ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO BOLIVIANA DE 2009 SOB A PERSPECTIVA DA IMPLEMENTAÇÃO DO ESTADO PLURINACIONAL: UMA QUESTÃO INDÍGENA

ANALYSIS OF THE 2009 BOLIVIAN CONSTITUTION FROM THE PERSPECTIVE OF THE IMPLEMENTATION OF THE PLURINATIONAL STATE: AN INDIGENOUS ISSUE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501181523


Andréia Alvarenga de Moura Meneses 1


RESUMO: Neste artigo, pretendeu-se esmiuçar como ocorreu a implementação do Estado Plurinacional com a promulgação da Constituição Boliviana de 2009. A finalidade foi perquirir se o conteúdo da agenda dos Povos Originários foi se construindo até a edição de um arcabouço constitucional até então inédito na América Latina. Para a construção deste estudo, o caminho metodológico utilizado foi da pesquisa exploratória, descritiva e etnodigital, com abordagem qualitativa e objetivos explicativos. Como conclusão, observou-se que a consecução da agenda indígena foi empreendida de forma inteligente, dentro de um momento político fugaz, que propiciou a implementação da política pública de Estado Plurinacional.

PALAVRAS-CHAVE: Bolívia, Constituição, Estado Plurinacional, Povos Indígenas.

ABSTRACT: This article aims to examine in detail how the Plurinational State was implemented with the promulgation of the Bolivian Constitution of 2009. The purpose was to investigate whether the content of the Indigenous Peoples’ agenda was constructed until the publication of a constitutional framework that was unprecedented in Latin America. To construct this study, the methodological approach used was exploratory, descriptive and ethnodigital research, with a qualitative approach and explanatory objectives. In conclusion, it was observed that the achievement of the indigenous agenda was undertaken intelligently, within a fleeting political moment, which allowed the implementation of the Plurinational State public policy.

KEY WORDS: Bolivia, Constitution, Plurinational State, Indigenous Peoples.

INTRODUÇÃO

            Como noticiado ao redor do mundo, em junho de 2024, tanques do Exército e militares adentraram o Palácio de Governo Boliviano, em uma tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-comandante do Exército Juan José Zúñiga, com o intuito de derrubar o Presidente Luis Alberto Arce. De acordo com os veículos formais de notícias, o golpe acabou sendo desmobilizado, e o general, preso[1].

            Assim como em outros sítios da latinidade, a Bolívia é um país que vive em meio à instabilidade política, uma das espécies de “herança maldita” dos tempos de exploração colonial ibérica sobre nosso continente.

            Como apontado por Meneses (2024), o Estado Plurinacional pode ser considerado, “em linhas gerais, a possibilidade de haver Estados dentro de um Estado Nacional, com base, principalmente, na diversidade cultural e ancestral dentro de um mesmo território”.

            Veja-se que, portanto, o reconhecimento de um Estado Plurinacional parte da questão identitária cultural dentro de um determinado território. Mais que respeito à cultura e à tradição, o liame para se averiguar a existência de um Estado reside na identidade das pessoas reunidas em determinada área. Isso porque cultura e tradição são, no caso da América Latina, remendos e obliterações (Ribeiro, 2016).

            A identidade, por outro lado, no sentido de pertencimento, de resgate da familiaridade com o grupo, é um elemento mais profundo, que se reporta, por um ângulo, a aceitar de onde se veio e, de outro, de querer um futuro não apenas como um presente expandido sem esperança, mas também como um projeto no qual podemos ver um horizonte diferente daquele que nos foi dado, pois “é a fé no futuro porque se procura confrontar o presente em seu aspecto mais repugnante” (Eagleton, 2023).

            A Bolívia, foi, na primeira década do séc. XXI, um ponto fora da curva dentro da latinidade. Mostrou que as bases e movimentos sociais podem apresentar uma perspectiva de um modo de vida imaginativo e diferente, e é parte dessa história que se investiga a seguir.

O ESTADO PLURINACIONA NA CONSTITUIÇÃO BOLIVIANA DE 2009

            Consolidadas de forma mais profunda as bases epistemológicas da pesquisa, a investigação passa por uma breve análise sobre a implementação da Política Pública de Estado Plurinacional na Constituição Boliviana de 2009, exemplo de experiência transformadora eminentemente latino-americana, quando se refere ao sistema normativo constitucional protetivo dos direitos dos Povos Originários.

Note-se que a Bolívia é denominada, desde 2009, Estado Plurinacional da Bolívia, embora tenha vivido uma ditadura civil-militar de 1964 a 1982, o que não foi impeditivo para que os movimentos populares indígenas se desenvolvessem no final do séc. XX e início do séc. XXI.

