ANÁLISE DA SITUAÇÃO DAS CONSULTAS DE PUERICULTURA NAS UNIDADES COM RESIDÊNCIA DE MEDICINA DA FAMÍLIA E COMUNIDADE E MULTIPROFISSIONAL EM CAMPO GRANDE-MS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10576238


Cíntia Mari Akieda1
Elina Sati Koike1
Viviane Uesato Tamassiro1
Weikmam Alves Mendes2


RESUMO

Introdução: na Atenção Primária à Saúde (APS) é desenvolvido o programa de Puericultura o qual abrange o acompanhamento do desenvolvimento infantil, bem como engloba a verificação da situação das vacinas nos bebês e nas crianças, guia e estimula o aleitamento materno e orienta as práticas alimentares. O atendimento em Saúde da Criança por médicos da Estratégia de Saúde da Família (ESF) fundamenta-se em recomendações do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Objetivo: avaliar o número de consultas de puericultura das crianças nascidas no primeiro semestre do 2022 cadastradas nas unidades com residência de MFC da SESAU/FIOCRUZ e UFMS no município de Campo Grande – MS conforme preconizado pelo Ministério da Saúde até um ano de vida. Métodos: este estudo analisou consultas de puericultura de crianças de 1 ano de idade em Campo Grande, Mato Grosso, no período de janeiro a junho de 2022. Os dados foram coletados e compilados em planilha Excel das Unidades TEIAS. O estudo teve como objetivo desenvolver uma análise preditiva da assistência à saúde infantil em Campo Grande, MS. Os dados foram analisados ​​por meio do teste Qui-Quadrado, teste de proporção e programa IBM SPSS versão 25 com nível de significância de 5%. Conclusão: as consultas de puericultura são cruciais para o crescimento, a saúde e a segurança das crianças. Unidades Básicas de Saúde e Estratégia Saúde da Família promovem atividades de monitoramento. A andragogia é utilizada em ambientes de atendimento durante a residência no MFC, formando médicos experientes e promovendo conexões fortes. A clínica de puericultura aprimora o conhecimento técnico e as habilidades de relacionamento com pacientes dos médicos residentes do MFC.

Palavras-chave: atenção primária; análise situacional; puericultura; residência médica; medicina de família e comunidade.

Introduction: in Primary Health Care (PHC), the Child Care program is developed, which covers monitoring child development, as well as checking the status of vaccines in babies and children, guides and encourages breastfeeding and guides practices food. Child Health care by doctors from the Family Health Strategy (ESF) is based on recommendations from the Ministry of Health and the Brazilian Society of Family and Community Medicine. Objective: to evaluate the number of childcare consultations for children born in the first half of 2022 registered in units with MFC residence at SESAU/FIOCRUZ and UFMS in the municipality of Campo Grande – MS as recommended by the Ministry of Health up to one year of life. Methods: this study analyzed childcare consultations for 1-year-old children in Campo Grande, Mato Grosso, from January to June 2022. The data was collected and compiled in an Excel spreadsheet from the TEIAS Units. The study aimed to develop a predictive analysis of child health care in Campo Grande, MS. Data were analyzed using the Chi-Square test, proportion test and IBM SPSS version 25 with a significance level of 5%. Conclusion: Childcare appointments are crucial for children’s growth, health and safety. Basic Health Units and the Family Health Strategy promote monitoring activities. Andragogy is used in care settings during residency at MFC, training experienced physicians and promoting strong connections. The childcare clinic enhances the technical knowledge and patient relationship skills of MFC resident physicians.

Keywords: primary attention; situational analysis; childcare; medical residency; family and community medicine.

1 INTRODUÇÃO

A base fundamental da Atenção Primária à Saúde (APS) é a implementação da Estratégia Saúde da Família (ESF), que visa melhorar a acessibilidade à saúde e reestruturar o fluxo de pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS). A ESF inclui a Assistência à Saúde Infantil, que monitora as crianças para promover e evitar problemas de saúde (Diufrayer, 2016).

