LATE ADOPTION: ANALYSIS OF THE ADOPTION PROFILE IN BRAZIL
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504101506
Thauane Villanova da Silva1
Orientador: Ricardo Alexandre Rodrigues Garcia2
RESUMO
O presente trabalho foi realizado com o objetivo de analisar o instituto da adoção, mais precisamente acerca da adoção tardia, que é caracterizada como sendo a adoção de crianças maiores de 2 anos e menores que 17 anos. Abordou-se o conceito da adoção trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como sua forma de aplicação, além dos seus requisitos e exigências em meio aos tribunais. Em sequência, foram trazidos os dados fornecidos pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), um programa importante que auxilia juízes e corregedorias a acompanhar todos os prazos referentes às crianças e adolescentes acolhidos e em processo de adoção, bem como dos pretendentes. Fato é que esses menores estigmatizados pelo abandono e pela institucionalização, não deixarão de existir, portanto, se faz necessária a criação de políticas públicas, programas de assistência, projetos sociais e formas de conscientização social, com a finalidade de garantir o devido amparo legal e psicológico. O trabalho foi desenvolvido utilizando-se a revisão de literatura pautada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos e legislações, analisando o entendimento e as consequências sobre a temática.
Palavras-chave: Adoção. Adoção Tardia. Sistema Nacional de Acolhimento. Menores Estigmatizados. Programas de Assistência.
ABSTRACT
The present work was carried out with the aim of analyzing the adoption institute, more precisely about late adoption, which is described as the adoption of children over 2 years old and under 17 years old. The concept of adoption brought by the Child and Adolescent Statute was addressed, as well as its form as application, in addition to its requirements and criteria in the courts. As a result, data provided by the National Adoption and Reception System (SNA) was brought, an important program that helps judges and internal affairs bodies to monitor all deadlines relating to children and adolescents collected and in the adoption process, as well as the applicants. The fact is that these minors, stigmatized by abandonment and institutionalization, will not cease to exist, therefore, it is necessary to create public policies, assistance programs, social projects and forms of social awareness, with the purpose of guaranteeing due legal support and psychological. The work was developed using a literature review based on bibliographical research, through research on websites, doctrines, articles and legislation, analyzing the understanding and consequences on the topic.
Keywords: Adoption. Late Adoption. National Reception System. Stigmatized Minors. Assistance Programs.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa aprofundar o estudo sobre o instituto da adoção, com foco especial na adoção tardia, que se caracteriza pela adoção de crianças maiores de 2 anos e menores de 17 anos. A adoção é um instituto fundamental na promoção do direito à convivência familiar e comunitária, assegurado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especialmente para aquelas crianças e adolescentes que, em virtude das mais diversas razões, encontram-se em instituições de acolhimento governamentais, aguardando a oportunidade de pertencer a uma família. Assim, este trabalho aborda a importância e os desafios específicos da adoção tardia, a fim de contribuir para uma compreensão mais abrangente sobre as suas nuances sociais e jurídicas.
A adoção, enquanto prática de acolhimento de crianças e adolescentes em uma nova estrutura familiar, é um fenômeno presente na história da humanidade desde as épocas mais remotas, seja em razão de situações como a morte dos pais ou familiares, seja devido à incapacidade de adultos em exercer adequadamente o poder familiar. Ao longo dos séculos, a sociedade vem construindo formas legais e sociais de amparar crianças em situação de vulnerabilidade, sendo a adoção uma das mais eficazes para garantir os direitos e o bem-estar dessas crianças. Com o tempo, as normas e diretrizes acerca da adoção foram evoluindo, sendo hoje a adoção um processo fortemente regulamentado no Brasil, com o propósito de proteger a integridade e os direitos das crianças e adolescentes, assegurando que o processo de adoção ocorra de maneira ética e segura.
