PRESSURE CHANGES IN PREGNANT AND PUERPER WOMEN BEFORE AND DURING THE COVID-19 PANDEMIC: NATIONAL NUMBERS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10013079
Jéssica Sabrina Bezerra Menichele¹
Tarik Kassem Saidah²
RESUMO
As doenças hipertensivas que ocorrem durante a gestação são importantes causas de morbimortalidade materna e infantil em todo o mundo. São quatro principais entidades: hipertensão arterial crônica, pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica, hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia, as quais se diferenciam por seus critérios diagnósticos. Tratam-se de condições multissistêmicas, as quais necessitam de diagnóstico precoce e manejo adequado, para evitar complicações e reduzir morbimortalidade materno-fetal. Houve, durante a pandemia do SARS-COV-2, indícios de que a infecção pelo vírus estaria relacionada a maior risco de desenvolvimento de elevação pressórica e pré-eclâmpsia no período gestacional. Por isso, o objetivo do presente trabalho é avaliar comparativamente os números brasileiros antes e durante a pandemia – 2018 a 2019 e 2020 a 2021 respectivamente, bem como sua relação com os números indicados na literatura internacional. Trata-se de um estudo observacional e retrospectivo, com dados obtidos na plataforma DATASUS/TABNET, na plataforma do SIH (Sistema De Informações Sobre Morbidade Hospitalar). Nos quatro anos em questão, houve 445.182 internações por transtornos hipertensivos durante a gestação, sendo 219.532 no período anterior à pandemia e 225.650 durante a pandemia. Ou seja, um aumento de 6.118 internações durante o período da pandemia, significando cerca de 1,4 % a mais em relação ao período anterior. Houve, do mesmo modo, aumento de 0,02% na taxa de mortalidade. A principal faixa etária materna acometida por esses aumentos é a dos 20 aos 29 anos. Da mesma maneira, mulheres pardas ou negras e marginalizadas em geral sofreram mais os efeitos da pandemia também nesse sentido. Tais dados são compatíveis com os encontrados na literatura. A principal teoria explicativa desse fenômeno envolve desde sobreposições fisiopatológicas entre a elevação pressórica e a pré-eclâmpsia, até a alteração de importantes determinantes sociais de saúde durante a pandemia, culminando em maior morbidade gestacional. Uma boa parte dos dados nacionais, no entanto, perde em confiabilidade em razão da falta de informações. Percebe-se a necessidade de, no contexto de emergências de saúde pública, como foi a pandemia, atentar ainda mais para o controle pressórico na gestação. Mais estudos, no entanto, se fazem necessários para caracterizar melhor essa realidade.
Palavras-chave: Hipertensão. Gestação. Pré-Eclâmpsia. Eclâmpsia.
ABSTRACT
Hypertensive diseases that occur during pregnancy are important causes of maternal and child morbidity and mortality worldwide. There are four main entities: chronic arterial hypertension, pre-eclampsia superimposed on chronic hypertension, gestational hypertension and pre-eclampsia, which are distinguished by their diagnostic criteria. These are multisystemic conditions, which require early diagnosis and adequate management to avoid complications and reduce maternal-fetal morbidity and mortality. During the SARS-COV-2 pandemic, there were indications that infection by the virus was related to a higher risk of developing high blood pressure and pre-eclampsia during pregnancy. Therefore, the objective of the present work is to comparatively evaluate the Brazilian numbers before and during the pandemic – 2018 to 2019 and 2020 to 2021 respectively, as well as their relationship with the numbers indicated in the international literature. This is an observational and retrospective study, with data obtained from the DATASUS/TABNET platform, on the SIH (Hospital Morbidity Information System) platform. In the four years in question, there were 445,182 hospitalizations for hypertensive disorders during pregnancy, 219,532 in the pre-pandemic period and 225,650 during the pandemic. That is, an increase of 6,118 hospitalizations during the pandemic period, meaning about 1.4% more compared to the previous period. There was, likewise, an increase of 0.02% in the mortality rate. The main maternal age group affected by these increases is 20 to 29 years. Likewise, brown or black women and marginalized women in general suffered more from the effects of the pandemic in this regard as well. Such data are compatible with those found in the literature. The main explanatory theory of this phenomenon ranges from pathophysiological overlaps between high blood pressure and preeclampsia, to changes in important social health determinants during the pandemic, culminating in higher gestational morbidity. A good part of the national data, however, loses in reliability due to the lack of information. There is a need, in the context of public health emergencies, such as the pandemic, to pay even more attention to blood pressure control during pregnancy. More studies, however, are needed to better characterize this reality.
