ANÁLISE DA RESERVA LEGAL EM PROPRIEDADES A SEREM LICENCIADAS PARA A ATIVIDADE DE PISCICULTURA NA REGIÃO DO EXTREMO OESTE DO PARANÁ

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10428512


Maicon de Almeida Moreira
Prof. Dr. Isonel Sandino Meneguzzo


RESUMO

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um instrumento previsto na Lei nº 12.651 de 2012, sendo um registro eletrônico acerca da situação ambiental dos imóveis rurais do país.  Com esses dados podese verificar o cumprimento de medidas propostas pelo Código Florestal, principalmente no que tange à regularização ambiental. Apesar da inovação no mapeamento das unidades territoriais rurais do Brasil, o CAR apresenta alguns desafios na sua implementação, tanto pela adesão do setor rural, quanto pela gestão e análise por parte dos órgãos ambientais. Este trabalho tem como objetivo realizar um estudo sobre a reserva legal em propriedades rurais a serem licenciadas para a atividade de piscicultura, pertencentes à região do extremo oeste do Paraná. Ao final, um levantamento foi realizado, estabelecendo a relação entre as áreas declaradas, as estipuladas em legislação e as efetivas, utilizando ferramentas como os dados cadastrados no SICAR e Google Earth. A respeito da reserva legal, verifica-se que somente 40% dos imóveis analisados declararam dados no CAR. Essa baixa porcentagem revela uma problemática sobre a possibilidade de o cadastro ser realizado por auto declaração e por não solicitar nenhum pré-requisito para seu cadastramento. 

Palavras-chave: imóvel rural; legislação ambiental; cadastro ambiental rural; autodeclaração.

ABSTRACT

The Rural Environmental Registry (CAR) is an instrument provided for in Law No. 12,651 of 2012, being an electronic record about the environmental situation of rural properties in the country. With these data, compliance with measures proposed by the Forestry Code can be verified, mainly with regard to environmental regularization. Despite the innovation in mapping rural territorial units in Brazil, the CAR presents some challenges in its implementation, both due to the adherence of the rural sector, as well as the management and analysis by environmental agencies. This work aims to carry out a study on the legal reserve in rural properties to be licensed for fish farming, belonging to the extreme west region of Paraná. At the end, a survey was carried out, establishing the relationship between the declared areas, those stipulated in legislation and the effective ones, using tools such as data registered in SICAR and Google Earth. Regarding the legal reserve, it appears that only 40% of the properties analyzed declared data in the CAR. This low percentage reveals a problem about the possibility of registration being carried out by self-declaration and not requesting any prerequisites for registration.

Keywords:  rural property;  environmental legislation;  rural environmental registry; self-declaration.

1. INTRODUÇÃO

A água é um recurso renovável, porém limitado, e seu uso, múltiplo em suas formas, é imprescindível à civilização humana. A gestão das águas vem, através das legislações vigentes, proporcionar o uso racional e sustentado, que o possa garantir, tanto para as atuais gerações, quanto para as futuras.

A piscicultura é uma atividade que lida diretamente com o recurso hídrico. No ramo da atividade feita sob os tanques escavados, a água provém de corpos hídricos próximos, tais como nascentes, córregos, rios ou lagos. Para a utilização do recurso hídrico, conforme Resolução SEDEST 014/2020, a apresentação da outorga de direito ou da declaração de uso insignificante é obrigatório para o licenciamento da mesma (PARANÁ, 2020).

A captação do recurso hídrico, deve, entretanto, obedecer a uma vazão disponível, devidamente estudado pelo setor responsável, controlando a sustentabilidade do recurso. Além do uso desse bem natural, a piscicultura pode apresentar riscos de deteriorar a qualidade e quantidade da água, devido tanto a captação, quanto à disposição de efluentes gerados nos tanques escavados que retornam ao corpo hídrico.

O Código Florestal, instituído pela Lei Federal nº 12.651, assegura aos corpos hídricos a proteção necessária através das matas ciliares, ou áreas de preservação permanente, que possuem funções eco-hidrológicas, bem como, regulamenta as áreas de reserva legal, que constituem áreas cobertas de vegetação no interior dos imóveis rurais com a finalidade de assegurar a sustentabilidades dos recursos (BORGES, 2008 apud SANTOS, 2019, p. 35).

