AMARO: CARACTERÍSTICAS QUE O TORNAM UM LIVRO LITERÁRIO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10428529


Joseane Rosa Rockenbach[1]


Resumo: Neste trabalho, realizamos uma análise representativa da literatura infantil, na obra “Amaro”, de Antônio Schimeneck, além de contextualizá-la no tempo histórico e cenário geográfico, sua função/natureza literária além da visualidade do objeto livro, no intuito de explicitar a importância da ilustração em um livro, assim como as marcas presentes no tipo de letra e em toda visibilidade da obra. Amaro, por ser um personagem altamente representativo, explora cenários que têm envolvimento direto com seu momento, assim como com sua trajetória de vida, sendo as ilustrações fundamentais para que o leitor possa entender o que acontece com o personagem. Todas essas relações são descritas e analisadas neste artigo.

Palavras-Chave: Literatura infantil. Amaro. Ilustrações. 

O desenvolvimento de atividades diversificadas e prazerosas sobre livros literários é um assunto que vem sendo discutido há tempo por vários estudiosos da área da literatura infanto-juvenil. Porém, de nada adianta serem feitas atividades dinamizadas se a obra escolhida não for atrativa e não tiver sido pensada para o público em específico, não ter qualidade, não ser literária e nem conseguir criar uma conexão com o leitor. 

 Saito (2011, p. 97) afirma que, muitas vezes, os próprios profissionais da Educação Infantil, por exemplo, tendo conhecimento de como fazer um estudo aprofundado de uma obra de qualidade com alunos de pouca idade deixam isso de lado por falta de tempo, falta de tempo para organizar esse trabalho, falta de recursos ou até mesmo por usar esse momento apenas para divertir as crianças. Sobre isso a autora afirma: 

 […] muitas vezes, a literatura infantil é tratada como um simples recurso para a introdução de uma atividade escrita ou como preenchimento de um tempo e não como uma possibilidade riquíssima de se trabalhar outros aspectos, tais como a imaginação, a criação, um melhor entendimento de mundo, a oralidade, o entendimento de sequenciação dos fatos e a própria leitura (Saito, 2011, p. 97).

 Dessa forma, o trabalho com livro literário perde o significado passa a ser apenas um instrumento de atividade ocupacional sem significado algum, deixando de oportunizar ao educando, mesmo que muito novo, momentos de construção de sua aprendizagem, de troca de ideias, de observação recursos colocados propositalmente pelo ilustrador da obra de forma a complementar a história e fazer com que as crianças estivessem, dessa forma, interagindo diretamente com o autor. 

 Pensando dessa forma, a literatura adquire um novo viés, com bem aponta Ramos (2015, p. 22) quando afirma que:

A literatura é, pois, fator indispensável de humanização, pois permite que os sentimentos passem de simples emoção para uma forma mais concreta, ou seja, tornem-se conscientes, uma vez que são experienciados pelo leitor. A literatura confirma, assim, o homem na sua humanidade, atuando na memória coletiva da sociedade.

 Dito isso, a autora comprova nossa premissa de que a literatura vai muita além do que apenas ler um livro para ocupar o resto do tempo que sobra da aula ou apenas mostrar as imagens aos alunos introduzir uma atividade escrita, como citamos anteriormente nas palavras de Saito. A literatura precisa desestabilizar, aflorar sentimentos, ela “pode contribuir para a nossa humanização, na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, para a sociedade e para o semelhante”. (Ramos, 2015, p.23)

Considerando que um livro literário precise apresentar tudo que mencionamos anteriormente e ainda muitos outros pontos que não tivemos oportunidade de mencionar aqui devido à proposta deste trabalho, faremos uma análise de um livro literário infantil levando em consideração a contextualização da obra no tempo histórico e o cenário geográfico; a função/natureza literária da obra e materialidade, visualidade do objeto (livro).

