AMILOIDOSE NO CONTEXTO BRASILEIRO UMA ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA AO LONGO DE 14 ANOS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202502251651


Tiago Halyson De Oliveira Gomes
Caio César de Siqueira Castro
Jennifer Lee Gonçalves
Luana Mendes dos Santos
Isabella Wakim Ferla
Ricardo Estevão Matos Souto
Jennifer Crispim Silva
Caio Henrique Arteman Ames
Ana Tedesco Vourodimos
Maria Gabriela Koester Froner


RESUMO: Introdução: A amiloidose é uma doença que envolve o depósito anormal de proteínas fibrilares no corpo, prejudicando o funcionamento de órgãos e tecidos. Na amiloidose cardíaca, essas proteínas se acumulam no coração, formando fibrilas amiloides que causam espessamento e rigidez do miocárdio, resultando em problemas na função diastólica do coração. Objetivos: Avaliar o perfil de mortalidade por Amiloidose a nível Brasil e Estado de São Paulo entre os anos de 2010 a 2023. Metodologia: Este estudo é um levantamento epidemiológico de origem ecológica, descritiva, transversal e retrospectiva. Os dados analisados foram obtidos a partir de casos novos registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponíveis na base de dados online do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). A pesquisa abrangeu óbitos por Amiloidose  ocorridos entre 2010 e 2023, em São Paulo e no Brasil. As variáveis analisadas incluíram número de óbitos por amiloidose, ano, faixa etária e sexo. Resultados: Entre 2010 e 2023, foram registradas 2.566 mortes por AC no Brasil, das quais 1.143 (44,5%) ocorreram em homens e 870 (33,9%) em mulheres. No Estado de São Paulo, especificamente, contabilizaram-se 318 óbitos masculinos (12,3%) e 235 femininos (9,1%). Quanto à distribuição racial, observou-se predominância da etnia branca, com 1.192 óbitos em nível nacional e 401 em São Paulo, seguida pela parda, com 545 mortes no Brasil e 79 no estado. Notadamente, o número de óbitos por amiloidose apresentou um crescimento exponencial na última década, com uma média anual de 197 mortes, sendo 553 registradas em São Paulo, representando cerca de 21,5% do total nacional. Em relação à faixa etária obteve-se a seguinte distribuição: no Brasil 1) Menor de 1 ano: 1 (0,04%), 2) 1 a 9 anos: 3 (0,12%), 3) 10 a 19 anos: 8 (0,32%), 4) 20 a 29 anos: 12 (0,48%), 5) 30 a 39 anos: 46 (1,84%), 6) 40 a 49 anos: 154 (6,16%), 7) 50 a 59 anos: 360 (14,4%), 8) 60 a 69 anos: 460 (18,4%), 9) 70 a 79 anos: 512 (20,48%), 10) 80 anos e mais: 457 (37,76%).  Em São Paulo: 1) Menor de 1 ano: 0 (0%), 2) 1 a 9 anos: 1 (0,18%), 3) 10 a 19 anos: 2 (0,36%), 4) 20 a 29 anos: 0 (0%), 5) 30 a 39 anos: 13 (2,35%), 6) 40 a 49 anos: 49 (8,86%), 7) 50 a 59 anos: 92 (16,6%), 8) 60 a 69 anos: 116 (20,97%), 9) 70 a 79 anos: 151 (28,3%), 10) 80 anos e mais: 129 (24,2%). Conclusão: A amiloidose cardíaca (AC) é uma doença rara e progressiva, caracterizada pelo depósito de proteínas amiloides no coração, o que pode levar à insuficiência cardíaca. Sua incidência tem aumentado, especialmente com o envelhecimento da população. No Brasil, a mortalidade por AC cresceu entre 2010 e 2023, principalmente entre homens e brancos. Embora as técnicas de imagem tenham avançado, a doença ainda é diagnosticada tardiamente, o que destaca a importância do diagnóstico precoce para melhorar o prognóstico. É necessário investir em políticas de saúde, conscientização e acesso a tratamentos específicos.