O Instituto Água e Terra, órgão estadual ambiental do estado do Paraná, integrante do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) é responsável pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental, sendo o regulamentador de atividades como a de piscicultura, bem como, responsável pela implantação das medidas contidas no Código Florestal quanto à regularização ambiental dos imóveis rurais (BRASIL, 1981). 

O Escritório Regional de Foz do Iguaçu/PR executa o licenciamento ambiental e demais funções nas seguintes cidades do extremo oeste Paranaense: Foz do Iguaçu, Itaipulândia, Matelândia, Medianeira, Missal, São Miguel do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu e Serranópolis do Iguaçu.

Instrumento de fiscalização do cumprimento das medidas propostas na Lei Federal nº 12.651, o Cadastro Ambiental Rural se apresenta no artigo 29 como registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento (BRASIL, 2012). 

Um dos grandes objetivos do CAR é fiscalizar e controlar a implantação e manutenção de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal dos imóveis rurais. A inscrição dos imóveis rurais é feita pelo Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural – SICAR, sendo sua gestão feita em âmbito estadual pelo órgão competente, no caso o Instituto Água e Terra, descentralizado em suas regionais.

Portanto, a satisfatória implementação dessa ferramenta encontra alguns desafios em seus anos iniciais, sendo este estudo, um prisma do que encontrarão os analistas operacionais junto à análise e validação dos cadastros enviados ao sistema.

Diante do exposto, o presente artigo tem por objetivo analisar os imóveis rurais que exercem ou pretendem exercer a atividade de piscicultura, situados no extremo oeste do Paraná, quanto à sua regularização ambiental declarada no CAR, conforme estipulado no Código Florestal acerca da Reserva Legal.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 CÓDIGO FLORESTAL E ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

O Brasil possui leis de proteção de remanescentes florestais desde 1934, quando, à época, em meio à forte expansão cafeeira, surgiu o primeiro Código Florestal. Com grande contribuição, a região sudeste, enfrentava grande aumento no preço da lenha e até mesmo a falta desta, devido às florestas estarem cada vez mais distantes dos núcleos urbanos.

Com isso, no recente regime, instaurado pela Revolução de 1930, tal medida tentava evitar possíveis pressões políticas e sociais, garantindo a popularidade governamental. Com o Decreto 23.793/34, o Código Florestal veio a obrigar donos de terra a manter 25% de suas propriedades com matas nativas. No entanto, carecia de viés técnico tal obrigação, por não orientar qual parte da propriedade deveria ser preservada, sendo as matas ciliares ou outras (SENADO.GOV).  

Apesar de suas deficiências e de sua origem estritamente político-econômica, o Código Florestal de 1934 deu o início na criação do que se chama de florestas protetoras, que garantem a boa qualidade da água de rios e lagos, e que futuramente tal conceito daria origem às áreas de preservação permanente (SANTOS FILHO et al., 2015, p. 6).

Posteriormente, em 1965, o Código Florestal, através da Lei Federal nº 4771, teve sua reformulação. Tal necessidade veio do grande avanço da mecanização agrícola, das monoculturas e da pecuária extensiva. O novo código aperfeiçoou alguns instrumentos da antiga lei e manteve seus objetivos, tais como: evitar ocupação em áreas frágeis, obrigar a conservação de uma parcela da flora nativa para garantir um mínimo de equilíbrio ecossistêmico e estimular a plantação e o uso racional das florestas. Através deste código, obteve-se a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, que viria a se transformar no atual IBAMA, órgão de extrema importância na política ambiental nacional.(JÚNIOR et al., 2017).

Segundo Crivellari (2014, p.12) o Código de 1965:

 […] sofreu as mudanças mais importantes em 1986, 1989 e 2001. Nesse último caso, na vigência da Medida Provisória nº. 2.166/01, é que se firmaram as áreas de preservação permanente (APPs) e as áreas de reserva legal (ARLs) enquanto espaços especialmente protegidos e cumpridores de funções ecológicas diversas […].

O novo Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651) entrou em vigor em 2012 em meio a muitas controversas. Segundo Machado e Anderson (2016, p. 7) a legislação trouxe novos instrumentos que permitirão o monitoramento do uso da terra no Brasil, contribuindo ao combate do desmatamento e a regularização ambiental, além do auxílio no cumprimento das metas brasileiras de redução de gases de efeito estufa.

Esses novos instrumentos introduzidos podem conduzir a uma melhor gestão ambiental e territorial, com destaque para o CAR e o Programa de Regularização Ambiental (PRA), que prevê a regeneração, recomposição ou compensação de áreas desmatadas historicamente de forma ilegal (MACHADO; ANDERSON, 2016).

