ALVEOLAR OSTEITIS IN DENTISTRY RELATED TO THE USE OF ORAL CONTRACEPTIVES
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202507161627
Thyago Henrique Lewin
Giovanna Moreno Lopes
Thiago Costa de Oliveira Galiza
Hélio de Jesus Kiyochi Júnior
Kelly Cristini Tarquinio Marinho
Levy Anderson Cesar Alves
Elcio Magdalena Giovani
Nicholas Pascuotte Filippetti
Resumo
O uso de anticoncepcionais orais combinados (AOCs), amplamente adotado por milhões de mulheres, apresenta benefícios como o controle do ciclo menstrual e da endometriose, mas também pode causar efeitos adversos, inclusive na cavidade oral. Alterações hormonais induzidas pelos AOCs influenciam a resposta inflamatória gengival, o fluxo e composição salivar, o microbioma bucal e a vascularização dos tecidos periodontais, podendo levar à gengivite, hiperplasia gengival reversível e, principalmente, à alveolite (AO) pós-extração dentária. A AO resulta da perda precoce ou na má formação do coágulo sanguíneo no alvéolo, provocando dor intensa e atraso na cicatrização. Uma meta-análise demonstrou que usuárias de AOCs têm quase o dobro de risco de desenvolver AO em comparação às não usuárias (p < 0,01), devido ao aumento da fibrinólise causado pelos hormônios, que eleva o plasminogênio e reduz seu inibidor, comprometendo a hemostasia local. Além disso, a AO é uma infecção inflamatória óssea grave vinda da extração dentária que proporciona dor aguda na região, gerada entre 1 a 3 dias devido à má coagulação na região e exposição do osso alveolar. A incidência da AO varia segundo a extração realizada no paciente, tendo um maior índice em terceiros molares mandibulares, 37%. O tabagismo, a higiene oral inadequada, resposta imunológica comprometida e, principalmente, o uso de contraceptivos orais podem potencializar o desenvolvimento da AO.
Palavras-chave: osteíte, alveolite, contraceptivos, fibrinólise, anticoncepcionais orais combinados
Abstract
The use of combined oral contraceptives (COCs), widely adopted by millions of women, has benefits such as controlling the menstrual cycle and endometriosis, but it can also cause adverse effects, including in the oral cavity. Hormonal changes induced by OCPs influence the gingival inflammatory response, salivary flow and composition, the oral microbiome and the vascularization of periodontal tissues, which can lead to gingivitis, reversible gingival hyperplasia and, above all, alveolitis (OA) after tooth extraction. OA results from the early loss or malformation of the blood clot in the alveolus, causing severe pain and delayed healing. A meta-analysis showed that users of OTCs have almost double the risk of developing OA compared to non-users (p < 0.01), due to the increase in fibrinolysis caused by hormones, which increases plasminogen and reduces its inhibitor, compromising local hemostasis. In addition, OA is a serious inflammatory bone infection caused by tooth extraction that causes acute pain in the area, which lasts between 1 and 3 days due to poor coagulation in the area and exposure of the alveolar bone. The incidence of OA varies according to the extraction performed on the patient, with a higher rate in mandibular third molars (37%). Smoking, inadequate oral hygiene, compromised immune response and, above all, the use of oral contraceptives can potentiate the development of OA.