No entanto, o processo de adoção, especialmente no contexto da adoção tardia, ainda enfrenta diversas barreiras culturais e preconceitos enraizados na sociedade. A preferência dos adotantes por crianças muito pequenas, de determinadas características físicas e de saúde, revela um panorama de resistência que precisa ser superado para ampliar as chances de adoção daqueles que, por razões de idade ou perfil, encontram maior dificuldade em serem acolhidos em uma nova família. Aspectos como etnia, sexo e presença de deficiências continuam sendo fatores de escolha por parte dos adotantes, com um viés que afeta, particularmente, as crianças mais velhas, que acabam sendo estigmatizadas e permanecendo nos sistemas de acolhimento por longos períodos.
Adotar crianças e adolescentes mais velhos implica em compreender e abraçar suas histórias e vivências pregressas, o que pode incluir traumas, vínculos afetivos anteriores e dificuldades de adaptação. O acolhimento desses jovens requer dos adotantes uma disposição especial para lidar com a bagagem emocional e psicológica acumulada. Por isso, a adoção tardia assume um papel de extrema importância não apenas para o sistema de justiça, que tem como objetivo principal a defesa dos direitos fundamentais, mas também para a sociedade, que, ao fortalecer a adoção tardia, contribui para a construção de um ambiente mais inclusivo e solidário, livre de estereótipos.
A pesquisa fundamenta-se em uma revisão de literatura ampla, incluindo doutrinas, legislações, jurisprudências e estudos que abordam o tema da adoção, com o intuito de proporcionar uma visão crítica e reflexiva sobre o instituto da adoção tardia. Além disso, serão abordadas as iniciativas governamentais e não governamentais que têm sido implementadas para fomentar a adoção tardia, promovendo campanhas de conscientização e preparação dos futuros adotantes, para que estejam capacitados para receber crianças e adolescentes mais velhos, ampliando suas possibilidades de inserção em lares permanentes.
Neste trabalho, também serão discutidos os principais desafios enfrentados pelos profissionais do Direito e pelos adotantes durante o processo de adoção tardia, bem como os entraves e as soluções que podem contribuir para tornar esse instituto mais acessível e efetivo. Assim, ao analisar a adoção tardia sob uma perspectiva jurídica e social, espera-se incentivar o desenvolvimento de políticas públicas e sociais que reduzam os preconceitos e promovam uma maior inclusão dessas crianças e adolescentes em famílias amorosas e acolhedoras.
2. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A ADOÇÃO
É fato que toda criança e adolescente tem o direito de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral, conforme preconiza o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990).
Dispõe o §1º do artigo 39 do ECA que a adoção é medida excepcional, ou seja, só deve ser acatada quando esgotados todos os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa (ECA, 1990). Isso porque, trata-se de uma medida que não pode ser revogada, em hipótese alguma, graças aos avanços na legislação brasileira.
A doutrinadora Maria Helena Diniz (DINIZ, 2023) pontua:
A adoção é, portanto, um vínculo de parentesco civil, em linha reta, estabelecido entre adotante, ou adotantes, e o adotado um liame legal de paternidade e filiação civil. Tal posição de filho será definitiva ou irrevogável, para todos os efeitos legais, uma vez que desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais se sangue, salvo os impedimentos para o casamento (CF, art. 227, §§ 5º e 6º), criando verdadeiros laços de parentesco entre o adotado e a família do adotante.
Para Venosa (2023) a adoção seria:
[…] o vínculo legal que se cria à semelhança da filiação consanguínea, mas independentemente dos laços de sangue. Trata-se, portanto, de uma filiação artificial, que cria um liame jurídico entre duas pessoas, adotante e adotado. O vínculo da adoção denomina-se parentesco civil. No sistema atual, o adotado tem os mesmos direitos do filho consanguíneo.
Ademais, no texto legal, tem-se que a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desfazendo qualquer vínculo existente com os pais biológicos. No entanto, a concessão da adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. Será dispensado o consentimento quando os pais forem desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.