            Enquanto a oligarquia local boliviana tinha como braço opressor a tropa militar e policialesca, a massa popular, de maioria Indígena, tinha nos sindicatos, desde a década de 1930, um oásis para a organização da classe trabalhadora naquele País. Isso porque, com o início das reformas neoliberais do final do séc. XX, muitos dos trabalhadores demitidos das empresas estatais ficaram na informalidade das Cidades ou retornaram ao campo, levando consigo o cerne da organização sindical apreendida.

            Nesse ponto, faz-se mister uma breve retrospectiva da História recente da Bolívia. O Politólogo brasileiro André Coelho (2022, p. 137) pontua que, desde a Independência, ocorrida em 1825, a Bolívia vivenciou mais de 100 golpes e contragolpes de Estado, evidência que aponta para uma constante instabilidade política, que também sugere uma participação expressiva dos movimentos sociais, formados em grande parte por Indígenas, campesinos e cocaleiros[2].

            Se, como sabido, o percentual população de Indígenas no Brasil é de menos de 1%, e no Chile, cerca de 13%, na Bolívia, ao contrário, os Indígenas correspondem a 62% da população[3]. Em contrapartida, a representatividade política indígena era quase inexistente até o início do séc. XXI, ficando a cargo de uma ínfima oligarquia local branca.

            Na Bolívia, a maioria dos Povos Originários Bolivianos vem da etnia Aymara ou Aimará, cujo modo de vida se traduz, em uma comparação simplista e apenas ilustrativa, porque o contexto é bem mais complexo que isso, a uma forma comunitária de vida, com modos de produção comunais, em contraposição ao modo colonial exploratório que se observa no cenário boliviano desde Potosí (Galeano, 2022).

Na leitura do tema, Leonel Jr. (2017, p. 19) aponta essa diferenciação do modo de produção social aymara como elemento influenciador dos movimentos sociais campesinos bolivianos, “dando um caráter nacional e popular ao movimento das massas no final dos anos 70”.

Ao se debruçar sobre a obra do pensador boliviano Garcia Linera, o Professor da UFF observa a tipologia dos modelos dos setores produtivos bolivianos, em que apenas cerca de 25% da população participa diretamente do processo produtivo, o que denota a particularidade do país ora em exame, nos seguintes modelos: (i) mercantil-industrial moderno, correspondente de 20 a 30% da população, em atividades voltadas ao mercado (mineração, indústrias, comércio e serviços); (ii) mercantil artesanal, em que a atividade mercantil se limita a uma forma artesanal, incluindo o trabalho urbano informal, que representa 68% dos trabalhadores bolivianos, além do campesinato arrendatário de terras e artesãos; (iii) gestão comunal, dotada de suas próprias práticas, onde a terra e a família seguem suas próprias instituições e autoridades; e (iv) amazônico, que sofreu a maior ausência do Estado[4].

Note-se que no modo de vida Aymara não se vislumbra subordinação automática e hegemônica única do capital entre as comunidades andinas, o que se observa, noutro eito, é o controle estatal relativo sobre as relações de trabalho (Leonel Jr., 2018).

Vale dizer que o poder estatal não tem tanta ingerência sobre as relações peculiares dentro do Ayllu. Como não há capital interno circulante, não há como se impor as regras de exploração laboral inerentes ao capitalismo, o que não significa, entretanto, que os Indígenas não estejam submetidos ao Estado Nacional nas relações sociais fora do ambiente protegido comunitário.

            Mais recentemente na História Boliviana, com relação aos movimentos sociais e mecanismos democráticos, destaca-se a chamada Guerra da Água (2000), reivindicação indígena contrária à privatização de todas as fontes naturais de água, que ganhou adesão da classe média, obrigando a rescisão do contrato celebrado entre o Governo do ex-ditador Hugo Banzer (1999-2001) e a concessionária privada de serviços de fornecimento de água, um conglomerado formado por empresas estrangeiras e bolivianas.

Em 2003, houve outro confronto social que ficou conhecido como Guerra do Gás, em consequência da tentativa de venda do gás natural boliviano para os Estados Unidos através dos portos chilenos (Leonel Jr., 2018).

            Interessante relevar que, assim como a industrialização sistematicamente defeituosa na Bolívia propiciou a continuidade do modelo dos Ayllus, esse modo de vida ancestral desatrelado das exigências de produtividade extrema do neoliberalismo, impostas desde a década de 1990, foi um vetor importante da mobilização social indígena, na medida em que havia uma consciência de empreender formas de protesto inteligentes, numa rotatividade acertada entre os manifestantes, que se revezavam nos protestos, o que fazia com que manobras de protestos sociais, como marchas, piquetes e bloqueio de vias públicas, durassem por muito mais tempo que em outros contextos. “Essa forma organizativa e de luta foi fundamental para a debilidade das políticas neoliberais e a resistência das comunidades a essa ação do Estado, inclusive a repressora” (Leonel Jr., 2017, p. 47).

