REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10422734
Anderson da Silva Costa1
Jose de Jesus Soares2
Giselle Karolina Gomes Freitas Ibiapina3
Jane Karla de Oliveira Santos4
Daniel Carvalho Sampaio5
Daniela Carla Gomes Freitas6
Orientadora: Prof. Me. Giselle Karolina Gomes Freitas Ibiapina7
RESUMO
O presente artigo tem o objetivo mostrar os reflexos ocasionado na sociedade brasileira em decorrência das mudanças ocasionados na Lei nº 8.429, de 2 junho de 1992, lei de Improbidade Administrativa – LIA. Tais mudanças feitas ao longo do tempo e, mais recentemente, pela Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, foram significativas e trouxeram incertezas acerca dos efeitos da aplicação da norma. Será feita uma análise dos princípios que nortearam os legisladores, bem como será apreciado o posicionamento da doutrina e jurisprudência sobre a aplicação das sanções antes das alterações advindas da Lei nº 14.230/2021. A pesquisa também analisará o procedimento para a punição dos agentes públicos e demais infratores atualmente e destacará as mudanças, especialmente no que pertine às condutas tipificadas nos artigos 9º,10 e 11 da nova lei de improbidade administrativa, dentre outros aspectos da lei.
Palavras-chave: Improbidade Administrativa. Agente Público. Alterações. Sanções.
1 INTRODUÇÃO
A Lei nº 8.429/1992, desempenha um papel fundamental no combate à corrupção que “afeta diretamente os direitos fundamentais da pessoa humana e, nesse aspecto, incontáveis são os exemplos que podem ser arrolados a fim de ilustrar o quão macabro é esse lado da improbidade” (BONELLI, 2017, p. 28) e à má gestão dos recursos públicos no Brasil. No entanto, ao longo dos anos, essa lei passou por várias alterações que afetaram sua aplicação e, por consequência, causaram reflexos na sociedade brasileira. Neste contexto, examinaremos alguns tópicos que destacam as principais mudanças na Lei de Improbidade Administrativa e seus impactos na sociedade, logicamente aqui não temos a pretensão de esgotar todo o assunto acerca do tema, até mesmo por se tratar de um assunto muito vasto e complexo, vamos falar das principais mudanças causadas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8429/1992, ressaltamos que ainda haverá bastante discussões e divergências a serem pacificadas pela doutrina e pela jurisprudência, haja vista que muitas das alterações ocorreram recentemente, inicialmente veremos como se dá a aplicação das diversas sanções previstas na legislação, a observância e aplicação dos princípios da Administração Pública abordados pela lei 8429/92 e como está sendo aplicado na atualidade após as alterações causadas pela nova lei.
A improbidade administrativa sempre foi uma preocupação do legislador brasileiro, que sempre buscou proteger o bem público em detrimento dos gananciosos que buscavam obter vantagens ilícitas a qualquer custo, além da punição para quem age de forma ímproba, seja agente público ou particular, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) busca o ressarcimento de eventuais danos causados ao patrimônio público, suspensão dos direitos políticos dos que infringirem a lei, entre outras sanções aplicadas aos infratores, entretanto, sempre houve muita discussão acerca da efetividade da lei, antes das mudanças, pois em muitos casos era muito difícil o discernimento do que realmente deveria ser enquadrado como conduta tipificada pela lei em virtude do grande alcance do diploma legal.
Outra dificuldade para a efetividade da aplicação da lei, era a falta de autorização legislativa para transacionar ou celebrar qualquer espécie de acordo nas ações que envolviam atos de improbidade administrativa, especialmente porque a Lei 8429/1992 vedava expressamente em seu §1 do artigo 17 que esse tipo de acordo pudesse ser realizado, o que começou a mudar com advento do chamado pacote anticrime (ou lei anticrime), Lei nº 13.964 de dezembro de 2019, até a edição do dispositivo, não existia consenso acerca da possibilidade de celebração de acordo de não persecução civil no âmbito da lei de improbidade administrativa, Lei 8429, de junho de 1992, o que ocasionava muita instabilidade e insegurança jurídica.
