REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411160701
Pedro Matteo Aguiar Garcia2;
Orientador: Allan Kardec Gurgel do Amaral3
RESUMO
O manejo extensivo sustentável de jacarés que ocorre na Reserva Extrativista Lago do Cuniã em Rondônia, teve seu início motivado por medidas de segurança para a população residente na área. A consolidação da prática o transformou em uma fonte de renda, promovendo a diversificação produtiva local e fomentando o empreendedorismo. Para melhor compreensão do contexto que envolve o manejo, este trabalho teve como objetivo analisar a relação entre a uso econômico do recurso com a sustentabilidade ambiental. A pesquisa foi exploratória, com método dedutivo e abordagem qualitativa, a partir de pressupostos divulgados sobre o tema, que direcionaram o estudo para as conclusões acerca dos desafios e oportunidades cogitados para a atividade. A coleta de dados ocorreu através da análise de documentos oficiais, pesquisa bibliográfica e observação direta de algumas etapas da cadeia produtiva em campo. Os resultados alcançados evidenciaram que o abate de jacarés proporcionou o alcance de diversos resultados significativos, refletindo tanto na conservação ambiental, na segurança das pessoas e no desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais.
PALAVRAS-CHAVE: Jacaré. Manejo. Sustentabilidade. Empreendedorismo. Conservação.
INTRODUÇÃO
O manejo de espécies da fauna é um instrumento utilizado para o restabelecimento de animais ameaçados, podendo também servir para controle de espécies que estejam causando algum tipo problema. Ao mesmo tempo, essa atividade também pode ser um artificio para a realização de negócios econômicos sustentáveis que utilizam os recursos naturais, conectando o uso econômico com a conservação (RANZI, 2017). Essa associação é claramente percebida no manejo de jacarés que ocorre na Reserva Extrativista Lago do Cuniã (RESEX Lago do Cuniã), uma vez que a atividade foi primordialmente concebida para fazer um controle do número excessivo de jacarés, que levava risco para as comunidades, a qual evoluiu para ser uma iniciativa econômica e empreendedora.
Nesse sentido, o objeto deste trabalho foi fazer uma análise qualitativa do manejo, com um olhar sobre a sua sustentabilidade, tanto ambiental quanto econômica, ao mesmo tempo em que buscou abordar os desafios relacionados às etapas da cadeia produtiva, bem como as possibilidades de melhoria para a atividade, que contribui para o desenvolvimento sustentável da região, gerando benefícios tanto para o meio ambiente quanto para as pessoas.
A RESEX Lago do Cuniã (Figura 2) é uma unidade de conservação federal localizada no município de Porto Velho, estado de Rondônia, cuja gestão é de responsabilidadedo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (ICMBio, 2018; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2012). Trata-se de uma área de grande importância ambiental e socioeconômica. Situada no bioma amazônico, a reserva abriga cerca de 110 famílias extrativistas bem como uma diversidade de fauna e flora, incluindo uma população significativa de jacarés (ICMBio, 2018).
A Cooperativa de Pescadores, Agricultores e Extrativistas da Resex Lago do Cuniã (COOPCUNIÃ), foi criada pela comunidade da Resex com objetivo de comercializar seus produtos extrativistas. A carne e o couro de jacaré, produtos do manejo, são exemplos desses produtos, sendo que a Cooperativa, promove a inclusão dos moradores em todas as etapas da cadeia, desde os levantamentos censitários (contagem) até a comercialização dos produtos.
O manejo de jacarés pode ser visto como um modelo inovador, que busca equilibrar a conservação da espécie com o crescimento econômico das comunidades locais. Iniciado em 2004, o projeto evoluiu para se tornar uma atividade estruturada, abrangendo captura e abate controlado das espécies Melanosuchus niger (jacaré-açu) (Figura 4) e Caiman crocodilus (jacaretinga). Com a atividade, buscou-se melhorar a segurança das comunidades da RESEX e, ao mesmo tempo, garantir renda extra para as famílias extrativistas.
Além da exploração econômica com a produção de carne e couro de jacaré, o projeto também contempla o monitoramento das espécies, executado anualmente pelo Centro de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfibios (RAN) do ICMBio, que monitora a distribuição e abundância dos jacarés nas áreas alagadas da Resex, realiza estudos populacionais (análises de crescimento e demográfica), monitora o potencial reprodutivo (análise dos ninhos), bem como estudos de avaliação da condição corporal, níveis hormonais e incidência de hemoparasitos nas populações de jacarés da Resex. Isso ajuda a garantir que as práticas de manejo sejam sustentáveis e que as populações naturais sejam mantidas em níveis saudáveis, contribuindo para a conservação das espécies e a sustentabilidade do manejo (COUTINHO, 2021).
Para atingir os objetivos, foi utilizado neste trabalho o método dedutivo como uma abordagem de raciocínio lógico a partir de elementos conhecidos e publicados sobre o tema, que direcionaram o estudo para as conclusões ou resultados. Quanto ao projeto, contempla estudos bibliográficos e estudo de caso. Na pesquisa bibliográfica utilizou se materiais já publicados, como artigos, documentos e informações disponíveis na Internet para realizar levantamentos e análises sobre o que é relevante, bem como do que já foi realizado sobre o tema. A abordagem da pesquisa foi no formato de estudo de caso, com realização de investigação aprofundada e detalhada acerca do problema, visando compreender a cadeia produtiva em sua totalidade, analisando de forma pormenorizada suas características, contextos, interações, impactos ambientais e resultados. Em suma, este trabalho teve como característica um estudo de caráter exploratório e descritivo e de natureza qualitativa, pois buscou conhecer melhor os processos relacionados ao tema Ao final do estudo foi possível concluir que o manejo sustentável de jacarés da RESEX Lago do Cuniã, além de ter sua importância econômica para os extrativistas beneficiários da unidade de conservação, contribuindo para sua subsistência, é também uma prática importante para a conservação das espécies de jacarés ali existentes. Pois envolve a captura controlada e o uso sustentável do recurso natural, garantindo que as populações de jacarés permaneçam saudáveis e que as comunidades possam se beneficiar economicamente.
