COMPARATIVE ANALYSIS OF THE PROFILE OF ALLEGED SEXUAL VIOLENCE VICTIMS UNDER 18 YEARS OLD: A STUDY OF INFANTS, CHILDREN, AND ADOLESCENTS ASSISTED AT THE FORENSIC MEDICAL INSTITUTE OF BELO HORIZONTE – MG
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202501101026
Frederico Fonseca Campos¹;
Renata Luiza de Medeiros Rodrigues Scocuglia².
Resumo
O artigo aborda a análise do perfil de indivíduos menores de 18 anos supostamente vítimas de violência sexual, com base em perícias realizadas no Instituto Médico Legal de Belo Horizonte (IML-BH) entre 2007 e 2012. O estudo investiga características como idade, sexo, local do abuso, parentesco com o suspeito, presença de déficits neurológicos ou doenças psiquiátricas nas vítimas e características das lesões. A pesquisa foi conduzida por meio de uma análise retrospectiva de 2071 laudos, excluindo casos com histórico incompleto ou vítimas que recusaram o exame forense. O objetivo central foi identificar padrões e características que possam auxiliar na prevenção e elucidação de casos, bem como no fortalecimento de processos judiciais. Os resultados indicam que a maioria das vítimas eram adolescentes do sexo feminino, e o agressor, frequentemente, tinha vínculo familiar ou de proximidade com a vítima. A pesquisa conclui que o diagnóstico de abuso sexual infantil requer uma abordagem multidisciplinar, integrando o exame físico, a história relatada pela vítima e exames laboratoriais específicos. Destaca-se a importância da padronização de laudos e da utilização de tecnologias avançadas no contexto forense para aprimorar a identificação e investigação dos casos.
Palavras-chave: Violência. Sexual. Lactentes. Crianças. Adolescentes.
Abstract
The article examines the profile of individuals under 18 years old who were allegedly victims of sexual violence, based on forensic examinations conducted at the Forensic Medical Institute of Belo Horizonte (IML-BH) between 2007 and 2012. The study investigates factors such as age, sex, location of the abuse, relationship to the suspect, presence of neurological deficits or psychiatric disorders in the victims, and characteristics of the injuries. The research was carried out through a retrospective analysis of 2,071 reports, excluding cases with incomplete records or victims who refused the forensic examination. The main objective was to identify patterns and characteristics that could assist in preventing and clarifying cases, as well as strengthening judicial processes. The results indicate that most victims were female adolescents, and the perpetrator often had a familial or close relationship with the victim. The study concludes that diagnosing child sexual abuse requires a multidisciplinary approach, integrating physical examination, the victim’s reported history, and specific laboratory tests. It emphasizes the importance of standardizing reports and utilizing advanced technologies in the forensic context to enhance the identification and investigation of cases.
Keywords: Violence. Sexual. Infants. Children. Adolescents.
1 INTRODUÇÃO
O abuso sexual infantil é o envolvimento da criança em atividade sexual em que esta não tenha total compreensão do ato, não permita que o mesmo ocorra ou que seja incapaz de consentir tal ação. Evidencia-se tal fato quando é estabelecida uma relação entre uma criança e um sujeito em condições de superioridade, podendo esta relação ser baseada em responsabilidade, confiança ou poder do abusador sobre o abusado. A intenção final é a satisfação das necessidades do agressor.1,2 Este ato criminal pode ocorrer de diversas maneiras, podendo ser dividido em dois tipos: com contato físico, como ocorre na penetração vaginal/anal, ou sem contato físico, como telefonemas obscenos.3
A Organização Pan-Americana de Saúde estima que, mundialmente, 36,0% das meninas e 29,0% dos meninos sofram algum tipo de abuso sexual. Essa mesma organização também presume que 20% das mulheres sofrem alguma forma de abuso sexual e que até um terço delas experimentem iniciação sexual forçada.1 Estatísticas acuradas sobre a prevalência do abuso sexual de infanto-juvenil são de difícil obtenção devido à subnotificação e, por isso, diversos estudos nacionais e internacionais julgam-na como de prevalência desconhecida.4 Fato é que esse tipo de violência representa um sério e grave problema de saúde pública.1,5,6
Nesse cenário incerto, estabelecer o perfil da suposta vítima quanto ao sexo, faixa etária, local de agressão, parentesco do agressor com o agredido e lesões físicas quando presentes na perícia e o perfil do abusador são importantes a fim de traçar estratégias de prevenção, reduzindo o número de casos.1 Além disso, Drezett et al.7, corrobora que esses achados forenses auxiliam na elucidação do processo judicial e consequente determinação da pena para o agressor.