Palavras-chave:Amiloidose cardíaca”; “Diagnóstico precoce”; “Aprimoramento  de manejo”.

INTRODUÇÃO:

A amiloidose é uma doença caracterizada pelo depósito anômalo de proteínas fibrilares no organismo, resultando em comprometimento funcional de diversos órgãos e tecidos. No contexto da amiloidose cardíaca (AC), essa deposição ocorre no miocárdio, levando à formação de fibrilas amiloides insolúveis que, com o tempo, causam espessamento ventricular, rigidez miocárdica e progressiva disfunção diastólica. Esses processos culminam em insuficiência cardíaca restritiva, frequentemente associada a um quadro clínico de alta mortalidade.

Existem diferentes tipos de amiloidose, com destaque para as formas de cadeia leve (AL) e transtirretina (ATTR). A amiloidose AL, geralmente associada a discrasias de células B, como o mieloma múltiplo, envolve a deposição de imunoglobulinas monoclonais. Por outro lado, a amiloidose ATTR, que pode ser hereditária ou senil (mais comum em idosos), ocorre devido à deposição da proteína transtirretina, uma proteína transportadora de retinol e tiroxina. Ambas têm uma fisiopatologia distinta, mas resultam em consequências clínicas similares, como fadiga, dispneia aos pequenos esforços, edema, hipotensão ortostática e síncope. A distinção entre esses tipos é essencial para o manejo adequado e o prognóstico dos pacientes, dado que cada forma possui características clínicas e terapêuticas específicas.

Apesar da gravidade da doença, a amiloidose cardíaca é frequentemente subdiagnosticada, principalmente devido à sobreposição dos seus sintomas com outras cardiopatias, como insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e distúrbios de condução elétrica cardíaca. A falta de características patognomônicas e a diversidade clínica da doença tornam o diagnóstico precoce um grande desafio. No Brasil, a situação é ainda mais complexa, com a doença frequentemente não sendo considerada nos diagnósticos diferenciais, o que impacta diretamente na sobrevida dos pacientes, especialmente quando a insuficiência cardíaca avançada se instala, com uma sobrevida média estimada em apenas seis meses sem tratamento adequado.

O diagnóstico precoce é fundamental para a melhoria do prognóstico. Atualmente, exames de imagem como a ressonância magnética cardíaca com realce tardio de gadolínio (LGE) e a cintilografia com pirofosfato de tecnécio (PYP) são fundamentais na diferenciação entre os subtipos de amiloidose e na estratificação prognóstica dos pacientes. Além disso, biomarcadores séricos, como o NT-pró-BNP, estão sendo investigados como possíveis ferramentas diagnósticas e prognósticas, podendo ajudar na superação das limitações do diagnóstico precoce, especialmente em contextos como o brasileiro.

Estudos epidemiológicos sobre a amiloidose cardíaca são essenciais para entender a verdadeira prevalência e impacto dessa condição, uma vez que sua subnotificação dificulta a formulação de políticas públicas adequadas e a criação de estratégias de saúde. Dados sobre a mortalidade por amiloidose no Brasil, e especificamente no estado de São Paulo, são escassos e dificultam a avaliação do impacto da doença nas diferentes faixas etárias, principalmente em idosos, cuja insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada pode mascarar a presença de amiloidose.

Portanto, compreender o perfil de mortalidade e as características clínicas da amiloidose cardíaca é crucial para a implementação de ações mais eficazes no diagnóstico e tratamento precoce, buscando melhorar a sobrevida dos pacientes e a qualidade de vida das populações afetadas. O avanço das técnicas diagnósticas e a conscientização dos profissionais de saúde sobre essa patologia poderão resultar em um manejo mais eficaz, minimizando o impacto devastador que a doença pode ter na vida dos indivíduos acometidos.

Objetivos: 

Avaliar o perfil de mortalidade por Amiloidose a nível Brasil e Estado de São Paulo entre os anos de 2010 a 2023. 