Além disso, o manejo pode ser considerado um exemplo animador de como as comunidades podem agregar práticas sustentáveis e desenvolvimento econômico. Os benefícios sociais e econômicos potenciais podem ser substanciais, embora existam desafios que precisam ser superados, no sentido de buscar garantir sua viabilidade em longo prazo, os quais são abordados na conclusão deste trabalho.
1 TEMA/CONTEXTUALIZAÇÃO
Este trabalho, “Análise da sustentabilidade ambiental e econômica da cadeia produtiva do jacaré na Reserva Extrativista Lago do Cuniã: desafios e oportunidades para o desenvolvimento local”, surgiu da necessidade de compreender a relação entre a atividade de manejo do jacaré e a conservação ambiental, bem como os impactos socioeconômicos dessa prática na comunidade local.
O tema abrange a avaliação da sustentabilidade tanto ambiental quanto econômica da atividade de manejo do jacaré, que ocorre na Reserva Extrativista Lago do Cuniã (RESEX Lago do Cuniã). Ele permite investigar os métodos utilizados em todas as etapas da cadeia, os impactos ambientais, os benefícios econômicos para a comunidade local, os desafios enfrentados e as oportunidades de desenvolvimento sustentável associadas ao manejo dessa espécie.
A RESEX Lago do Cuniã é uma unidade de conservação federal localizada no município de Porto Velho, estado de Rondônia (Figura 2), cuja gestão é de responsabilidadedo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (ICMBio, 2018; MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2012).
Trata-se de uma área de grande importância ambiental e socioeconômica. Situada no bioma amazônico, essa reserva abriga cerca de 110 famílias extrativistas bem como uma diversidade de fauna e flora,incluindo uma população significativa de jacarés (ICMBio, 2018) (Figura 3).
O manejo teve seu início idealizado para controlar o número excessivo de jacarés nos lagos e várzeas da RESEX, que levava risco para as comunidades, tendo posteriormente evoluído para ser uma iniciativa econômica e empreendedora.
Envolve várias etapas até chegar aos produtos finais, que são a carne e o couro do réptil prontos para comercialização (Figura 7). As etapas do manejo incluem o levantamento populacional (contagem ou censo) dos animais, técnicas de captura, preparo, abate, desossa, embalagem e comercialização dos produtos derivados. Essa atividade tem potencial para gerar benefícios econômicos para os moradores da reserva, mas também levanta questões relacionadas à conservação da espécie, ao uso sustentável dos recursos naturais e ao equilíbrio ambiental da região.
Nesse contexto, o estudo busca identificar os desafios enfrentados, as oportunidades de desenvolvimento local, os impactos ambientais positivos e negativos, além de propor medidas e recomendações para aprimorar a prática do manejo de forma sustentável e responsável. Esta análise pretende contribuir para promover o uso consciente dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade e o bem-estar das comunidades que dependem desses recursos para sua subsistência e desenvolvimento.
2 PROBLEMA A SER ABORDADO
Como melhorar as práticas do manejo de jacaré na Reserva Extrativista Lago do Cuniã?
3 HIPÓTESES
Hipótese 1: Utilização de práticas sustentáveis de manejo.
A implementação de práticas sustentáveis de manejo, como o cumprimento das quotas de captura controlada e abate legalizado, minimiza os impactos negativos na biodiversidade e no ecossistema local.
Hipótese 2: Realização de medidas para ampliar as oportunidades de comercialização dos produtos derivados do manejo de jacaré.
Destacar os aspectos positivos da carne e couro de jacaré provenientes do manejo sustentável, como a conservação da espécie, baixo impacto ambiental e qualidade da carne. Utilizar essas informações em materiais de marketing e embalagens para atrair consumidores que tenham maior preocupação com o meio ambiente.
4 OBJETIVOS
4.1 Objetivo Geral
Compreender a cadeia produtiva do manejo do jacaré realizado na Reserva Extrativista Lago do Cuniã e identificar quais os benefícios ambientais, sociais e econômicos dessa prática.
4.2 Objetivos Específicos
• Analisar as práticas de manejo utilizadas ao longo da cadeia produtiva • Avaliar os impactos ambientais do manejo
• Examinar os aspectos econômicos e sociais relacionados à atividade • Apontar os desafios a serem superados relacionados à qualidade, certificação e comercialização dos produtos
• Propor alternativas para agregar valor aos produtos derivados do jacaré e aumentar a rentabilidade para os produtores locais
5 JUSTIFICATIVA
A Reserva Extrativista Lago do Cuniã foi criada em 1999, sob gestão do IBAMA (atualmente pelo ICMBio), com o objetivo de garantir a exploração autossustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis tradicionalmente utilizados pela população extrativista da área. Ela também abriga uma grande variedade de espécies animais, incluindo o jacaré (Figura 4), que desempenha um papel importante na manutenção do equilíbrio ecológico. A promoção de práticas sustentáveis de manejo dessas espécies é crucial para conservar a biodiversidade da região e proporcionar benefícios aos moradores.
Em vista disso, este trabalho busca analisar a compatibilização da conservação com o desenvolvimento socioeconômico da comunidade local através do estudo da cadeia produtiva do manejo do jacaré. Essa atividade econômica realizada na RESEX contribui para o desenvolvimento sustentável da região, gerando benefícios tanto para o meio ambiente quanto para as pessoas.
