REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7495262
Paula Gabriela Ferreira Barbosa¹
Juciele Faria Silva²
Hemilly Maia Nunes de Marchi¹
Patrícia Leão da Silva Agostinho³
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos meses de 2019, os primeiros casos de uma pneumonia de origem desconhecida foram registrados na China, na província de Wuhan. A infecção foi posteriormente denominada coronavírus disease 2019 (COVID-19), causada pelo SARS-CoV-2, um vírus de RNA pertencente à família Coronavideae. Com o surgimento de novos casos, a situação foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma emergência de saúde pública em janeiro de 2020. Entretanto, apesar dos esforços, bem como das medidas de prevenção e controle adotadas, os casos aumentaram exponencialmente, o status foi alterado para pandemia em março do mesmo ano (NETTO; CORRÊA, 2020).
Apesar de se tratar de um vírus respiratório, o SARS-CoV-2 também afeta outras estruturas extrapulmonares, como o sistema nervoso, digestório, cardiovascular e renal (HENDREN et al., 2021; NETTO; CORRÊA, 2020; SHOKOPLES; FERREIRA; COMEAU, 2022). Na maioria dos casos, a infecção se manifesta como uma síndrome gripal, com sintomas leves sendo os principais: febre, fadiga, tosse seca, dores musculares, coriza, perda do olfato e paladar, alterações gastrointestinais e cefaleia (BRANDÃO et al., 2020).
Porém por vezes a doença pode evoluir para formas mais graves, com sintomas respiratórios severos, além de provocar sequelas neurológicas e cardíacas que podem persistir mesmo após o fim da infecção (SANTANA; FONTANA; PITTA, 2021). Nestes casos, podem ocorrer alterações no sistema imune, levando a uma resposta inflamatória exacerbada, aumentando a liberação de fatores inflamatórios, provocando a chamada tempestade de citocinas (AGHILI et al., 2021).
Algumas condições foram indicadas como fatores de risco para a COVID-19, dentre elas o excesso de massa corporal. O acúmulo de tecido adiposo (TA) leva a um estado inflamatório crônico de baixa intensidade, devido à maior liberação de citocinas pró-inflamatórias, algumas das quais são liberadas pelo próprio TA (BRANDÃO et al., 2020; MARTELLETO et al., 2021).
As alterações inflamatórias provocadas pela COVID-19 associadas à inflamação crônica presente no organismo de indivíduos com excesso de massa corporal podem agravar o estado de pacientes com infecção pelo SARS-CoV-2. Estudos anteriores relataram que os maiores índices de mortalidade são de regiões com maiores concentrações de indivíduos com obesidade (HAMER et al., 2020; SILVA et al., 2021), entretanto, não há investigações amplas e com metodologia robusta acerca desse tema.
Revisões são estudos que ajudam pesquisadores e profissionais das mais variadas áreas a embasar suas decisões em evidências concretas. Revisões cienciométricas fornecem informações quantitativas a respeito de determinado assunto, permitindo que se tenha uma visão ampla dos trabalhos que estão sendo desenvolvidos sobre determinada área de conhecimento. Por meio de buscas em bases de dados, este tipo de estudo permite avaliar as tendências de publicação, interações entre autores e instituições, e as lacunas que porventura existam (MACIAS-CHAPULA, 1998).
Tendo isso em vista, o presente estudo teve como objetivo realizar um levantamento acerca dos trabalhos publicados a partir de 2019 relacionados ao percentual de mortalidade de pacientes com sobrepeso e obesidade acometidos pela COVID-19.
2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Seleção dos estudos
Para a realização do presente estudo, foram realizadas buscas nas bases de dados: PubMed via MEDLINE, SCOPUS, Embase, Web Of Science (WOS) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) durante o mês de março de 2022. Foram usados os seguintes descritores Mesh e operadores booleanos, além do vocabulário controlado das bases: Obesity OR Obeses OR Obesities OR Overweight AND “COVID-19” OR “SARS-CoV-2” OR “2019nCoV” OR Coronavirus OR “Coronavirus Infection” AND “Hospital Mortality” OR “In-Hospital Mortality” OR Mortality.