A autora Patrícia Curci de Moura Miranda, aponta que em 2015, o relatório de transparência internacional publicado pela organização não governamental Transparency Internacional, The Global Anticorruption Coalition, destaca que o Brasil está com sério problema de corrupção.
O mapa traz os países classificados em uma escala de corrupção por meio de um índice que varia de zero a 100, em que zero denota o mais elevado nível de corrupção, e 100 representa o mais baixo nível de corrupção. O Brasil é listado na 76ª posição, com 38 pontos, neste relatório de 2015, entre 168 países. Por esse critério o Brasil está abaixo da marca que distingue os países menos corruptos dos mais corruptos, que é de 50 pontos. Em suma, o Brasil, ao alcançar apenas 38 pontos nessa escala de 0 a 100, está entre os países com sérios problemas de corrupção, na percepção da referida International Transparency .
2 APLICAÇÃO DAS SANÇÕES E OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
“A Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – possuía uma redação que possibilitava o questionamento quanto a legitimidade de quase todos os atos administrativos” (PEDRA, 2022, p. 11), e por consequência a responsabilização dos agentes públicos e dos particulares porventura envolvidos na prática destes atos, por uma simples irregularidade procedimental, sob um ponto de vista mais rígido, poderia se tornar uma conduta ímproba, antes da reforma da LIA o Superior Tribunal de Justiça (STJ) havia pacificado o entendimento de que a conduta ímproba descrita no art. 10 da Lei nº 8.429/1992 exigia apenas o elemento subjetivo culpa em razão da explicitude do texto do caput do dispositivo e ainda o dano poderia ser presumido, ou seja, era irrelevante a sua comprovação, vejamos o que diz o autor Joseph Harry Eloi Gaillardetz Neto acerca do tema.
Constitui ato de improbidade administrativa a conduta, comissiva ou omissiva, que atente contra os princípios da Administração Pública, em desacordo com os deveres da honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, como dispõe o artigo 11 da LIA .
Havia uma enorme insegurança jurídica nesse contexto, para os agentes públicos, para os particulares e para a sociedade em geral, carecendo de uma reforma, o que aconteceu em 2021 com o advento da Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, que veio com uma proposta de criar uma “barreira protetora” a segurança jurídica para os honestos agentes públicos e para os atos e contratos administrativos, ao mesmo tempo fornecendo aos órgãos de controle uma arma eficaz para atingir os desonestos e os atos e contratos administrativos cuja existência no ordenamento jurídico ocasionam prejuízos à sociedade. Sem dúvida a guerra contra a improbidade deve ser combatida com força, destreza e inteligência para que a LIA não seja usada contra a própria Administração Pública afastando bons profissionais de seus quadros assim como empresas privadas sérias e comprometidas, por medo de que mera irregularidade ou escolhas administrativas se tornarem condutas ímprobas aos olhos da citada lei, o §,16 do artigo 17 da lei 14.230/2021 enseja a interpretação de que estando presentes os requisitos para a aplicação das sanções decorrentes de práticas de atos de
improbidade administrativa deve o Magistrado, na mesma sentença, além da pena também observar se é o caso de saneamento ou invalidação do ato administrativo, do processo, do procedimento ou do contrato administrativo ímprobo.
A invalidação de qualquer ato administrativo, processo, procedimento ou do contrato administrativo enseja um prejuízo para a Administração Pública, podendo ser de forma direta ou indireta, financeiro, político, social, ambiental, econômico ou administrativo, uma invalidação total ou parcial pode causar prejuízos materiais e imateriais ao interesse público além de causar danos aos particulares, o aproveitamento do ato administrativo, processo, procedimento ou contrato administrativo pode ser a melhor alternativa para o interesse público devendo ser demostrada a partir da fundamentação coerente devendo considerar diversas perspectivas, sejam elas jurídicas, administrativas, econômicas, técnica e políticas.