A especialista em Direito Civil Marta Maffeis (JORNAL USP, 2023) explica o procedimento adotado pelos tribunais:
Todo o processo de adoção começa no Fórum, na Vara da Infância e Juventude, onde o adotante deve levar documentos pessoais e realizar o cadastro, com qualificações, dados pessoais e o perfil da criança ou do adolescente desejado.
Após isso, todos os documentos colhidos são encaminhados ao Ministério Público, onde se inicia a avaliação por uma equipe interdisciplinar composta de psicólogos e assistentes sociais. A equipe realiza entrevistas e avaliações para atender as motivações dos candidatos à adoção. Os candidatos considerados habilitados são obrigados, pelo ECA, a participar de um programa de preparação para adoção, no qual o objetivo é fornecer um conhecimento efetivo sobre adoção, corrigindo ideias muitas vezes incompatíveis com a realidade.
O ECA pontua que: “A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso” (ECA, 1990). Contudo, será dispensado caso o adotante já esteja sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar o vínculo criado.
Todo o estágio de convivência é acompanhado por uma equipe profissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio de técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar. Preferencialmente, terá de ser cumprido na comarca de residência da criança ou adolescente, ou, a critério do juiz, em cidade limítrofe, desde que respeitada a competência do juízo da comarca de residência da criança. Por fim, o vínculo da adoção se constitui por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado.
Importante mencionar que, mesmo sendo o adotado menor de 18 anos, poderá ter acesso ao processo de adoção, desde que assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica, mesmo porque o adotado tem direito de conhecer sua origem biológica.
Já no que se refere à adoção internacional, ocorre quando o pretendente possui residência habitual em país membro da Convenção de Haia, relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional. Ademais, somente terá sucesso na adoção quando restar comprovado: a) que a colocação em família adotiva é a solução adequada ao caso concreto; b) quando esgotadas as possibilidades de colocação do adotado em família brasileira; c) que se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida.
Assim, é válido mencionar que a disciplinarização da adoção é prestada com muita maestria pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como presta mais atenção e detalhamento sobre os direitos substanciais inerentes aos menores.
3. SISTEMA NACIONAL DE ADOÇÃO E ACOLHIMENTO
Comumente chamado de SNA, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento adveio da junção do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), tendo sido regulamentado por meio da Resolução nº 289 de 14 de agosto de 2019.
Surgiu com a finalidade de consolidar dados fornecidos pelos Tribunais de Justiça referentes ao acolhimento institucional e familiar, à adoção, e a demais modalidades de colocação em família substituta, bem como sobre pretendentes nacionais e estrangeiros habilitados à adoção. Integra em sua base de dados todos os cadastros municipais, estaduais e nacionais de crianças e adolescentes em condições de serem adotados, bem como dos pretendentes habilitados à adoção.
3.1 Panorama da adoção no brasil a partir do SNA
Segundo estatísticas apresentadas pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA, 2024), no corrente ano, há ao menos 5.482 crianças e adolescentes aguardando pelo processo de adoção. Desse número, destaca-se que a faixa etária predominante é a de 14 a 16 anos, totalizando 821 adolescentes. Por outro lado, menores de 4 anos totalizam 680 crianças.
Dos 821 adolescentes, 50,2% são meninos, e 49,8% são meninas, já com relação as 680 crianças, 54,8% são meninos e 45,2% são meninas. No que diz respeito à localização, ao juntar as duas faixas etárias de maior destaque, 731 crianças e adolescentes são da região Sudeste, 375 da região Sul, 243 do Nordeste, 103 do Centro-Oeste e 68 do Norte. Por unidade federativa, o estado de São Paulo apresenta o maior número de crianças e adolescentes para adoção, totalizando 411.