O manejo do jacaré representa uma forma de uso controlado dos recursos naturais, desde que realizado de maneira responsável e equilibrada. Diante disso, este estudo vai buscar entender as práticas que tem garantido a exploração racional desses recursos de forma sustentável, sem esgotá-los
A Cooperativa de Pescadores, Agricultores e Extrativistas da Resex Lago do Cuniã (COOPCUNIÃ), foi criada pela comunidade da Resex com objetivo de comercializar seus produtos extrativistas. O manejo de jacaré é conduzido pela Cooperativa, que promove a inclusão dos moradores em todas as etapas da cadeia, desde os levantamentos censitários (contagem) até a comercialização dos produtos (Figuras 5 e 6).
Assim, considerando que o manejo do jacaré é um empreendimento coletivo que pode gerar benefícios socioeconômicos para a comunidade local, como a diversificação de fontes de renda e o fortalecimento da economia a partir da comercialização dos produtos derivados do jacaré, este trabalho também pretende demonstrar que havendo compromisso com a sustentabilidade e conservação da natureza, a exploração do recurso torna-se uma atividade ambientalmente viável e que proporciona incremento na renda das famílias extrativistas.
6 REFERENCIAL TEÓRICO
6.1 Sustentabilidade Ambiental
A Lei N° 9.985 de 18 de julho de 2000, que regulamenta o Artigo 225 da Constituição Federal, instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação (UC) (BRASIL, 2000). Também define “uso sustentável” como:
exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (art. 2º, XI).
As Unidades de Conservação possuem várias categorias, desde as mais restritas onde são permitidas apenas acesso a pesquisa, até as menos restritivas ou abertas para visitação e atividades produtivas sustentáveis, inclusive moradia (UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASL, s.d.)
Sobre o assunto, RUIZ (2020) expõe que “conservar e preservar possuem objetivos diferentes; nas áreas destinadas à conservação é possível a permissão de uso do meio ambiente, desde que de modo sustentável”. Nas áreas de preservação somente pessoas com autorização podem ter acesso, para realização de pesquisas científicas ou para desenvolver outras atividades que não envolvam extração, coleta,derrubada, abate. É importante ressaltar que ambas possuem o mesmo objetivo de proteger os ecossistemas
A Reserva Extrativista Lago do Cuniã, criada pelo Decreto 3.238 de 10 de novembro de 1999, situa-se no Estado de Rondônia a 130 km da cidade de Porto Velho, na margem esquerda do Rio Madeira. É uma Unidade de Conservação pertencente a categoria de Uso Sustentável (QUEIROZ et al., 2013; MINISTÉRIODO MEIO AMBIENTE, 2012). De acordo com a Lei, Reserva Extrativista é:
uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade” (BRASIL, 2000).
O manejo é definido pela Lei do SNUC como “todo e qualquer procedimento que vise assegurar a conservação da diversidade biológica e dos ecossistemas” (art.2º, VIII). Pode-se compreender, a partir desses conceitos, que uso sustentável é o objetivo da sustentabilidade ambiental, social e econômica a ser alcançado em relação a determinado recurso, ecossistema ou espécie, enquanto o manejo se refere ao conjunto de procedimentos adotados para que a conservação da biodiversidade e a manutenção dos processos ecológicos seja alcançado (RANZI, 2017).
O manejo de jacaré, analisado neste trabalho, é um exemplo de uso sustentável de recurso natural em Unidade de Conservação, nesse caso, na RESEX Lago do Cuniã. Conforme afirma CARVALHO (2011), o principal beneficiado por esse tipo de atividade
deve ser o ribeirinho, morador e usuário dos recursos da Unidade de Conservação. Na intenção de ordenamento do manejo e padronização de métodos e técnicas para o uso sustentável das populações naturais de crocodilianos, pelas comunidades tradicionais em Reserva Extrativista, o ICMBio, órgão ambiental federal responsável pela gestão das Unidades de Conservação federais, publicou a Instrução Normativa (IN) nº 28/2012, que estabeleceu normas para utilização sustentável, por meio de Plano de Manejo de Crocodilianos, das populações naturais de jacaretinga (Caiman crocodilus) e jacaré-açu (Melanosuchus niger) (Tabela 2).
Os crocodilianos brasileiros, que incluem espécies como o jacaretinga e o jacaré-açú, não estão atualmente listados entre as espécies ameaçadas de extinção no país. Essa situação é resultado de avaliações realizadas pelo ICMBio, que classificou o jacaretinga (Caiman crocodilus) como “Menos Preocupante” (LC) em sua última avaliação, realizada em agosto de 2016, segundo dados do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE).
O jacaré-açu (Melanosuchus niger), embora esteja citado na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), atualmente também é classificado como “Menos Preocupante” (LC) na lista. Essa avaliação reflete a situação da espécie, que é amplamente distribuída na bacia Amazônica e em outros países sul-americanos, com uma população considerada estável e sem evidências de uma redução significativa, conforme aponta BORIS Et al no trabalho “Avaliação do risco de extinção do jacaré-açu Melanosuchus niger (Spix, 1825) no Brasil”.
A sustentabilidade ambiental do manejo do jacaré pode ser traduzida no conceito de “conservação através do uso sustentável”. De acordo com MACHADO (2024), as Unidades de Conservação de Uso Sustentável, dentre elas as Reservas Extrativistas, procuram compatibilizar o uso sustentável dos recursos naturais com a conservação da natureza, admitindo a presença de moradores nos locais. Nessas unidades, são permitidas atividades que envolvam coleta e uso dos recursos naturais, desde que ocorram de forma responsável, sem exaurir os recursos ambientais e sem prejudicar os processos ecológicos. Ou seja, busca-se equilibrar o crescimento econômico com a proteção ambiental. A ideia é que as espécies que trazem benefícios tangíveis à sociedade sejam manejadas de forma correta e, consequentemente, conservadas.