            Um ponto a ser destacado é que os movimentos sociais Indígenas bolivianos do início dos anos 2000 fortaleceram a união entre as etnias, transformando-se no que viria a se chamar Bloco Histórico Indígena-Popular, formado por (i) indígenas-camponeses; (ii) moradores dos Ayllus; (iii) sindicatos de trabalhadores; (iv) juntas de vizinhos e (v) associações.

Para que essa agrupação indígena fosse possível, Leonel Jr. (2018) pesquisou os fatores que fizeram com que a reivindicação do reconhecimento do Estado Plurinacional fosse constitucionalmente reconhecida, sendo o embrião da Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia de 2009: (i) ampla comunicação nos idiomas Quéchua e Aymara nas discussões e nas propostas; (ii) difusão do conhecimento comunal do território, de suas rotas e sítios específicos, para usá-los em seu favor; (iii) sistemas de deliberação em assembleias com consulta e execução coletivas em larga escala; e (iv) lógica de economia comunal autossustentável de abastecimento das comunidades nos períodos de conflito.

            Desse quadro, fica nítido que as políticas públicas hegemônicas tradicionais, de contingenciamento das demandas populares, já não eram capazes de desempenhar o papel do Estado com relação aos Indígenas Bolivianos.

Por outro lado, a classe dominante boliviana, ínfima parcela da população, era instável e vinha perdendo força como elite do País. Equivale dizer que, para a Bolívia, o modelo hegemônico da Democracia Representativa já não mais entregava desempenho para um bloco majoritário da população de pessoas indígenas subalternizadas e marginalizadas. Para a almejada mudança, seria necessário um verdadeiro processo decolonial, profundo e orgânico.

Assim, os conflitos entre Indígenas e o Governo iam se intensificando, ao passo que, contraditoriamente, os representantes eleitos eram cada vez mais ligados à classe dominante, à exceção do líder cocaleiro Evo Morales Ayma, do Movimento ao Socialismo, partido cocaleiro indígena[5], que, em 2006, tornou-se o primeiro Presidente Indígena da Bolívia, eleito em primeiro turno (Coelho, 2022).

Os primeiros objetivos manifestados pelo Presidente Morales, com o apoio do Movimento Indígena-Popular, foram (i) nacionalizar o manejo dos hidrocarbonetos; e (ii) convocar uma Assembleia Constituinte.

Interessante, no estudo do período mencionado, como observado por Leonel Jr. (2018), o uso inteligente contra hegemônico dos instrumentos políticos hegemônicos, de modo a barrar a institucionalidade inerente à Democracia Representativa, no caso, dos interesses da classe dominante boliviana, o que pode ser considerado inovador. O mesmo processo foi, mais tarde, repetido na Venezuela.

O Governo Morales cuidou, nesse primeiro momento, de tentar reverter os estragos neoliberais, visando a recompor as perdas salariais dos trabalhadores. Paralelamente, o debate sobre a autodeterminação dos Povos Originários ia seguindo, mesmo que de forma lenta, sobretudo no ano de 2008, em que ocorreram diversas tentativas de derrubada do Presidente Evo Morales.

O antigo bloco de poder oligárquico boliviano, abalado e enfraquecido com o resultado das eleições presidenciais, tentou desestabilizar o Governo Morales de várias formas, valendo-se das antigas formas de opressão, perpetradas principalmente pelos governantes locais, sustentados pelo poder histórico da classe dominante.

O argumento trazido por Leonel Jr. (2018), no sentido de que a retirada dessa classe dominante do poder estatal central foi imprescindível para a consecução do reconhecimento do Estado Plurinacional, se mostra proeminente, na medida em que, como visto, mais uma vez o povo boliviano soube se utilizar das instituições hegemônicas em proveito da pronúncia de seus direitos tolhidos pela classe dominante, principalmente local, avassalada às elites globais. Isso porque, para o objetivo da feitura de uma nova ordem constitucional, os governos locais já não detinham a importância política para barrar o processo em âmbito nacional.

Em 2008, foi convocado um Referendo Revogatório ao mandato de Evo Morales, que foi ratificado na Presidência da Bolívia com 67% dos votos. No mesmo ano, no mês de setembro, o bloco histórico da direita iniciou uma série de ações golpistas, com a ocupação e destruição de mais de 72 instituições estatais, como o canal estatal de televisão, a rádio estatal, a empresa estatal de telecomunicações, e a sabotagem do gasoduto de Tarija.