Surpreendentemente, existem mais de 35 mil pessoas pretendentes à adoção, o que significa que para cada criança que espera ser adotada há quase sete famílias querendo adotar. Embora existam muitas pessoas e tal número se revele promissor, tais dados encontram resistência em determinados fatores, como a questão de gênero, etnia, saúde e, principalmente, no que se refere a faixa etária dos adotados.
Diante disso, surge como ponto crucial a necessidade de adoções efetivas que objetivem a diminuição de tais preconceitos e estigmas acerca da adoção, os quais, infelizmente, ainda existem em grande número na sociedade brasileira, principalmente no que se refere à modalidade tardia da adoção.
4. ADOÇÃO TARDIA E POLÍTICAS PÚBLICAS
Busca-se primeiro definir a denominada “Adoção Tardia”, que se entende como sendo o termo utilizado para indicar a adoção de crianças que já possuem desenvolvimento parcial em relação a sua autonomia e interação com o mundo exterior. Não há uma idade mínima formal para designar, mas, em geral, refere-se a crianças maiores de 3 anos.
A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, que criou a “Cartilha Passo a Passo: Adoção de Crianças e Adolescentes no Brasil” (2008), uma campanha em favor da adoção consciente informa que:
A expressão “adoção tardia”, bastante utilizada, refere-se à adoção de crianças maiores ou de adolescentes. Remete à discutível ideia de que a adoção seja uma prerrogativa de recém-nascidos e bebês e de que as crianças maiores seriam adotadas fora de um tempo ideal.
Ainda, Vargas (1998) menciona que as crianças ou adolescentes que se encaixam no perfil da adoção tardia ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por motivos pessoais ou socioeconômicos, não arcaram com suas responsabilidades ou foram tirados de suas famílias biológicas através de um pedido judiciário que julgou suas famílias como incapazes de mantê-las em sua tutela.
Como visto anteriormente, no Brasil, há aproximadamente 5.482 crianças e adolescentes aguardando pela adoção, de modo que mais de 35 mil pessoas aguardam como pretendentes à adoção. Quando comparado ao número de crianças, compreendendo a faixa de 4 a 16 anos, apenas 18.035 demonstram interesse, o que não chega nem perto do número total de pretendentes. Por outro lado, na faixa etária de até 2 anos ou de 2 a 4 anos, de 681 crianças, ao menos 17.000 pessoas demonstram interesse nesse grupo de idade.
Através dos dados, nota-se que a procura por crianças e adolescentes mais velhas é muito reduzida. Culturalmente dizendo, existe um perfil de crianças e adolescentes que são rejeitadas pelos pretendentes, sendo elas: negras, maiores de 2 anos e com algum tipo de deficiência. Infelizmente, a vinculação das crianças e adolescentes à uma família pretensa se dará, exclusivamente, quando houver compatibilidade entre as características por ela exigidas e as características do menor disponível para adoção.
Nesse sentido, (Paim, 2020 apud Assunção e Pozzebom, 2020):
Estima-se que, anualmente, cerca de 3 mil jovens egressos de abrigos atinjam a maioridade sem que encontrem uma família que os acolha. Por isso, é o próprio Estado que deve ajudar na socialização desses cidadãos recém saídos da adolescência e que não têm apoio.
Trata-se de ato extremamente complexo que exige de todos os envolvidos muita dedicação e atenção, em especial por parte do adotante durante o período de convivência. Isso porque, na maioria dos casos, os adotados já possuem discernimento suficiente para entender o contexto que os permeia, bem como carregam consigo uma vasta bagagem emocional e psicológica, essencialmente caracterizada pelo abandono, negligência e, até mesmo, pela violência.
Ainda, é necessário que tais adotantes estejam devidamente preparados para esta importante e desafiadora missão, que é a adoção tardia, de modo que compreendam e acolham os adotados, a fim de não expor os menores a mais decepções além das quais estes já tenham sido expostos.