Diante disso, este estudo teve como objetivo traçar e analisar o perfil de indivíduos menores de 18 anos, supostamente vítimas de violência sexual, que foram periciados no IML-BH no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2012.
2 METODOLOGIA
O estudo consiste em uma análise retrospectiva de 2071 perícias in vivo, realizadas no Instituto Médico Legal de Belo Horizonte (IML-BH), no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2012, em menores de 18 anos. Foi investigado o perfil das supostas vítimas de abuso sexual quanto à idade, sexo, local onde ocorreu o fato, grau de parentesco com o suspeito, presença ou não de déficits neurológicos ou doenças psiquiátricas nas vítimas e característica(s) da(s) lesão(ões) (quando presentes).
Foram excluídos deste trabalho todos os laudos com histórico pericial incompleto, que não constavam idade e/ou os quais as supostas vítimas se recusaram a realizar o exame forense. Esta pesquisa foi desenvolvida mediante a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH) em dezembro de 2012 com número do CAAE 13327513.9.0000.5101.
3 RESULTADOS
Da amostra total de 2071 perícias, 56,21% (1164) eram crianças, 41,57% (861), adolescentes e 2,22% (46), lactentes e a média de idade foi de 9,75 para o sexo feminino e 8,07 para o sexo masculino.
Com relação ao sexo das vítimas suspeitas de violência sexual, 81,73% (1700) compreendiam meninas e 28,27% (380) meninos. Por outro lado, quando se trata do sexo do abusador, isso se inverte com 97.38% (1339) homens e 2.62% (36) mulheres.
O autor da violência sexual nas supostas vítimas do sexo masculino foi apontado com maior frequência como sendo o pai biológico com 18,41% (37) dos casos e, na sequência, desconhecido (13,43%) e vizinho (11,44%). Para o sexo feminino, o autor mais prevalente foi o pai biológico também (17.90%), seguido de padrasto (16,42%) e desconhecido (14,83%).
O mês de janeiro apresentou maior incidência de casos em contrapartida com o mês de abril, que foi o período com menor número de perícias (Figura 1).
Fazendo referência ao local da ocorrência do crime sexual, 36,46% (144) dos delitos foram na própria residência do abusado, 7,34% (29) na residência de familiares do mesmo e 21,27% (84) na rua.
No quesito de déficit cognitivo/psiquiátrico, as supostas vítimas do sexo masculino apresentaram algum grau de déficit ao exame pericial em 3,53% (13) dos casos. No sexo feminino, observou-se tal achado em 1,20% (20).
A distribuição das características referentes às vítimas de violência sexual em função do sexo encontra-se melhor especificada na Tabela 1.
Tabela 1
Distribuição das características do abuso sexual por gênero das supostas vítimas.
A análise dos achados do exame médico-forense constava em 93% (1926) das perícias de supostos abusados. Destes, não se constataram lesões em 82,24% (1584) dos periciados. Lesões extragenitais foram observadas em 17,76% (342), sendo elas: escoriações, hematomas, equimoses e petéqueas. A topografia anatômica mais atingida foi a dos membros superiores, sendo observado em 3,01% dos periciados (58). Lesões nas pernas corresponderam a 2,44% (47), região cefálica, 2,28% (44), coxas, 1,56% (30) e em dois ou mais segmentos corporais, 4,47% (86). Lesões em mamas e nádegas foram observadas, respectivamente, em 0,88% (17) e 0,47% (09) dos casos.