Métodos: 

Este estudo é um levantamento epidemiológico de origem ecológica, descritiva, transversal e retrospectiva. Os dados analisados foram obtidos a partir de casos novos registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponíveis na base de dados online do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). A pesquisa abrangeu óbitos por Amiloidose  ocorridos entre 2010 e 2023, em São Paulo e no Brasil. As variáveis analisadas incluíram número de óbitos por amiloidose, ano, faixa etária e sexo.

Resultados: 

Entre 2010 e 2023, foram registradas 2.566 mortes por AC no Brasil, das quais 1.143 (44,5%) ocorreram em homens e 870 (33,9%) em mulheres. No Estado de São Paulo, especificamente, contabilizaram-se 318 óbitos masculinos (12,3%) e 235 femininos (9,1%) (Gráfico 1). 

Gráfico 1. Distribuição por sexo dos óbitos por amiloidose, entre 2010 a 2023. 

Pontos marcados

Quanto à distribuição racial, observou-se predominância da etnia branca, com 1.192 óbitos em nível nacional e 401 em São Paulo, seguida pela parda, com 545 mortes no Brasil e 79 no estado (Gráfico 2). 

Gráfico 2. Distribuição por raça dos óbitos por amiloidose, entre 2010 a 2023. 

Pontos marcados

Notadamente, o número de óbitos por amiloidose apresentou um crescimento exponencial na última década, com uma média anual de 197 mortes, sendo 553 registradas em São Paulo, representando cerca de 21,5% do total nacional (Gráfico 3).

Gráfico 3. Distribuição anual dos óbitos por amiloidose, entre 2010 a 2023. 

Pontos marcados

Em relação à faixa etária obteve-se a seguinte distribuição: no Brasil 1) Menor de 1 ano: 1 (0,04%), 2) 1 a 9 anos: 3 (0,12%), 3) 10 a 19 anos: 8 (0,32%), 4) 20 a 29 anos: 12 (0,48%), 5) 30 a 39 anos: 46 (1,84%), 6) 40 a 49 anos: 154 (6,16%), 7) 50 a 59 anos: 360 (14,4%), 8) 60 a 69 anos: 460 (18,4%), 9) 70 a 79 anos: 512 (20,48%), 10) 80 anos e mais: 457 (37,76%). 

Em São Paulo: 1) Menor de 1 ano: 0 (0%), 2) 1 a 9 anos: 1 (0,18%), 3) 10 a 19 anos: 2 (0,36%), 4) 20 a 29 anos: 0 (0%), 5) 30 a 39 anos: 13 (2,35%), 6) 40 a 49 anos: 49 (8,86%), 7) 50 a 59 anos: 92 (16,6%), 8) 60 a 69 anos: 116 (20,97%), 9) 70 a 79 anos: 151 (28,3%), 10) 80 anos e mais: 129 (24,2%) (Gráfico 4). 

Gráfico 4. Distribuição por faixa etária dos óbitos por amiloidose, entre 2010 a 2023. 

Pontos marcados

DISCUSSÃO:

A amiloidose cardíaca (AC) representa uma condição de alta morbimortalidade, com impacto significativo nos desfechos clínicos dos pacientes. Os achados do estudo de Boretto et al. (2023) ressaltam a relevância da ressonância magnética cardíaca (RMC) na estratificação prognóstica da AC, evidenciando que parâmetros anatômicos e funcionais do ventrículo esquerdo (VE) e ventrículo direito (VD) estão fortemente associados à mortalidade. Por outro lado, os dados epidemiológicos brasileiros entre 2010 e 2023 demonstram um aumento expressivo do número de óbitos por AC, especialmente entre homens e indivíduos da etnia branca. A conjugação desses achados reforça a necessidade de estratégias diagnósticas precoces e manejo terapêutico otimizado para melhorar os desfechos clínicos desses pacientes.

No estudo de Boretto et al., a presença do realce tardio com gadolínio (LGE) do VE foi confirmada como um preditor independente de mortalidade, independentemente do subtipo de amiloidose (AL ou ATTR). Esse dado é corroborado pelas meta-análises de Pan et al. e Raina et al., que também demonstraram o impacto prognóstico do LGE. A diferença no padrão de acometimento entre os subtipos (transmural na ATTR e subendocárdico na AL) não influenciou significativamente o impacto prognóstico do LGE, sugerindo que sua presença, independentemente do padrão, deve ser considerada um marcador de risco elevado.