Desse modo, evidencia-se a necessidade urgente de políticas públicas que forneçam um suporte abrangente tanto para os adotantes quanto para os adotados, facilitando a transição e adaptação das crianças e adolescentes ao novo ambiente familiar. O processo de adoção no Brasil é amplamente conhecido por ser burocrático e demorado, o que pode acarretar em impactos emocionais e psicológicos para ambos os lados. Assim, a criação de programas estratégicos e de incentivo, como campanhas de conscientização, redes de apoio psicológico, orientações jurídicas e financeiras, e acompanhamento contínuo para as novas famílias, é essencial para reduzir essas dificuldades. Além de agilizar os processos, tais iniciativas podem contribuir para fortalecer a confiança e o vínculo entre adotantes e adotados, promovendo uma adaptação mais harmoniosa e diminuindo os possíveis reflexos negativos do trâmite processual.
5. O IMPACTO DO TRAUMA E DA INSTITUCIONALIZAÇÃO
A adoção tardia, que envolve a adoção de crianças mais velhas, traz consigo diversos desafios psicológicos e sociais que precisam ser abordados de forma delicada e adequada. Crianças e adolescentes que passaram por experiências de abandono, negligência ou institucionalização prolongada tendem a carregar marcas emocionais profundas. Muitos enfrentam dificuldades de confiança e adaptação a novos laços familiares, devido aos traumas de separação vividos anteriormente.
Estudos apontam que o apoio psicológico contínuo é fundamental para que esses jovens possam se integrar de forma saudável na nova família adotiva. O papel de psicólogos e assistentes sociais é, portanto, crucial tanto na fase de adaptação quanto no acompanhamento pós-adoção. Programas de apoio à saúde mental e iniciativas de conscientização sobre os traumas enfrentados por essas crianças são essenciais para auxiliar as famílias e reduzir o índice de devolução de crianças adotadas, fenômeno ainda presente em algumas adoções tardias.
Uma experiência de abandono e institucionalização que afeta profundamente o desenvolvimento psicológico e emocional de crianças e adolescentes, resultando em comportamentos como baixa autoestima, medo de exclusão e desconfiança. A ausência de cuidados familiares e de um ambiente seguro nos primeiros anos de vida contribui para dificuldades na construção de vínculos afetivos, já que uma criança pode ter sido exposta a negligência, abuso ou instabilidade emocional. Esse histórico de insegurança pode gerar um padrão de desconfiança em relação aos adultos e uma dificuldade em se apegar a uma nova figura parental.
Pesquisas apontam que crianças em idade tardia tendem a apresentar comportamentos como hiperatividade, agressividade, e, em alguns casos, isolamento social. Esses comportamentos, embora possam ser desafiadores para os adotantes, são geralmente mecanismos de defesa emocional, manifestando-se como uma resposta ao medo de enfrentar novamente situações de abandono, rejeição ou perda. Essas crianças frequentemente carregam experiências de traumas e incertezas, que podem se traduzir em atitudes de desconfiança e dificuldade de estabelecer vínculos afetivos profundos. Assim, é fundamental que os adotantes compreendam que esses comportamentos não são necessariamente reflexo de desobediência ou má adaptação, mas sim uma forma de autodefesa que a criança desenvolveu como resultado de seu histórico de vida.
5.1 A Construção de Vínculos Afetivos e o Papel do Suporte Familiar
Para que o processo de adaptação e vínculo seja eficaz, o envolvimento ativo dos adotantes e a aplicação de técnicas específicas de integração familiar são fundamentais. No contexto da evolução tardia, a criação de laços requer paciência e a compreensão de que o vínculo afetivo pode demorar a se formar. O uso de técnicas de comunicação empática e atividades que promovem o contato e a confiança mútua entre pais e filhos tem se mostrado eficaz para a criação de uma base sólida para o relacionamento familiar.
O suporte familiar, que inclui familiares próximos e amigos, também desempenha um papel importante na adaptação da criança ao novo lar. Ter uma rede de apoio e orientação pode ajudar os pais adotivos a lidar com os momentos difíceis e compreender as respostas emocionais da criança empregada. Assim, políticas públicas que incentivam grupos de apoio a pais adotivos e programas de orientação familiar podem ser extremamente benéficas.