Keywords: Hypertension. Gestation. Preeclampsia. Eclampsia.
1. INTRODUÇÃO
As doenças hipertensivas que ocorrem durante a gestação (doença hipertensivas específicas da gestação – DHEG), são importantes causas de morbimortalidade materna e infantil em todo o mundo (ACOG, 2020). Afetam tais índices tanto diretamente, pela sua própria fisiopatologia, quanto indiretamente, pelas consequências no que tange às condutas para o seu manejo – como o uso de anti-hipertensivos e a prematuridade eletiva. Seus principais representantes são a pré-eclâmpsia e a eclâmpsia – entendida como complicação da primeira. Além destas, há outras formas de elevação da pressão arterial (PA) durante a gestação, sendo, principalmente, a hipertensão arterial crônica, a pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica e a hipertensão gestacional. Um diagnóstico correto e tempestivo é fundamental para o manejo adequado de cada uma dessas condições, bem como para prevenir suas complicações (AUGUST; SIBAI; SIMPSON., 2021).
A pré-eclâmpsia é uma doença sistêmica multifatorial, cujo diagnóstico, classificamente, se dá pelo aparecimento de elevação da pressão arterial (PA) e proteinúria significativa em gestante previamente normotensa, da vigésima semana de gestação em diante (ALLOTEY et al., 2020). Embora esse seja o conceito diagnóstico clássico, atualmente se considera também como portadoras de pré-eclâmpsia as mulheres com todos os critérios, fora a proteinúria, mas com indícios de lesões de órgãos-alvo, evidenciadas por trombocitopenia, disfunção hepática, insuficiência renal, edema agudo de pulmão etc. (PERAÇOLI et al., 2018). A pré-eclâmpsia diferencia-se da hipertensão crônica pelo critério temporal de seu estabelecimento, de modo que diz-se haver hipertensão crônica quando a gestante já apresentava elevação da PA antes da gestação ou esta foi identificada antes da 20ª semana de gestação. Por outro lado, quando há piora de hipertensão previamente conhecida, antes de 20 semanas de gestação, com necessidade de aumento da dose de medicamento anti-hipertensivo ou instituição de novo tratamento, diz-se que há pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão arterial crônica. Por fim, a hipertensão gestacional caracteriza-se por elevação pressórica iniciada no período gravídico, sem, no entanto, haver o critério temporal, proteinúria ou quaisquer dados semiológicos semelhantes ao da pré-eclâmpsia (MAGEE et al., 2022).
De forma geral, a hipertensão arterial é definida por níveis pressóricos persistentemente maiores ou iguais a 140 de pressão arterial sistólica e/ou 90mmHg de pressão diastólica, com medida realizada por meio adequado e com a técnica correta. Por “proteinúria significativa” entende-se a presença de 300mg de proteína em exame de urina de 24 horas ou relação proteína/creatinina (mg/dL) maior ou igual a 0,3 ou, ainda, se não houver esses métodos disponíveis, avaliação por amostra de urina isolada em fita (pelo menos uma cruz) (PERAÇOLI et al., 2018).
A pré-eclâmpsia pode ser a causa de várias complicações, como a própria eclâmpsia – presença de crise convulsiva ou coma em gestante com pré-eclâmpsia, bem como acidente vascular cerebral, síndrome HELLP, insuficiência renal, edema agudo de pulmão e morte (AMARAL et al., 2017). A eclâmpsia é considerada a complicação mais grave. A fisiopatologia da pré-eclâmpsia ainda não é totalmente compreendida, embora a teoria mais aceita atribua os seus efeitos pressóricos a alterações presentes na placentação, com malformação dos vasos espiralados, isquemia e liberação de quimiossinalizadores e citocinas pró-inflamatórias, os quais, caindo na corrente sanguínea, afetam o nível pressórico sistêmico (KARRAR; HONG, 2022).
