ALÉM DA PERÍCIA:  PREVENÇÃO E POSVENÇÃO DO SUICÍDIO SOB A ÓTICA DA PERÍCIA CRIMINAL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10052386


Daniel Veríssimo Teles de Faria1
Cesar Augustus Adorno Ferreira Lima2


RESUMO

O suicídio está fortemente presente no seio da sociedade e ainda que se mantenha velado sob a consolidação de tabus, apresenta-se como uma causa de morte frequente no atendimento feito pelas policias especializadas nas perícias de locais de ocorrência de morte violenta. Estas equipes policiais que realizam as pericias, fornecem o primeiro contato com a vítima, com seus pertences e, sobretudo, com seus entes queridos. Deste modo, estão aptos a identificar padrões correlacionados às vítimas de suicídio, estabelecer possíveis causas e ter um tato humanizado no tratamento com os familiares enlutados. Tendo isto em vista, este trabalho busca abordar possibilidades de ação do perito criminal durante o exercício de sua função, diante do problema de saúde pública que é o suicídio. Para tanto, foi realizado levantamento bibliográfico buscando-se entender elementos intrínsecos ao suicídio e propostas ações que levem à sua prevenção e posvenção.

Palavras-chave: Suicídio. Perito Criminal. Prevenção. Posvenção.

ABSTRACT

Suicide is strongly present within society and, although it remains veiled under the consolidation of taboos, it presents itself as a frequent cause of death in the care provided by the police specialized in the investigation of violent deaths. These police teams that perform the expert examinations provide the first contact with the victim, with his belongings and, above all, with his loved ones. Thus, they are able to identify patterns correlated to suicide victims, establish possible causes, and have a humanized tact in dealing with the bereaved family members. With this in mind, this paper seeks to approach possibilities of action of the criminal expert during the exercise of his function, in face of the public health problem that is suicide. To this end, a bibliographic survey was carried out seeking to understand intrinsic elements of suicide and to propose actions that lead to its prevention and postvention.

Keywords: Suicide. Criminal Experts. Prevention. Postvention.

1  INTRODUÇÃO

O termo suicídio significa “morte de si mesmo”, e trata-se do evento final de um complexo emaranhamento de fatores que foram se correlacionando no decorrer da vida de um indivíduo de formas peculiares, variadas e inesperadas. (CASSORLA, 2021).

O suicídio refere-se à morte auto infligida e é tão antigo quanto a própria história da humanidade. Já foi descrito em mitos como grande ato heroico, outrora passou a ser recriminado e julgado pela mão severa da igreja, momento em que se criou um estigma que se perpetua até os dias de hoje. Muitos foram os teóricos que buscaram compreender tal fato social dentre as mais variadas áreas como sociologia, teologia, psiquiatria, filosofia, psicologia entre outras.

O grande filósofo Albert Camus (1942) percorreu, em seus ensaios, os caminhos das complexidades humanas e observou como é inerente à sua existência a busca pela verdadeira essência e sua relação factual com a morte.

[…] vejo que muitas pessoas morrem por achar que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outras que paradoxalmente se fazem matar pelas ideias ou as ilusões que lhes proporcionam uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é, ao mesmo tempo, uma excelente razão para morrer). Julgo, portanto, que o sentido da vida é a questão mais decisiva de todas.(CAMUS,1942)

Percebe-se, com essa passagem, como o conceito de suicídio pode aliar-se a desdobramentos tão profundos que estão emaranhados à própria consolidação da existência humana. Em virtude disso, esta explanação se aterá a princípios qualificáveis e quantificáveis no que tange ao suicídio, objetivando possíveis ações práticas. Porém, faz-se necessário ter em mente que há conceitos intrínsecos ao suicídio, que para além de metodologias, requerem um olhar que seja gentil no sentido de perceber as afecções, dores e paixões do corpo e da mente humana. 

O trabalho pericial, por sua vez, possui caráter técnico, científico, metodológico e busca evidenciar de forma clara e concisa os acontecimentos provocados em determinada ação. A atuação de um perito criminal abrange diversas áreas, porém este trabalho tratará especificamente acerca do perito que atua em cenas de crimes onde ocorreram morte violenta e seus consequentes.

De acordo com o levantamento da Organização Mundial de Saúde (2021), cerca de 800mil pessoas cometem suicídio anualmente em todo o mundo, sendo no ano de 2016 a segunda maior causa de morte entre jovens entre 15 a 29 anos de idade. No Brasil, ocorre uma morte a cada 45 minutos em decorrência de suicídio, sendo que para cada morte 20 outros indivíduos efetuam tentativas com as quais não obtêm êxito.