Na da aplicação da lei deve-se levar em consideração a aplicação dos princípios da Administração Pública, “Os princípios permitem uma maior abertura dialógica entre o texto normativo e a realidade fática, possibilitando uma sintonia fina com as demandas do Estado Democrático de Direito” (AGRA, 2022, p. 18), em se tratando da aplicação das sanções a segurança nas relações jurídicas, expressada pelo princípio da segurança jurídica, essencial em um Estado Democrático de Direito com a finalidade de promover certa estabilidade nas relações jurídicas, entre as consequências podemos citar por exemplo, a proibição, em regra, da retroatividade dos atos administrativos, impedimento de utilização de novas interpretações a situações pretéritas, impedimento de invalidação de atos administrativos favoráveis a destinatários de boa-fé, após um logo tempo, preservação dos direitos adquiridos e garantia da preservação dos efeitos dos atos praticados por funcionários de fato.
O princípio da segurança jurídica também pode ser subdivido em duas partes, uma de natureza objetiva e a outra de natureza subjetiva, a de natureza objetiva é aquela que envolve a questão atinente aos limites da retroatividade dos atos do Estado, refere-se à proteção ao direito adquirido, à coisa jugada e ao ato jurídico perfeito, já a segunda, a natureza subjetiva diz respeito a confiança legitima da sociedade nos atos, procedimentos, contratos e demais condutas do Estado nos mais diversos ramos de atuação, o princípio da confiança legitima (ou proteção à confiança) refere-se preservação de direitos e expectavas de direitos dos particulares em face de eventuais e inesperadas mudanças nas normas ou decisões administrativas ou judiciais que têm relação com a continuidade dos atos, contratos administrativos e das normas que regem a contratação pública, bem como a confiança dos particulares na permanência do que foi instituído pelo Estado para seus negócios.
“A Constituição Federal trouxe grande inovação em seu texto com a inserção da responsabilização na seara da improbidade administrativa” (GUTIERREZ, 2017, p. 143), aumentando a cobrança e a punição sobre os agentes públicos que por ventura viesse a cometer ato de improbidade administrativa, o princípio da eficiência inserido na Constituição Federal de 1988, pela Emenda Constitucional 19/1998, corresponde ao dever da boa administração, que deve ser entendida como uma atuação administrativa em que os atos satisfaçam as necessidades de forma mais eficiente possível, ou seja, mais racional, expedita e econômica ao interesse público constitucionalmente e legalmente constituído devendo sempre buscar uma gestão focada nos resultados e deixando para trás uma gestão burocrática, formal e ineficiente, não esquecendo que o princípio da eficiência deve este em sintonia com os demais princípios da administração pública dente eles o da legalidade administrativa, moralidade e da probidade administrativa.
O interesse público deverá sempre ser buscado, exige que os operadores do direito atuem sem em benefício do bem comum, dentro da perspectiva do interesse público a operacionalidade do direito púbico deve ser realizada de modo mais apropriado para que seja alcançado, isto é, deve se utilizar de meios mais precisos, porém deve-se ressaltar que nada impede que o interesse público coincida com o interesse particular, bem comum em casos de celebração de contratos administrativos com particulares o que não configura por si só qualquer irregularidade, desse que devidamente fundamentado e em consonância com o ordenamento jurídico.
3 ALGUNS ASPECTOS DA TIPOLOGIA DA LEI 8429/1992 E AS ALTERAÇÕES CAUSADAS PELA LEI 14.230/2021.
A preocupação em proteger o erário não é de hoje brasileiro. “A “desconfiança” da sociedade para com o administrador público tem profundas raízes históricas, remontando ao período colonial” (LUNKES, 2022, p. 33), ocorre desde os primórdios do Brasil colonial onde o legislador brasileiro cuidou em punir os administradores que de alguma forma se comportava de maneira desonesta para com a pátria mãe, na esfera penal, embora fosse indispensável mostrava-se insuficiente, por se tratar de uma forma de controle posterior, neste contexto o legislador constituinte e ordinário se preocupou em editar mecanismos capaz obrigar ao administrador ímprobo a reparar os danos causados ao Estado.