Ademais, os parâmetros quantitativos de caracterização tecidual, como T1 nativo e fração de volume extracelular (ECV), emergem como ferramentas complementares ao LGE. A elevação do ECV miocárdico, mesmo na ausência de LGE, destaca-se como um indicativo precoce de infiltração amiloidótica e está associado a pior prognóstico. Esses achados são de grande relevância na prática clínica, pois podem auxiliar na detecção precoce da doença e na monitorização da resposta terapêutica.

A avaliação funcional do VE também desempenha um papel crucial na estratificação prognóstica. O estudo demonstrou que parâmetros como fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), strain longitudinal global (GLS) e fracionamento de complicação miocárdica (MCF) estão associados a um aumento da mortalidade. Esses achados reforçam a necessidade da incorporação sistemática desses parâmetros na avaliação prognóstica dos pacientes com AC.

Apesar do foco histórico no VE, o impacto do acometimento do VD na AC tem sido progressivamente reconhecido. O estudo de Boretto et al. é a primeira meta-análise a avaliar o papel prognóstico dos parâmetros de RMC do VD em pacientes com AC. Entre os diversos parâmetros analisados, a excursão sistólica do anel tricúspide (TAPSE), a fração de ejeção do VD (RVEF) e o GLS do VD apresentaram associação significativa com aumento da mortalidade, indicando que o comprometimento da função ventricular direita é um fator prognóstico relevante.

Os dados epidemiológicos brasileiros reforçam a necessidade de diagnóstico precoce e otimização do manejo da AC. Entre 2010 e 2023, foram registrados 2.566 óbitos por AC no Brasil, com predomínio em homens (44,5%) e indivíduos da etnia branca (46,5%). O Estado de São Paulo concentrou 21,5% das mortes nacionais, sugerindo possível subdiagnóstico em outras regiões. O crescimento exponencial do número de óbitos na última década pode refletir tanto um aumento real na incidência da doença quanto uma maior identificação devido às melhorias nos métodos diagnósticos, como RMC e cintilografia com PYP.

Diante desse panorama, há uma necessidade emergente de aprimorar o acesso a tecnologias diagnósticas e terapias específicas, incluindo estabilizadores de transtirretina, agentes imunossupressores na AL e suporte para insuficiência cardíaca. Além disso, iniciativas de rastreamento populacional e estratégias de educação continuada para profissionais de saúde são fundamentais para reduzir a taxa de subdiagnóstico e melhorar os desfechos clínicos dos pacientes com AC.

Portanto, a combinação dos achados de imagem, com ênfase na caracterização tecidual e funcional do VE e VD, e os dados epidemiológicos nacionais destaca a urgência de um manejo mais estruturado da AC no Brasil. A incorporação de estratégias diagnósticas precoces, monitoramento clínico rigoroso e terapias direcionadas pode reduzir a alta mortalidade associada à doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados.

CONCLUSÃO: 

A amiloidose cardíaca (AC) é uma condição progressiva e rara, caracterizada pelo depósito de proteínas amiloides no coração, levando à insuficiência cardíaca. Embora não seja uma das principais causas de morbimortalidade cardiovascular, sua incidência tem aumentado, especialmente com o envelhecimento da população. No Brasil, entre 2010 e 2023, a mortalidade por AC cresceu, especialmente entre homens e indivíduos brancos, o que ressalta a necessidade de diagnóstico precoce.

Apesar dos avanços nas técnicas de imagem, como a ressonância magnética cardíaca e a cintilografia com PYP, a doença ainda é frequentemente diagnosticada em estágios avançados. O diagnóstico precoce é essencial para melhorar o prognóstico e reduzir a mortalidade. A implementação de políticas de saúde pública, maior conscientização e acesso a terapias específicas são fundamentais para otimizar o manejo da amiloidose cardíaca e reduzir seus impactos.

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