Na prática diária da perícia constata-se, lamentavelmente, alto índice de mortes cuja causa é o suicídio entre os mais variados tipos de população. No momento da chegada da equipe pericial ao local, frequentemente a informação é de que alguém próximo encontrou o cadáver inadvertidamente. Na presença de um indivíduo amado que se transfigura em um corpo sem vida, uma comoção exacerbada se faz presente, e acompanha o terror dos familiares e entes queridos enlutados diante do ato, muitas vezes, inesperado.

Dentre os primeiros contatos que os familiares farão com indivíduos externos será com o perito criminal, este, aliado a outras autoridades policiais que o acompanhe no local, será responsável por estabelecer como a morte ocorreu, quais objetos ou meios foram utilizados para perpetrar aquela ação e buscar informações junto aos familiares ou coabitantes da vítima para entender fatores que possam ter motivado o suicídio. Este levantamento por si só, já traz uma gama relevante de informações acerca do fato, que aliado aos outros momentos periciais, que incluem tanto a perícia dos pertences tecnológicos da vítima, como celulares e notebooks, quanto o exame cadavérico, que trará noções sobre meios utilizados para o ato e vestígios encontrados no interior do corpo, geram um riquíssimo banco de dados sobre as ocorrências de suicídio e que podem culminar em programas de prevenção tempestivos e eficazes.

O autor deste artigo trata-se de um perito criminal lotado no Instituto de Criminalística Leonardo Rodrigues da cidade de Goiânia-Goiás e acumula extensa experiência em casos de atendimento de ocorrências de mortes por suicídio. Desta forma questiona-se acerca da possibilidade de ação, enquanto profissional, para que tais atos sejam evitados e que danos de possíveis casos possam ser minimizados.

Com base nessas informações, este artigo buscará responder ao seguinte questionamento: o perito criminal pode atuar, durante o exercício de sua função, na prevenção e posvenção do suicídio?

 Para tanto, acredita-se que o suicídio possa ser prevenido através de práticas simples e acessíveis a qualquer indivíduo e, logo, considera-se que o perito criminal tenha conhecimento e recursos necessários para atuar na prevenção e posvenção do suicídio no local do fato.

2  DESENVOLVIMENTO 

2.1 – DADOS SOBRE O SUICÍDIO

Segundo o Ministério da Saúde, o Boletim Epidemiológico feito nos anos de 2010 até 2019 no Brasil demonstrou um crescimento consistente nas taxas de mortalidade por suicídio no transcorrer dos anos, totalizando 112.230 óbitos por esse meio no período. Tal documento indica ainda que há maior risco de mortalidade por suicídio entre indivíduos do sexo masculino, porém nos indivíduos do sexo feminino há maior prevalência e constância de ideação suicida. Todas as regiões brasileiras são afetadas pelo fenômeno do suicídio, porém as que apresentaram os maiores índices foram as regiões Sul e Centro-Oeste. (BRASIL, 2021).

As demonstrações a seguir foram extraídas do sistema de laudos do IML e evidenciam casos de suicídio atendidos no período de 2019 a 2021 na cidade de Goiânia- Go e cidades vizinhas abrangidas por essa regional. 

Tabela 1 – Quantidade de suicídios atendidos pelo IML de Goiânia nos anos de 2019, 2020 e 2021.

 201920202021
Quantidade de Suicídios164149162

Fonte: Sistema de controle de laudos do IML (2022) 

Fonte: Sistema de controle de laudos do IML (2022)

Tabela 2 – Quantidade de suicídios divididos por sexo nos anos de 2019, 2020 e 2021.

Sexo 201920202021
Feminino513847
Masculino113111115
Total164149162

Fonte: Sistema de controle de laudos do IML (2022)

Gráfico 2 – Quantidade de suicídios divididos por dias da semana nos anos de 2019, 2020, 2021

Fonte: Sistema de controle de laudos do IML (2022)

Gráfico 3 – Quantidade de suicídios por intervalo de idades entre os anos de 2019, 2020, 2021

Fonte: Sistema de controle de laudos do IML (2022)

Gráfico 4 – Causas de morte por suicídio nos anos de 2019, 2020 e 2021

Fonte: Sistema de controle de laudos do IML (2022)

É importante ressaltar que em todos os estudos que buscam dados acerca de índices de mortalidade por suicídio, tentativas de suicídio mal sucedidas ou lesões auto infligidas, há uma grande dificuldade em se encontrar dados precisos, visto que muitas vezes o correto recolhimento de dados depende da vítima ou familiares próximos e da presteza e funcionamento do sistema de saúde, evidenciando assim alto índice de subnotificação de casos. 