O livro escolhido para análise foi Amaro[2], de Antônio Schimeneck, com ilustrações de Paulo Thumé. Foi publicado em 2016 pela Editora Callis, estando na sua 2ª edição. Além disso, o livro recebeu o Prêmio FNLIJ, com o Selo Altamente

Recomendável FNLIJ 2015.[3] O livro tem 40 páginas, escrito no idioma Português, a forma de encadernação é brochura, seu tamanho é de 25×30, a folha é em papel couche fosco mais resistente e não tão fácil de rasgar, de peso leve, ou seja, apropriado para manuseio de crianças a partir de 6 anos (embora para fazer a leitura sozinho, só será possível para quem já domine a letra script[4], oque, normalmente, não acontece ainda nessa idade) ; não possui orelhas e sua folha de rosto é duplicada sem fala nenhuma palavra escrita, apenas estando completamente pintadas de azul em vários tons (fracos e fortes com branco), como se fossem ondas quebrando na areia.

Amaro era um menino muito apegado a sua madrinha, Ana, e foi pelas mãos dela que ele descobriu um tesouro: a leitura.  

Mas, um dia, sua madrinha contadora de histórias precisou mudar-se para a cidade grande à procura de melhores oportunidades de emprego, porém, para o menino não ficar com muitas saudades dela, arrumou um jeito de manter ele sempre bem pertinho: mandava seguidamente livros com bilhetinho carinhosos para ele.

E foi com esses livros que Amaro viajou para diversos lugares…

Com o passar do tempo, recebeu uma visita inusitada: era sua madrinha que tinha vindo buscá-lo para conhecer a cidade grande e o que sempre quis conhecer: o mar! Quando viu, ele nunca imaginou existir tanta água junta, a diversão foi rolou solta,

“arrancou o couro dos joelhos, a água salgada entrava pela boa e pelo nariz. Achou que tinha ficado cego em meio ao sal que ardia por fora e por dentro de seu corpo, até que foi arremessado para a beira-mar.”[5]. Amaro conheceu tudo que está relacionado ao mar, as jangadas, os peixes, as algas, a cabeleira solta, ou seja, “um cenário repleto de  vida e de beleza”[6] e com isso “AMARO APRENDEU A AMAR O MAR”.[7]

Mesmo quando chegou a hora de voltar para casa ele sabia que voltaria muitas vezes mais para aquele lugar, e sempre quando recebia um livro de sua madrinha, o “aroma enchia sua imaginação de mar[8]” e ele “sabia de onde conhecia aquele cheiro[9]”.

capa do livro, no caso do livro Amaro, é o símbolo marrom à direita da obra logo acima da palavra
“Ilustrações”.

Figura 1- Capa do Livro Amaro

Fonte: https://antonioschimeneck.blogspot.com/p/amaro.html

  “A capa é a embalagem do livro e tem como função apresentar o leitor ao objeto de leitura, seduzindo-o para voltar o seu olhar a esse objeto.” (Ramos; Panozzo, 2005 apud Ramos; Panozzo, 2015, P. 64) Esse olhar precisa despertar a curiosidade sobre o que possa ser encontrado dentro do livro, no caso da obra em estudo, encontramos apenas três cores: um fundo claro e o azul (e nuances), sendo predominante em toda capa além do preto para destacar o título do livro, a mesma cor usada nos textos escritos, com exceção de quando Amaro se pronuncia, quando é apresentado o bilhete da madrinha ou quando o narrador comenta algo que seja muito significante para a história, nesse caso, é usada a cor azul. Chamou-nos atenção que a mesma fonte e cor que foi usada na capa para dizer quem é o ilustrador da obra também foi usada para fazer essas exceções que mencionamos anteriormente, dando, assim, mais significado a essas expressões.

A curiosidade mencionada acima por Ramos pode ser aguçada quando entendemos que, flutuando sobre o mar, está um menino dentro de um balão, porém esse menino está vestido com roupa de mergulhador, além disso, a âncora pendurada sugere que, ao mesmo tempo em que ele quer voar pelo mundo e descobrir muitas novidades, ele também tem a segurança e estabilidade em da família e de sua madrinha, os elementos que compõem essa imagem e que aguçam e despertam a curiosidade do leitor (especialmente o mirim) sugerem que ele não precisa sair de sua casa para conhecer o mundo, mas como? Lendo um livro! 