Em relação às áreas de preservação permanente, conforme definição do Artigo 3º da Lei nº 12.651, abrangem espaços territoriais e bens de interesse nacional especialmente protegidos, cobertos ou não por vegetação, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. As APPs estão relacionadas a áreas chaves, importantes no ciclo natural e podem, de forma resumida, serem exemplificadas como as áreas marginais dos corpos d’água (rios, córregos, lagos, reservatórios) e nascentes, as áreas de topo de morros e montanhas, áreas em encostas acentuadas, restingas e mangues, entre outras (SKORUPA, 2003).

Nesse contexto, a Lei Federal nº 12.651/12, o Código Florestal, veio para estabelecer limites de uso das áreas dos imóveis rurais para que se mantenha o equilíbrio entre as dimensões ambiental e econômica na exploração agropecuária. A lei refere-se à proteção e preservação de florestas, matas ciliares, Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal (SISTEMA FAEP-PARANÁ, 2012, p. 23).

Conforme mencionado na cartilha ‘’Novo Código Florestal’’ elaborada pela FaepParaná (2012, p. 25), as áreas de preservação permanente são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, localizadas: 

  1. Nas faixas marginais de qualquer curso d’água natural (mata ciliar de beira de rio);
  2. No entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes; 
  3. No entorno dos lagos e lagoas naturais; 
  4. No entorno dos reservatórios d’água artificiais; 
  5. Nas encostas ou em partes destas com declividade superior a 45°;
  6. No topo de morros, montes, montanhas e serras.

Essas áreas possuem uma função ímpar na conservação dos recursos hídricos, na estabilidade geológica, na biodiversidade, na beleza da paisagem, para conter a erosão do solo, diminuir os riscos de enchentes e deslizamentos de terra e rocha nas encostas, facilitar o desenvolvimento da fauna e flora e, especialmente, assegurar e preservar o bem-estar das populações humanas (SISTEMA FAEP-PARANÁ, 2012, p.25).

Segundo Skorupa (2003) tal proteção, estabelecida em lei, emerge do reconhecimento da importância da manutenção da vegetação de determinadas áreas, que ocupam porções particulares de uma propriedade, não apenas para os legítimos proprietários, mas, em cadeia, também para os demais proprietários de outras áreas e para toda a sociedade.

A Reserva Legal, conforme Lei nº 12.651, tem como definição ser uma área localizada no interior de um imóvel rural, com função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.

Como exemplifica o Art. 68, a área de Reserva Legal tem seu tamanho relacionado ao bioma em que se encontra o imóvel rural, sendo:

I – localizado na Amazônia Legal:

  1. 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas;
  2. 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado;
  3. 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais; II – localizado nas demais regiões do país: 20% (vinte por cento).

As áreas de RL, diferenciam-se das APPs, por permitirem exploração, desde que dentro de limites impostos, em um manejo sustentável. Com isso, a RL confere uma restrição ao limite de área construída, de forma a preservar a fauna e a flora em um percentual mínimo. Já as APPs são áreas intocáveis, sendo permitido qualquer intervenção somente com a finalidade de preservação dos recursos ali encontrados (TORRES, 2018).

Ferreira et al (2017)  dizem que:  

[…] a definição de APP está intimamente ligada às características geomorfológicas e/ou às áreas de transição entre os sistemas aquático e terrestre. Elas ocupam territórios de elevada fragilidade e/ou importância ambiental, e têm forte restrição de uso, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Já a RL é específica do imóvel rural e pode ser explorada economicamente mediante aprovação de um plano de manejo sustentável. 

Com isso, APPs e RLs não devem ser vistas como áreas improdutivas pelo produtor, pois suas funções ecossistêmicas são importantes, garantindo a produção a longo prazo e proporcionando a conservação dos recursos hídricos e do solo, recursos estes, imprescindíveis à agricultura (FERREIRA et al., p. 107, 2017).

2.2 CADASTRO AMBIENTAL RURAL

O Cadastro Ambiental Rural, instrumento do Código Florestal, busca integrar as informações das propriedades e posses rurais quanto à sua regularização ambiental, conforme determinam as medidas propostas na nova legislação florestal. 