Ainda, segundo o Ministério da Saúde, o ato do suicídio é plural e não difere entre classes sociais, faixas etárias, raças ou outros quaisquer pormenores que delimitem as populações humanas, distinguindo-as apenas em frequência, causa ou forma. (BRASIL, 2021).

 Porém, 80% dos casos está correlacionado à existência de uma doença mental sendo as mais comuns depressão, transtorno bipolar, alcoolismo e uso de substâncias psicoativas, transtorno de personalidade e esquizofrenia (Gomes, Iglesias & Constantinidis, 2019).

Todavia, há uma extensa lista de elementos externos que afetam os indivíduos e que se tornam fatores de risco para o suicídio, tais como 

[…] a experiência de privação, negligência ou abuso na infância, violência doméstica, condição socioeconômica precária, falta de acesso à educação de qualidade e à oportunidade, problemas graves em pelo menos um dos cuidadores (alcoolismo, doenças mentais, ausências prolongadas, desemprego etc.), ser vítima de bullying, isolamento ou problemas interpessoais graves, transtornos mentais diagnosticáveis, uso de drogas e álcool, impulsividade e hostilidade e a vivência de afetos intoleráveis (desespero, depressão, desamparo, desesperança, abandono, humilhação, vergonha, ódio, inveja, entre outros.(TAVARES, 2013)

2.2 – PREVENÇÃO DO SUICÍDIO

A  Organização Mundial da Saúde trata o suicídio como um grave problema de saúde pública no mundo e orienta que os países desenvolvam estratégias internas que englobem múltiplos fatores para combater tal ato. No Brasil, foi sancionada a lei Lei nº 13.819/2019, instituindo a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio no Brasil (PNPAS)  que traz em seu texto: 

[…] garantir o acesso à atenção psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico agudo ou crônico, especialmente daquelas com histórico de ideação suicida, automutilações e tentativa de suicídio; abordar adequadamente os familiares e as pessoas próximas das vítimas de suicídio e garantir-lhes assistência psicossocial; […]” (BRASIL, 2019) 

Porém, este direcionamento vai de encontro à outras estratégias e programas de saúde mental instituídas no Brasil, que em sua contrapartida, ultraespecializa as questões mentais e tende a separar os indivíduos do convívio social, possuindo um caráter excludente e manicomial. Ainda, segundo Dantas (2019), faz-se necessário além da instituição do PNPAS, uma abordagem multisetorial que envolva políticas públicas da área da saúde, educação e assistência social. Tal necessidade converge-se na urgência de uma reestruturação de todo o país, de modo a priorizar a valorização da vida humana em sua totalidade, e oferecer condições de vida digna à população.

Segundo Botega et al. (2006), a prevenção do suicídio ocorre por meio do reforço dos fatores protetores e pela retirada dos fatores de risco, tanto individualmente quanto coletivamente. Entre os fatores protetores estão os bons vínculos afetivos, a sensação de estar inserido em um grupo, ter companheiro fixo, ter filhos pequenos e religiosidade. Sociedades que valorizam o compartilhamento de informações, onde se há diálogo sobre problemas e que estão abertas a mudanças de ideias, constituem valores protetivos, por outro lado, sociedades que valorizam a independência e a capacidade de tomar decisões e consideram pedidos de ajuda como fraqueza, constituem valores de risco. Além disso, uma perspectiva de vida mais otimista é capaz de proteger os indivíduos contra o suicídio.

O dia 10 de setembro foi eleito como Dia Mundial da Prevenção do Suicídio e representa um contrato mundial para dar voz a essa questão. No ano de 2021 teve como tema principal “Criando esperança através da ação” onde emergiu a necessidade urgente de uma ação coletiva para lidar com o suicídio, afirmando-se que todos os indivíduos da sociedade possuem a capacidade te tomar medidas que evitem este ato. Dentre as recomendações deste evento, estão a melhor capacitação dos profissionais da saúde, difusão de mensagens positivas e informativas para o público em geral e grupo de risco, incentivo ao diálogo aberto sobre o tema nos ambientes de convívio e espaço para que quem pense em suicídio ou passou por isso tenha onde e com quem falar. Além disso, medidas práticas de prevenção ao suicídio baseadas em evidências incluem a restrição do acesso a meios para o suicídio (por exemplo, armas de fogo, pesticidas, etc.), redução do álcool e a cobertura responsável da mídia sobre o suicídio.(OMS, 2021).