Além disso, veem-se os elementos gráficos dispostos de forma harmônica, os nomes do autor e do ilustrador um de cada lado da imagem que está bem ao centro da capa e colocados justamente na parte clara para dar destaque à cor escura usada neles, já o título do livro é colocado bem abaixo, sendo a palavra de maior destaque, todo em caixa alta (próprio de criança em processo de alfabetização, como é o caso do personagem), além de ser usada uma letra que imita a letra de uma criança, opondo-se ao nome da editora que vem logo abaixo todo em caixa baixa e do restante de todo texto que aparece escrito no livro. 

Figura 2- Destaque para as p1articularidades do título

Fonte: https://antonioschimeneck.blogspot.com/p/amaro.html

Além do que se expôs até então sobre a capa, vale ressaltar também a forma como o título e imagem[10] dialogam, ou seja, eles lançam pistas para identificação das personagens ou para acontecimentos da história. Amaro seria o menino que está dentro do balão? Ele está fazendo uma de suas “viagens imaginárias” (ou seja, lendo)? Inclusive a imagem da capa faz parte de uma imagem de dentro do livro, quando podemos constar que realmente o menino que está dentro do balão na capa é realmente

Amaro, “Amaro conhecia o mundo por meio das páginas dos livros que Ana mandava11.”

Quanto aos paratextos, tanto o nome do autor quanto do ilustrador aparecem ao lado desse balão, sem muito destaque, sendo o do autor ainda mais destacado, escrito na cor preta e do ilustrador, na cor azul. O destaque principal da capa é o título do livro que também vem a ser o nome do personagem principal, sendo este também escrito na cor preta, o que, pelo jogo de cores feito na capa, julga-se que seria mais chamativo se tivesse sido usada a cor branca também, já que a intenção era justamente prender a atenção do pretenso leitor à palavra AMARO e ao fundo azul irregular com tonalidades díspares desse tom, porém, somente a editora é escrita na cor branca, o que acabou ressaltando um pouco mais na capa. Além disso, temos um jogo de fontes em todas as expressões, modificando-se em cada uma delas.

  Sobre a visualidade, existe um jogo de cores entre as diversas nuances de azul, branco e preto, pode não atrair tanto a atenção de um leitor mais dinâmico e que tenha preferência por cores mais chamativas, ou até mesmo um leitor mais imaturo pode não se sentir motivado por essa analogia de cores, embora, elas tenham sido escolhidas com um objetivo específico e fundamental para completar o sentido do texto durante a leitura. 

Como a imagem visual não tem o compromisso em representar com fidelidade os seres e coisas existentes na realidade visível, mas de criar, inventar para eles novas possibilidades, conforme a verossimilhança, temos um exemplo no livro bem evidente: o mar, pois em vários momentos ele “caminha” pela história sem que percebamos que a ilustração ali presente seja o mar, embora o seja.

Além disso, as cores usadas foram feitas em sintonia com a história, cores sóbrias, sendo o azul e suas nuance a cor principal condizendo com a simbologia que o mar tem para a narrativa e, consequentemente, mantendo as demais imagens em preto e

branco para exaltar e deixar pistas ao leitor sobre qual é a real relação entre o mar, a madrinha e Amaro.

Consequentemente, é uma obra híbrida, ou seja, a linguagem visual pressupõe a escrita e vice-versa, sendo as ilustrações de extrema importância para o entendimento de muitas partes escritas que ficariam incompletas se não fosse pela imagem, isso acontece porque o escritor deixa subentendido na última fala do narrador da página anterior:

“Assim que dominou as palavras, o garoto quase se tornou invisível.”[11] e a próxima página começa com a uma única ilustração, sem escrita nenhuma, apenas dando a entender que ele ficou invisível porque se escondia no telhado da casa para “viajar” pelo mundo da leitura longe de todos que pudessem atrapalhá-lo.