Keywords: osteitis, alveolitis, contraceptives, fibrinolysis, combined oral contraceptives
1. INTRODUÇÃO
A extração dental é um procedimento cirúrgico muito realizado no dia a dia do cirurgião dentista, caracterizada pela remoção dentária por diversas indicações, dentre elas pode-se citar: destruição coronária por cárie ou trauma, raízes residuais, agressão ao periodonto, causas protéticas, dentes mal posicionados, falha endodontia, terceiros molares que estão prejudicando a saúde bucal e patologias (associação com cisto e tumores). São infrequentes as complicações pós-operatórias de tal procedimento, porém podem sim ocorrer; suas causas são multifatoriais e de origens sistêmicas ou locais. (SHIRAZI; BAHAEDDINI, 2020)
Uma das complicações pós-operatórias mais comuns de origem local é a alveolite (AO), sua incidência varia conforme a extração realizada no paciente, tendo um maior índice em terceiros molares mandibulares, 37% (Smith, R. A., & Jones, P. 2023). A etiologia da AO está associada a diversos fatores predisponentes, como o tabagismo, a higiene oral deficiente, a resposta imunológica comprometida e, especialmente, o uso de contraceptivos orais, os quais têm sido apontados como agentes potencializadores do desenvolvimento dessa complicação pós-operatória (Lee et al., 2024). Além desses, destaca-se o papel da atividade fibrinolítica exacerbada no alvéolo pós-extração, que favorece a lise precoce do coágulo sanguíneo, expondo o osso alveolar e desencadeando os sinais clínicos típicos da AO. O aumento da atividade fibrinolítica tem sido particularmente relacionado à elevação dos níveis sistêmicos de estrogênio, condição frequentemente observada em pacientes que usam contraceptivos orais combinados (COCs). (TANG; ABUD; SHARI, 2022)
Por sua vez, os contraceptivos orais têm uma série de benefícios, principalmente no controle da natalidade e no manejo de distúrbios hormonais femininos. Contudo, também se verificaram efeitos colaterais — muitas vezes subestimados — que impactam tanto a saúde sistêmica quanto a cavidade bucal (Dalla Costa et al., 2024). Mudanças hormonais decorrentes do uso dos anticoncepcionais podem interferir diretamente na resposta inflamatória gengival, na composição da saliva, no microbioma bucal e na vascularização dos tecidos periodontais (Zakaryia & Smadi, 2019).
Os contraceptivos orais combinados, compostos por estrogênios (cerca de 0,05 mg/dia) e progestinas (1,5 mg/dia), a presença de níveis elevados de estrogénios, comprometendo a manutenção do coágulo no sítio cirúrgico. Isso se deve à elevação dos níveis de plasminogênio e à redução de seus inibidores naturais, interferindo na estabilidade hemostática local (Norris & Bonnar, 1997 apud Tang et al., 2022), atividade que pode desencadear uma cascata fisiológica que culmina na intensificação da atividade fibrinolítica local, comprometendo a estabilidade do coágulo e favorecendo o surgimento da osteíte alveolar. (OLIVIER et al., [2025])
Ao realizar esta revisão literária, tem-se como principal objetivo analisar a incidência de alveolite seca em portadoras de anticoncepcional combinado, buscando compreender sua relação etiológica com o desenvolvimento dessa condição inflamatória óssea — considerada uma das infecções mais prevalentes no pós-operatório de extrações dentárias.
2. METODOLOGIA
Foram selecionados artigos científicos publicados em inglês, acessados por meio das bases de dados PubMed, SciELO e Google Acadêmico, além de documentos oficiais disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Foram inicialmente identificados 26 artigos que abordavam direta ou indiretamente a relação entre o uso de contraceptivos orais e a ocorrência de osteíte alveolar. Após a aplicação dos critérios de exclusão que desconsideraram estudos que tratavam de alveolite em outras localizações anatômicas (como pulmonar), pesquisas sobre contraceptivos não orais, publicações em idiomas diferentes do inglês, além de artigos não indexados nas bases selecionadas ou que não foram publicados ou atualizados entre os anos de 2019 e 2025. Ao final desse processo, 14 artigos foram considerados relevantes e compuseram o corpus da análise final deste trabalho.
3. REVISÃO DA LITERATURA
3.1 Anticoncepcionais: tipos, vias, mecanismos, indicações.
Atualmente, com a disseminação de informação, ocupação de mulheres em papéis não somente domésticos, mas também no mercado de trabalho e os avanços cada vez mais significativos na ciência, o uso de métodos contraceptivos vem sendo empregados por milhões de mulheres em idade reprodutiva. Dentre os métodos reconhecidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde) pode-se citar adesivo combinado, anel vaginal combinado, injetáveis combinados, pílulas apenas com progestógeno (POPs), acetato de medroxiprogesterona de depósito (DMPA), enantato de noretisterona (NET-EN), implantes de levonorgestrel (LNG) e etonogestrel (ETG), pílulas de emergência (ECPs), dispositivos intrauterinos com cobre (DIU-Cu), DIUs com levonorgestrel (DIU-LNG), DIUs de emergência com cobre, anel vaginal com liberação de progesterona (PVR), métodos de barreira, métodos baseados na percepção da fertilidade, método da amenorreia lactacional, coito interrompido e os anticoncepcionais orais combinados (COCs). (Lancet. 2020).