2.3 – POSVENÇÃO DO SUICÍDIO

Ainda que muito se fale ou se faça em relação à prevenção, o suicídio está presente e não atinge apenas as vítimas, como também amigos, familiares e sociedade em geral. Estes indivíduos cujas vidas foram intensamente alteradas em consequência do suicídio de alguém significativo, são habitualmente chamados de sobreviventes segundo a literatura, e abrangem um grupo de 6 a 10 indivíduos que são afetados de forma direta a cada suicídio, número que pode chegar a 100 quando se refere às pessoas afetadas de forma indireta, como toda a composição profissional envolvida após o ato. Desta forma, os sobreviventes tratam-se de indivíduos que, em decorrência do fato, são propensos a desenvolver diversos problemas psicológicos, comportamentais e sociais, tendo como consequência mais severa a propensão de desenvolver a repetição dos comportamentos suicidários. (SEBASTIÃO, 2017)

 Segundo Bowlby (2004), a morte por suicídio difere-se pois é considerada desnecessária e a tendência é fazer julgamentos e definir culpados. Seja a pessoa morta a responsabilizada por ter abandonado deliberadamente os sobreviventes, seja algum dos parentes a ser considerado responsável por ter contribuído para o ato. Com esse alto potencial de acusação e sentimento de culpa, a morte por suicídio pode deixar um rastro imprevisível de psicopatologia, que se estende dos sobreviventes imediatos até os seus descendentes.

 O termo “posvenção”, foi criado por Shneidman, psicólogo considerado o pai da suicidologia, mas foi introduzido no Brasil a partir da dissertação de mestrado de Karen Scavacini em 2011 e refere-se ao cuidado no luto por suicídio. 

 Os enlutados pelo suicídio experimentam, além das emoções manifestadas no luto convencional, a vergonha que estigmatiza quem passa por essa experiência e a culpa. A posvenção, surge neste momento e  tem o objetivo de auxiliar no processo de luto, sendo também uma estratégia de prevenção, visto que visa a desencorajar o planejamento de suicídio dos sobreviventes. Para isso é necessário promover um espaço de escuta, de acolhimento e informação para que os sobreviventes realizem uma melhor aceitação do ocorrido, fortalecendo sua saúde mental. (RUCKERT et al., 2019)

É importante salientar a escassez de trabalhos no campo da posvenção no Brasil. A maioria dos trabalhos são realizados por Organizações Não Governamentais, o que aponta uma falha nas políticas públicas de saúde, principalmente a de saúde mental.[…] A falta de estudos no Brasil diz muito sobre o quanto estamos atrasados em relação a outros países e também sobre a negligência frente ao cuidado com os sobreviventes enlutados. (OLIVEIRA e FARIA, 2019).

3  METODOLOGIA

Esta pesquisa possui direcionamento exploratório, e faz correlação de elementos qualitativos e quantitativos tendo em vista proposta de aplicações práticas. Para sua elaboração, realizou-se revisão teórica acerca do tema suicídio abrangendo ocorrência, causa, prevenção, posvençao, utilizando-se fontes disponíveis online com credibilidade constatada e órgãos de saúde de renome como Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde, além de ferramentas de buscas como Google Acadêmico (https://scholar.google.com.br/); PePSIC (Periódicos Eletrônicos em Psicologia – http://pepsic.bvsalud.org/) e SciELO (Scientific Electronic Library Online – http://www.scielo.org/). Também foram consultados livros em formato físico e digital (e-books). 

Para o levantamento dos dados acerca dos casos de suicídio ocorridos na cidade de Goiânia-Go, foi utilizado o Sistema de Controle de laudos do IML, com busca abrangendo casos de suicídio ocorridos na capital e regiões atendidas por esta unidade nos anos de 2019, 2020 e 2021. O nome das vítimas foi omitido na demonstração, resguardando seu sigilo. Considerou-se relevante para essa extração: idade, sexo, data e meio pelo qual foi realizado o ato.

Além disso, levou-se em conta o tato deste autor através do conhecimento empírico adquirido no exercício da função para correlacionar os dados levantados à prática pericial. 

4  RESULTADOS E DISCUSSÕES

 Correlacionando os dados aqui demonstrados à revisão literária, considera-se que a prevenção do suicídio é um gesto possível de ser efetuado por toda a sociedade e que, assim como o suicídio, não distingue entre os tipos de populações. Dessa forma, o perito criminal pode, no exercício de sua função, atuar na prevenção e posvenção do suicídio de diversas formas.