Estima-se que a incidência mundial de pré-eclâmpsia gire em torno de 3 a 5% das gestações (PERAÇOLI et al., 2018). Acredita-se, do mesmo modo, que seja responsável de 2 a 8% de todas as complicações relacionadas à gestação e por cerca de 50.000 mortes maternas e 500.000 mortes fetais todos os anos (KARRAR; HONG, 2022). Os números nacionais, por sua vez, indicam que 1,5% das gestações relacionam-se à pré-eclâmpsia e 0,6% à eclâmpsia, embora seja provável que tais números estejam subestimados, sobretudo por diferenças regionais e socioeconômicas. Nesse sentido, há indícios de que a prevalência nacional de eclâmpsia chegue até 8,1% em regiões menos favorecidas (GIORDANO et al., 2014).
Durante a pandemia do SARS-COV-2, causador da doença denominada COVID-19, houve indícios de que as gestantes apresentavam quadros mais graves após serem infectadas, com maior mortalidade em comparação com mulheres não gestantes e a população em geral (JAFARI et al., 2021). Houve, também, sugestão no sentido de que a infecção pelo vírus da COVID-19 tenha relação significativa com o desencadeamento de elevação pressórica, pré-eclâmpsia, síndrome HELLP e das outras complicações, tanto maternas quanto fetais, relacionadas ao aumento da pressão arterial durante a gestação (CONDE-AGUDELO; ROMERO, 2021) e indícios de que gestantes hipertensas, assim como a população em geral, apresentam maior risco de caso grave e morte por COVID-19 (SMITH et al., 2023). Isso pode se dar, segundo estudos, tanto pelo acometimento multissistêmico do SARS-COV-2 e seu curso fisiopatológico – com destaque apra a possibilidade de o vírus afetar a formação da placenta humana (TOSSETTA et al., 2022), quanto pelo contexto da pandemia e seus impactos psicológicos, sociais e econômicos (LUONG et al., 2021).
Por isso, o objetivo do presente trabalho é verificar, através dos dados públicos do Sistema Único de Saúde, disponíveis na plataforma DATASUS, os números relacionados às gestações que evoluíram com transtorno hipertensivo, estabelecendo um comparativo entre os anos anteriores à pandemia e os anos de seu desenvolvimento.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo observacional e retrospectivo, cujos dados foram obtidos na plataforma DATASUS/TABNET, o banco de dados do Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados foram extraídos do SIH (Sistema De Informações Sobre Morbidade Hospitalar), por local de internação, considerando o número de internações, o número de mortes e a taxa de mortalidade. Foram selecionados como representativos do período anterior ao da pandemia os anos de 2018 e 2019 e, como representativos da pandemia, os anos de 2020 e 2021. Além disso, aplicou-se filtro para lista de morbidades conforme a CID-10, considerando os transtornos hipertensivos da gestação, e demais filtros conforme caráter de atendimento, sexo, idade e cor maternas.
Após a extração dos dados, os resultados foram compilados em planilhas e comparados com os dados disponíveis em artigos científicos encontrados em bancos de artigos validados cientificamente, como SCIELO, PUBMED e MEDLINE, utilizando-se as palavras-chave “hipertensão”; “gestação”; “pré-eclâmsia”, “eclâmpsia” e suas variantes em língua inglesa, de modo a estabelecer um comparativo entre a realidade nacional e os números internacionais. Por fim, os artigos encontrados também foram utilizados como fundamento das discussões, com o mesmo intuito comparativo. Artigos de outras fontes, conforme sua adequação ao tema, também foram utilizados.
3. RESULTADOS
Nos quatro anos em questão, houve 445.182 internações por transtornos hipertensivos durante a gestação, sendo 219.532 no período anterior à pandemia e 225.650 durante a pandemia. Nota-se, pois, um aumento de cerca de cerca de 6.000 casos no referido período. O ano com maior número de internações e óbitos foi o de 2021. O número de óbitos e taxa de mortalidade foi mais alto durante o período pandêmico, com 258 mortes e taxa de mortalidade de 0,11% na pandemia contra 198 mortes e taxa de mortalidade de 0,09% antes da pandemia. Tais dados podem ser melhor visualizados nas tabelas abaixo (tabela 1 e tabela 2) e no gráfico abaixo (gráfico 1).
Tabela 1. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério antes da pandemia de COVID-19.