O episódio de maior gravidade foi o massacre de dirigentes camponeses no Departamento de Pando. Verificou-se, dessa forma, que havia um grande esquema para a realização de um grande golpe de Estado, de viés fascista, racista e antidemocrático, o que fez com que o Governo Morales interviesse militarmente em Pando e expulsasse o embaixador dos EUA, que fazia o link entre a classe dominante local e os apoiadores internacionais para o plano de golpe de Estado.

Paralelamente, o Governo Morales incentivou movimentos da sociedade civil nos redutos da direita, de sorte que esse movimento foi um ponto de virada importante para consolidar o Governo Morales, que se sagrou vencedor na reeleição de 2009 (Leonel Jr., 2018).

            Embora tenha sido democraticamente eleito, Morales se deparou com ferrenha oposição das oligarquias bolivianas. Em 2008, o embate político teve seu ápice quando foram convocados referendos por entidades federativas, inquinados inconstitucionais, que conferiam maior poder que à Presidência, o que incrementou a instabilidade política.

De acordo com Coelho (2022), no mesmo ano, Evo Morales enfrentou seu maior desafio político, ao convocar um referendo para consulta popular sobre os ocupantes dos cargos de poder, ele incluído.

Em meio a todos esses eventos, com manifestações populares violentas, foi instaurada a Assembleia Constituinte, em 2007, que por pouco não foi um fracasso, porque os constituintes dedicaram seu tempo às formalidades do processo de feitura da Nova Constituição, ao invés de debaterem sobre a nova ordem constitucional que seria instaurada (Coelho, 2022).

Note-se, portanto, que as evidências coletadas sugerem que o plano de golpe de Estado intentado em 2008, na Bolívia, pela classe dominante local em conluio com os EUA e investidores globais, não foi exitoso devido aos seguintes fatores: (i) impermanência da direita no Governo Central; (ii) unidade de pensamento e ação do Bloco Histórico Indígena-Popular; (iii) apoio das Forças Armadas, compostas de Indígenas e Mestiços, ao Governo Morales; e (iv) estratégias inteligentes de movimentação da sociedade civil nas áreas em que a direita detinha maior base eleitoral.

            Embora Simone de Beauvoir (2019, vol. 2, p. 539) tenha apontado que “o fato histórico não pode ser considerado como definindo uma verdade eterna; traduz apenas uma situação que se manifesta precisamente como história porque está mudando”, não se pode negar que esse fato histórico boliviano é muito importante para se compreender a instituição da Política Pública do Estado Plurinacional naquele País, com a promulgação da Constituição de 2009.

Enquanto a latinidade seguia o modelo neoliberal, com, por exemplo, privatizações e precarização das relações laborais, Evo Morales seguia no caminho oposto. Nos primeiros anos de governo, nacionalizou a indústria de petróleo, produtora de hidrocarbonetos, e as telecomunicações, o que gerou críticas internacionais. Releva-se, quanto ao ponto, a nacionalização do parque industrial pertencente à estatal brasileira de petróleo, a Petrobrás (Coelho, 2022).

            Em janeiro de 2009, todavia, foi aprovada, com 61,43% de apoio popular, a Nova Constituição Democrática Plurinacional Boliviana, que garantiu maior controle do Estado sobre a economia e garantiu os Direitos Fundamentais aos Povos Originários, ao mesmo tempo em que deu maior autonomia administrativa aos governos locais (Coelho, 2022, p. 148).

Acerca do tema, Leonel Jr. (2018) ressalta que a cultura boliviana privilegia os mecanismos de Democracia Comunitária. Somando-se a isso, os trabalhadores que se viram fora do sistema econômico neoliberal, no início do séc. XXI, já haviam aprendido nos sindicatos a mobilização coletiva, com capacidade aglutinadora suficiente para mudar a ordem institucionalizada desde os tempos coloniais.

            Nesse particular de pensamento coletivo e modo de vida ancestrais, a exploração colonial não conseguiu o intento de desestabilizar a subjetividade do Povo Boliviano. O sistemático e idealizado desenvolvimento defeituoso da industrialização local, imposição do explorador ao Sul Global, acabou por manter as tradições originárias, porque forjou a identidade indígena boliviana de coletividade (Leonel Jr., 2018).