Figura 3- Exemplo de imagem que completa o sentido da escrita

Fonte: SCHIMENECK, Antônio. Amaro. São Paulo: Callis, 2016. (2021)

Quanto ao texto em si, ele é tem um narrador que conta a história e que sabe do que Amaro pensa e sente, “Foi muito triste o dia em que Ana arrumou as poucas coisas que possuía e partiu. Ficou uma saudade enorme que de vez em quando, subia do peito até os olhos do menino e rolava pelo rosto, molhando o travesseiro.”[12] Seria um narrador onisciente, ou seja, ele sabe e descreve tudo que Amaro está sentindo e pensando. Além do mais, aparece apenas uma fala do personagem e nessa única fala, a fonte é azul e ele pergunta: “Lê pra mim?[13], logo no começo do livro, quando o personagem ainda é mais novo e não sabe ler. 

Figura 4- Casa de Amaro

Fonte: SCHIMENECK, Antônio. Amaro. São Paulo: Callis, 2016. (2021)

                     Observemos atentamente a imagem acima, ela mostra o momento em que

Amaro recebe os primeiros livros depois que sua madrinha se mudara para outra cidade; essa imagem nos chama a atenção por três motivos subentendidos: primeiro que os prédios estão dispostos um ao lado do outro como se fossem livros em uma estante de uma biblioteca, já relacionando essa ilustração com a percepção que o leitor tem do enredo da obra, ou seja, a relação das imagens com o espaço e com o tempo permite ao leitor-observador poder completar e interpretar a narrativa apresentada sob diferentes ângulos, como o que expusemos acima. Outro motivo importante dessa imagem é que a única casa que está pintada de azul é a de Amaro, como se ali estivesse representada a metáfora que é feita entre Amaro, os livros, o mar e a casa. Por fim, a casa também tem o formato de um marca texto, como se ao receber esses livros e lê-los ali, em sua casa, ela fizesse parte desse contexto imaginário que ele mesmo criara. Até porque, era sempre no telhado da casa que ele ia quando queria “viajar” em um livro, a relação de liberdade e segurança que a casa oferece a ele e, a toda criança (pelo menos deveria oferecer). “Amaro conhecia o mundo por meio das páginas dos livros que Ana mandava.”[14]

 O tempo cronológico também aparece bem marcado, característica importante para que possa situar o leitor a fazer a passagem de tempo sem precisar da interferência do adulto e, nesse caso, a ilustração tem papel fundamental para auxiliar a criança a identificar e decifrar esses sinais gráficos. Como podemos ver na imagem abaixo, que além de fazer a relação com a linguagem verbal: “Desceram na rodoviária de manhãzinha. A cidade ainda dormia.”[15] faz uso de cores mais escuras, prédios sem luzes, a presença da lua ao fundo, o movimento apenas começando, a “carrocinha” (porém, o desenho é de gato) indo embora, ou seja, há muitas questões possíveis de serem debatidas somente nessa imagem, levando o leitor a fazer associações de tempo apenas pela ilustração e que, associada à linguagem verbal, mantêm uma convergência de sentidos sendo como um fio condutor para o desenrolar da história.

Figura 5- Marca temporal com uso de cores

Fonte: SCHIMENECK, Antônio. Amaro. São Paulo: Callis, 2016 (2021).

 Outro aspecto imprescindível ao texto literário é a literariedade. De acordo com Ramos (2015, p.27) “A literariedade é um aspecto imanente ao texto, expressa pela qualidade literária empregada na construção discursiva. Nesse quesito, convém observar

o emprego de recursos da enunciação literária no tratamento do tema.” Interessante ainda consideramos a formulação trazida por Compagnon, em seu livro O demônio da teoria, no qual o autor afirma que “A literariedade (a desfamiliarização) não resulta da utilização de elementos linguísticos próprios, mas de uma organização diferente (por exemplo, mais densa, mais coerente, mais complexa) dos mesmos materiais linguísticos cotidianos. […] não é questão de presença ou de ausência, de tudo ou nada, mas de mais e de menos (mais tropos, por exemplo): é a dosagem que produz o interesse do leitor” (Compagnon, 2010, p. 42,43). Com essas duas teorias, fica notório que, ao trabalhar com um texto literário, é necessário partir de elementos que evidenciem sua natureza e que o caracterizem, ou seja, a literariedade pode ser apresentada pela plurissignificação e pelo trabalho artístico feito com o texto. 