Dentre os principais métodos contraceptivos os COCs ainda são bem eficazes com Índice de Pearl: <1 gravidez/100 mulheres/ano com uso perfeito; cerca de 7/100 mulheres/ano com uso típico (CDC, 2022) e bem comuns, tendo em vista os anticoncepcionais orais utilizados mundialmente (TEIXEIRA, M. L. F. et al.2025), sendo indicados para a prevenção da gravidez, regulação do ciclo menstrual e controle de condições ginecológicas. Esses medicamentos podem ser classificados em contraceptivos orais combinados, que contêm estrogênios (geralmente etinilestradiol – 0,05 mg/dia) e progestinas (como levonorgestrel, desogestrel ou drospirenona- 1,5 mg/dia), destaca-se como um dos mais relevantes, sendo amplamente utilizado por cerca de 50 milhões de mulheres em todo o mundo ou somente progestogênio, administrados principalmente por via oral. (Prachi et al., 2019)
Do ponto de vista fisiológico, os contraceptivos orais atuam inibindo a ovulação pela supressão dos hormônios luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH), além de promoverem alterações no muco cervical, dificultando a mobilidade e a capacitação dos espermatozoides (Prachi et al., 2019). Os Mecanismos de Ação dos contraceptivos orais combinados (COCs) são medicamentos atuando em múltiplos níveis do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.
A forma do estrogênio funciona muito na redução do FSH, parando o crescimento de folículos; já o progestagênio corta o surto de LH, paralisando de forma efetiva a ovulação em mais de 98% dos ciclos se usar direitinho (LANCET, 2020). Ta m bé m , o progestagênio aumenta muito a espessura do muco cervical, tornando mais difícil a entrada dos espermatozoides efeito que começa após as primeiras 24 horas de ingestão do medicamento. Os dois hormônios juntos provocam atrofia do endométrio tornando o ambiente uterino ruim para implantação de blastocisto além de alterar motilidade da tubas uterinas dificultando o transporte d o óvulo e dos espermatozoides Entre benefícios adicionais dos COCs está redução da dor menstruação da acne síndrome dos ovários policísticos e o perigo câncer endométrio e ovário (ACOG ; 2020), o que justifica sua ampla utilização em diferentes faixas etárias, apesar dos potenciais efeitos adversos sobre a fisiologia oral e hemostática.
3.2 Alterações Fisiológicas provocadas pelos anticoncepcionais
Apesar do ótimo e eficaz funcionamento dos COCs, existem diversas contraindicações para seu uso como, por exemplo: história de trombose venosa profunda, AVC, enxaqueca com aura, câncer de mama ativo, hipertensão grave (DRAGOMAN, M. V. et al. 2022). Na literatura já há evidências que o uso desses fármacos está relacionado a uma série de efeitos adversos, como náuseas, alterações de peso, acne, pigmentações cutâneas e variações no ciclo menstrual (Prachi et al., 2019). No ambiente bucal, os hormônios sexuais, principalmente a progesterona, elevam os níveis de prostaglandinas e de leucócitos polimorfonucleares no fluido gengival, reduzem a síntese de colágeno pelos fibroblastos do ligamento periodontal e aumentam a dilatação vascular, favorecendo inflamações gengivais e perda de inserção periodontal (Mullally et al., 2007; Arumugam et al., 2015). Além disso, alterações na saliva, como diminuição do fluxo, dos eletrólitos e das proteínas salivares, podem resultar em xerostomia, relatada por cerca de 30% das usuárias (Maha Al-Saffar, 2019).
Estudos recentes têm explorado possíveis efeitos sistêmicos desses hormônios sintéticos sobre o metabolismo ósseo, a resposta fibrogênica, regulação hematológica e a resposta imunológica, levantando hipóteses sobre sua influência em processos patológicos locais e sistêmicos. Estudos recentes têm relatado alterações dos anticoncepcionais na saúde oral, como a osteíte alveolar odontológica. (Lopez et al. 2020)
Dessa forma, compreender os tipos, vias de administração, mecanismos e indicações dos anticoncepcionais é fundamental para investigar sua possível relação com complicações odontológicas, especialmente a osteíte, que compromete a cicatrização óssea após procedimentos odontológicos e impacta diretamente no prognóstico do tratamento.