A puericultura é uma componente da Assistência à Saúde Infantil que envolve o acompanhamento regular de crianças dos zero aos dois anos de idade. O objetivo é prestar um atendimento integral e holístico à criança, levando em consideração suas necessidades biológicas, psicológicas e sociais. Portanto, é importante alterar a visão sobre o desenvolvimento infantil em relação à saúde, reconhecendo que a atenção integral à saúde infantil promove o cultivo de um adulto mais robusto (Brasil, 2016).

No âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), o processo educativo da Residência em Medicina de Família e Comunidade (MFC) é conduzido com base nos princípios da Andragogia, que enfatiza o envolvimento e a independência dos adultos no desenvolvimento de novas informações. Lindeman é considerado uma figura significativa no desenvolvimento da andragogia. Ele postula que a educação de adultos é facilitada por uma abordagem situacional, em que o ensino é adaptado às necessidades e interesses específicos dos alunos. A experiência do aluno deve ser vista como fonte de conhecimento (Alves; Gama, 2008).

Esses princípios abrangem a consciência crítica, que envolve a compreensão dos adultos sobre o propósito e a aplicação prática do que estão aprendendo. Além disso, enfatizam a importância da participação e da horizontalidade, que se refere à criação de uma relação democrática entre professores e alunos e ao respeito pelo conhecimento existente do aluno. Sabe-se que esses fatores contribuem para a motivação no processo de aprendizagem (Alves; Gama, 2008).

É fundamental enfatizar que os andragogistas criticavam os modelos anteriores porque acreditavam que as ofertas para adultos não incluíam seus traços e experiências individuais. Esta crítica é pertinente, uma vez que os adultos são motivados a aprender superando obstáculos, utilizando competências de resolução de problemas e desenvolvendo os seus conhecimentos e experiências existentes. Portanto, é importante investigar as características de aprendizagem de adultos usando abordagens de ensino dinâmicas. Os adultos desejam vivenciar experiências, necessitando, portanto, de uma educação que vise compreender os adultos como entidades psicológicas, biológicas e sociais (Santos, 2010).

Paulo Freire (2007) acredita que o desenvolvimento intelectual genuíno é alcançado através dos esforços colaborativos do aluno e do instrutor. Um objetivo essencial da prática educacional crítica é criar um ambiente onde os alunos possam se envolver em interações significativas com seus colegas e com o instrutor, permitindo-lhes explorar e expressar suas próprias identidades. Abrace a sua identidade como entidade social e histórica, como ser humano senciente e comunicativo.

Dessa forma, visando minimizar os desafios na área da saúde no processo de formação dos residentes de MFC e buscando trazer para a prática dos estudantes um atendimento com mais autonomia e segurança, elegeu-se como objetivo avaliar o número de consultas de puericultura das crianças nascidas no primeiro semestre do 2022 cadastradas nas unidades com residência de MFC da SESAU/FIOCRUZ e UFMS no município de Campo Grande – MS conforme preconizado pelo Ministério da Saúde até um ano de vida.

Por fim, o presente trabalho foi estruturado da seguinte forma: o primeiro tópico apresentou a introdução juntamente com a justificativa para o tema e os objetivos, traçados; o segundo tópico abordou a metodologia utilizada na pesquisa; no terceiro foram apresentados os resultados, seguidos pela discussão com base em publicações recentes e, em conclusão, discorreu-se as considerações finais sobre o tema em pauta.

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Avaliar o número de consultas de puericultura das crianças nascidas no primeiro semestre do 2022 cadastradas nas unidades com residência de MFC da SESAU/FIOCRUZ e UFMS no município de Campo Grande – MS conforme preconizado pelo Ministério da Saúde até um ano de vida.