  No livro em estudo, encontramos várias marcas de literariedade como o uso polissêmico em passagens do texto: “as luzes faiscavam nos seus olhos”[16]; “a cidade ainda dormia[17]; “Uma corrente de vento anunciou que a vela deveria ser içada19.”; claro que todas elas dependem muito do contexto no qual estão inseridas.

 Além disso, mesmo que já tenhamos abordado algumas características referentes ao título, vale ressaltar aqui, a importância que ele tem nessa estória, pois, ao lermos na capa AMARO[18], já temos uma ideia de que o enredo será em torno de um personagem, porém, vai além desse fato, o título é explorado durante toda obra, não só por ser o nome do personagem protagonista, como também por conter dentro da própria palavra um dos assuntos no qual gira a trama: AMARO.

  De acordo com Ramos; Rela (2018, p.1745) “A construção da personagem infantil nas obras destinadas aos pequenos leitores é uma forma de que a literatura dispõe para representar a criança.”, ou seja, vai ser essa presença que fará com que o leitor crie mais identificação com a obra e consiga compreender melhor os acontecimentos, pois, no momento que cria um vínculo com o personagem, consegue “caminhar” pela história com mais facilidade, sem (ou quase nenhuma) necessidade de intervenção de um adulto para compreensão do texto. No caso do livro Amaro, o personagem principal é um menino que tem sonhos, gosta de fazer coisas de menino, como subir no telhado, conhecer coisas novas, nunca tinha visto o mar, fazer viagens, enfim, a realidade de muitas crianças. Percebemos também como o narrador busca relacionar-se com o leitor, quando usa a seguinte expressão: “Os pais confiavam cegamente nela, mas ele teve de ouvir milhões de recomendações…Os pais são assim.[19]” ou seja, todos os pais sempre nos dão muitas recomendações quando saímos de casa, tanto os de Amaro, quanto os do leitor.

 Os textos do livro também facilitam a leitura, pois são breves, fáceis de ler e com palavras que não demandam ainda muita variedade vocabular, porém seguindo corretamente as normas gramaticais. 

Figura 6- Exemplo de um dos parágrafos do texto

Fonte: SCHIMENECK, Antônio. Amaro. São Paulo: Callis, 2016 (2021).

Outra qualificação necessária em um livro de literatura infantil diz respeito à interação que a obra faz com o leitor de um modo geral. De acordo com Ramos (2015, p.28),  

A qualidade da interação efetiva‑se, primeiramente, porque um texto literário acolhe as vivências do leitor, não direcionando seu entendimento, e ainda, entre outros pontos, pelo tema e pela linguagem, que devem estar adequados às expectativas do leitor visado; a obra realiza um duplo papel porque, ao mesmo tempo em que dialoga com a cultura dos leitores pretendidos, deve também ampliar seus horizontes; mobiliza o leitor a estabelecer relações com outros textos literários; propicia uma experiência significativa de leitura, tanto de modo autônomo, como mediada por um leitor mais experiente, e amplia as suas referências estéticas e culturais, contribuindo para refletir sobre seu entorno e sobre si mesmo, ou seja, para sua humanização. 

Encontramos essas características no livro Amaro, pois além de estimular o hábito da leitura e mostrar o quanto isso é prazeroso, ele também evidencia uma relação de amizade e cumplicidade entre Amaro e sua madrinha, como vemos nessas duas imagens do livro:

Figura 7- Momento em que Amaro conheceu o mar

Fonte: SCHIMENECK, Antônio. Amaro. São Paulo: Callis, 2016 (2021).

Figura 8- Primeiro banho de mar de Amaro com a madrinha Ana

Fonte: SCHIMENECK, Antônio. Amaro. São Paulo: Callis, 2016 (2021).