3.2.1 Fluxo e composição salivar
As flutuações hormonais induzidas pelo uso contínuo de contraceptivos orais combinados (COCs) têm sido associadas a alterações significativas na fisiologia bucal, em especial na função das glândulas salivares. Diversos estudos relatam que esses hormônios, em especial o estrogênio e a progesterona, podem reduzir o fluxo salivar — condição conhecida como xerostomia — além de modificar a composição bioquímica da saliva, comprometendo suas funções protetoras naturais (García-Rojo, 2024; Mullally et al., 2007).
A redução do volume e da qualidade salivar prejudica o mecanismo de auto limpeza da cavidade oral, favorecendo o acúmulo de biofilme dental, a proliferação microbiana e o desequilíbrio do microbioma oral. Além disso, a saliva alterada apresenta menor concentração de proteínas antimicrobianas, enzimas e eletrólitos essenciais, fatores que comprometem a defesa local contra patógenos, a neutralização de ácidos e a reparação tecidual (Arumugam et al., 2015; Al-Saffar, 2019). Em levantamentos clínicos, estima-se que cerca de 30% das usuárias de COCs relatam sintomas de boca seca, além de apresentarem redução de proteínas salivares e alterações nos níveis de íons como cálcio e fosfato (Al-Saffar, 2019).
Essas modificações salivares impactam diretamente a resposta inflamatória e o processo de cicatrização de feridas bucais, especialmente em contextos pós-operatórios como extrações dentárias. A deficiência salivar favorece um ambiente bucal propício à inflamação exacerbada e à colonização bacteriana patogênica, elevando o risco de complicações como a osteíte alveolar, condição dolorosa caracterizada pela perda do coágulo sanguíneo no interior do alvéolo e atraso na regeneração óssea (García-Rojo et. al., 2024).
Entre as manifestações clínicas associadas a essas alterações hormonais e salivares também se destacam: gengivite inflamatória exacerbada, melanose gengival induzida por hiperpigmentação melanocítica, e hiperplasia gengival reversível com a interrupção do uso dos contraceptivos (Al-Saffar et. al, 2019).
3.2.2 Alterações do microbiota oral
Os efeitos hormonais induzidos pelo uso contínuo de contraceptivos orais combinados (COCs) podem interferir significativamente na homeostase da cavidade oral, em especial no equilíbrio do microbioma bucal. O aumento dos níveis sistêmicos de estrogênio e progesterona realizados pelos COCs tem sido relacionado à modulação da microbiota subgengival, favorecendo o crescimento e prevalência de patógenos periodontais na microbiota subgengival, tais como Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia e Aggregatibacter actinomycetemcomitans, além do aumento na colonização fúngica por espécies do gênero Candida, como C. albicans e C. glabrata (Ali et al., 2016).
Estudos demonstram que mulheres usuárias de COCs apresentam maior prevalência de patógenos periodontais na microbiota subgengival, tais como Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia e Aggregatibacter actinomycetemcomitans, além do aumento na colonização fúngica por espécies do gênero Candida, como C. albicans e C. glabrata (Ali et al., 2016).
Embora algumas análises ainda apresentam resultados inconclusivos quanto ao padrão definitivo de alteração microbiana, observa-se uma tendência à modificação do ecossistema bucal em decorrência do uso prolongado de contraceptivos hormonais , tal desequilíbrio microbiano (disbiose) pode levar ao acúmulo exacerbado de placa bacteriana, exacerbação da resposta inflamatória gengival e comprometimento da cicatrização tecidual, principalmente em contextos pós-cirúrgicos. (Rojo; Lloret; Gironés, 2024).
Nesse contexto, destaca-se que as infecções odontogênicas — frequentemente associadas a doenças como cárie profunda, periodontite ou pulpite — apresentam etiologia polimicrobiana, e podem se disseminar dos dentes para o processo alveolar, tecidos moles faciais, cavidade oral e regiões cervicofaciais (Flynn et al., 2015), formando dessa forma locais com um fator de risco significativo para o desenvolvimento de osteíte alveolar. A instalação e progressão dessas infecções dependem de fatores como o estado sistêmico do indivíduo, a virulência dos patógenos e as estruturas anatômicas envolvidas (Rocha, 2020; Azenha, 2012; Arora, 2018).