Avaliação da realização da consulta de puericultura das crianças nascidas no primeiro semestre de 2022 e realizada até o quinto dia de vida com coleta do teste do pezinho Iped Apae nas unidades de saúde com residência TEIAS.

2.2 Objetivos Específicos

– Verificar se o número de consultas de puericultura em menores de um ano, conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, é integralmente cumprido nas Unidades de Saúde da Família que possuem Residência Multiprofissional e em Medicina da Família e Comunidade;

– Verificar o cumprimento do indicador municipal sobre consulta do RN até o quinto dia de vida com a realização do teste do pezinho;

– Discutir sobre os principais desafios e obstáculos encontrados na prática cotidiana relacionados à assistência de puericultura na Atenção Primária à Saúde;

– Propor melhorias para aprimorar e atingir a meta de consultas de puericultura e do indicador municipal a partir dos resultados obtidos.

3 MATERIAL E MÉTODO

Neste estudo, foram incluídos número de consultas de puericultura de crianças de 1 ano de idade, nascidas de janeiro a junho no ano de 2022, realizadas em Atenção Primária à Saúde, tanto pelo profissional médico quanto enfermeiro, no município de Campo Grande – Mato Grosso do Sul, com CID 10 e CIAP 2 ativados. Além de crianças com consulta até o quinto dia de vida com realização do teste do pezinho e adequadamente registrado, com SIGTAP ativado. Foram excluídas da análise, crianças que tiveram mudança de território para fora da área de abrangência das unidades com residência. O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e aprovado sob o parecer número 6.511.491, CAEE 75540023.6.0000.0021.

Os dados iniciais utilizados na análise foram fornecidos pela COREME. Eles consistiram na identificação dos nascidos vivos em 2022 que receberam acompanhamento nas Unidades de Atenção Primária de referência. Com base nessas informações, foram analisados os prontuários por meio do PEC ESUS, coletando-se o número total de consultas realizadas de puericultura durante o primeiro ano de vida, daquelas nascidas no primeiro semestre de 2022.

Após esta etapa, os dados foram coletados e compilados em uma planilha do Excel, sendo organizados com base no atendimento das Unidades TEIAS, a fim de elaborar uma análise preditiva a respeito da assistência à saúde infantil do município de Campo Grande – MS.

A tabela de informações disponibilizada para análise não corresponde aos dados secundários solicitados inicialmente para a elaboração do trabalho de conclusão de residência, trata-se, na verdade, de dados primários. Em discussão com orientador e este em contato com a coordenação da residência, informado que foi concedido liberação do Comitê de Ética e da SESAU para a prosseguisse com o trabalho.

Os dados coletados foram organizados e compilados através de planilha do programa Google Sheets. Neles, foi aplicado o teste Qui Quadrado para avaliar a associação entre tipo de encaminhamento e unidades com e sem o programa de residência. Posteriormente, a proporção de resolutividade de unidade com e sem o programa foi comparada através do teste de proporção e as análises foram executadas no programa IBM SPSS versão 25 com nível de significância de 5%.

4 RESULTADOS

O banco de dados analisou 832 casos distribuídos em locais com e sem o programa conforme o gráfico 1.

Gráfico 1. Atendimentos feitos em locais com o programa

Fonte: Autores (2023).

Pelo ministério da saúde, é preciso pelo menos consulta na 1ª semana, no 1o mês, 2º mês, 4º mês, 6º mês, 9º mês e 12º mês no primeiro ano de vida. No entanto, apenas 1 criança das 832 cumpriu esse critério. Ela foi atendida na SESAU USF Benedito Martins Goncalves Oliveira II pela equipe Maria Jose de Freitas, que faz parte do programa.

Se considerarmos o teste do pezinho, a tabela 1 faz uma comparação dos casos que realizaram o teste até o 5º dia nos lugares com e sem o programa.