Ano | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
2018 | 107.976 | 99 | 0,09% |
2019 | 111.556 | 99 | 0,09% |
Total | 219.532 | 198 | 0,09% |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
Tabela 2. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério durante a pandemia de COVID-19.
Ano | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
2020 | 110.822 | 127 | 0,11 |
2021 | 114.828 | 131 | 0,11 |
Total | 225.650 | 258 | 0,11 |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
Gráfico 1. Número de internações por alterações pressóricas na gestação antes e durante a pandemia de COVID-19.
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
A faixa etária mais acometida, no período anterior à pandemia, é a das mulheres de 20 a 29 anos, com 98.177 internações, seguida da faixa etária dos 30 aos 39 anos, com 80.886 casos. Em conjunto, essas faixas etárias respondem por quase 82% de todos os casos. No período da pandemia, tal padrão se manteve inalterado. Observando a idade materna, nota-se que o maior aumento de casos se deu justamente na faixa etária mais acometida, isto é, dos 20 aos 29 anos (tabela 3 e tabela 4)
Tabela 3. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério antes da pandemia de COVID-19, conforme a faixa etária.
Faixa etária | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
10 a 14 anos | 1.524 | 2 | 0,13% |
15 a 19 anos | 26.074 | 20 | 0,08% |
20 a 29 anos | 98.177 | 77 | 0,08% |
30 a 39 anos | 80.886 | 83 | 0,10% |
40 a 49 anos | 12.776 | 14 | 0,11% |
50 a 59 anos | 57 | 1 | 1,75% |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
Tabela 4. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério durante a pandemia de COVID-19., conforme a faixa etária.
Faixa etária | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
10 a 14 anos | 1.317 | 4 | 0,30% |
15 a 19 anos | 24.195 | 23 | 0,10% |
20 a 29 anos | 102.279 | 101 | 0,10% |
30 a 39 anos | 83.335 | 100 | 0,12% |
40 a 49 anos | 14.435 | 28 | 0,19% |
50 a 59 anos | 56 | – | – |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
Observando-se a cor ou raça materna, percebe-se que, no período anterior à pandemia, a maior parte se dá naquelas consideradas pretas/pardas, com 106.446 internações. Nota-se que o aumento de internações elevou-se expressivamente na população parda, com diferença de cerca de 10.000 internações no período, enquanto o número de internações em brancas e mulheres asiáticas/amarelas descresceu no período (tabela 5 e tabela 6).
Tabela 5. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério antes da pandemia de COVID-19., conforme a cor/raça.
Cor/raça | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
Branca | 51.058 | 35 | 0,07 |
Preta | 11.186 | 8 | 0,07 |
Parda | 95.460 | 98 | 0,1 |
Amarela | 4.243 | 5 | 0,12 |
Indígena | 580 | 1 | 0,17 |
Sem informação | 57.005 | 51 | 0,09 |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
Tabela 6. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério durante a pandemia de COVID-19., conforme a cor/raça.
Cor/raça | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
Branca | 49.978 | 42 | 0,08 |
Preta | 12.658 | 17 | 0,13 |
Parda | 105.147 | 126 | 0,12 |
Amarela | 6.029 | 10 | 0,17 |
Indígena | 645 | 1 | 0,16 |
Sem informação | 51.193 | 62 | 0,12 |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
A maioria absoluta das internações por esses transtornos se dá em caráter de urgência, com porcentagem mínima de casos eletivos. Percebe-se que houve elevação do número de urgências relacionadas a transtornos hipertensivos na gravidez (tabela 7 e tabela 8).
Tabela 7. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério antes da pandemia de COVID-19., conforme o caráter do atendimento.
Caráter do atendimento | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
Eletivo | 5.667 | 6 | 0,11 |
Urgência | 213.865 | 192 | 0,09 |
Total | 219.532 | 198 | 0,09 |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
Tabela 8. Número de internações, óbitos e taxa de mortalidade por transtornos hipertensivos na gravidez, parto e puerpério antes da pandemia de COVID-19., conforme o caráter do atendimento.
Caráter do atendimento | Internações | Óbitos | Taxa de mortalidade |
Eletivo | 5.546 | 7 | 0,13 |
Urgência | 220.104 | 251 | 0,11 |
Total | 225.650 | 258 | 0,11 |
Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), DATASUS (2023)
Percebe-se, por fim, nas tabelas acima, grande número de casos “sem informações”, o que dificulta a realização de um perfil estatístico adequado e prejudica a análise dos dados no presente trabalho.