Das 380 supostas vitimas do sexo masculino, 7,1% (27) constavam nos laudos a descrição da região genital dos periciados, sendo que destes 22,22% (06) apresentaram lesão na mesma, predominando na faixa etária entre 2 e 12 anos. Já as supostas vítimas do sexo feminino cujos laudos constavam a descrição da região vulvar (1569), constatou-se lesões em 3,92% (63). Em crianças e adolescentes, a ocorrência de lesões vulvares, foi identificada em respectivamente, 3,87% e 3,83%, sendo as mais prevalentes no intróito vaginal (1,80%). Pequenos lábios foram responsáveis por 1,24% desse total e, grandes lábios, 0,56%. Em uma criança e três adolescentes, foram encontradas lesões em clítoris. A avaliação ginecológica dos hímens das periciadas revelou que 83,14% (1257) encontravam-se íntegros, sendo que nenhum lactente tinha lesão himenal. Adolescentes apresentaram a maior prevalência relativa para essa alteração: 4,77% (32) com rupturas recentes e 22,80% (153) com rupturas antigas. A região mais afetada em ambos os sexos foi a do ânus em detrimento ao períneo (Tabela 2).
Tabela 2
Distribuição das lesões corporais por faixa etária das vítimas de violência sexual
A realização do exame de “swab” para a identificação de espermatozoides ocorreu em 1311 abusados. Desses, 47% (623) foram realizados nas primeiras 24 horas após o abuso; 16,73% (221) entre 48 horas e 07 dias do ocorrido; 12,57% (166) entre 07 dias e 30 dias; 17,71% (234) entre 30 dias e 01 ano; e 5.83% (77) após 01 ano da ocorrência do abuso. A positividade no campo vaginal para sêmen foi de 13.5% (33) transcorridas menos de 48 horas entre a conjunção carnal e a realização de pericia. O swab retal apresentou positividade para sêmen de 3.03% (01) transcorridas menos de 48 horas. Em ambos swabs, não houve positividade com mais de 48 horas (tabelas 3 e 4).
Tabela 3
Distribuição do exame de swab para espermatozoide e toxicológico por faixa etária das vítimas de violência sexual
TABELA 4
Distribuição dos resultados das swabs para sêmen em função do tempo decorrido entre o abuso e a coleta
4 DISCUSSÃO
Em consonância com outros autores6,8,9,10, os resultados mostraram uma maior incidência de suposto abuso sexual no sexo feminino (81,73%). A menor taxa no sexo masculino pode ser atribuída, em parte, à vergonha e ao medo de relatar o ocorrido e, consequentemente, gerando subnotificação dos casos.11
Em relação à faixa etária, 58,43% das vítimas suspeitas eram menores de 12 anos, dado este maior quando comparado à literatura.8,12,13 Esse dado sugere que abusos sexuais sejam inversamente proporcionais à idade e a capacidade de autodefesa das vítimas.
Quanto ao perfil do suposto abusador, geralmente são homens e que apresentam algum tipo de vínculo à criança, sendo o mais comum o parentesco de paternidade, o que corrobora com a literatura.4,6,7,8,9,11,12. Esse cenário reforça a ideia de subordinação do sexo feminino sobre o masculino, especialmente em crianças, e ainda sugere a existência de uma relação silenciosa e de confiança entre a suposta vítima e o agressor.4,6,11 Dessa forma, o abuso passa desapercebido tanto pela criança, que não possui senso-perceptivo para tanto, quanto para os que a cercam.
O mês com maior prevalência de abusos foi o de janeiro, que representa, no Brasil, o mais longo período das férias escolares, sendo este mais oportuno ao agressor e, portanto, de maior vulnerabilidade da vítima. Em relação ao local do suposto delito, a residência da própria vítima mostrou-se como o cenário mais prevalente, como demonstrado por outros estudos. 4,12,13 Esse achado possui provável correlação com o grau de parentesco do abusador com a vítima, uma vez que se faz necessário um ambiente onde a criança se sinta segura e haja tempo hábil para a construção de um vínculo.