A RESEX do Lago do Cuniã é exemplo prático dos benefícios advindos da implantação do manejo tipo Harvesting (COUTINHO, 2021). Este conceito é frequentemente aplicado no contexto da exploração de crocodilianos, onde a captura do animal é feita de forma a não comprometer as dinâmicas populacionais.
Por meio do Plano de Manejo de Jacarés, a comunidade da RESEX organizou grupos de manejadores que vem acompanhando as tendências do índice de tamanho populacional dos jacarés, desde 2004. Juntamente com os dados populacionais, os grupos monitoram o nível d’água e as condições de temperatura e precipitação, uma vez que o monitoramento de tais variáveis é parte dos requisitos para realização do programa de uso sustentado dos jacarés em unidades de conservação de uso sustentável (COUTINHO, 2021).
6.2 Sustentabilidade Econômica
O manejo de jacaré na RESEX Lago do Cuniã teve seu início a partir de conflitos na população local, devido à alta densidade dessas espécies nos lagos e várzeas da reserva. A comunidade viu o jacaré abundante como um recurso renovável que poderia ser manejado para o uso sustentável (ICMBio, 2018). Após intensas discussões e consultas, começaram as capacitações e pesquisas voltadas a dar subsídio à atividade de manejo, incluindo-se levantamento de dados ambientais, monitoramento populacional, técnicas de coleta e processamento, entre outras atividades realizadas pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN) do ICMBio (ICMBio, 2010) (RANZI, 2017).
Conforme ICMBio (2018), a comunidade da Resex possui uma licença de abate de até 900 jacarés por ano, com possibilidade máxima de 3.600 animais de acordo com os estudos, tudo com intuito de controlar uma população estimada de mais de 36 mil animais, distribuídos em cerca de 18.000 hectares de ambiente (lagos e várzeas). O manejo permite a redução apenas de jacarés machos com comprimento entre 1,60m e 2,80m, com cotas anuais específicas para cada espécie (70% para Jacaré-açu e 30% para Jacaretinga), de acordo com RUIZ (2021). O manejo pelo já citado Sistema Harvesting é consolidado como uma importante atividade extrativista, com a utilização de métodos e tecnologias sustentáveis, para que não afete a conservação dos ecossistemas e funções ecológicas na UC.
Segundo a Instrução Normativa ICMBio (IN) nº 28/2012, a definição legal de “sistema extensivo de manejo ou sistema Harvesting” é “sistema de manejo em que os animais para abate são retirados diretamente da natureza” (art. 3º). É também denominado de “caça direta”, conforme MAGNUSSON & MARIANO, 1984; MOURÃO Et. al., 2006. Para CAMPOS, Z, Mourão, G; Coutinho, M (2005), os aspectos positivos desse tipo de manejo extensivo são: 1) a atividade significa uma alternativa econômica para os moradores da região e para a conservação dos estoques de populações naturais e dos ambientes naturais; 2) possivelmente implica em menos aplicação de capital do que modelos de criação; 3) incorporação de mão de obra local ao processo produtivo legal. Ainda segundo esses autores, esse tipo de exploração deve ser economicamente viável e ter enfoque de conservação dos estoques e habitats naturais.
Diante disso, a RESEX do Lago do Cuniã pode ser vista como um exemplo prático dos benefícios advindos da implantação do manejo tipo Harvesting (COUTINHO, 2021). Segundo a IN nº 28/2012, a proposta de plano de manejo de crocodilianos em unidade de conservação somente pode ser apresentada por entidade representativa dos beneficiários da UC, legalmente constituída. O Artigo 2º dessa norma salienta que o plano deve estar em consonância com o Plano de Manejo da Unidade de Conservação e conter estudos biológicos que apontem a viabilidade do manejo sob o sistema extensivo (Artigo 2º). No caso da RESEX Lago do Cuniã, o proponente foi a Cooperativa de Pescadores, Agricultores e Extrativistas da Resex Cuniã – COOPCUNIÃ. De acordo com ICMBio (2018), em 2011 a COOPCUNIÃ buscou viabilizar o projeto de manejo do jacaré e fortalecer outras atividades de comercialização da comunidade. No mesmo ano foi instalado o abatedouro de jacarés no núcleo comunitário Silva Lopes Araújo (Figura 11), juntamente com apoio da empresa Santo Antônio Energia S/A, do ICMBio e da Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento de Porto Velho (SEMAGRIC). A partir de 2013, a Cooperativa passou a gerir o projeto com recursos próprios dos cooperados (ICMBIO, 2018).
A realização do primeiro abate com atividade comercial ocorreu em 2012, mas antes disto foi realizado um abate experimental em 2011. Com o início do abate em 2012, os produtos advindos dos jacarés como carne e pele começam a ser comercializados pela COOPCUNIÃ. Conforme dados obtidos, mais de 100 moradores da RESEX cooperam com o manejo de jacarés, com uma estimativa de que cerca de 90% das famílias da RESEX possuem algum envolvimento com a atividade (Figura 8), possibilitando melhorias nas vidas das pessoas que ali vivem (SILVA, 2022).