3.2.3 Vascularização dos Tecidos Periodontais
Alterações hormonais induzidas pelo uso de contraceptivos orais combinados (COCs) exercem efeitos sistêmicos e locais significativos na cavidade oral, impactando diretamente a resposta inflamatória gengival, o fluxo e a composição salivar, o microbioma bucal e a vascularização dos tecidos periodontais. Essas modificações podem favorecer o surgimento de condições clínicas como gengivite, hiperplasia gengival reversível e, principalmente, a osteíte alveolar (OA) em pacientes submetidas a exodontias (Zakaryia; Smadi, 2019; Mullally et al., 2007; Arumugam et al., 2015; Al-Saffar, 2019).
Entre os mecanismos fisiopatológicos mais relevantes, destacam-se o aumento da vascularização gengival, da atividade de células inflamatórias como os polimorfonucleares e da produção de prostaglandinas e citocinas pró-inflamatórias. Paralelamente, observa-se uma redução na síntese de colágeno pelos fibroblastos do ligamento periodontal, o que compromete a regeneração tecidual e favorece a progressão de doenças periodontais (Rojo; Lloret; Gironés, 2024). Essas alterações, em conjunto, predispõem a uma inflamação exacerbada com acúmulo mínimo de biofilme, resultando em sangramento gengival espontâneo e aumento da susceptibilidade a infecções locais, como a AO.
Adicionalmente, os COCs mimetizam, em menor intensidade, os efeitos hormonais observados durante a gravidez. Tais efeitos incluem hiperplasia gengival, sensibilidade tecidual aumentada e maior risco de infecções periodontais, mesmo em pacientes com higiene bucal adequada (Ali et al., 2016). Nesse contexto, a vascularização alterada pode levar à aumento da permeabilidade capilar e da angiogênese, criando um ambiente altamente suscetível à inflamação e atraso na cicatrização tecidual (Prachi et al., 2019).
No que se refere à microbiota bucal, as flutuações hormonais afetam sua composição qualitativa, promovendo um desequilíbrio que favorece a proliferação de espécies bacterianas periodontopatogênicas, como Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia e Aggregatibacter actinomycetemcomitans (Ali et al., 2016). Essas alterações microbianas aumentam a agressividade do biofilme e contribuem para o desenvolvimento de infecções gengivais e periodontais mais graves, que dificultam a cicatrização e elevam o risco de osteíte alveolar após extrações dentárias (García-Rojo et al., 2024; Shirazi; Bahaeddini, 2023).
Os COCs, em sua formulação padrão, associam estrogênios (com destaque para o etinilestradiol) e progestagênios derivados da progesterona, os quais exercem ação sistêmica através da modulação do eixo hormonal e ação local nos tecidos orais. Essa modulação hormonal afeta diretamente a resposta inflamatória dos tecidos moles, influenciando o padrão de vascularização, permeabilidade tecidual e regeneração celular, o que pode favorecer o surgimento de doenças inflamatórias gengivais e ósseas, como a gengivite e a osteíte alveolar (Prachi et al., 2019).
3.2.4 Resposta inflamatória gengival e gengivite
Os contraceptivos orais (COs) podem influenciar diretamente a resposta imunológica dos tecidos gengivais, promovendo um aumento da inflamação local. Estudos como os de Kalkwarf (1978) e Tilakaratne (2000), citados por Ali et al. (2016),Os contraceptivos orais combinados (COCs) exercem influência direta sobre a resposta inflamatória dos tecidos periodontais, principalmente pela ação hormonal do estrogênio e da progesterona. Esses hormônios atuam aumentando a permeabilidade capilar, a vascularização local e a infiltração de células inflamatórias na gengiva, resultando em sinais clínicos como edema, eritema, sangramento gengival e hiperplasia gengival reversível (Houston et al., 2001; García-Rojo et al., 2024). Estudos clássicos, como os de Kalkwarf (1978) e Tilakaratne et al. (2000), revisados por Ali et al. (2016), demonstraram que mulheres que fazem uso contínuo de COCs por mais de dois anos apresentam sinais clínicos gengivais exacerbados, mesmo diante de níveis controlados de placa bacteriana.
A resposta inflamatória exacerbada está relacionada a alterações morfológicas e funcionais de células periodontais, como fibroblastos e leucócitos, que sob o estímulo constante dos hormônios sexuais sofrem modulação genética e bioquímica. Isso inclui aumento da produção de prostaglandinas e citocinas pró-inflamatórias, com redução da síntese de colágeno e, consequentemente, prejuízo à integridade e regeneração dos tecidos periodontais (García-Rojo et al., 2024; Shirazi; Bahaeddini, 2023).