Segundo o Decreto nº 7830, de 17 de outubro de 2012, o CAR constitui-se como: 

Registro eletrônico de abrangência nacional junto ao órgão ambiental competente, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

Todas as informações dos imóveis rurais estarão contidas no SICAR – Sistema de Cadastro Ambiental Rural como base de dados, que se constitui como sistema eletrônico de âmbito nacional destinado ao gerenciamento de informações ambientais dos imóveis rurais (BRASIL, 2012, n.p.).

Conforme Artigo 5º: 

O cadastro deverá contemplar os dados do proprietário, possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural, a respectiva planta georreferenciada do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública, com a informação da localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e da localização das Reservas Legais.

Moretti e Zumbach (2015, p. 28) constatam que o CAR busca oferecer três funções principais: 1) Planejamento do imóvel, com as definições das áreas de produção, APPs e RL, subsidiando o planejamento das áreas de proteção ambiental através de corredores florestais; 2) Melhoria da eficiência das áreas passíveis de uso produtivo e; 3) Primeiro passo para a regularização ambiental do imóvel, conferindo segurança jurídica à produção e comercialização dos produtos, com acesso às linhas de crédito.

Nesse contexto, o CAR possui um papel importante na implantação e verificação de cumprimento de toda política ambiental, direcionado ao contexto rural. O sistema gratuito e auto declaratório de registro on-line das propriedades rurais do Brasil se deu a partir da criação em novembro de 2016, pelo Governo Federal, da plataforma eletrônica do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR). No portal do SICAR é disponibilizado o download do shapefile dos imóveis rurais, que consiste na informação geográfica de localização do imóvel e em tais dados estão inseridas as seguintes informações: área do imóvel, localização da vegetação remanescente (nativa), APPs, nascentes, áreas de uso restrito, áreas consolidadas, hidrografia, reserva legal, área de servidão administrativa e área de pousio (SANTOS, 2019).

O CAR pode ser apontado como um grande avanço no controverso e debatido Novo Código Florestal. Segundo Castilho (2018) é a ferramenta principal para o alcance da regularização ambiental e para o atingimento das metas brasileiras de biodiversidade, restauração da vegetação nativa e redução de emissão de gases de efeito estufa. Ademais, constitui-se como requisito obrigatório para diversos trâmites, tais como emissões de licenças ambientais, autorizações, créditos rurais, constituição de garantias, venda e compra, não incidência do Imposto Territorial Rural (ITR), entre outras.

Diante disso, é uma ferramenta a ser lapidada e sua implementação depende de engajamento do setor rural e organização da gestão pública. 

O cadastro está dividido em quatro módulos: inscrição, análise, validação e monitoramento (CASTILHO, 2018).

Na etapa de inscrição, já disponível, os chamados ‘’cadastrantes’’, que podem ser tanto os proprietários de imóveis rurais, bem como consultores ambientais, declaram as informações na base de dados. O primeiro desafio do cadastro é a auto declaração, que pode impedir a próxima etapa, de análise, de fluir mais facilmente. Além de subestimar, superestimar ou até omitir, outro problema apontado é o de vetorizar as áreas, que consiste no desenho dos polígonos das áreas que serão declaradas na base de dados.

A etapa de análise e validação, já iniciado no estado do Paraná para imóveis rurais acima de 4 módulos fiscais, consiste na etapa em que o órgão ambiental estadual verifica os dados cadastrados. Esta etapa é crucial e demanda grande esforço, perante o volume envolvido, para que seja possível realizar o cruzamento da base de dados para a identificação de sobreposições de posses e propriedades, bem como a análise dos dados imóvel a imóvel para a constatação de áreas consolidadas, reservas legais e áreas de preservação permanente (CASTILHO, 2018).  

Conforme ainda ao autor referido, a submissão de dados e a análise para validação/homologação são os primeiros passos para que o CAR, de fato, sirva como ferramenta para a regularização ambiental.

Dessa forma, o CAR é uma ferramenta importante como diagnóstico da situação ambiental do país e ao ser implementado como um todo, revelará o tamanho do passivo ambiental existente, servindo de base para estratégias de recuperação (MORETTI; ZUMBACH, 2015, p. 28).

3. METODOLOGIA

O presente estudo seguiu os seguintes procedimentos metodológicos:

Primeiramente, para a escolha dos imóveis rurais objetos do estudo, foi determinada uma quantidade de dez (10) imóveis com requerimentos protocolados via SGA – Sistema de Gestão Ambiental mais recentes no sistema do IAT para a atividade de piscicultura. 