O primeiro dispositivo constitucional a tratar do assunto foi a Constituição da República Federativa do Brasil de 1941 que estabeleceu no artigo 141, §3º, que a lei deveria dispor sobre o sequestro e perdimento de bens, em caso de enriquecimento ilícito, por influência ou por abuso do cargo ou da função pública ou de emprego em entidade autárquica, em seguida vários outros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais também trataram do tema.
Na atualidade, no mesmo sentido “a Constituição de Federal prevê no § 4º, art. 37, um sistema de responsabilidade para agentes públicos” (ALMEIDA, 2017, p. 99), e intensificou inda mais o sistema normativo de proteção ao interesse da coletividade e do erário contra os atos danosos praticados pelos agentes públicos, o constituinte originário se preocupou em instituir princípios expressos, no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que norteiam a Administração Pública, bem como instituiu também no §4 consequências graves aos agentes que infringirem tais princípios, ensejando a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário, já a forma de aplicação a gradação das penalidades foram atribuídas ao legislador ordinário, vale ressaltar que somente a partir dos instrumentos instituídos pela CF de 1988 pode-se punir os infratores na esfera civil.
O dispositivo legal que primeiramente tratou de disciplinar a improbidade administrativa foi a Lei Federal nº 8429/1992, Lei de Improbidade Administrativa – LIA, que foi objeto de muitos estudos e debates pela doutrina e pela jurisprudência que por vezes elogiavam o esforço do legislador em regulamentar o disposto no art. 37, §4º da Constituição Federal, por vezes criticavam, alguns dos dispositivos legais contidos na lei por sua vagueza e por seu rigor.
Adentrando um pouco mais no assunto que trata a tipologia Improbidade Administrativa veremos que as diversas espécies de atos de improbidade administrativa estão descritas nos artigos 9º,10 e 11da Lei Federal nº 8429/1992, podendo ser divididos em três tipos, atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art.11). Em seu texto original os atos de improbidade administrativa contidos nos artigos 9º e 11 somente admitia a modalidade dolosa, enquanto que os atos de improbidades administrativas descritos no art. 10 poderiam ser tanto dolosos quantos culposos, neste ponto a lei gerou bastante divergências, uma parte da doutrina e da jurisprudência sustentava que a improbidade administrativa não poderia ser confundida com uma mera irregularidade administrativa, tendo em vista a gravidade das sanções previstas na lei, enquanto que por outro lado estavam os que sustentava que a expressa referência ao elemento subjetivo culpa explícito no caput do art. 10 da Lei Federal nº 8429/1992, demonstrava o anseio do legislador em punir condutas culposas que causasse danos ao erário, facilitando a punição do agente enquadrado nas hipóteses previstas no art. 10 da lei nº 8429/92, exigindo apenas a comprovação do dano causado ao erário em decorrência da conduta dolosa ou culposa ocasionada pelo agente, nessa toada, apesar de inibir realização de praticar ímprobas a LIA também teve um efeito contrário, no sentido de, em muitos casos, desencorajar o administrador a inovar no âmbito da Administração Pública.
A principal mudança promovida pela Lei Federal nº 14.230/2021 na tipologia da Improbidade Administrativa foi a exclusão da modalidade culposa e a exigência da comprovação do dolo específico, a Lei Federal nº 14.230/2021 modificou o art. 1º da Lei 8429/92, passou a prever explicitamente, no §1º que os atos de improbidades administrativas correspondem às condutas dolosas prevista nos artigos 9 a 11 da Lei 8429/92 e no §3º que sem comprovação de ato doloso com finalidade de praticar ilícito, descaracteriza a responsabilização do agente público por ato de improbidade administrativa, no segundo caso, a Lei 14.230/2021 passou a exigir o dolo específico nos §§2º e 3º do art. 1º da Lei 8429/92, para que o agente seja responsabilizado pela prática de ato de improbidade administrativa.