As alterações hormonais provenientes do uso dos COCs simulam, em menor escala, os efeitos gestacionais sobre os tecidos periodontais, levando à gengivite gravídica-like, com sensibilidade aumentada à placa bacteriana, mesmo em pequenas quantidades, e predisposição a inflamações persistentes e dificuldades no processo cicatricial, especialmente em procedimentos cirúrgicos como exodontias (Ali et al., 2016; Prachi et al., 2019).
Portanto, a relação entre o uso prolongado de COCs e o agravamento da saúde periodontal é bem documentada, com impacto direto no risco de desenvolvimento de osteíte alveolar após exodontias, uma vez que a inflamação prévia e a cicatrização comprometida são fatores de risco conhecidos para essa complicação. (SHARMA et al., 2019).
3.2.5 Hiperplasia gengival reversível
A influência hormonal prolongada dos contraceptivos pode causar hiperplasia gengival, sendo um crescimento excessivo do tecido gengival. Este crescimento excessivo é normalmente reversível após a interrupção da terapêutica hormonal. O excesso de tecido pode criar áreas que retêm a placa bacteriana e os irritantes, agravando ainda mais as respostas inflamatórias e impedindo os processos de cicatrização após os procedimentos dentários. (ALI et al., 2016)
3.2.6 Alterações hematológicas ligadas aos COCs
O uso de contraceptivos orais está associado a alterações hematológicas, como aumento dos níveis de hemácias e hemoglobina, possivelmente devido à redução do sangramento menstrual e maior absorção de ferro. Em geral, os índices eritrocitários permanecem inalterados, e a contagem de plaquetas pode se elevar em função do estrogênio, embora o volume plaquetário médio não apresenta diferenças relevantes. A contagem de leucócitos total e diferencial não costuma ser afetada. No sistema de coagulação, observa-se um encurtamento dos tempos de PT, APTT e TT, além de aumento nos níveis de fibrinogênio e D-dímero, indicando um estado de hipercoagulabilidade com implicações clínicas importantes, especialmente em pacientes com predisposição genética (Lopez LM, et al 2022).
3.3 Alveolite
Uma das complicações mais frequentes pós-operatórias relacionadas à exodontia é a alveolite seca , tendo um maior índice em terceiros molares mandibulares, 37%, (Smith, R. A., & Jones, P. 2023). Também conhecida como osteíte alveolar, seu quadro clinico é dor pulsátil e aguda de início retardado, originaria de três a cinco dias após extração do terceiro molar, acompanhada de halitose, ausência do coágulo sanguíneo interalveolar e exposição óssea. (TANG; ABUD; SHARI, 2022).
Atualmente, há grandes pesquisas voltadas à etiologia da alveolite, sendo ela multifatorial. Os principais fatores etiológicos que levam a fatores de risco são o tabagismo, contaminação bacteriana, a má escovação, trauma cirúrgico e, recentemente descoberto, o uso de contraceptivos orais combinados (COCs). Uma meta-análise demonstrou que usuárias de COCs têm quase o dobro de risco de desenvolver AO em comparação às não usuárias (RR: 1,98; IC 95%: 1,42–2,76; p < 0,01) (Tang et al., 2022; Norris & Bonnar, 1997).
Nos estudos que associam os COCs com alveolite seca demonstram haver um aumento significativo na possível formação de osteíte alveolar, visto que o mesmo altera drasticamente a fisiologia da mulher, principalmente a hormonal. Essa alteração causa principalmente o aumento elevado de estrógeno, induzindo o aumento de ativador tecidual do plasminogênio (t-PA), facilitador da diluição do coágulo no alvéolo, ao passo que reduz o nível do inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1 (PAI-1), aumentando o nível de sangramento. Tal desequilíbrio favorece uma fibrinólise exacerbada, dificultando a estabilidade do coágulo no alvéolo pós-exodontia. (OLIVIER et al., [2025])
Com a lise precoce do coágulo expondo o osso alveolar, causada por uma ativação excessiva do plasminogênio convertido em plasmina, auxilia na dissolução do coágulo e na atividade fibrinolítica, através da fibrinólise. Com sua potencialização, há o aumento de quebra de fibrina do coágulo, levando a desestabilidade no alvéolo e havendo consequentemente a alveolite seca (Tang et al., 2022; Norris & Bonnar, 1997).