Os imóveis escolhidos para o objeto do estudo, os municípios a que pertencem, bem como, sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural são:

Tabela 01: Imóveis rurais objetos do estudo.

Fonte: O Autor.

            No mapa a seguir a seguir delimita-se a área de ocorrência do estudo:

Figura 01: Localização da área de estudo.

Fonte: O autor.

Posteriormente, foram analisados os Cadastros Ambientais Rurais – CAR dos imóveis. A análise consistiu em verificar os dados autodeclarados quanto à reserva legal, por meio de consulta pública na plataforma do SICAR de cada imóvel. Em anexo encontra-se um exemplo do demonstrativo da inscrição de um dos imóveis. 

Com os dados obtidos por meio dos downloads dos polígonos (shapefiles) do imóvel, também disponível publicamente na plataforma, pôde-se visualizar via Google Earth a área do imóvel e a área declarada para reserva legal (caso haja). Então, de posse dos polígonos, quantificou-se a presença de cobertura florestal nas áreas declaradas para a reserva legal, bem como, em outras áreas do imóvel a partir de delimitação de polígonos e metragem, ferramentas estas utilizadas no Google Earth.

Diante disso, levantaram-se dados dos imóveis quanto à sua área total, sua área autodeclarada para a reserva legal, a estipulada conforme Artigo 12 da Lei Federal nº 12.612 (20% da área total) e a cobertura florestal efetiva do imóvel.

Salienta-se que na análise do estudo, desconsiderou-se a possibilidade de cômputo de áreas de preservação permanente nas de reserva legal, disposto no Artigo 15 da Lei Federal nº 12.612, bem como, desconsiderou-se na análise da efetiva cobertura florestal dos imóveis as áreas em regeneração (sem cobertura florestal considerável para visualização via imagens de satélite), as áreas de silvicultura com monoculturas de espécies madeireiras (típicas de visualização pelo estrato uniforme) e árvores isoladas no ambiente. Portanto, a quantificação da área de cobertura florestal efetiva consiste em uma mensuração meramente estimada.

As figuras 02, 03 e 04 a seguir ilustram a metodologia utilizada para a análise proposta para o imóvel rural ‘’A’’,‘’B’’ e ‘’C’’, sendo a delimitação do imóvel em traçado na cor branca, a delimitação da reserva legal autodeclarada em traçado vermelho (ausente quando não autodeclarada) e o remanescente de vegetação nativa existente em coloração sólida verde:

Figura 02: Imóvel Rural “A”

Fonte: Google Earth Pro, 2022.

Figura 03: Imóvel rural ‘’B’’. 

Fonte: Google Earth Pro, 2022.

Figura 04: Imóvel rural ‘’C’’. 

Fonte: Google Earth Pro, 2022.

Ao final, realizou-se o levantamento dos dados, diagnosticando as propriedades acerca da reserva legal, contrapondo a área autodeclarada, a área estipulada legalmente e a área de cobertura florestal efetiva. De acordo com isso, classificou-se os imóveis em:

  • Imóveis rurais com situação regular e/ou superior quanto à determinação legal para a área de reserva legal, discriminando aquelas aptas à servidão ambiental (Cotas de Reserva Ambiental), conforme Artigo 15 da Lei Federal nº 12.612; 
  • Imóveis rurais com situação irregular quanto à área de reserva legal, discriminando o saldo de área de recomposição de cobertura florestal.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

 A partir do levantamento realizado, os dados relativos aos imóveis, tais como sua área total, a área autodeclarada para a reserva legal, a quantificação do estipulado legalmente e a cobertura florestal efetiva, foram reunidos na tabela a seguir:

Tabela 02: Dados sobre a reserva legal dos imóveis do estudo.

Fonte: O autor.

 Quanto à regularização ambiental do imóvel acerca da reserva legal, determinou-se, com base na tabela anterior, a situação de cada imóvel e o indicativo de áreas excedentes ou deficitárias para recomposição:

Tabela 03: Situação da reserva legal dos imóveis do estudo.

Fonte: O autor.

Os imóveis rurais objetos da análise da reserva legal apresentam-se sob variadas características, diferindo muito sobre o tamanho da área do imóvel. O imóvel rural de maior dimensão possui 96,80 hectares, enquanto o de menor dimensão 3,75 hectares. 