 Além disso, o livro de permite que leitor faça referências com outras culturas, palavras e termos novos, assim como, trabalha a questão humana em todo o enredo. A boa relação que tem com os pais (pelo contexto), a forma simples que ele leva a vida, a vontade de conhecer o mar, ir a um esconderijo secreto para ler seus livros, ou seja, há um misto de expressões que permitem ao leitor perceber que outras crianças vivem as mesmas situações que ele e isso cria empatia com a leitura, interação. Exemplos: “Ao levantar os olhos, o menino deixou tudo cair das mãos. Nunca tinha visto tanta água[20].”;

“Naquele instante, começou a entender por que a madrinha gostava tanto daquelas águas.”[21] (grifo nosso)

Com o propósito de criar um efeito sonoro que resuma o enredo do texto em uma frase, Schimeneck fez uso de uma Figura Sonora, a paronomásia, além de usar outra cor de fonte para essa frase também, a azul, a cor do mar e predominante na obra. Segue a frase: “Amaro aprendeu a amar o mar[22]” ou podemos ler Amaro aprendeu a amaro mar.  

Na verdade, cada livro é único; mesmo que ele seja contado diversas vezes, por diversas pessoas, ele sempre vai trazer uma experiência nova, visto que o leitor é novo e, se porventura, for o mesmo leitor, ele já estará com um novo olhar, visto que está vivendo outra fase de vida.

Pode ser que muitos não percebam vários aspectos que mencionamos e quem nem notem durante a leitura, por exemplo, que ainda não amanheceu, como mostra a figura 5 deste trabalho, talvez seja preciso que um professor faça essa mediação, ou seja, tudo depende do nível de maturidade literária na qual o leitor encontra-se assim como a qualificação do professor.

Além de tudo que foi mencionado, a ilustração desempenha um papel crucial nos livros infantis, desempenhando diversas funções que vão além de simplesmente decorar as páginas. Em suma, podemos destacar algumas das razões pelas quais a ilustração é importante em livros destinados a crianças:

  • Estímulo Visual: crianças são naturalmente atraídas por estímulos visuais. As ilustrações tornam o livro mais atrativo, cativando a atenção da criança e incentivando o interesse pela leitura.
  • Compreensão da História: as imagens auxiliam na compreensão da narrativa. Elas oferecem pistas visuais sobre a trama, personagens e eventos, facilitando a compreensão da história, especialmente para crianças que estão desenvolvendo suas habilidades de leitura.
  • Desenvolvimento da Linguagem: a combinação de texto e imagem ajuda no desenvolvimento da linguagem e vocabulário. As crianças podem associar palavras a objetos ou ações representados nas ilustrações, promovendo uma compreensão mais profunda das palavras e de seu significado.
  • Estímulo à Criatividade: as ilustrações muitas vezes são coloridas e imaginativas, estimulando a criatividade e a imaginação das crianças. Elas podem inspirar a criação de histórias próprias, jogos imaginativos e atividades artísticas.
  • Facilitação da Leitura Independente: para crianças que estão começando a ler de forma independente, as ilustrações oferecem suporte visual, permitindo que elas associem o texto às imagens, facilitando a identificação de palavras e a compreensão do contexto.
  • Atração para Diferentes Faixas Etárias: as ilustrações são adaptadas para diferentes faixas etárias, desde livros com imagens mais simples para bebês até ilustrações mais detalhadas e complexas para crianças mais velhas. Isso permite que os livros atendam às necessidades visuais específicas de cada estágio de desenvolvimento.
  • Promoção da Apreciação Estética: introduzir crianças à arte desde cedo é importante para promover a apreciação estética. As ilustrações nos livros infantis muitas vezes são obras de arte em si, contribuindo para o desenvolvimento do gosto estético.

O fundamental nisso tudo, é compreender o quanto a ilustração é importante para que o aluno consiga ficar envolvido com a história, estabelecendo um processo de interação que vai além do que ele possa ler, assim como, fazer uso da imaginação o que contribui para formação da sua consciência crítica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela observação dos aspectos analisados sobre o livro Amaro, conclui-se com total clareza que o livro infantil pode ser considerado um livro literário, visto que apresentou vários critérios que um livro precisa ter para ser considerado literário, tais como: uma capa bem elaborada; o título além de indicar sobre quem será o personagem principal e que, faz-se presente o tempo todo; a visualidade tanto no jogo de cores que faz referência ao mar durante toda história quanto nas imagens que ficam subentendidas ou pela literariedade e a interação que a obra faz com outras culturas e com o sentimento humano dos personagens, o que, de alguma forma, reflete no leitor.