A Bolívia conseguiu refundar o Estado, pelo menos naquele instante e mesmo diante de muitas adversidades, para o reconhecimento dos Direitos dos Povos Originários, plasmados na Constituição de 2009, sob a forma de Estado Plurinacional, que pode ser conceituado como o reconhecimento da coexistência de ordens políticas, culturais e jurídicas dentro de uma mesma ordem nacional.

            Malgrado o percentual de Indígenas na Bolívia (62%) torne o cenário específico e, à evidência, diferente dos demais países, como Chile (12,8%) e Brasil (0,83%), os dados demonstram a resiliência do Povo Boliviano, em sua origem, sob uma ótica inclusiva, dentro da humanidade que partilhamos (bell hooks, 2019).

Cuida-se a Bolívia de um caso de sucesso constitucional latino-americano contra a subserviência e o anacronismo ainda verificados em outros locais, como descrito no curso desta pesquisa.

Retira, ao mesmo tempo, do Texto Constitucional, um certo verniz de ascetismo e neutralidade, tão longe da realidade, haja vista que a Constituição deve exprimir os valores e anseios do Povo Político.

Positiva, da mesma feita, confrontando a realidade do séc. XXI, estruturas institucionais que têm por desiderato combater práticas racistas e coloniais, que estão arraigadas no pensamento das pessoas latino-americanas.

Se, por um ângulo, a Constituição, por si só, não muda uma sociedade, como visto, não se pode afirmar que não seja ao menos um caminho inicial para interpelar a realidade numa sociedade sistematicamente desigual.

O Texto Constitucional, ao assenhorar-se da filosofia moral – o que deve ser, o que é desejável; das reflexões éticas – o que é universalmente bom; e do ideal de justiça – o que é legítimo, reduz a defasagem histórica entre expectativas e resultados em matéria do alcance da igualdade substancial entre Indígenas e Não-Indígenas.

A historicidade indígena boliviana se apresenta muito potente e deve ser um exemplo a ser seguido, ainda mais se observarmos que, na latinidade, a regra, por muito tempo, foi dizimar etnias indígenas inteiras, como a Charrua, no território que abarca, hoje, Argentina e Rio Grande do Sul, no Brasil, origem da cultura gaúcha (Galeano, 2022). Atualmente, pode-se apenas imaginar quais contribuições tais agrupações seriam capazes de promover para o almejado desenvolvimento sustentável, por exemplo.

Depois do extermínio e genocídio, houve processos de aculturação em toda a América Latina, verificados até hoje, em que a população originária tem que se submeter à cultura do explorador, mormente língua e religião.

O racismo estrutural, assim como observado com os povos africanos sequestrados e escravizados, é uma justificativa deplorável para mais um viés de exploração do trabalho dos povos originários e dos escravizados (Galeano, 2022).

Dentre outras consequências perniciosas, não apenas o racismo estrutural, mas também a cultura do estupro, que foi a base da população mestiça em toda a América Latina e Sul dos EUA, um elemento pouco debatido e falado, tanto no âmbito acadêmico, quanto na vida cotidiana (Galeano, 2022; Ribeiro, 2016).

A Constituição Boliviana de 2009, no sentido aqui pesquisado, representa um momento de imaginação política radical, mas não se deve olvidar que a nova ordem constitucional nasceu do movimento popular, em especial o Movimento Histórico Indígena-Popular, verdadeiro exemplo de poder destituinte[6] (Coletivo Tinta Limón, 2021) da ordem constitucional vigente até então.

Outrossim, um exemplo mais recente de movimentos sociais pode ser representado pelos Estallidos Sociales, iniciados em outubro de 2019, no Chile, mas que em comparação com o Movimento Histórico Indígena-Popular Boliviano do início do séc. XXI, são diferentes, posto que este teve como êxito a promulgação da Constituição Boliviana de 2009, ao passo que aquele movimento social encontra-se inconcluso.

O fator de convergência entre os fenômenos históricos apontados é que ambos podem ser categorizados como movimentos sociais, e podem ser considerados exemplos da potência popular e de exercício de poder destituinte. Como visto, o resultado exitoso, especificamente para a instituição de uma nova ordem constitucional (Canotilho, 2033) ocorreu apenas no caso boliviano. No Chile, até então, os movimentos sociais não resultaram na ruptura da ordem constitucional de cerne pinochetista.

Outro ponto em comum repousa no fato de ambos os movimentos sociais representam uma forma imaginativa e nova de organização comum como modo de vida, num mundo globalizado em que é vendida a ideia de que não há alternativa fora do modelo capitalista neoliberal (Bauman, 2008; Byung-Chul, 2023; Coletivo Tinta Limón, 2021).