Tabela 1 – Comparação da proporção de testes do pezinho em locais com e sem o programa

Participam do programaTotal de atendimentosTotal de testes do pezinhoProporção de atendimento teste do pezinhovalor p*
Não14732,0%0,0001
Sim685273,9%
*Teste de proporção
Fonte: Autores (2023).

O teste de proporção tem o objetivo de avaliar se a proporção de crianças que fizeram o teste do pezinho provenientes de locais com o programa é superior aos casos provenientes de locais sem o programa. Identificou-se que 2% dos atendimentos de locais sem o programa fizeram o teste do pezinho enquanto 3,9% dos atendimentos de locais com o programa fizeram o teste. Apesar de ser uma proporção baixa de testes, os locais com o programa tiveram resultado estatisticamente maiores (p = 0,0001).

Considerando o profissional que realizou a consulta na primeira semana, o gráfico 2 mostra que 63,5% dos casos foram atendidos por enfermeiros, 35,5% por profissionais de medicina e 1% por ambos. Importante ressaltar que essa questão está respondida para 96 casos apenas.

Gráfico 2. Profissional que realizou atendimento na primeira semana

Fonte: Autores (2023).

Das 25 crianças que fizeram o teste do pezinho, a distribuição de profissionais e locais está apresentada no gráfico 3. Observe que 63% dos testes de pezinho foram feitos em crianças que tiveram a primeira consulta com profissional da enfermagem em locais com o programa.

Gráfico 3. Locais de atendimento e profissional que atendeu as crianças que realizaram o teste do pezinho

Fonte: Autores (2023).

Outro ponto relevante deste trabalho diz respeito aos desafios identificados durante o estudo, a saber:

a) Desconhecimento de como registrar os procedimentos, CIAP, CID e SIGTAP nos campos adequados para validar os indicadores;

b) A falta de comprometimento dos responsáveis em garantir o acompanhamento adequado da saúde de seus filhos;

c) A comunicação inadequada entre profissionais de saúde e responsáveis, pode impactar negativamente a compreensão dos cuidados necessários durante a puericultura;

d) Falta de busca ativa para manutenção da regularidade das consultas em puericultura;

e) Sobrecarga de trabalho, prejudicando períodos que deveriam ser protegidos para execução de vigilância em puericultura;

f) Ausência de um preceptor ciente dos processos de trabalho que participe e oriente ativamente o ensino inicial dos residentes;

g) Falha no armazenamento de consultas devido a erros constantes no sistema PEC.

5 DISCUSSÕES

A gravidez é um período transformador caracterizado por inúmeras mudanças fisiológicas e psicológicas, tornando-se uma fase oportuna para promover o bem-estar ideal. As gestantes muitas vezes são motivadas a adquirir conhecimentos sobre esta fase, o que lhes possibilita a adoção de novos comportamentos. Seguindo a fase de gestação, ao longo da fase puerperal, é viável obter melhorias no autocuidado e nos cuidados do bebê no que diz respeito à saúde geral e dentária (Codato, et al., 2011).

A puericultura, conduzida por equipe multiprofissional e planejada com abordagem de cuidado integral, é orientada a combinar atividades de saúde bucal infantil com ações de saúde infantil na unidade básica de saúde. A implementação precoce de iniciativas educativas dirigidas a pais e crianças demonstrou ser eficaz na prevenção e tratamento da cárie dentária e de outras doenças orais. Assim, ressalta-se a importância da colaboração interdisciplinar, pois promove o bem-estar e a prevenção proativa de doenças e danos (Lemos et al., 2014; Macambira, 2016).

Segundo Branco et al. (2014) a consulta de puericultura no âmbito dos cuidados de saúde primários é muito significativa e procura acompanhar de forma diligente o crescimento e desenvolvimento da criança pela equipe de saúde. Inclui uma série de medidas de cuidados preventivos minuciosos que não se concentram apenas na criança, mas também levam em consideração as circunstâncias em que a mãe e a família se encontram. A consulta é adaptada à situação específica, visando compreender requisitos únicos, bem como preparar a família para situações que irão ocorrer, orientações para momentos essenciais como a introdução alimentar.