Para comercialização da carne de jacaré a COOPCUNIÃ buscou dentre os supermercados de Porto Velho/RO a aceitação de seu produto, culminando com o interesse da rede de supermercados Araújo, cujas negociações só avançaram quando, mediante referências obtidas junto ao ICMBio, foi confirmado pela empresa que o “produto se originava de manejo sustentável legalizado, sob acompanhamento e controle dos órgãos ambientais e sanitários” (FERNANDES, 2014). Todo o estoque de carne adquirido pelo supermercado foi vendido em curto espaço de tempo. Outra questão importante a ser mencionada é referente à pele (couro) (Figura 9), que é o produto principal do animal, segundo FERNANDES, 2014. Observou-se que “no processo de manejo apele é considerada o lucro, tendo em vista que a venda da carne de jacaré paga os custos do processo produtivo”. Como em Rondônia não há curtume e nem empresas que comercializam ou exportam o couro de jacaré, foi estabelecido uma parceria com a empresa REGON de Betim-MG, que adquire toda a produção oriunda do manejo para exportação. O Brasil é um grande exportador de peles de jacaré, ocupando a segunda posição mundial (DANTAS FILHO, 2020).
A Instrução Normativa IBAMA nº 07/2015 instituiu e normatizou as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro, e definiu, no âmbito daquela autarquia, os procedimentos autorizativos para as categorias estabelecidas. Em seu Anexo II estão as determinações para o plano de manejo sustentado de crocodilianos das espécies Caiman crocodilus (jacaretinga), Caiman yacare (jacaré-do-pantanal), Caiman latirostris (jacaré-do-papo-amarelo) e Melanosuchus niger (jacaré-açu). A comercialização das peles segue as diretrizes dessa norma, cujo transporte é de responsabilidade da COOPCUNIÃ, após emissão dos lacres e autorização pelo IBAMA.
No que diz respeito às perspectivas futuras, a manutenção da sustentabilidade do manejo deverá ser uma prioridade. As práticas produtivas devem “minimizar o impacto ambiental e assegurar a saúde das populações selvagens de jacarés” (PEREIRA, 2023). Também é fundamental reconhecer que o consumo dos produtos derivados do jacaré envolve considerações éticas e ambientais, mas há muito boa aceitação no mercado. A conservação das espécies de jacarés é essencial para manter o equilíbrio nos ecossistemas aquáticos e terrestres onde esses animais desempenham papéis importantes (SILVA et al., 2022).
6.3 Desafios e Oportunidades
A atividade relacionada ao uso econômico do jacaré na Reserva Extrativista Lago do Cuniã apresenta uma série de desafios e oportunidades que refletem a complexidade das interações entre a conservação do meio ambiente, o desenvolvimento econômico e a vida das comunidades locais. Segundo BOTERO-ARIAS e REGATIERI (2013) em estudo realizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDS) no Amazonas, em situação similar ao Lago do Cuniã, o desafio de estruturar um manejo participativo de jacarés amazônicos, baseia-se na necessidade de consolidar e replicar estratégias de conservação dos recursos naturais. Conforme se implementa o manejo, faz-se necessário aplicar princípios claros de monitoramento que acompanhem a adequação e viabilidade das ações propostas, fazendo deste processo uma iniciativa integradora e, principalmente, adaptativa.
O manejo realizado no Lago do Cuniã surgiu em resposta a um ataque de jacaré a uma criança, gerando preocupações sobre a segurança da comunidade, de acordo com RUIZ Et al, 2021. A necessidade de controlar a população excedente de jacarés para proteger os moradores e a pesca local é um desafio constante, pois envolve equilibrar a segurança das pessoas com as práticas de manejo sustentável.
Assim, tem-se como um dos principais desafios a manutenção da sustentabilidade do meio ambiente, considerando o sistema de manejo utilizado, que visa controlar a população de jacarés em seu habitat natural, sem afetar a conservação dos ecossistemas e funções ecológicas (RUIZ Et al, 2021).
Isso implica na necessidade de um monitoramento rigoroso das populações de jacarés para garantir que as atividades estejam dentro das normas estabelecidas pelos órgãos reguladores. A obtenção das licenças necessárias e a realização de censos populacionais anuais são essenciais, mas podem ser desafiadoras devido à burocracia e à necessidade de recursos (COUTINHO, 2014).
Quanto as perspectivas futuras, embora o manejo de jacarés não seja uma fonte de renda fixa para as famílias, ele é uma oportunidade de desenvolvimento do empreendedorismo coletivo da comunidade, conforme análise de SILVA Et al, 2022. Nesse sentido, a capacitação dos moradores para realizar atividades relacionadas ao manejo, desde a captura até o beneficiamento da carne e do couro, pode fortalecer o comprometimento dos moradores da RESEX. Isso inclui treinamentos contínuos que aprimorem as habilidades dos comunitários, aumentando sua capacidade de gestão e operação dentro da cadeia produtiva (COUTINHO, 2014) (SOUZA DO VALE, Et al).
Ao mesmo tempo, com a regulamentação adequada e o reconhecimento da qualidade da carne e do couro de jacaré no mercado nacional e internacional, há potencial para expandir as vendas. O frigorífico (Figura 11) localizado dentro da unidade de conservação é o único no Brasil autorizado a operar com essas atividades, o que pode servir como um modelo para outras regiões (SOUZA DO VALE, Et al).
Por fim, pode-se vislumbrar uma integração do manejo de jacarés com outras práticas econômicas sustentáveis, como pesca e agricultura, diversificando as fontes de renda das famílias envolvidas. Isso é especialmente importante em uma comunidade que depende fortemente dos recursos naturais para sua manutenção (SOUZA DO VALE, Et al).
7 METODOLOGIA DE PESQUISA
Para compreender a cadeia produtiva do manejo do jacaré da Reserva Extrativista Lago do Cuniã, foi utilizado neste trabalho o método dedutivo como uma abordagem de raciocínio lógico a partir de premissas conhecidas/publicadas sobre o tema, que direcionaram o estudo para as conclusões ou resultados.
A pesquisa foi do tipo básica ou fundamental, com a intenção de ampliar o conhecimento teórico e a compreensão dos conceitos e práticas relacionados ao manejo. Buscou-se obter respostas a perguntas formuladas para esclarecer como as práticas de manejo são aplicadas ao longo da cadeia produtiva, visando contribuir para a construção de conhecimento sobre o tema.