O tema pacificado, pelo legislador de forma acertada, também havia sido pacificado pela jurisprudência, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1199: “É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA– a presença do elemento subjetivo – DOLO” (GAJARDONI, 2020).
Para fins de caracterização da improbidade administrativa podemos definir o dolo específico como sendo o ato eivado de má fé, ao passo que a má fé se torna elemento essencial para a caracterização de improbidade, a boa-fé também será levada em conta para a excludente da caracterização, os atos de enriquecimento ilícito em decorrência do aumento patrimonial incompatível com a remuneração do cargo, mandato ou função pública.
4 ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE AGENTES PÚBLICO EM DESACORDO COM A REMUNERAÇÃO DO CARGO, MANDATO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA.
A “improbidade na conduta dos administradores públicos ofende diretamente os interesses dos administrados, pois, ao violar a res pública, atinge o patrimônio que o povo, numa relação de confiança, pôs sob o gerenciamento da administração pública” (ALMEIDA L. D., 2017, p. 81). Lei de Improbidade Administrativa ao regulamentar o disposto no art.37, §4º da Constituição Federal de 1988 enumerou quatro categorias de atos administrativos lesivos ao patrimônio público, entre os quais estão inseridos aqueles que importam em enriquecimento ilícito, disciplinados no artigo 9º, decorrentes do aumento patrimonial incompatível com a remuneração do cargo, mandato, emprego ou função, a Lei Federal nº 14.230/2021, alterou o artigo 9º, bem como o inciso VII da Lei 8429/1992, no sentido de exigir a comprovação do elemento subjetivo dolo, na conduta praticado pelo agente e acrescentou ainda, expressamente, o direito do agente comprovar que o aumento patrimonial deu-se de forma lícita, o elemento objetivo da conduta é adquirir, para si ou para outrem, patrimônio ou bem de qualquer natureza, devemos ressaltar que o verbo “adquirir” em sua literalidade é incorporar patrimônio a título dominial com a respectiva transferência de titularidade pelos meio admitidos em direito, conforme preleciona Denis Dela Vedova Gomes o significado dever ser relativizado a fim de que se alcance o direito tutelado;
Evidentemente, a interpretação gramatical voltada apenas à aquisição de bens deve ser rechaçada, não sendo bastante a fundamentação a partir do princípio da legalidade, da tipicidade e da interpretação mais favorável ao acusado, sob pena de ocasionar proteção deficiente do bem jurídico tutelado pelo dispositivo, desdobramento de uma acepção positiva da aplicação do princípio da proporcionalidade da sanção .