Os vários centros de atividade profissional, que atuam na área da saúde familiar e apostam no cuidado holístico, visam desenvolver um conjunto de atividades relacionadas com a prestação de cuidados à criança e à primeira infância. Essas atividades incluem educação em saúde, educação continuada, planejamento e abordagem criteriosa de tecnologias inovadoras, tudo com o objetivo de melhorar os indicadores de saúde, promover mudanças comportamentais e prevenir doenças. Cabe ressaltar a importância da educação em saúde, visto que não há uma habitualidade por parte da população na realização da prevenção e na continuidade dos cuidados. É fundamental enfatizar que há uma corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e as famílias envolvidas para que o segmento seja realizado de forma eficiente e adequada (Branco et al, 2014).

A colaboração multidisciplinar eficaz no cuidado das crianças requer a dedicação de todos aqueles envolvidos no bem-estar familiar, incluindo a gestão da nutrição, o cumprimento dos calendários de vacinação, a saúde dentária, a monitorização do desenvolvimento e a promoção de interações sociais. O cuidado pode ser categorizado como coletivo ou individual, com o objetivo de potencializar o trabalho em equipe e proporcionar uma ajuda decisiva e de qualidade (Freitas, et al., 2014).

A prestação do tratamento está claramente alinhada com as diretrizes da Caderneta de Saúde da Criança, que funciona como uma ferramenta valiosa no desenvolvimento da criança e também é considerado um documento que permanece válido por até 10 anos ou mais nos serviços de saúde. As principais diretrizes concentram-se na promoção do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida, na administração de vacinas de acordo com o calendário de imunização recomendado, no monitoramento do perímetro cefálico por meio de curvas em centímetros (cm), na realização de avaliações antropométricas (peso, comprimento e índice de massa corporal), na utilização de ferramentas monitorar o desenvolvimento, avaliando a saúde ocular e bucal, avaliando o desenvolvimento neuropsicomotor, acompanhando os marcos de crescimento e desenvolvimento e facilitando o compartilhamento de conhecimento e interconsultas entre dois profissionais. Caso sejam detectados riscos ou alterações, busca-se o apoio de um pediatra para discussão dos casos, tal apoio pode ser obtido através do parecer de médicos pediatras que compõem Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), posteriormente se realiza a coordenação dos cuidados e referenciamento à centros especializados. Além disso, outros fatores são avaliados de forma consistente, tais como a ligação emocional entre os membros da família e a criança, as circunstâncias económicas e os perigos potenciais (Brasil, 2013).

O uso da andragogia e de técnicas de educação continuada é crucial neste cenário para garantir que os residentes estejam motivados para aprender. O processo de ensino e aprendizagem não é aleatório, especialmente no contexto da educação de adultos. Isso ocorre porque os alunos adultos possuem um nível mais elevado de pensamento crítico. Portanto, é necessário aplicar e utilizar cuidadosamente variáveis como premissas, objetivos, métodos e técnicas de aprendizagem com precisão e adequação. É crucial reconhecer que cada adulto tem um processo de aprendizagem único, e o conceito de aprendizagem pode variar para cada aluno com base nas suas circunstâncias de vida, no conhecimento existente e na relevância prática que a aprendizagem tem para eles (Bacich; Moran, 2018).

A implementação de ideias andragógicas na formação dos residentes para a clínica de puericultura resultou em um processo de ensino-aprendizagem mais igualitário. Com isso, a consulta às crianças tornou-se uma atividade mais motivadora para os moradores. Os próprios alunos também foram o motor da sede de aprender. Além disso, Paulo Freire argumenta que ensinar não é apenas o ato de transmitir informações, mas sim o ato de fomentar oportunidades para que o conhecimento seja produzido ou construído. Existe uma correlação entre a felicidade essencial necessária para os esforços educativos e o sentimento de otimismo, nomeadamente o otimismo de que tanto o instrutor como os alunos possam envolver-se em aprender, ensinar e criar juntos (Freire, 2007).