Após as buscas, os estudos encontrados foram adicionados à plataforma Rayyan (OUZZANI et al., 2016) para triagem. A seleção foi realizada por dois revisores, de forma cega e independente. Os conflitos foram selecionados por um terceiro revisor que decidiu pela inclusão ou não dos títulos.
2.2 Critérios de inclusão
Foram selecionados trabalhos que investigassem a relação entre o excesso de massa corporal avaliado por meio do Índice de Massa Corporal (IMC) na população adulta (≥18 anos), e os desfechos graves da COVID-19, publicados em português, inglês e espanhol, a partir do ano de 2019.
2.3 Critérios de Exclusão
Foram excluídos estudos que avaliassem a relação de raça/etnia, estado nutricional, eficácia de medicamentos e outras variantes que não o IMC.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As buscas resultaram na recuperação de 5868 artigos, após a triagem, 2713 trabalhos foram excluídos por estarem duplicados, 3022 foram excluídos após a leitura do título e resumo e 118 excluídos após leitura integral do estudo. Ao final, 15 estudos que se classificavam nos critérios de inclusão (Figura 01).
Figura 01: Fluxograma utilizado para seleção dos estudos.
Os trabalhos foram publicados em 07 países diferentes, sendo eles Canadá (01 estudo, 6,7%), China (01 estudo, 6,7%), Emirados Árabes Unidos (EAU) (01 estudo, 6,7%) Estados Unidos da América (EUA) (07 estudos, 46,7%), França (02 estudos, 13,3%), Itália (01 estudo, 6,7%) e Turquia (02 estudos, 13,3%). A maior parte dos estudos (10 artigos) foi publicada em 2021, representando 66,7% do total, o restante dos trabalhos (05 artigos) foi publicado em 2020, o que representa 33,3% dos artigos encontrados (Figura 02).
Figura 02: Relação de artigos publicados e local de publicação dos mesmos.
Todos os trabalhos eram estudos observacionais – coorte retrospectivo, os principais desfechos avaliados foram: Mortalidade Hospitalar (12 estudos, 80%), Gravidade da doença (02 estudos, 13,3%) e a morbidade (01 estudo, 6,7%) (Tabela 01).
Tabela 01: Identificação dos estudos incluídos na presente revisão cienciométrica.
Autor | Tipo de Estudo | Título | Desfecho Principal |
Plourde et al., 2021 | Coorte Retrospectivo | Association between obesity and hospital mortality in critical COVID-19: a retrospective cohort study | Mortalidade hospitalar |
Hendren et al, 2021 | Coorte Retrospectivo | Association of Body Mass Index and Age With Morbidity and Mortality in Patients Hospitalized With COVID-19: Results From the American Heart Association COVID-19 Cardiovascular Disease Registry. | Mortalidade hospitalar |
Plataki et al, 2021 | Coorte Retrospectivo | Association of body mass index with morbidity in patients hospitalised with COVID-19 | Morbidade |
Suresh et al., 2021 | Coorte Retrospectivo | Association of obesity with illness severity in hospitalized patients with COVID-19: A retrospective cohort study. | Mortalidade hospitalar |
Kim, et al, 2021 | Coorte Retrospectivo | BMI as a Risk Factor for Clinical Outcomes in Patients Hospitalized with COVID-19 in New York. | Mortalidade hospitalar |
Al Heialy et al., 2021 | Coorte Retrospectivo | Combination of obesity and co-morbidities leads to unfavorable outcomes in COVID-19 patients | Mortalidade hospitalar |
Pietri et al, 2021 | Coorte Retrospectivo | Excess body weight is an independent risk factor for severe forms of COVID-19. | Gravidade da doença |
Singh et al., 2020 | Coorte Retrospectivo | Impact of Obesity on Outcomes of Patients With Coronavirus Disease 2019 in the United States: A Multicenter Electronic Health Records Network Study | Mortalidade hospitalar |
Agca et al., 2021 | Coorte Retrospectivo | Is Obesity a Potential Risk factor for Poor Prognosis of COVID-19? | Mortalidade hospitalar |
Rossi et al., 2021 | Coorte Retrospectivo | Obesity as a risk factor for unfavorable outcomes in critically ill patients affected by Covid 19. | Mortalidade hospitalar |
Cai et al, 2020 | Coorte Retrospectivo | Obesity and COVID-19 Severity in a Designated Hospital in Shenzhen, China. | Gravidade da doença |
Dana et al.,2021 | Coorte Retrospectivo | Obesity and mortality in critically ill COVID-19 patients with respiratory failure. | Mortalidade hospitalar |
Al-Salameh et al, 2020 | Coorte Retrospectivo | The association between body mass index class and coronavirus disease 2019 outcomes. | Mortalidade hospitalar |
Nakeshbandi, et al., 2020 | Coorte Retrospectivo | The impact of obesity on COVID-19 complications: a retrospective cohort study | Mortalidade hospitalar |
Sahin et al, 2021 | Coorte Retrospectivo | The Role of Obesity in Predicting the Clinical Outcomes of COVID-19. | Mortalidade hospitalar |
Grande parte dos estudos recuperados nas buscas tratavam-se de protocolos para ensaios clínicos, todos os artigos incluídos na presente revisão utilizaram fontes de dados seguras como prontuários eletrônicos e resultados de exames, validando as informações apresentadas nos mesmos.