Caso contrário o agente público que gastar recursos públicos obtidos ilegalmente, ostentando um crescimento compatível com a renda percebida com sua atividade não incorreria em crime de improbidade administrativa, existem outros sinais indicativos de que o agente esteja incorrendo em improbidade administrativa, dentre esses sinais podem ser destacados viagens ao exterior com a família, hospedagens em hotéis luxuosos entre outras aquisições de bens em geral, sendo suficiente para a deflagração de investigação acerca da conduta de tais agentes, devendo ser comprovado o elemento subjetivo dolo na conduta praticada pelo agente, no enriquecimento ilícito o bem tutelado é a honestidade e a honra da administração pública. O dolo do enriquecimento ilícito por aumento patrimonial desproporcional está na intenção de se realizar saques, depósitos, transferências e outras movimentações significativas de rendas incompatíveis com os vencimentos que possui, com base na Lei 8429/1992 a configuração do enriquecimento ilícito por aumento patrimonial desproporcional à remuneração e composto por três elementos explícito e um implícito, o primeiro elemento explícito é referente ao enriquecimento do agente, caracterizado por meio da evolução patrimonial, já o segundo, temporal, é relacionado ao aumento patrimonial referente ao período em que o agente público ocupa o cargo, emprego, mandato ou função pública ou atividade descrita no art. 1º da LIA, o terceiro elemento explícito é a ausência de justa causa, ou seja, a existência de outras fontes de renda lícitas que justifique o aumento patrimonial, já o elemento implícito é decorrente do nexo causal entre enriquecimento ilícito do agente e o exercício de sua atividade pública, tal elemento tido pelos doutrinadores como implícito, tornou-se explícito com o advento da Lei Federal nº 14.230/2021, através da introdução expressa do elemento circunstancial “em razão deles” o que não existia na legislação anterior, esse elemento anteriormente tido como implícito se tornou fundamental para a própria aplicação da Lia, ao passo em que, o aumento patrimonial desproporcionalmente adquirido indevidamente advier de condutas ilícitas sem qualquer ligação com o exercício do cargo, emprego ou função pública, não haverá em que se falar sobre a incidência da lei de improbidade administrativa, a autora descreve que a conduta deverá ter conexão com o exercício das funções;
Fábio Osório Medina, ao avaliar a estrutura normativa da conduta no âmbito da lei geral de improbidade administrativa, assevera que o comportamento reprimido deve “manter conexão profunda”, direta ou indiretamente, com o exercício das funções, isto é, praticados ou omitidos em razão das funções, de tal modo que as “condutas privadas consideradas puramente incompatíveis com a dignidade do cargo não podem configurar ato de improbidade administrativa ”.
O agente público que pratique algum ilícito em sua vida privada, embora sofra alguma sanção, seja ela administrativa ou penal como a perda do cargo ou a suspensão dos direitos políticos, não será punido por improbidade administrativa haja visto não haver nexo causal na prática da conduta, a análise jurídica dos atos de improbidade administrativa deve está intimamente ligada ao contexto sistêmico e autônomo encabeçado pelo art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal de 1988, o que não exime as demais instâncias à repressão e a reparação de eventuais danos causados por agentes públicos ou por particulares que venha a atentar contra o bem jurídico por eles protegidos.
A Lei 8429/1992 previa várias situações em que a conduta dos agentes públicos poderiam ensejar em improbidade administrativa, a reforma feita pela Lei Federal 14.230/2021, ao que tange ao enriquecimento ilícito por aumento desproporcional do patrimônio de agentes públicos a lei incluiu adequadamente o elemento circunstancial destinado a vincular o aumento desproporcional do patrimônio do agente à remuneração oriunda do cargo, mandato, emprego ou função pública, excluindo da incidência do dispositivo legal os casos em que o enriquecimento seja estranho ao exercício do cargo, mandato, emprego ou função pública.
Por fim, ressaltamos que a LIA, artigo 14, “outorga-se aqui para qualquer pessoa – física ou jurídica, brasileira ou estrangeira – a legitimidade para apresentar representação por improbidade” (PIO, 2017, p. 168), dispondo assim o direito a todos representar perante as autoridades competentes para apurar a prática do ato de improbidade administrativa.
5 RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO E O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL – ANPC.
Em junho de 1992, foi publicada a Lei 8429/92 e em seu artigo 17, §1º era “vedada qualquer transação, acordo ou conciliação nas ações a serem propostas pelo
Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada” (JUNIOR, 2022, p. 104). Em dezembro de 2019 foi “revogado art. 17, § 1º, da LIA, na redação que lhe deu a Lei 13.964/2019 (pacote anticrime), o acordo seria cabível em tema de improbidade administrativa nos termos da lei” (GAJARDONI, 2023), também merece destaque a lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) ao disciplinar o acordo de leniência nos seus artigos 16 e 17, tornando-se o ponto inaugural na consensualidade acerca dos acordos no setor da improbidade administrativa.