A andragogia é uma abordagem contemporânea da educação de adultos que se concentra na compreensão das características únicas dos alunos adultos e na utilização de métodos de ensino adaptados a esta fase do desenvolvimento humano. Essa abordagem capacita os residentes a utilizarem o conhecimento existente e assumirem um papel ativo no seu processo de aprendizagem, melhorando o atendimento à criança e os indicadores de saúde da equipe. O ensino horizontal é implementado nos serviços de acolhimento de crianças, enraizado nos princípios da Andragogia, que enfatizam a comunicação eficaz, a conduta ética, a elevada consciência e um forte sentido de responsabilidade social. Tanto o facilitador (professor) como os participantes (alunos) têm uma compreensão clara dos seus respectivos papéis, não havendo hierarquia ou desequilíbrio de poder entre eles (Márquez, 1998; Somera; Somera Júnior; Rondina, 2010).

A aprendizagem ao longo da vida é uma noção predominante no nosso mundo prático, e a educação continuada em saúde abrange vários componentes do quadro de formação, tais como a avaliação da formação dos profissionais de saúde e o exame das práticas de saúde para desenvolver novas abordagens para cuidados abrangentes e humanizados. Ao considerar características biopsicossociais e experiências anteriores, a educação de adultos facilita o crescimento pessoal e melhora o desempenho profissional, resultando, em última análise, na valorização do serviço prestado (Quirino, 2017).

A consulta compartilhada, conforme descrita neste estudo, serve como uma ferramenta prática que potencializa a intervenção multidisciplinar ao facilitar o compartilhamento de informações e a responsabilidade conjunta entre os profissionais. Esta abordagem colaborativa visa ampliar o escopo da prática clínica e proporcionar experiência valiosa aos profissionais. A consulta compartilhada alinha-se aos princípios andragógicos ao promover a colaboração e a igualdade entre especialistas (Luz et al., 2016).

No que diz respeito à consulta partilhada, é amplamente reconhecido que a consulta de enfermagem desempenha um papel crucial nas fases iniciais da vida de uma criança. Esta consulta centra-se em medidas preventivas, promoção da saúde e detecção precoce de distúrbios de saúde. Esse acompanhamento permite que a equipe de saúde estabeleça um vínculo com a criança, principalmente se esse vínculo tiver sido estabelecido durante a gravidez. É fundamental ressaltar que as equipes que não se engajarem em ambas as atividades perdem oportunidades significativas de educação em saúde (Souza et al., 2013).

Com relação a falta de comprometimento das famílias com o acompanhamento dos cuidados à criança, Vitolo, Gama e Campagnolo (2010) constataram que a falta de comprometimento das famílias no monitoramento dos cuidados infantis pode ser atribuída a vários fatores. Esses fatores incluem a insatisfação com o serviço, a incapacidade de cuidar da criança devido aos compromissos profissionais dos familiares e a crença de que o acompanhamento é desnecessário. O último fator contribui ainda mais para a falta geral de compreensão e consciência sobre o propósito e significado dos cuidados infantis.

O processo de ensino-aprendizagem demonstra a efetividade da educação em serviço na atenção primária à saúde. Essa formação contribui para a formação do profissional residente, que, ao concluir a residência médica, terá uma compreensão mais ampla sobre o cuidado integral da criança, o cuidado interdisciplinar e a supervisão médica centrada no paciente. O ensino baseado em conceitos andragógicos estimula e utiliza efetivamente o potencial do próprio aluno, fazendo com que o aluno se sinta no controle de seu próprio processo de aprendizagem. Outro ponto relevante deste processo diz respeito a vivenciar a realidade dos atendimentos nas unidades de saúde, onde os profissionais médicos não são os únicos responsáveis pelo sucesso do cuidado, visto que há demandas que fogem de seu controle, como as faltas dos pacientes à continuidade dos cuidados.