4. DISCUSSÃO
Percebe-se, portanto, que houve um aumento relativo no número de casos de transtornos hipertensivos na gravidez durante a pandemia de COVID-19. Tal aumento, dentre outros, pode significar uma correlação com a situação da pandemia do SARS-COV-2. Apesar de dados preliminares em contrário (CHMIELEWSKA et al., 2021), um estudo recente, do ano de 2023, o qual analisou o número de atendimentos e internações por causa ginecológicas e obstétricas, durante o período de lockdown – em comparação com períodos anteriores, encontrou aumento significativo nas hospitalizações (de 48 para 53,9%) e transtornos hipertensivos (de 1,2 para 2,6%) (CARBONE et al., 2023). Em outra metanálise, de estudos observacionais, percebeu-se aumento significativo no risco de pré-eclâmpsia em gestantes infectadas pelo SARS-COV-2 em comparação com as não infectadas (7% vs 4%, RR 1,62, IC 95%, 1,45 – 1,82, p< 0,00001, I² = 17%). Tal aumento mostrou-se ainda mais significativo em gestantes com COVID-19 sintomática (CONDE-AGUDELO; ROMERO, 2022). Em uma coorte multicêntrica, o qual acompanhou 706 gestantes infectadas pela COVID-19 em comparação com 1.424 não infectadas, houve maior risco relativo de pré-eclâmpsia e eclâmpsia (RR 1,76; IC 95%; 1,27-2,43) (VILLAR et al., 2022). Em outra coorte, a qual acompanhou 2.184 gestantes, sendo 33,2% infectadas pela COVID-19 e 66,8% não infectadas, percebeu-se forte associação entre a infecção e o desenvolvimento de pré-eclâmpsia e eclâmpsia, bem como outras complicações materno-fetais (RR 2,84, IC: 95%, 1,67 – 4,82) (PAPAGEORGHIOU et al., 2021). Por fim, em um estudo com mais de 14.000 gestantes e puérperas americanas, percebe-se, da mesma forma, aumento de desfecho fatal nas gestantes infectadas pela COVID-19, bem como nas chances de doença grave relacionada a doenças hipertensivas, em comparação com as não infectadas (13,4 vs. 9,2%) (METZ et al., 2022).
Na mesma linha, foi possível perceber que, tal como em outros grupos populacionais, a COVID-19 não afetou igualmente os diferentes estratos socioeconômicos, com piores números em países e regiões mais pobres. Isso também acontece quanto ao número de casos de doença hipertensiva da gestação (GAJBHIYE et al., 2021). É a mesma conclusão a que chega um estudo nacional, o qual percebeu maior taxa de eclâmpsia e mortalidade materna em locais mais pobres e com dificuldade no acesso a serviço obstétrico de qualidade em comparação com locais sem esses problemas – prevalência de 0,2% 0,8% de mortalidade materna e mortalidade de 8,1 contra 22% (GIORDANO et al., 2014). Mais uma vez, uma das principais explicações para esse fato é a tendência de, nas regiões mais pobres e nas etnias menos favorecidas, haver menos consultas de pré-natal e mais dificuldade para acesso a serviços obstétricos de qualidade (REALE et al., 2020). Nessa linha, segundo o IBGE, o número de consultas de pré-natal em mulheres negras (de pele parda ou preta) é menor do que em pessoas de pele branca, com 6,4% destas tendo realizado ao menos uma consulta e 6,5% que realizaram pelo menos quatro consultas, contra 4,8% e 4,9% respectivamente – considerados os anos de 2011 a 2013 (IBGE, 2022).
Percebe-se, também, que a pandemia não afetou apenas a saúde física das gestantes, mas também – como na população em geral, sua saúde mental. No que diz respeito aos eventos materno-fetais durante esse período houve aumento significativo na incidência de depressão pós-parto (PD 0,42, IC 95%) (CHMIELEWSKA et al., 2021), transtorno de ansiedade, transtorno depressivo maior (BERGHELLA; HUGHES., 2022) e transtorno do estresse pós-traumático. Tais transtornos podem contribuir para alterações pressóricas significativas e piora do quadro hipertensivo durante a gestação, bem como tem relação com outros desfechos gestacionais negativos (VIAUX-SAVELON et al., 2022).