Note-se, também, que os movimentos sociais destituintes de Bolívia e Chile são populares, feministas e plurinacionais, sendo necessário acrescentar que, de todas as informações coletadas, o elemento comum é a luta coletiva, o que contrasta com o individualismo do empreendedorismo neoliberal (Coletivo Tinta Limón, 2021; Byung-Chul, 2023).

Da mesma forma, o aspecto intergeracional é verificado em ambos os movimentos, demonstrado pelas fotos abundantes nas redes sociais, em exercício de etnografia digital, ficando o claro o papel de apoio dos idosos em cada passo da luta por uma ordem constitucional verdadeiramente contemporânea, desapegada do modelo hegemônico, sexista, colonialista e classista, o que contrasta com o que pode ser denominado trinômio estruturante patriarcado-colonialismo-neoliberalismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            De fato, a História tem várias abordagens, perspectivas ou pontos de fala (Alvim e Madeira Filho, 2024). Todavia, depois dessa breve análise do fenômeno político que culminou com o pronunciamento do Estado Plurinacional Boliviano, parece haver uma esperança.

            Esperança não no sentido determinista judaico-cristão, à espera de algum evento, mas dentro de um sistema normativamente constitucional e democrático (Faoro, 2012), assim sonhado para a América Latina, mesmo diante de todas as mazelas postas como periferia do mundo desde o advento do mercantilismo.

            Muito embora cada sítio da latinidade seja único e incomparável, cabem mais e variados estudos de tais peculiaridades, para se entender como melhorar a vida, sem aquele otimismo que se confunde com optimalismo, mas o otimismo que reconhece os defeitos do presente enquanto contempla um futuro resplandecente para todos (Eagleton, 2023).

Portanto, uma vez assentadas as premissas relativas ao Estado Plurinacional Boliviano de 2009, fica a provocação e a proposta de estudos que devem avançar para a compreensão dos atuais movimentos sociais na América Latina, nesse continuum que é o tempo histórico (Benjamin, 1987).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADAMS, Jonathan; PENDLEBURY, David; POTTER, Ross; SZOMSZOR, Martin. Global Research Report América Latina: América do Sul y Central, México y Caribe. Santiago: Clarivite, 2021.

ALVIM, Joaquim Leonel de Rezende e MADEIRA FILHO, Wilson. Teoria do Direito: diálogos interdisciplinares. Londrina: Engenho das letras, 2024.

BARDACH, Eugene. Los Ocho Pasos para el Análisis de Políticas Públicas. Ciudad de Mexico: Miguel Ángel Porrúa, 2001.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo, Volume 1: Fatos e Mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 5ed., 2019.

——————————. O Segundo Sexo, Volume 2: A Experiência Vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 5ed., 2019.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Para Consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BENÍTEZ, William Guillermo Jiménez. El Enfoque de los Derechos Humanos y las Políticas Públicas. 2007. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/281783858

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas, vol. 1, 3ª. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

BITTENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê Rodrigues. Políticas públicas de Governo e de Estado – uma distinção um pouco complexa: necessidade de diferenciação entre modelos decisórios, arranjos institucionais e objetivos de políticas públicas de Governo e Estado. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 12, n. 3, p. 631-667, set./dez, 2021. doi: 10.7213/rev.dir.econ.soc.v12i3.28105

BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. São Paulo: Unesp, 3ª ed., 2011.

————————. Estado, Governo, Sociedade – Por uma Teoria Geral da Política. São Paulo: Paz e Terra, 11ª ed., 2004.

————————. Liberalismo e Democracia. 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1997.

————————. O Futuro da Democracia. São Paulo: Paz e Terra, 7ª ed., 2000.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2021.

BYUNG-CHUL, Han. La Sociedad del Cansancio. 3ª ed. Buenos Aires: Herder, 2023.

————————–. Não-coisas. Petrópolis: Vozes, 2023.

————————–. Psicopolítica – O Neoliberalismo e as Novas Técnicas de Poder. 10ª ed., Belo Horizonte: Âymé, 2023.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CIOTOLA, Marcello. Relativismo, Universalismo e Justiça Distributiva – Um Estudo sobre Michael Walzer e John Rawls. São Paulo: Almedina, 2018.

COELHO, André Luiz. Por Que Caem os Presidentes? Contestação e Permanência na América Latina. Rio de Janeiro: Mórula, FAPERJ, 2022.

COLETIVO Tinta Limón. Chile em Chamas – A Revolta Antineoliberal. São Paulo: Elefante, 2021.

CRUZ, Sebastião Velasco et al. Direita, Volver! O Retorno da Direita e o Ciclo Político Brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.

DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo. 2006.

DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação. Petrópolis: Vozes. 4ed. 2022.

DWORKIN. Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes. 3ed. 2010.