Observando-se somente o aspecto tamanho de área, 90% dos imóveis se enquadram como pequenas propriedades por possuírem área menor do que 04 módulos fiscais, conforme o item I, Artigo 3º da Lei Federal nº 11.326/2006 – Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Rurais Familiares. O módulo fiscal, conceito introduzido pela Lei Federal nº 6.746/1979, regula os imóveis rurais sobre os direitos e obrigações para fins de implementação de políticas agrícolas e ambientais. O equivalente de área a cada módulo fiscal varia conforme as características das regiões, sendo que nos municípios pertencentes aos imóveis estudados, um módulo fiscal corresponde entre 5 a 20 hectares (EMBRAPAPqEB). 

A respeito da reserva legal, verifica-se que somente 40% dos imóveis analisados declararam dados no CAR. Essa baixa porcentagem revela uma problemática sobre a possibilidade de o cadastro ser realizado por auto declaração e por não solicitar nenhum prérequisito para seu cadastramento. 

Alguns motivos pela não auto declaração da reserva legal podem estar relacionados a: a) não existência de coberturas florestais nos imóveis, caso encontrado no imóvel ‘’J’’, e que com a análise, a regularização será concretizada; b) falta de entendimento sobre o que é uma área de preservação permanente e o que é uma reserva legal, existindo cadastros declarando reservas legais em áreas de preservação permanente e vice-versa; c) falsa impressão de que somente os polígonos do imóvel deverão ser cadastrados para a análise, não sendo necessária a declaração da reserva legal, da área de preservação permanente, servidão administrativa e uso consolidado; d) dificuldades sobre as técnicas de geoprocessamento adotadas; dentre outros.

Em relação a cadastros incompletos, levanta-se a discussão sobre a facilidade de cadastramento que tornou o cadastro acessível ao público alvo, no entanto, a ausência de critérios para o cadastro promove falhas que no momento da análise técnica por parte do órgão ambiental competente serão evidenciadas, provocando morosidade nas análises.

Segundo Cristofoletti (2015), o mapeamento eletrônico do imóvel exige bagagem técnica para manuseio, pois algumas imagens de softwares possuem baixas resoluções, necessitando-se a aquisição de imagens com maior precisão, evitando futuras retificações do cadastro. Além disso, deve-se ter claro entendimento sobre os conceitos de reserva legal, área de preservação permanente, área de uso consolidado e servidão administrativa.

Diante disso, conforme Junqueira (2015) a obrigatoriedade de uma ART – Anotação de Responsabilidade Técnica para o cadastro é um assunto que vem ganhando notoriedade nos conselhos profissionais. E, conforme a competência para a gestão do cadastro ser estadual, alguns estados possuem especificidades para determinar a apresentação de um responsável técnico, tal como é nos estados de Mato Grosso do Sul e Minas Gerais para cadastro de imóveis acima de 04 módulos fiscais. 

Entre os 40% dos imóveis que declararam dados sobre a reserva legal verifica-se que a área autodeclarada não corresponde ao efetivo de cobertura florestal efetiva, sendo o efetivo uma parcela de área muito menor do que a área da reserva legal. 

Salienta-se que um obstáculo encontrado na análise das delimitações dos polígonos dos imóveis está nos deslocamentos dos polígonos, prejudicando a visualização real da área do imóvel e dos outros componentes do cadastro. 

Outro obstáculo muito comum refere-se à sobreposição das áreas delimitadas com as circunvizinhas. As sobreposições de áreas geram conflitos com as áreas declaradas de outros imóveis, unidades de conservação, terras indígenas ou áreas embargadas, o que pode inviabilizar os cadastros e/ou torná-los pendentes. 

De acordo com Beck (2017), existem limites de tolerância de sobreposição dos imóveis para com outros imóveis, sendo que, para imóveis com área de até 4 módulos fiscais, admitese uma tolerância de sobreposição de até 10%; os imóveis de 4 a 15 módulos fiscais, uma tolerância de 4% é admitida e imóveis acima de 15 módulos fiscais é admitida uma tolerância de 3%. Em relação à sobreposição com unidades de conservação de domínio público os limites são os mesmos citados acima. Nas sobreposições de imóveis com terras indígenas e áreas embargadas não há tolerância.

Nesses casos em que se comprova uma sobreposição, os imóveis cadastrados são notificados para a retificação junto ao SICAR, alterando o status do cadastro de ‘’ativo’’ para ‘’pendente’’. Na tabela a seguir, são apresentadas algumas providências a serem tomadas pelo requerente nos casos em que há sobreposição:

Tabela 04: Procedimentos para casos de sobreposição de cadastros. 