As mudanças ocasionadas na lei de improbidade administrativa pela Lei nº 13.964/2019 aumentaram consenso acerca das negociações no âmbito da improbidade, o acordo de não persecução civil vem tornando-se uma arma potente na busca por uma solução eficaz e punição dos agentes ímprobos, com a evolução das técnicas utilizadas para realização de práticas ímprobas, negociar, se tornou a forma mais eficaz de descobrir a extensão de certas práticas delituosas, de punir os infratores e de fazer cessar a conduta ilícita, o legislador dispõe que “o primeiro requisito para a celebração dos acordos de não persecução civil é o integral ressarcimento do dano” (pozzo, 2022) o que já evita um prejuízo maior ao erário.
Em 1992 era impensável que o poder público e o particular pudesse negociar qual acordo acerca do patrimônio público, com o passar do tempo revelou-se não apenas recomendável mas imprescindível para o enfrentamento de certas infrações, deve-se considerar a dificuldade da produção de provas em atos conceituados genericamente como atos de corrupção, dificuldade essa que decorre, entre outros fatores, do fato de que em muitos casos o corruptor o e corrupto são igualmente beneficiados, desse modo protegem-se mutuamente, nessas situações a colaboração do agente revela-se de fundamental importância, ao passo que permite a quem vai aplicar a sanção uma visão interna da estrutura e da organização para a prática do ato ímprobo, o que envolve a hierarquia, a operacionalização, o destino dos bens adquiridos de forma ilícita e os meios utilizados para a prática da lavagem dos ativos. Não falta motivo para a legislação admitir o acordo de não persecução civil, trata-se de uma verdadeira evolução na forma de sancionar, podendo ser considerado uma mudança de direção do poder público em detrimento da impunidade e da sofisticação das organizações voltadas para práticas ilícitas, quando se admite a possibilidade de negociação entre o ente sancionador e um dos participantes do ato ilícito, põe-se em risco a relação de confiança entre os infratores, o que é primordial para a formação e a estruturação de qualquer organização criminosa, esse é um elemento de desestabilização e é essencial para combater os atos ilícitos, em um cenário em que são praticados na clandestinidade e por grupos de autores como ocorre, por exemplo, em várias licitações ou na formação de cartéis, no contexto histórico quando se falava em delação aflorava uma ideia de traição, falta de princípios morais, porém atualmente vem se modificando essa ideia e se construindo outra linha de raciocínio no sentido de que, quem colabora com o Estado, está mais contribuindo com a sociedade do que traindo seus antigos comparsas.
Por outro lado, ao optar pela negociação aumenta o grau e o número de punição, frequentemente prejudicadas em decorrência dos intermináveis trâmites processuais especialmente as ações de improbidade administrativa costuma durar anos sem decisão terminativa, ocasionando assim, um pequeno índice de ressarcimento, por conseguinte, o caminho da negociação tem por objetivo a descoberta do ilícito e a respectiva punição dos envolvidos o mais rápido possível, menos oneroso e mais eficiente do que a via de punitiva do sistema tradicional, neste senário é possível afirmar que as inovações trazidas pelo acordo de não persecução civil tem por objetivo aprimorar o processo de apuração e punição dos atos de improbidade administrativa, e consequentemente aumentando a segurança jurídica.
É correto afirmar que na celebração de um bom acordo o ente sancionador deve-se também atingir o interesse público, naturalmente essa opção, alternativa ao sistema punitivo tradicional deverá dispor de meios para que o ente sancionador possa possibilizar o abrandamento ou até mesmos a remissão da pena daquele que se prontificar a colaborar, no entanto, essas benesses concedidas não podem ser tão atraentes ao ponto de não desestimular a prática dos ilícitos, ou até mesmo permitir que após a celebração de um acordo o crime se torne lucrativo ou mesmo atrativo, deverá sempre haver um ponto de equilíbrio para que as vantagens propostas pelo acordo de não persecução civil possa ultrapassar ao ponto em que cometer os ilícitos torne-se vantajoso.