Como método de investigação, foi utilizado o método descritivo com vistas à buscar o detalhamento das informações através de estudos de observação, levantamentos, análises de documentos e publicações para descrever as características que envolvem as etapas de execução do manejo do jacaré.
Sob o ponto de vista dos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, pois investigou-se o problema de forma inicial e abrangente, com a intensão de familiarização com o assunto, gerar percepções, identificar questões-chave e construir uma base para estudos posteriores mais detalhados.
A abordagem da pesquisa foi no formato de estudo de caso, com realização de investigação aprofundada e detalhada acerca do problema, visando compreender a cadeia produtiva em sua totalidade, analisando de forma pormenorizada suas características, contextos, interações, impactos ambientais e resultados. Para a coleta de dados foram utilizados os seguintes instrumentos: a) Análise Documental: análise de documentos, registros, arquivos e informações existentes no banco de dados do ICMBio que sejam relevantes para a pesquisa. Por exemplo: relatórios, documentos oficiais, registros históricos, bases de dados, entre outros,que abordam o histórico relacionado ao manejo do jacaré na RESEX Lago do Cuniã;
b) Observação: Foi realizada observação direta de algumas etapas da cadeia produtiva, de acordo com o que foi autorizado pelo ICMBio e COOPCUNIÃ. c) Pesquisa Bibliográfica: Realização de buscas, seleção, avaliação e análise de materiais bibliográficos relevantes para o tema em questão, como artigos científicos, teses, dissertações, relatórios técnicos, entre outros. Reuniu-se as informações já existentes sobre o assunto, proporcionando uma base sólida de conhecimento para o desenvolvimento do trabalho.
Em suma, este trabalho teve como característica um estudo de caráter exploratório e descritivo e de natureza qualitativa, pois buscou conhecer melhor os processos relacionados ao tema.
O projeto contempla estudos bibliográficos e estudo de caso. Na pesquisa bibliográfica utilizou-se materiais já publicados, como artigos, documentos e informações disponíveis na Internet para realizar levantamentos e análises sobre o que é relevante, bem como do que já foi feito sobre o tema. Quanto ao estudo de caso, trata-se de um método de pesquisa especialmente adequado para explorar ou descrever eventos complexos, como é o caso do manejo do jacaré.
8 RESULTADOS
O manejo de jacarés que ocorre na Reserva Extrativista Lago do Cuniã em Rondônia pode ser visto como um modelo inovador, que busca equilibrar a conservação da espécie com o crescimento econômico das comunidades locais. Iniciado em 2004 com o objetivo primordial de controlar a densidade populacional do jacaré, o projeto evoluiu para se tornar uma atividade estruturada, abrangendo captura e abate controlado das espécies Melanosuchus niger (jacaré-açu) e Caiman crocodilus (jacaretinga). Buscou-se, com isso, melhorar a segurança da comunidade e, ao mesmo tempo, garantir renda extra para as famílias extrativistas.
Para isso, em 2012 o ICMBio regulamentou o manejo de jacarés em algumas categorias de unidades de conservação federais (Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentáveis), através da Instrução Normativa nº 28/2012. No Lago do Cuniã, para tornar o projeto possível, foram feitos estudos populacionais, de reprodução, incluindo os ninhos dos jacarés. A partir dos dados obtidos houve a definição das cotas de abate, garantindo o equilíbrio da cadeia alimentar e contribuindo para a proteção da comunidade.
Desde a implementação do plano de manejo de jacarés na RESEX Lago do Cuniã, diversos resultados significativos foram alcançados, refletindo tanto na conservação ambiental, na segurança das pessoas e no desenvolvimento socioeconômico das comunidades locais. Dentre eles, destacam-se:
Estruturação de uma nova cadeia produtiva na RESEX:
O projeto de manejo resultou na criação de uma nova cadeia produtiva da sociobiodiversidade, permitindo que a comunidade local explore de forma sustentável as populações de jacarés, contemplando o primeiro frigorífico de beneficiamento de jacarés da Amazônia e o único do Brasil localizado no interior de unidade de conservação. Isso garante a qualidade dos produtos comercializados,
Geração de renda complementar para as famílias extrativistas: O manejo beneficia mais de 90 famílias, proporcionando uma fonte adicional de renda através da comercialização da carne e do couro de jacaré. A comercialização dos produtos é feita pela cooperativa COOPCUNIÃ, a qual foi criada para representar comercialmente todos os produtos produzidos na RESEX, fortalecendo a economia local e promovendo o empreendedorismo coletivo.
Realização de capacitações:
A capacitação dos comunitários “jacarezeiros” em técnicas de manejo, beneficiamento e gestão comunitária tem sido fortalecida no projeto, com o intuito de aperfeiçoar as habilidades técnicas dos moradores e promover maior envolvimento da comunidade nas decisões relacionadas ao manejo (Figura 5).
Desenvolvimento comunitário:
Com a organização da comunidade da Reserva Extrativista em Cooperativa, a partir da implementação do manejo do jacaré, abriu-se a possibilidade do desenvolvimento de outras atividades econômicas sustentáveis, com outros produtos extrativistas como o pirarucu, a castanha do Brasil, o açaí, óleos vegetais, bem como o turismo comunitário, uma vez que a Cooperativa foi criada com o objetivo de promover o fortalecimento da produção e comercialização dos produtos locais e não somente para para viabilizar o projeto de manejo de jacarés.