 Quanto ao perito operante no local do fato, este pode minimamente comportar-se de modo a atuar como agente de prevenção e posvenção do suicídio, atentando-se a ter maior tato diante dos familiares presentes evitando corroborar com o surgimento do sentimento de culpa nos mesmos; ter uma comunicação clara, gentil e não condenatória quando efetuar perguntas; recolher medicamentos ou substâncias utilizadas pela vítima e promover correto descarte, visto que há a possibilidade de repetição do ato suicidário entre os sobreviventes. É importante ressaltar que o perito também faz parte do grupo dos indivíduos atingidos indiretamente pelo suicídio, e que além de prestar algum auxílio aos outros, deve estar atento à sua própria sanidade mental, para que assim desempenhe saudavelmente sua função.  Além disso, sugere-se a elaboração de um material impresso, a ser redigido com o auxílio de uma equipe técnica (psicólogos, assistentes sociais, médicos) que possa ser distribuído aos sobreviventes do suicídio no local do fato pelo perito, trazendo informações que de forma responsável esclareçam sobre o suicídio e acolham os sobreviventes, ainda que textualmente. Alguns itens que podem estar presentes neste informativo são: 

  • Mensagem otimista, clara, eficaz e responsável acerca da existência e aceitação do suicídio;
  • Lista de contatos que disponibilizam auxilio médico e psicossocial na região atendida;
  • Indicação de auxilio à prevenção e posvenção do suicídio disponíveis on-line;
  • Telefones emergenciais (PM, SAMU, Bombeiros, Assistência Social);
  • Contatos do Centro de Valorização a Vida, que atua gratuitamente e de forma sigilosa em todo território nacional via chat, telefone e email;

O correto recolhimento de dados acerca dos casos do suicídio, no âmbito do atendimento das perícias internas, traz uma série de informações de extrema relevância, como demonstrado nos gráficos e tabelas, indicando formas pelas quais os indivíduos estão se suicidando, sazonalidade dos casos, faixa etária, sexo, profissão e etc. Caso haja uma extração e organização destes dados a nível regional e uma comunicação entre diversos âmbitos do poder público, é possível identificar alguns fatores que podem, tempestivamente, serem prevenidos, tendo esforços para prevenção destinados ao público alvo. Alguns exemplos possíveis são: identificação de grupos de cyberbulling ou que promovam o suicídio entre os jovens; reconhecimento de jogos ou vídeos que incentivem suicídio e lesões auto-provocadas em crianças e adolescentes; descrição de período do ano com aumento de números de suicídio e correlação com fatores ambientais externos. Porém, para constituição de tal levantamento, requer-se um esforço multisetorial.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS  

 Considera-se que o suicídio é um fato social que acompanha a história do homem e envolve diversos aspectos mentais, sociais e comportamentais.  Porém, como evidenciam diversos estudos, é possível que seja prevenido e que diante de sua ocorrência tenha consequências minimizadas.

 Há uma necessidade urgente, por parte do poder público, de uma reestruturação que permita que todos os indivíduos tenham possibilidade de vida digna tendo acesso aos seus direitos básicos garantidos pela Constituição, para que a pobreza ou a inexistência de condições primárias de vida não adoeçam a sociedade ainda mais, favorecendo ao alto índice de suicídio. 

 Porém, a prevenção e posvençao do suicídio precisa ser realizada em todo âmbito social, tornando as relações familiares e os ambientes de convívio entre indivíduos locais de acolhimento, respeito e segurança.

 O perito criminal, neste cenário, não deve ser alheio, visto que além de poder promover gestos de prevenção e posvenção do suicídio, ele também se inclui entre os membros da sociedade afetados indiretamente pelo ato e pode, além disso, ser beneficiado pelos métodos de posvenção. 

Entretanto, para uma colaboração da perícia criminal a partir de levantamentos por ela realizados, requer-se um esforço multissetorial.

 Todavia, a informação responsável é a maneira mais fácil e acessível de combater o suicídio, com ela se pode acolher os indivíduos em sofrimento, informa-los de que não estão sozinhos naquela situação e indica-los onde e como buscar ajuda. Para isso é preciso desmistificar o estigma colocado sobre o suicídio e combater os tabus que encobrem as doenças mentais, aceitando que fazem parte da sociedade e despindo-a do véu de silêncio que esconde, sadicamente, aqueles que sofrem.

6  REFERÊNCIAS

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[1] Perito criminal atuante no grupo de Crimes contra a Vida da cidade de Goiània-GO com especialização em Perícias Forenses.