Fonte: Modificado de BECK (2017).

 Por último, analisando os dados apresentados na tabela 03, é evidenciado que 90% dos imóveis estão irregulares quanto ao determinado legalmente. Essa porcentagem, muito provavelmente, coincide com a situação de imóveis rurais na maioria das regiões brasileiras. A carência de cobertura florestal nos imóveis é justificada pelo grande avanço das atividades econômicas ligadas ao setor rural. A agricultura e a pecuária demandam áreas extensas e sua especulação para aquisição de novas áreas, bem como, incremento de maiores produtividades, resultam na diminuição das áreas de cobertura florestal nos imóveis.

Nesse sentido, a regularização ambiental por meio do PRA – Programa de Regularização Ambiental, será realizada junto aos imóveis cadastrados em que haja necessidade de recomposição de áreas de reserva legal e de preservação permanente, permitindo que sejam recuperadas áreas que serão primordiais para a regulação das condições ambientais, fator chave para uma atividade agropecuária sustentável.

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se que o CAR é um registro de extrema relevância para a implementação das políticas públicas para fins de regularização ambiental. Por meio do cadastro, os órgãos ambientais competentes podem obter uma visualização aproximada da situação dos imóveis acerca das áreas legalmente instituídas na Lei Federal nº 12.651.

Por meio da Lei Federal nº 13.887 de 17 de outubro de 2019, a inscrição no CAR tornou-se obrigatória, proposta esta que acelera a adesão por parte de todos os proprietários e posseiros de imóveis rurais. 

Além da construção da percepção ambiental dos imóveis rurais, o cadastro permite alguns benefícios, tais como: a) possível suspensão ou isenção da cobrança de multas sobre passivos ambientais, em casos específicos; b) simplificação do processo de regularização ambiental do imóvel; c) apoio do poder público às pequenas propriedades nas atividades de recuperação de áreas degradadas; d) dedução das áreas de reserva legal, preservação permanente e uso restrito na base de cálculos do ITR – Imposto Territorial Rural; dentre outros (MORETTI; ZUMBACH, 2015).

Parte da popularização do cadastro no meio rural também se deve ao aspecto formal do registro, tornando-se um documento ambiental do imóvel, o qual é requisitado para obtenção de licenças ambientais, outorgas de uso de água, financiamentos de créditos, concessão de seguros agrícolas e acesso a diversas políticas públicas de fomento à agricultura (FUNDAÇÃO ROGE). 

Hoje, segundo consta na página do Instituto Água e Terra, 98% dos imóveis rurais no Paraná já aderiram ao CAR, possibilitando um acervo de dados que dão o diagnóstico da situação ambiental no estado. Entretanto, apesar do avanço na realização do cadastro por parte do setor rural, alguns problemas são verificados na execução do cadastro, conforme já mencionados neste trabalho, os quais dificultam a análise por parte do órgão ambiental competente, exigindo inúmeras retificações que contribuem para a morosidade da regularização.

Em virtude de problemas recorrentes encontrados nos cadastros e pela falta de critérios técnicos para a realização do mesmo, a possibilidade de ser exigida uma anotação de responsabilidade técnica é assunto considerado entre os conselhos profissionais. Essa problemática permite refletir sobre a qualidade do cadastro, o que facilitaria a análise a partir do momento em que os dados autodeclarados se aproximassem da realidade do imóvel (JUNQUEIRA, 2015). 

A obrigatoriedade da exigência de uma anotação de responsabilidade técnica, não só para os cadastros de imóveis acima de 04 módulos fiscais (requisitos em alguns estados), seria de suma importância na celeridade do processo. 

Contudo, ressalta-se que os órgãos públicos das esferas ambiental e de extensão rural, diretamente associados ao tema, devem propiciar todo o auxílio necessário aos proprietários sobre o cadastro, bem como, oferecer responsáveis técnicos para a execução para aqueles que possuam enquadramento como pequenos agricultores ou em vulnerabilidade socioeconômica.

Portanto, os resultados observados neste trabalho atestam a viabilidade do CAR como ferramenta ambiental, bem como, expõem parte do déficit de cobertura florestal a ser recomposta nos imóveis e problemas relacionados ao cadastro.

6. REFERÊNCIAS  

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