5.2 A Importância do Acompanhamento Pós-Adoção e o Papel dos Profissionais
A assistência contínua, especialmente nos primeiros anos após a adoção, é essencial para que os adotantes e os adotados superem as dificuldades que surgem durante a adaptação. O papel de psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais de saúde mental é oferecer um acompanhamento que permita identificar e tratar possíveis traumas, bem como ajudar a família a lidar com os desafios psicológicos e emocionais que podem surgir.
Programas de apoio pós-adoção, oferecidos tanto pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) quanto por organizações não governamentais, são importantes para promover a saúde mental dos adotados e evitar rupturas familiares. Além disso, a melhoria das sessões regulares de terapia familiar ou individual pode contribuir significativamente para o fortalecimento dos laços familiares e a superação dos traumas.
6. QUESTÕES CULTURAIS E SOCIAIS NA ADOÇÃO TARDIA
A adoção tardia no Brasil enfrentará barreiras significativas que vão além dos desafios psicológicos e emocionais. Aspectos culturais e sociais desempenham um papel importante na forma como a sociedade enxerga a adoção de crianças mais velhas. Infelizmente, ainda existe uma idealização de que os filhos adotivos devem ser bebês ou crianças muito pequenas, pois há uma crença comum de que isso facilita a adaptação e a criação de vínculos entre pais e filhos. Esse preconceito em relação à idade dos adotados limita as oportunidades para crianças e adolescentes mais velhos encontrarem lares definitivos e afetar diretamente o número de adoções tardias realizadas no país.
Muitas famílias adotantes têm receitas em adotar crianças mais velhas devido ao estigma de que essas crianças carregam “problemas comportamentais” ou “dificuldades de adaptação”. Essa visão estereotipada desconsidera a capacidade de resiliência e a habilidade dessas crianças em se adaptar quando recebem amor, estabilidade e apoio adequados. Além disso, fatores como etnia, gênero e deficiência também são barreiras frequentes. Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) mostram que crianças negras, adolescentes e aqueles com alguma deficiência são os menos procurados, ou que revelam a necessidade de ações para combater o preconceito.
Para reduzir esses estigmas, é fundamental que o Estado e as organizações sociais promovam campanhas de conscientização e incentivo à adoção posteriormente. Tais campanhas mostram casos de sucesso de famílias que adotaram crianças mais velhas e podem compartilhar depoimentos de adotantes e adoções, evidenciando os aspectos positivos e desmistificando preconceitos comuns. A criação de campanhas de mídia que retratam efetivamente a adoção de adolescentes e a importância de incluir crianças de diferentes perfis, idades e etnias pode contribuir para uma visão mais inclusiva.
Outro ponto crucial para a transformação social é a educação. Instituições de ensino, grupos de apoio e o próprio Sistema de Justiça podem desenvolver materiais informativos, realizar palestras, e promover workshops focados na adoção tardia. Essas atividades ajudam a esclarecer preconceitos e incentivam uma visão mais acolhedora e inclusiva em relação ao tema. Ao incorporar discussões sobre a adoção nas escolas, nas universidades e em eventos públicos, cria-se um ambiente onde novas gerações passam a enxergar a adoção tardia com naturalidade, empatia e sem os estigmas que ainda a cercam. Dessa forma, é possível promover uma mudança cultural que afeta não apenas futuros adotantes, mas a sociedade como um todo, que passa a compreender a adoção como um ato de amor e cidadania. Além disso, a capacitação contínua de profissionais envolvidos com o processo de adoção, como assistentes sociais, psicólogos, advogados e juízes, é essencial para assegurar que preconceitos e julgamentos pessoais não interfiram no processo de adoção, criando assim uma estrutura de apoio mais justa e qualificada para as crianças e adolescentes em busca de uma família.