EAGLETON, Terry. Esperança sem otimismo. São Paulo: UNESP, 2023.

————————-. Barcelona: Cultura Libre, 1997.

ECO, Umberto. Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas. Barcarena: Presença, 2007.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Globo, 2012.

FERNANDES, Ricardo V.C. e BICALHO, Guilherme P.D. Do Direito Positivo ao Pós-positivismo Jurídico – O atual paradigma jusfilosófico constitucional. in: Revista do Senado Federal, 2011. Disponível em <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242864/000910796.pdf>

FERRAJOLI, Luigi et al. Garantismo, Hermenêutica e (Neo)Constitucionalismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2ª ed., 2012.

FOLADORI, Guillermo; PIERRI, Naina. Sustentabilidad? Desacuerdos sobre el desarrollo sustentable. México: Universidad Autonoma de Zacatenas, 2005.

FONTE, Felipe de Melo. Políticas Públicas e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2015.

FUSER, Igor. Conquistas e fracassos dos governos progressistas: elementos para o balanço de um ciclo político que se recusa a morrer. In:  Revista de la Red de Intercátedras de Historia de América Latina Contemporánea Año 5, N° 8, Córdoba, Junio-Noviembre 2018. ISSN 2250-7264.

GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Porto Alegre: LP&M, 2022.

GARGARELLA, Roberto. Castigar Al Prójimo. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2ª ed., 2022.

HARGUINDÉGUY, Jean-Baptiste. Análisis de Políticas Públicas. Madri: Tecnos, 2017.

HARVEY, David. 17 Contradições e o Fim do Capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2016.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição (tradução de Gilmar Ferreira Mendes). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. 1991.

JANCZURA, Rosane. Risco ou Vulnerabilidade Social? Porto Alegre: Textos e Contextos, 2012.

JÓRDAN, Ricardo et al. Desarollo Sostenible, Urbanización y Desigualdad em América Latina y Caribe – Dinámicas y Desafíos para el Cambio Estructural. Santiago: Naciones Unidas. CEPAL, 2017.

LEONEL Jr., Gladstone. O Novo Constitucionalismo Latino-Americano. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2ª ed., 2018.

LÖWY, Michael. As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen – Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento. São Paulo: Cortês. 7ª ed., 2000.

MARX, Karl e ENGELS, Friederich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MEDEIROS, Josué. Regressão democrática na América Latina: do ciclo político progressista ao ciclo político neoliberal e autoritário. In: Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v.49, n. 1, p.98-165, mar./jun., 2018.

MENESES, AAM. Políticas Públicas de Estado Plurinacional: Perspectivas na Latinidade – Parte 1. Revista Amplamente, out/dez 2024. DOI 10.47538/RA-2024, V.3N4. ISSN: 2965-0003.

MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional.8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Porto Alegre, L&MP Editora, 2019.

MONTEIRO, Simone Rocha da Rocha Pires. O Marco Conceitual da Vulnerabilidade Social. In: Revista Sociedade em Debate 44, 2012.

MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional.12ª ed. São Paulo: Atlas. 2020.

RANCIÈRE, Jacqques. As Palavras e os Danos. São Paulo: SOFTE Editora, 2024.

RIBEIRO, Darcy. Configurações Histórico-Culturais dos Povos Americanos. São Paulo: Global, 2016.

SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: Includente, Sustentável e Sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Difícil Democracia, Reinventar as Esquerdas. São Paulo: Boitempo, 2016.

SILVA, Cristhian Teófilo da. Movimentos Indígenas na América Latina em Perspectiva Regional e Comparada. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. UnB, 2015, vol. 9, no. 1, ISSN 1984-1639.

SILVA, Fabricio Pereira da. Fin de La Marea Rosa y el Neogolpismo em América Latina. 2017. Disponível em <https://www.researchgate.net/publication/325477839>

SOSA, Ricardo Sánchez; IBARRA, Alicia Bárcena; La Sostenibilidad del Desarrollo en América Latina y el Caribe: Desafíos y Oportunidades. Santiago: CEPAL, 2002.

TUSHNET, Mark. Tribunales Débiles, Derechos Fuertes. Buenos Aires: Siglo Vinte e Uno, 2023.

VAN COTT, Donna Lee. From Movements to Parties in Latin America – The Evolution of Ethnic Politics. New York: Cambridge University Press, 2005.