Monitoramento e conservação das espécies de jacarés:
O projeto contempla o monitoramento das populações de jacarés, executado anualmente pelo Centro de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfibios (RAN) do ICMBio, que monitora a distribuição e abundância dos jacarés nas áreas alagadas da RESEX, realiza estudos populacionais (análises de crescimento e demográfica), monitora o potencial reprodutivo (análise dos ninhos), bem como estudos de avaliação da condição corporal, níveis hormonais e incidência de hemoparasitos nas populações de jacarés da Resex. Isso ajuda a garantir que as práticas de manejo sejam sustentáveis e que as populações naturais sejam mantidas em níveis saudáveis, contribuindo para a conservação das espécies e a sustentabilidade do manejo.
Melhoria na qualidade dos produtos
Com a implementação de normas e procedimentos sanitários rigorosos, os produtos derivados do manejo têm garantido a qualidade para o consumo humano, aumentando sua aceitação no mercado nacional e internacional. As embalagens de carne lacradas e rotuladas com a logomarca da Cooperativa são um exemplo desse compromisso com a qualidade.
Esses resultados demonstram que o manejo sustentável de jacarés na Reserva Extrativista Lago do Cuniã não apenas aborda questões de segurança das pessoas e conservação ambiental, mas também proporciona benefícios econômicos importantes para as comunidades locais, promovendo um modelo que pode ser replicado em outras regiões da Amazônia.
Quanto à regulamentação, foi verificado que a execução do manejo envolve as seguintes instituições:
ICMBio: responsável pela definição da cota anual (número de jacarés passíveis de captura e abate) com base no censo realizado previamente. Emissão das autorizações para captura e abate;
SEMAGRIC (Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Porto Velho): realiza a inspeção sanitária no frigorífico e emite o Selo de Inspeção Municipal (SIM).
IBAMA: responsável pelo licenciamento ambiental do frigorífico (Figura 10). Também autoriza e supervisiona o transporte de peles até o seu destino.
EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Rondônia): promoção do fortalecimento do cooperativismo (gestão coletiva do projeto), atuação para a gestão financeira e comercial da Cooperativa.
Os produtos oriundos do manejo de jacarés que são aproveitados e comercializados pela Cooperativa são a carne e o couro:
Carne de Jacaré: é o principal produto gerado no manejo até o momento. Seu processamento ocorre nas estruturas do frigorífico existente na comunidade Silva Lopes Araujo, interior da unidade de conservação (Figura 7). Na atualidade, a venda tem ocorrido somente no mercado local em Porto Velho/RO, mas a Cooperativa tem demostrado interesse em expandir para outras regiões. É uma proteína animal de alvo valor nutricional, saborosa e com pouca gordura, de primeira qualidade, sabor suave, de boa aceitação nos restaurantes e residências quando o consumidor tem a comprovação da origem legal do produto. Os cortes inicialmente realizados no jacaré são filé de cauda, filé de dorso, filé de lombo e membros.
Couro de jacaré: é o outro produto oriundo do manejo no Lago do Cuniã que tem aproveitamento econômico (Figura 8). Segundo dados levantados, o couro de jacaré possui grande valor comercial, sendo utilizado para fabricação de artigos de luxo, como bolsas, carteiras, cintos e sapatos. O couro precisa passar por um processo de curtimento especializado para garantir sua qualidade e durabilidade, o que, devido as características específicas desse produto proveniente dos jacarés, o processo é bastante difícil. Ao contrário da carne, que é comercializada no mercado local, o couro é adquirido por uma empresa de Minas Gerais e depois é exportado. Em Rondônia não há beneficiamento do couro do jacaré.
Vale salientar que além da carne e do couro, outros subprodutos dos jacarés também têm potencial para serem aproveitados, como os dentes, que podem ser usados para fazer colares e outros itens de artesanato, e a gordura, que pode ser utilizada na indústria de cosméticos.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As unidades de conservação da categoria Reserva Extrativista (RESEX) são criadas a partir da solicitação das comunidades tradicionais que vivem em determinado território, que almejam o fortalecimento dos seus meios de vida e a sua cultura. Uma característica importante dessas unidades de conservação é o uso coletivo que dever ser dado ao território e aos recursos naturais. Essa é a sua essência, sendo necessário que esse tipo de uso seja incentivado pelo órgão gestor da unidade. No caso da RESEX Lago do Cuniã, alvo deste estudo, em vários momentos ao longo do trabalho foi demonstrado o uso coletivo, ao apresentarmos o trabalho realizado pela Cooperativa COOPCUNIÃ nas atividades relacionadas ao projeto de manejo de jacarés. A exploração sustentável desse recurso natural abundante nos lagos e várzeas da RESEX somente ocorre porque há o envolvimento da comunidade. Podemos assim, afirmar, que se trata de um empreendimento coletivo, pois a comunidade local se organizou em uma cooperativa para desenvolver uma atividade econômica.
O manejo sustentável de jacarés, além de ter sua importância econômica para os extrativistas beneficiários da unidade de conservação, contribuindo para sua subsistência, é também uma prática importante para a conservação das espécies de jacarés ali existentes. Pois envolve o controle populacional com a captura controlada e o uso sustentável do recurso natural, garantindo que as populações de jacarés permaneçam saudáveis e que as comunidades possam se beneficiar economicamente.
Além disso, o manejo pode ser considerado um exemplo animador de como as comunidades podem agregar práticas sustentáveis com desenvolvimento econômico. Os benefícios sociais e econômicos potenciais podem ser substanciais, embora existam desafios importantes que precisam ser abordados, no sentido de buscar garantir sua viabilidade em longo prazo.