É certo que na doutrina e na jurisprudência sempre houve manifestações contra qualquer tipo de transação ou acordo que envolvesse atos de improbidade administrativa, as críticas que envolvem a utilização de métodos consensuais, baseiam-se nos princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público, sobretudo como já visto, não poder se dispor do interesse público não significa dizer que não possa transacionar os meios de atingi-los, pelo contrário ao negociar o ente sancionador deverá buscar um acordo que possa punir os infratores, algo que talvez não seria possível de se alcançar devido o longo tempo que duraria o processo sem o citado acordo.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A LIA, objeto de estudo do presente artigo, antes das alterações causadas principalmente pela Lei nº 14.230/2021, propiciava uma grande insegurança jurídica, e possibilitava o questionamento sobre quase todos os atos administrativos, uma mera irregularidade procedimental poderia ser caracterizado como ato de improbidade administrativa aos olhos da lei, o próprio STJ havia pacificado o entendimento de que a conduta regulada pelo art. 10 da Lei nº 8.429/1992 exigia apenas o elemento subjetivo culpa em razão da explicitude do texto do caput do dispositivo, bem como o dano poderia ser presumido prescindindo de comprovação.
Ao analisar as alterações causadas na LIA podemos destacar o a modificação do elemento subjetivo do artigo 10 do diploma legal, causada pela Lei Federal nº 14.230/2021, a lei após as mudanças a lei passou a dispor que somente as condutas dolosas poderiam ser caracterizadas como improbidade administrativa.
Em relação enriquecimento ilícito de agentes públicos em desacordo com a remuneração do cargo, mandato, emprego ou função pública, a Lei Federal nº 14.230/2021, alterou o artigo 9º, bem como o inciso VII da Lei 8429/1992, no sentido de exigir do ente sancionador a comprovação do elemento subjetivo dolo, na conduta praticado pelo agente e acrescentou ainda, expressamente, o direito de o agente comprovar que o aumento patrimonial se deu de forma lícita.
Por fim, sobre o ressarcimento integral do dano e o Acordo de Não Persecução Civil – ANPC, na Lei 8429/92 em seu artigo 17,§1º havia vedação expressa de que fosse celebrado qualquer acordo, transação ou conciliação nas ações a serem propostas pelo Ministério Público ou pelas pessoas jurídicas interessadas, em dezembro de 2019 foi publicada a Lei nº 13.964, Lei Anticrime (Pacote Anticrime), revogando o artigo 17,§1º da Lei 8429/1992, dispondo que as ações de improbidade administrativa admitem acordos de não persecução civil, modificando o entendimento que era impossível que o poder público pudesse negociar com o particular, concluímos que tais mudanças vieram para aprimorar o sistema de punição no âmbito da improbidade administrativa, o que de fato não acontecia em decorrência dos intermináveis processos acerca dos atos de improbidade administrativa.
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Anderson da Silva Costa. Aluno do 10º período do curso bacharel em direto pela Faculdade de Tecnologia de Teresina – CET. E-mail: adsilvacosta@hotmail.com.br1
José de Jesus Soares. Aluno do 10º período do curso bacharel em direto pela Faculdade de Tecnologia de Teresina – CET. E-mail: pastorjosedejesussoares@gmail.com2
Prof. Me. Giselle Karolina Gomes Freitas Ibiapina. Professora da Faculdade CET. E-mail: giselle.f.ibiabina@gmail.com3
Prof. Me. Jane Karla de Oliveira Santos. Professora da Faculdade de Tecnologia de Teresina – CET. E-mail: karla.santtos123@hotmail.com4
Prof. Me. Daniel Carvalho Sampaio. Coordenador do curso de direito Faculdade de Tecnologia de Teresina – CET. E-mail: danielcsampaio1985gmail.com5
Prof. Me. Daniela Carla Gomes Freitas. Advogada; Vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Piauí; Professora da Faculdade de Tecnologia de Teresina – CET. E-mail: professor05@faculdadecet.edu.br6