Mais do que uma questão legal, a adoção tardia representa uma oportunidade de inclusão social para aqueles que, ao longo da vida, passaram por experiências de abandono e institucionalização. Ao proporcionar a crianças e adolescentes mais velhos a chance de serem acolhidos em uma família, promove-se o direito fundamental à convivência familiar e à formação de laços afetivos, que são essenciais para o desenvolvimento emocional e psicológico saudável. Essa convivência permite que jovens adotados possam construir uma identidade familiar e sentir-se parte de um núcleo que os apoia e protege. Quando a sociedade adota uma postura inclusiva e acolhedora, diminui-se o impacto negativo da institucionalização prolongada, que muitas vezes causa efeitos duradouros na vida desses jovens. Uma abordagem mais inclusiva contribui para romper o ciclo de abandono e exclusão social, oferecendo aos adotados um caminho de novas oportunidades, dignidade e pertencimento.
7. CONCLUSÃO
Conforme citado anteriormente, aproximadamente 5 mil crianças e adolescentes se encontram disponíveis para a adoção, segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), criado em 2019, sendo a união do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA). E, sendo alto o número de pretendentes (cerca de 35 mil pessoas), muito superior ao número dos menores, a conta não fecha.
A razão do impasse se dá pela incompatibilidade entre o perfil desejado pelos pretendentes e a realidade do perfil dos menores que se encontram em instituições de acolhimento. A partir disso, pode-se concluir que: a mais significativa das causas consideradas como empecilhos para o célere andamento dos processos de adoção, é, sem sombra de dúvidas, a divergência entre a faixa etária desejada pelos adotantes e a faixa etária das crianças e adolescentes disponíveis para serem adotados. Muitas famílias não se sentem preparadas para lidarem com os traumas que a criança possa carregar pelo abandono dos pais biológicos.;
Fato é que os pretendentes adotantes, é garantido o direito de escolha do perfil das crianças ou do adolescente, no entanto, tais escolhas poderão impactar diretamente no processo de adoção, o que acaba por prolongar o processo, isso porque, na maioria das vezes, não corresponde com o perfil das crianças abrigadas nos sistemas de acolhimento.
Sabe-se que esses menores estigmatizados pelo abandono e pela institucionalização, não deixarão de existir. É necessária a criação de políticas públicas, programas de assistência, projetos sociais e formas de conscientizações sociais, com a finalidade de garantir que essas crianças e adolescentes tenham amparo legal e psicológico.
Para promover uma adoção de forma eficaz, é fundamental que o compromisso não venha exclusivamente dos legisladores, mas que também haja uma mudança de postura entre os operadores de direito e a sociedade em geral. É necessário que esses atores se desfaçam de preconceitos e visões estigmatizadas que muitas vezes permeiam o imaginário popular e até mesmo influenciam as decisões judiciais e administrativas. A adoção deve ser tratada como um caminho legítimo e nobre para o bem-estar do menor, focando sempre em proporcionar um ambiente seguro, afetuoso e estável.
Desmistificar todos os tipos de preconceito seja em relação à idade da criança, cor, condição de saúde ou orientação sexual dos adotantes é um passo essencial para garantir que a adoção seja vista como uma possibilidade plena e digna de apoio. A sociedade e o sistema judiciário precisam trabalhar em conjunto para quebrar estigmas e garantir que as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade encontrem lares que possam oferecer o afeto e a estabilidade de que podem ocorrer para seu pleno desenvolvimento. Somente com a colaboração entre legisladores, juízes, advogados e a sociedade como um todo será possível transformar a adoção em um processo realmente inclusivo e específico para o bem-estar das crianças.
REFERÊNCIAS
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*Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao curso de Direito do Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP – UNIFUNEC.
1Graduanda em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul-SP. UNIFUNEC, thauanevillanova21@gmail.com
2Docente do Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC, Orientador.