[1] https://g1.globo.com/retrospectiva/2024/noticia/2024/12/28/suspeitas-na-venezuela-tentativa-de-golpe-na-bolivia-e-mais-os-principais-acontecimentos-politicos-pelo-mundo-em-2024.ghtml

[2] O emprego da palavra “cocaleiro” não é muito utilizado na Língua Portuguesa, causando estranheza no leitor fora do ambiente acadêmico, porque remonta a uma prática ilícita. De fato, a folha de coca não é apenas a matéria-prima para a obtenção do cloridrato de cocaína, a chamada “cocaína”, um pó branco que é a droga de consumo expressivo dos EUA, que declarou, em 1971, no governo de Richard Nixon, a “Guerra às Drogas”. Mais recentemente, após os Ataques do 11 de Setembro, o presidente estadunidense Bush declarou a “Guerra ao Terrorismo”, em 2001. Esse expediente se mostrou eficaz para a definição da opinião pública dos EUA, conclamados como contribuintes a financiar essas assim declaradas guerras. Não há um inimigo, que pode ser: um país (verbi gratia, Iraque, Líbia ou Colômbia); uma pessoa, por exemplo, Osama Bin Laden ou Saddam Hussein; ou um continente inteiro a ser destruído por meio de engrenagens de colonialismo e neoliberalismo imanentes ao final do séc. XX e início do séc. XXI, como a América Latina com relação à produção de cocaína. De acordo com o sítio Enciclopédia da América Latina (https://latinoamericana.wiki.br/verbetes/c/cocaleiros), “os produtores de coca da Amazônia andina são conhecidos como cocaleiros, setor do campesinato representado pelo presidente da BolíviaEvo Morales, e seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS). Esse setor foi alvo de preconceitos e perseguições dos governos anteriores e dos agentes norte-americanos, pois seu produto é também a matéria-prima da cocaí­na. A coca, contudo, é uma planta típica sul-americana, com nome de origem quíchua (kuka), consumida há séculos pelos indígenas da Bolívia, PeruColômbiaEquador e norte da Argentina. É mascada ou bebida, como infusão, servindo como estimulante e como antídoto para as dificuldades com a altura”. Assim, se por um lado esses camponeses fornecem ao narcotráfico internacional a matéria-prima para suprir a demanda, principalmente dos EUA e da Europa, por outro ângulo, concentram uma prática natural ancestral medicinal para os Povos Originários Andinos.

[3] https://www.belta.org.br/bolivia/

[4] Não sem razão, na parte amazônica dos países que a integram, ocorrem os grandes crimes, incluindo os crimes ambientais, pela ausência de Estado. Neste sentido, Maia e Meneses (2023): https://www.migalhas.com.br/depeso/382211/analise-do-programa-mais-medicos-frente-a-tragedia-yanomami

[5] Na pesquisa do Politólogo André Coelho (2022), no Governo Sánchez de Lozada (2002-2003), a polarização na Bolívia se acirrou, porque, ao propor a construção de um gasoduto para exportação para México e EUA que dependia da aquiescência do Chile, iniciou-se um estado mental coletivo consistente num tema sensível atinente à rivalidade histórica entre Bolívia e Chile, desde a Guerra do Pacífico, no séc. XIX. Justamente nesse período, em 2003, eclodiu o fenômeno social denominado Guerra do Gás, entre a população da cidade de El Alto e o Exército Boliviano. El Alto tinha alto grau de consciência sindical, devido ao fato de que os movimentos sociais se uniam em “Juntas Vecinales”, onde grupos se reuniam para conversar sobre política, bem como para questionar as decisões governamentais. Houve dezenas de mortes e centenas de feridos entre os manifestantes. Mas o ponto crucial para este trabalho é que a Guerra do Gás foi o momento embrionário para a Direita e Extrema Direita fossem sacadas do poder, com a renúncia de Lozada e a posse do então Vice-Presidente Carlos Mesa, no final de 2003, considerado em intelectual apartidário, com 80% do apoio da população. Começou-se, dessa forma, a se falar em uma nova Constituição Boliviana. O Governo Mesa durou até 2005, após diversos fracassos e ausência de coesão política. Note-se que Mesa não detinha o traquejo político para os diversos conflitos sociais bolivianos, incluindo a chamada para uma nova Constituição e a regulamentação do manejo de hidrocarbonetos.

[6] A ideia de poder destituinte faz um contraponto com o conceito hegemônico de poder constituinte.


1 Mestra em Direito e Políticas Públicas – PPGD UNIRIO
Servidora Pública Federal do TRF2
Membra Honorária do Instituto dos Advogados
Brasileiros (IAB)
Especialista em Responsabilidade Civil pela UCAM
Graduada em Direito pela UFRJ
andreiaalvarenga@hotmail.com
ID Lattes: 2230849379391523
ID Orchid: https://orcid.org/0009-0008-4937-1642