Este estudo revelou também que 1,62% das supostas vítimas tinham algum déficit cognitivo psiquiátrico, sendo este considerado um fator de risco para a vitimalização.1,14 Esse valor encontrado é relativamente baixo em relação à amostra total de 2.071 supostas vítimas. Contudo, a casuística da população estudada é composta, em sua maioria, por indivíduos sem esse déficit, o que contribuiu para a subestimação do dado.
As perícias realizadas encontraram lesões em apenas 17,76% dos casos, o que pode ser explicado pelo fato de certas ações sexuais não produzirem lesões físicas passíveis de diagnóstico ao exame forense, como o contato oro genital. Além disso, o suposto abusador tende a não deixar vestígios com o intuito de perpetuar o ato e, como se trata de uma criança com uma relação de confiabilidade envolvida, geralmente, não se faz necessário o uso de força física, diferentemente de adolescentes. Esse dado encontra-se abaixo dos valores encontrados por outros autores6,7,15, o que pode ser explicado, em parte, pela não padronização de laudos e pela limitação do exame forense para diagnóstico de atos isentos de achados físicos.
Entre as lesões visíveis ao exame, as de membros superiores foram mais prevalentes, o que pode ser justificado como uma reação de defesa utilizada pela suposta vítima. No entanto, a maioria desses achados são inespecíficos, como escoriações, equimoses, petéquias e hematomas. Essas lesões externas (15,5%) foram mais frequentes que as genitais (4%), fato também demonstrado por Stefanie et al.15.
Normalmente, as lesões de órgãos genitais não estão presentes na perícia, uma vez que as células locais possuem alta capacidade de regeneração.1,2,16 As alterações genitais encontradas no exame forense são mais comuns em crianças pré-púberes, uma vez que há uma baixa concentração de estrógeno e, consequentemente, uma menor elasticidade, lubrificação e espessura dos tecidos.1,2
Todavia, na amostra deste estudo, a maior prevalência de lesões himenais foi encontrada em adolescentes e não em pré-púberes como esperado de acordo com a literatura.1,2 Tal discordância pode ser justificada pelo fato de que, em maiores de 14 anos, a prática de relações sexuais já é algo previamente vivenciado.
Em relação às lesões anais, a presente amostra não evidenciou um número expressivo, uma vez que partes dos abusos não envolvem a penetração e/ou manipulação anal. Além disso, a não realização de alguns exames periciais, como dilatação e tônus anal, pode ser um fator que favorece a não detecção da lesão. Esses exames, por sua vez, não são padronizados, algo que contribui para a heterogeneidade dos laudos.
O resultado do swab para sêmen possui relação inversamente proporcional com o tempo transcorrido entre a coleta do material e o delito.2,11,17,18 A Associação Americana de Pediatria recomenda que a coleta de material seja realizada, preferencialmente, nas 72 horas após o abuso, sendo mais eficaz nas primeiras 24 horas.16,18 No presente estudo, a influência temporal foi estatisticamente significativa (p=0,001), não sendo encontrados swabs positivos após 72 horas. Uma das explicações para essa baixa positividade pode ser a limitação tecnológica, como a técnica de amplificação de DNA, não disponível no IML-BH.
5 CONCLUSÃO
Esse estudo conclui que o diagnóstico de abuso sexual infantil não deve ser baseado apenas no exame físico pericial. Esse deve ser associado à história relatada pela suposta vítima e a exames laboratoriais específicos. Além disso, a implementação de laudos e tecnologias padronizadas dentro do IML-BH auxiliariam na investigação dos supostos casos
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¹Médico titular da sociedade brasileira endoscopia digestiva – SOBED e cirurgião geral. Coordenador serviço endoscopia avançada Hospital municipal Santa Isabel. E-mail: ffcamposmed@gmail.com
²Discente Interna do curso superior de Medicina pelo Instituto Paraibano de Educação -UNIPÊ. E-mail: scocugliamed@gmail.com