6 CONCLUSÃO

Na puericultura é necessário avaliar peso, altura, desenvolvimento neuropsicomotor, vacinação e intercorrências, estado nutricional, além de orientar familiares e cuidadores sobre práticas de cuidado infantil como alimentação, higiene, vacinação e estimulação. Estas ações devem ser realizadas durante todas as consultas e documentadas no cartão da criança.

As consultas de puericultura são cruciais para garantir o crescimento e desenvolvimento óptimos das crianças, bem como para evitar acidentes e promover uma boa saúde. As equipes das Unidades Básicas de Saúde e da Estratégia Saúde da Família têm o dever de promover atividades voltadas ao acompanhamento das crianças em sua área de abrangência. Além disso, devem enfatizar a importância de uma monitorização adequada e propor métodos para incentivar os pais e tutores a participarem na monitorização. É crucial determinar as causas do não cumprimento deste programa, que é um problema significativo para as equipes devido à natureza complexa das iniciativas de cuidados infantis.

Neste quadro particular, os cuidados administrados por uma equipe multidisciplinar parecem ser eficazes e abrangentes. Portanto, o uso da andragogia e seus conceitos no processo instrucional em um ambiente de serviço durante a residência no MFC torna-se essencial, pois implica formar médicos experientes e que possuam conhecimentos pré-existentes substanciais, com ênfase na promoção de uma forte conexão. Os residentes são capazes de mostrar as suas capacidades e atenuar as suas deficiências participando em atividades orientadas horizontalmente. A clínica de puericultura deu um valioso contributo para a formação dos médicos residentes do MFC, melhorando não só os seus conhecimentos técnicos, mas também as suas competências e habilidades no estabelecimento de relacionamento com os pacientes.

Os resultados positivos foram evidentes não só no envolvimento do aluno adulto no processo de aprendizagem, impulsionado pela sua motivação e maior interesse em adquirir novas informações, mas também na reintegração bem-sucedida dos serviços de cuidados infantis da equipe na comunidade, resultando num maior sentimento de aceitação e inclusão.

Entretanto, em face dos desafios identificados, tem-se como estratégia para promover melhorias: a priorização do treinamento/capacitação dos novos residentes para que os registos sejam realizados de forma adequada no PEC; a designação de preceptores para cada equipe, visto que a deste para cada equipe é um fator que dificulta o acompanhamento e orientação inicial, pois comumente estão assistindo mais de um residente ao mesmo tempo; a capacitação de preceptores para cumprir tal cargo, pois assim ajudaria os mesmos a entenderem o contexto em que estão inseridos e alinhar suas práticas com os objetivos do programa de residência; e a educação em saúde de forma constante desde o pré natal e reforçado a cada consulta, enfatizando a importância do seguimento regular nessa fase do desenvolvimento infantil.

Com base na experiência adquirida com este projeto, pode-se inferir que a realização de consultas multidisciplinares leva ao progresso e ao crescimento de cada área profissional envolvida. Esse ambiente facilita a troca de conhecimentos e experiências, possibilitando que os profissionais aprendam e colaborem coletivamente. É fundamental sublinhar que as equipes de Cuidados de Saúde Primários devem abordar esta questão, considerando as vantagens que uma consulta colaborativa oferece à criança, à sua família e à comunidade em geral. É fundamental ter conhecimento dos territórios específicos em que as equipes de saúde atuam para enfatizar as formas adequadas de cuidar.

7 REFERÊNCIAS

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1Médico (a) residente em Medicina de Família e Comunidade pela SESAU/Fiocruz-MS.

2Médico de família e comunidade – preceptor do programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade pela SESAU/Fiocruz-MS.