Assim, com base no que foi levantado e analisado neste estudo, vários aspectos podem ser reavaliados e aprimorados, para alavancar o manejo de jacarés e outras iniciativas empreendedoras da RESEX Lago do Cuniã, tendo como parâmetro as atividades e desafios que já existem, as quais são listadas abaixo:
a) Dar continuação aos estudos populacionais anuais, de reprodução e sobre os ninhos dos jacarés, para subsidiar as cotas de abate para o manejo, de forma a manter o equilíbrio o ambiente e garantir a sustentabilidade da população de jacarés.
b) Implementar ações continuadas de capacitação dos comunitários em técnicas de manejo, beneficiamento da produção, incluindo treinamentos específicos para captura, transporte e abate, bem como de gestão financeira e comercial.
c) Melhorar o entendimento e capacitar para o empreendedorismo coletivo (cooperativismo), procurando envolver todas as comunidades da RESEX no manejo de jacarés, com o objetivo de potencializar a atuação da COOPCUNIÃ, buscando mais participação e divisão de tarefas.
d) Fomentar a organização comunitária através da Associação de Moradores do Cuniã (ASMOCUN) e outras instituições locais que porventura existirem, para garantir a gestão coletiva e a sustentabilidade deste e de outros projetos na RESEX.
e) Prover melhorias nas instalações do frigorífico de beneficiamento de jacarés, garantindo que todos os procedimentos sanitários e operacionais sejam rigorosamente seguidos para manter a qualidade da carne e do couro. Implementar boas práticas na instalação e uso dos equipamentos.
f) Fazer estudos de mercado, com a intenção de ampliar as oportunidades de comercialização da carne e do couro de jacaré, tanto no mercado local, quanto no nacional e internacional. Seria interessante a Cooperativa identificar restaurantes que tenham boas clientelas e que possam ter intensão em oferecer no seu cardápio a carne de jacaré, como uma iguaria ou prato exótico. Isso pode despertar interesse, atrair mais clientes e dar mais popularidade ao produto. Embora o que já foi conquistado pela COOPCUNIÃ seja bastante importante e positivo, é possível expandir para alcançar mais consumidores. Com a regulamentação consolidada e a garantia de qualidade dos produtos, há potencial para crescimento de mercado.
g) Desenvolver ações para que que o manejo dos jacarés seja economicamente sustentável ao longo do ano e não apenas durante os três meses de abate. A diversificação de produtos derivados dos jacarés e a exploração de subprodutos pode gerar renda extra em outros períodos do ano.
h) Utilizar as ações que envolvem o manejo do jacaré como atrativo para outras atividades geradoras de renda nas comunidades, como a visitação (turismo comunitário) para visualização dos animais no seu habitat natural, bem como o acompanhamento de etapas do manejo (monitoramento, captura, etc).
i) Fortalecer a implementação de projetos que busquem maior envolvimento dos jovens extrativistas na gestão da reserva, com capacitações e atividades de educação ambiental participativas. Temas como empreendedorismo, cooperativismo, sucessão familiar, geração de renda, cadeias produtivas, turismo de base comunitária, gestão participativa, são importantes e podem despertar interesse nos jovens, que são o futuro da RESEX Lago do Cuniã.
Concluindo, ressalta-se que a continuidade do monitoramento das populações de jacarés, juntamente com esforços para capacitar os membros da comunidade e diversificar as fontes de renda, será fundamental para assegurar que a iniciativa empreendedora do Lago do Cuniã não apenas proteja os recursos naturais da região, mas também melhore a qualidade de vida dos seus habitantes.
Por fim, vale salientar que o manejo de jacarés e o bom funcionamento de cooperativas e associações extrativistas, tal como a COOPCUNIÃ e a ASMOCUN, devem fazer parte das agendas públicas do desenvolvimento sustentável, fundamentais nas ações que tem por objetivo trabalhar pela conservação do meio ambiente na Amazônia e pelo bem-estar das comunidades tradicionais.
10 RECURSOS
Este orçamento foi elaborado levando em conta todo o período usado para a realização da pesquisa, bem como elaboração do artigo científico, sua qualificação para publicação ou defesa e entrega final para o professor orientador da disciplina que fará o encaminhamento à biblioteca da UniSAPIENS.
Tabela 1: Despesas previstas
Fonte: Autor, 2024
11 CRONOGRAMA
O cronograma da pesquisa foi elaborado levando em consideração o período de desenvolvimento da pesquisa em três semestres: TCC I (Projeto de Pesquisa), e TCC II (consolidação da pesquisa, finalização do artigo científico, qualificação para sua publicação ou defesa oral em banca).
Figura 1 – Cronograma de atividades.
Fonte: Autor, 2024.
Tabela 2. Proporção de indivíduos de jacaré-açu e jacaretinga na Resex Cuniã, RO, 2004 a 2022. Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá
Figura 2 – Mapa da Reserva Extrativista Lago do Cuniã.
Fonte: Elaboração do autor.7
Figura 3 – O Lago do Cuniã, suas várzeas e comunidades, Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá
Figura 4 – O jacaré-açú do Lago do Cuniã. Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá.
Figura 5 – Comunitários manejando o jacaré no balcão de higienização. Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá
Figura 6 – Etapas do manejo no frigorífico. Fonte: Coopcuniã.
Figura 7 – Processamento da carne e produto final embalado à vácuo. Fonte: Coopcuniã.
Figura 8 – Comunitários do manejo, com o couro do jacaré-açu. Fonte: ICMBio/NGI Cuniã-Jacundá
Figura 9– Couro curtido de jacaré em exposição na Coopcuniã. Fonte: Autor
Figura 10 – Acompanhamento de vistoria do Ibama no frigorífico. Fonte: Autor
Figura 11 – Instalações do frigorífico de jacarés. Fonte: Coopcuniã
12 REFERÊNCIAS
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1Artigo apresentado à Faculdade UniSAPIENS como requisito para conclusão do Curso de Engenharia de Produção;
2Graduação em Engenharia de Produção pela Faculdade UniSAPIENS;
3Graduação em Engenharia da Computação, Pós-graduação em Metodologias do Ensino Superio