Além disso, as ilustrações estimulam a imaginação. Elas complementam o texto, adicionando detalhes e emoções que podem não ser totalmente transmitidos apenas por palavras. Elas são uma forma de expressão artística por si só, pois adicionam uma dimensão estética à obra e muitas vezes refletem o estilo e a visão criativa do ilustrador. Ilustrações bem-feitas podem despertar sentimentos, criar atmosfera e conectar emocionalmente os leitores com a história. 

Ademais, as ilustrações podem tornar o conteúdo mais inclusivo, oferecendo representações visuais de diversidade étnica, cultural, de gênero, entre outras. Em romances ou livros que se passam em locais específicos, as ilustrações podem ajudar a contextualizar o ambiente, proporcionando aos leitores uma visão visual do cenário da história.

Em resumo, a ilustração desempenha um papel essencial na criação de uma experiência envolvente e educativa para as crianças, auxiliando não apenas na compreensão da história, mas também no desenvolvimento de habilidades cognitivas, linguísticas e criativas.

Por fim, é fundamental compreender, na prática, como reconhecer um livro literário e aprimorar nosso olhar para as características que o tornam literário, para, como dissemos no primeiro parágrafo desta análise, de nada adianta toda aparente beleza do livro se ele não conseguir estabelecer um vínculo com o leitor, só assim será possível oferecer ao leitor um mundo repleto de encantamento e de magia que somente um bom livro oferece.

REFERÊNCIAS

BROCCHETTO RAMOS, Flávia.; RELA, Eliana. A infância na narrativa infantil brasileira:de Mário a Raquel. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 13, n. 4, p. 1742-1758, out./dez., 2018. E-ISSN: 1982-5587. DOI: 10.21723/riaee.unesp.v13.n4.out/dez.2018.11152

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

RAMOS, Flávia Brocchetto; PANOZZO, Neiva Senaide Petry. Mergulhos de leitura: a compreensão leitora da literatura infantil. Caxias do Sul, RS : Educs, 2015.

SAITO, H. T. I. Literatura infantil e educação infantil: limites e possibilidades do trabalho pedagógico. In: CHAVES, Marta (org.). Práticas pedagógicas e literatura infantil. Maringá: EDUEM, 2011.


[2] Disponível parcialmente em: https://www.google.com.br/books/edition/Amaro/Ny7sDwAAQBAJ?hl=ptBR&gbpv=1&printsec=frontcover . Acesso em jun/2021.

[3] A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ – premia livros considerados excepcionais em suas categorias por meio do selo Altamente Recomendável, recebendo alguma indicação logo na

[4] Mais conhecida como letra “emendada”, informalmente. 

[5] SCHIMENECK, Antônio. Amaro. São Paulo: Callis, 2016., s/p.

[6] Ibid, s/p.

[7] Ibid, s/p.

[8] Ibid, s/p.

[9] Ibid, s/p.

[10] Houve, aqui, a necessidade de abordar um pouco sobre visualidade devido a sua relação com o título. 11 Ibid, s/p.

[11] 12 Ibid, s/p.

[12] Ibid, s/p.

[13] Ibid, s/p.

[14] 15 Ibid, s/p.

[15] 16 Ibid, s/p.

[16] Ibid, s/p.

[17] Ibid, s/p. 19 Ibid, s/p.

[18] Fizemos uma pequena alteração na fonte exigida pela ABNT apenas para usar uma aproximada à do livro para ser mais representativa, aqui, nesse contexto.

[19] 21 Ibid, s/p.

[20] Ibid, s/p.

[21] Ibid, s/p.

[22] Ibid, s/p.


[1] Graduada em Letras/Literatura; Especialista em Leitura e Produção Textual; Especialista em Mídias da Educação; Especialista em AEE e Salas de Recursos Multifuncionais; Especialista em Gestão Escolar (Administração, Supervisão, Orientação e Inspeção); Mestre em Letras e Cultura; Doutoranda em Educação.