Ao todo, 39863 participantes foram incluídos nas avaliações, dos quais: 14584 eram indivíduos eutróficos (IMC 18,5 a 24,9 kg/m²), 7587 possuíam sobrepeso (IMC 25 a 29,9 kg/m²) e 17692 possuíam algum grau de obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²). Com base nas informações disponíveis nos estudos, 1403 (9,6%) participantes eutróficos desenvolveram as formas graves da doença e necessitaram de Ventilação Mecânica Invasiva (VMI), para os indivíduos com sobrepeso este valor foi de 1577 (20,8%) participantes e para indivíduos com obesidade 2961 (16,7%) participantes necessitaram de VMI.
Tais resultados podem ser relacionados a alterações respiratórias ocorrentes neste grupo de indivíduos. O acúmulo de TA na região torácica e abdominal alteram a mecânica ventilatória, dificultando as trocas gasosas, que em associação com os efeitos da infecção pelo SARS-CoV-2 pode contribuir para o desenvolvimento das formas mais graves da doença.
Os achados indicam que pacientes com sobrepeso e obesidade apresentam maiores chances de necessitarem de VMI, resultados também observados por Kim et al. (2021), entretanto, após serem ventilados, estes pacientes não apresentaram maiores taxas de mortalidade em comparação com indivíduos eutróficos.
Grande parte dos estudos concluíram que o excesso de peso atuou como fator importante na mortalidade em decorrência da COVID-19. Houve grande diversidade na metodologia dos mesmos com relação aos participantes incluídos, a variação no tamanho da coorte foi a principal diferença. Nakeshbandi et al. (2020), possuía aproximadamente 90% da coorte composta por indivíduos negros. A seleção dos pacientes incluídos nos estudos não considerou essa informação propositalmente, entretanto, os resultados reforçam a informação de tal população foi uma das mais afetadas pela doença, em virtude das diferenças socioeconômicas desfavoráveis que grande parte de seus membros enfrentam (SANTOS et al., 2020).
Com relação a mortalidade, 12,4% dos participantes eutróficos foram a óbito (N=1832), enquanto os valores para sobrepeso e obesidade são 20,1% (N=1560) e 11,7% (N=2100) respectivamente. Tais resultados indicam que o sobrepeso se apresenta como um importante fator de risco para a doença, apresentando inclusive um percentual maior do que os pacientes com obesidade, acredita-se que esse achado evidencia os pacientes com acúmulo de tecido e que ainda não buscaram nenhuma estratégia de controle do excesso de massa corporal levando assim a maior predisposição a afecções patológicas.
O aumento do número de indivíduos com sobrepeso e obesidade ao longo dos anos chegou a um nível pandêmico. Acredita-se que um dos motivos para o aumento da obesidade sejam o alto preço de alimentos saudáveis e o baixo custo de alimentos calóricos, sendo estes últimos mais acessíveis a populações com menor renda, o que leva a altos índices de obesidade com início ainda na infância em países de baixa renda (BOLETI et al., 2022).
Tais informações podem auxiliar os profissionais da saúde na tomada de decisões com relação ao manejo dos pacientes que apresentam excesso de massa corporal quando infectados pelo SARS-CoV-2. Além disso, durante as buscas foram encontrados muitos protocolos de estudos que estão em desenvolvimento, o que indica que evidências científicas robustas estão em desenvolvimento.