4. DISCUSSÃO
A alveolite (AO), podendo ser classificada como “alveolite seca”, configura-se como uma das complicações pós-operatórias mais prevalentes e dolorosas após exodontias, especialmente dos terceiros molares inferiores (Smith; Jones, 2023). Sua fisiopatologia está relacionada à perda precoce ou à má formação do coágulo sanguíneo, condição essencial para a cicatrização alveolar. Diversos fatores contribuem para essa condição, entre eles, o uso de contraceptivos orais combinados (COCs) tem se destacado como um importante modificador de risco, especialmente entre mulheres jovens (Tang et al., 2022).
Estudos demonstram que usuárias de COCs apresentam risco até 98% maior de desenvolver AO em comparação às não usuárias, dado que esses hormônios modulam o sistema fibrinolítico, elevando os níveis de plasminogênio e reduzindo seu inibidor (PAI-1), o que favorece a degradação do coágulo sanguíneo (Tang et al., 2022; Norris; Bonnar, 1997). Essa hiperfibrinólise induzida por contraceptivos, mesmo em formulações modernas com doses hormonais reduzidas, permanece clinicamente relevante (Regidor et al., 2025).
Além da modulação hemostática, o uso prolongado de contraceptivos também exerce efeitos deletérios sobre os tecidos periodontais, como demonstrado por Prachi et al que identificaram aumento significativo nos índices de inflamação gengival e perda de inserção clínica entre usuárias de COCs, independentemente da higiene oral. Essas alterações se intensificam com o tempo de uso e refletem diretamente na cicatrização alveolar após procedimentos cirúrgicos, aumentando o risco de OA (Kalkwarf, 1978; Tilakaratne et al., 2000).
A fase do ciclo menstrual também se revelou um fator potencialmente modulador da AO: extrações realizadas entre os dias 8 e 21 — período de pico hormonal estrogênico — apresentaram maior incidência da complicação, reforçando o papel fisiológico dos hormônios na instabilidade do coágulo (Tang et al., 2022). Ainda que os dados sejam inconclusivos, essa observação orienta o profissional a considerar o planejamento cirúrgico conforme o ciclo menstrual da paciente. (TANG; ABUD; SHARI, 2022)
A análise integrada dos artigos revisados permite observar que o anticoncepcional aumenta drasticamente a possibilidade de desenvolver alveolite, principalmente os combinados (COCs), duas vezes mais (Tang et al., 2022; Norris & Bonnar, 1997). Mesmo com a incerteza da etiologia da alveolite, é afirmada a potencialização do uso com o seu desenvolvimento, sendo significativa uma rigidez pós-operatória a ser seguida. (Prachi et al.2019),
No que diz respeito à prevenção da AO em usuárias de COCs, a literatura recomenda condutas específicas, como o uso pré e pós-operatório de clorexidina a 0,12%, que demonstrou reduzir significativamente a incidência de AO (RR = 0,54; IC 95%: 0,41–0,72) (Meta-analysis CHX, 2023). Curativos intra-alveolares com eugenol ou derivados também demonstraram eficácia sintomática, assim como o uso de PRF (fibrina rica em plaquetas), que, além de aliviar a dor, promove regeneração óssea com risco mínimo de rejeição (Clinical Oral Investigations, 2023).
Contudo, mesmo com intervenções profiláticas, a suspensão temporária dos COCs antes da exodontia tem sido apontada como uma estratégia viável. Estudos indicam que os efeitos pró-fibrinolíticos dos COCs permanecem por até 6 semanas após sua interrupção, sendo necessário esse intervalo para retorno aos níveis fisiológicos de coagulação (Regidor et al., 2025). Interrupções inferiores a 2 semanas parecem não oferecer proteção significativa contra a AO, o que reforça a importância de abordagens multidisciplinares, envolvendo ginecologistas e dentistas no planejamento cirúrgico. (TANG; ABUD; SHARI, 2022)
5. CONCLUSÃO
Com o uso de COCs e o aumento de estrógeno assumem um papel de extrema importância para o desenvolvimento do retardo da cicatrização alveolar, caracterizada pelo processo inflamatório e infeccioso interalveolar. Não somente a própria alveolite, mas também há outras alterações que o COCs pode causar, como: gengivite e sangramento gengival, aumento da profundidade de sondagem, resposta inflamatória exacerbada, alteração na microbiota subgengival, possível risco aumentado para periodontite e diminuição da defesa imunológica local.
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