/pt-br/acesso-ainformacao/institucional/legislacao/instrucoesnormativas/arquivos/minuta_in_manejo_croc_versao_final_30_08_2012.pdf>  Acesso em: 27/03/2024 

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MACHADO, Flávia de Figueiredo. “Unidades de Conservação de Uso Sustentável”; Brasil  Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biologia/unidades-conservacao uso-sustentavel.htm. Acesso em 06 de novembro de 2024. 

MARIONI, Boris; Izeni Farias; Luciano M. Verdade; Luís Bassetti; Marcos E. Coutinho; Sônia H. S. T. de Mendonça; Tiago Quaggio Vieira; William E. Magnusson & Zilca  Campos. Avaliação do risco de extinção do jacaré-açu Melanosuchus niger (Spix, 1825)  no Brasil. Revista Biodiversidade Brasileira, 2013. 

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FERNANDES, Pâmela Bezerra Santos. Dimensões do Capital Social em Empreendimento Coletivo: Um estudo de caso no Projeto Jacaré na Reserva Extrativista Lago do Cuniã em Rondônia (2014). Disponível em: <http://www.ri.unir.br/jspui/handle/123456789/1927> Acesso em: 02/04/2024

PEREIRA, Jéssica Camargo. Desafios e oportunidades na produção sustentável de jacarés. TCC apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Zootecnia, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. 2023. Disponível em: <https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/handle/123456789/6934> Acesso em: 03/04/2024 

RUIZ, Romão Lima. Manejo de jacaré na Resex do Lago do Cuniã: uma análise à luz da  sustentabilidade e do empreendedorismo coletivo. Trabalho de Conclusão de Curso  apresentado à Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Ciências Contábeis. 2021. Disponível em: <https://ri.unir.br/jspui/handle/123456789/3364> Acesso em: 04/04/2024 

SILVA, Suzenir Aguiar et al. Empreendedorismo coletivo e sustentabilidade: o caso do manejo de jacaré na Resex do lago do Cuniã, Rondônia. Revista Inclusiones, v. 9,n. 3, p. 420-441, 2022. 

SOUZA DO VALE, C. A, ANDRADE. T; PASSOS, L. F; e COUTUNHO, M. E – Da Ameaça  à Sustentabilidade – O Manejo Sustentável do Jacaré-Açú. Disponível em:  https://www.icmbio.gov.br/praticasinovadoras/todas-as-praticas/207-pratica-2014- 17.html. Acesso em: 04/11/2024. 

UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASIL. Unidades de conservação. Disponívelem:  <https://uc.socioambiental.org/pt-br/unidadesdeconservacao#sistema-de unidades-de-conservao-snuc> Acesso em: 27/03/2024 


1Artigo apresentado à Faculdade UniSAPIENS como requisito para conclusão do Curso de Engenharia de  Produção;
2Graduação em Engenharia de Produção pela Faculdade UniSAPIENS;
 3Graduação em Engenharia da Computação, Pós-graduação em Metodologias do Ensino Superio