Além disso, houve também, nos estudos, indícios de que a elevação do número de casos e da mortalidade por alterações pressóricas durante a gestação tenha relação com as medidas tomadas pelas autoridades sanitárias para controlar o espalhamento do vírus, como distanciamento e isolamento sociais, lockdowns e outras (ASHISH et al., 2020). Nesse sentido, tais medidas podem ter contribuído para piora do padrão alimentar entre as gestantes, diminuição na prática de atividades físicas e piora geral do perfil metabólico em decorrência disso. Do mesmo modo, a interrupção da circulação de pessoas pode, também, ter significado maior tempo entre o aparecimento de sintomas e a procura por serviços de saúde, tanto pela situação de superlotação dos equipamentos de saúde, quanto pelo medo de infecção pelo vírus (KUMARI; MEHTA; CHOUDHARY, 2020). Assim, muitos casos de pré-eclâmpsia e eclampsia chegaram mais tarde e mais graves aos serviços de saúde, com impacto sobre a taxa de mortalidade, tanto materna quanto fetal (LUONG et al., 2021).
Por fim, apesar da grande quantidade de estudos em contrário, cabe ressaltar que não há consenso, na literatura, a respeito da associação entre a COVID-19 e a elevação pressórica na gestação. Em revisão sistemática, a qual avaliou o período de 2020 a 2022, não se encontrou relação significativa entre a infecção pela COVID-19 e o desenvolvimento de pré-eclâmpsia, principalmente em razão da inexistência de ferramenta diagnóstica bastante para diferenciá-la das complicações da infecção pelo SARS-COV-2 (TOSSETTA et al., 2022).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia do SARS-COV-2 não afetou apenas os pacientes diretamente infectados por ela, mas também vários determinantes sociais de saúde, com impacto sobre várias outras patologias, tanto físicas quanto mentais (CONDE-AGUDELO; ROMERO, 2022). Dentre estas, conforme fica indicado acima, houve aumento no número de internações e óbitos relacionados a alterações pressóricas durante a gestação e puerpério no Brasil. Houve um aumento de 6.118 internações durante o período da pandemia, significando cerca de 1,4 % a mais em relação ao período anterior à pandemia. Houve, do mesmo modo, aumento na taxa de mortalidade. A principal faixa etária materna acometida por esses aumentos é a dos 20 aos 29 anos. Da mesma maneira, mulheres pardas ou negras e marginalizadas em geral sofreram mais os efeitos da pandemia também nesse sentido (BERGHELA; HUGHES, 2022; GAJBHIYE et al., 2021). Uma boa parte dos dados nacionais, no entanto, perde em confiabilidade em razão da falta de informações no que tange à raça e à faixa etária, com grande número de casos indicados como “sem informação”, de modo que é difícil estabelecer uma correlação estatística fidedigna..
Tais dados são compatíveis com o encontrado na literatura científica mais atual, a qual indica uma realidade estatística semelhante. Explica-se tal fenômeno não só por sobreposições fisiopatológicas importantes entre a COVID-19 e as causas de elevação pressórica e DHEG, mas, também, por alterações no contexto socioeconômico relacionados às medidas sanitárias para controle do vírus, responsáveis, dentre outros, por atrasos na realização de consultas pré-natais, por maior demora na procura por atendimento médico diante de sintomas importantes – levando ao atraso diagnóstico e a mais complicações, maior propensão a hábitos de vida e nutricionais deletérios e impacto direto na saúde mental das gestantes, com maiores taxas de transtornos psiquiátricos – como ansiedade e depressão.
Percebe-se, portanto, a necessidade de, no contexto de emergências de saúde pública, como foi a pandemia, atentar ainda mais para o controle pressórico na gestação. Mais estudos, no entanto, se fazem necessários para caracterizar melhor essa realidade.
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Pré-eclâmpsia nos seus diversos aspectos. — São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2017
¹ Jéssica Sabrina Bezerra Menichele
Médica – Residente de Ginecologia e Obstetrícia
Universidade Evangélica de Goiás
² Tarik Kassem Saidah
Ginecologista e Obstetra – Doutor em Ciências da Saúde
Universidade Federal de Goiás