Ainda há muito a se aprender e descobrir no que diz respeito a COVID-19, em especial suas consequências, já se sabe que as mesmas podem durar por meses após a recuperação, desse modo, estudos sobre a temática devem ser incentivados.
4. CONCLUSÃO
O sobrepeso demonstrou ser um fator de risco para a maior mortalidade em pacientes acometidos pela COVID-19, demonstrando que o acúmulo de TA poderia influenciar na progressão do quadro patológico, podendo levar ao desenvolvimento das formas mais graves da doença.
REFERÊNCIAS
AGHILI, S. M. M. et al. Obesity in COVID-19 era, implications for mechanisms, comorbidities, and prognosis: a review and meta-analysis. International Journal of Obesity (2005), v. 45, n. 5, p. 998–1016, 2021.
BRANDÃO, S. C. S. et al. Obesidade e risco de covid-19 grave. 1o ed. Recife: [s.n.].
DE A. BOLETI, A. P. et al. Adipose tissue, systematic inflammation, and neurodegenerative diseases. Neural Regeneration Research, v. 18, n. 1, p. 38–46, 25 abr. 2022.
HAMER, M. et al. Lifestyle risk factors, inflammatory mechanisms, and COVID-19 hospitalization: A community-based cohort study of 387,109 adults in UK. Brain, Behavior, and Immunity, v. 87, p. 184–187, jul. 2020.
HENDREN, N. S. et al. Association of Body Mass Index and Age With Morbidity and Mortality in Patients Hospitalized With COVID-19: Results From the American Heart Association COVID-19 Cardiovascular Disease Registry. Circulation, v. 143, n. 2, p. 135–144, 12 jan. 2021.
KIM, T. et al. Body Mass Index as a Risk Factor for Clinical Outcomes in Patients Hospitalized with COVID-19 in New York. Obesity (Silver Spring, Md.), v. 29, n. 2, p. 279–284, fev. 2021.
MACIAS-CHAPULA, C. A. O papel da informetria e da cienciometria e sua perspectiva nacional e internacional. Ciência da Informação, v. 27, p. nd-nd, 1998.
MARTELLETO, G. K. S. et al. Principais fatores de risco apresentados por pacientes obesos acometidos de COVID-19: uma breve revisão / Main risk factors presented by obese patients affected with COVID-19: a brief review. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 2, p. 13438–13458, 8 fev. 2021.
NAKESHBANDI, M. et al. The impact of obesity on COVID-19 complications: a retrospective cohort study. International Journal of Obesity (2005), v. 44, n. 9, p. 1832–1837, 2020.
NETTO, R. G. F.; CORRÊA, J. W. DO N. EPIDEMIOLOGIA DO SURTO DE DOENÇA POR CORONAVÍRUS (COVID-19). DESAFIOS – Revista Interdisciplinar da Universidade Federal do Tocantins, v. 7, n. Especial-3, p. 18–25, 22 abr. 2020.
OUZZANI, M. et al. Rayyan—a web and mobile app for systematic reviews. Systematic Reviews, v. 5, n. 1, 2016.
SANTANA, A. V.; FONTANA, A. D.; PITTA, F. Pulmonary rehabilitation after COVID-19. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 47, n. 1, p. e20210034–e20210034, 2021.
SANTOS, M. P. A. D. et al. População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde. Estudos Avançados, v. 34, p. 225–244, 10 jul. 2020.
SHOKOPLES, B.; FERREIRA, N. S.; COMEAU, K. The Interplay Between COVID-19 and Cardiovascular Disease. McGill Journal of Medicine, v. 20, 2022. SILVA, R. B. DA et al. Por que a obesidade é um fator agravante para a COVID-19? / Why is obesity an aggravating factor for COVID-19? Brazilian Journal of Health Review, v. 4, n. 2, p. 6502–6517, 25 mar. 2021.
¹Discente do Programa de Pós-graduação em Ciências Aplicadas à Saúde, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás, Brasil
² Discente do curso de graduação em fisioterapia, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás, Brasil
³Docente do curso de graduação em fisioterapia, Universidade Federal de Jataí, Jataí, Goiás, Brasil