PLACENTA ACCRETA: A CASE REPORT
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10041941
Bárbara da Silva de Paula¹
Bárbara Luíza D’Alessandro Rocha¹
Beatriz Gonçalves de Brito dos Santos¹
Gabriella Assunção Alvarinho Sepulbeda¹
Hilka Tachi de Queiroz Neta¹
Nicolle Teles Pezzetti¹
Renato Carlos Malaquias²
RESUMO
Acretismo placentário é uma condição em que a placenta se adere anormalmente no miométrio devido a uma alteração parcial ou total da decidualização do endométrio. Este trabalho tem como objetivo apresentar um relato de caso de acretismo placentário por placenta prévia centro- total, acompanhado pelo Hospital Maternidade Interlagos, em São Paulo – SP. A metodologia aplicada consiste em uma revisão narrativa associada a um relato de caso. Essa complicação gestacional representa uma importante causa de morbidade e mortalidade materna devido à extensa perda sanguínea no parto e está relacionada a diversos fatores de risco, cujo principal, na atualidade, é o histórico prévio de cesárea. A abrangência de dados coerentes com a literatura científica presentes neste caso clínico incitou a realização deste trabalho com objetivo de valor de ensino.
Palavras-chave: Acretismo Placentário. Placenta Prévia. Complicação Gestacional. Cesariana.
ABSTRACT
Placenta accreta is a condition in which the placenta adheres abnormally to the myometrium due to a partial or total change in the decidualization of the endometrium. This work aims to present a case report of p1lacenta accreta due to central-total placenta previa, followed by Hospital Maternidade Interlagos, in São Paulo-SP. The methodology applied consists of a narrative review associated with a case report. This gestational complication represents na important cause of maternal morbidity and mortality due to extensive blood loss during childbirth and is related to several risk factors, the main one currently being a previous history of cesarean section. The coverage of data consistent with the scientific literature present in this clinical case encouraged the carrying out of this work with the objective of teaching value.
Keywords: Placenta Accreta. Placenta Previa. Gestational Complication. Cesarean Section.
INTRODUÇÃO
O acretismo placentário é, portanto, uma doença com importante incidência de mortalidade materno fetal, principalmente por hemorragias. Agravando o prognóstico da gestante se o diagnóstico não for feito durante o pré-natal, pois o planejamento de parto nesse caso é essencial¹.
Tal patologia faz parte das doenças relacionadas aos sangramentos de terceiro trimestre, portanto, qualquer sangramento que ocorra nesse período deve ser investigado. Sua apresentação é baseada em um sangramento indolor e intermitente, devendo o médico diferenciar esse sangramento de outros diagnósticos mais comuns de sangramento de terceiro trimestre, como a placenta prévia¹.
Dentro do acretismo temos a classificação quanto ao grau de invasão: placenta acreta adere ao miométrio, a increta invade o miométrio e a percreta ultrapassa o miométrio, atingindo a serosa e, eventualmente, estruturas adjacentes como a bexiga, ureter e intestino¹.
Os principais fatores de risco para que ocorra essa doença são: cesárea anterior, curetagem uterina, miomectomia, cirurgia vídeo-histeroscópica, irradiação pélvica, idade materna acima de 35 anos e multiparidade¹. A paciente do relato em questão apresentava, portanto, vários dos fatores de risco para a ocorrência dessa aderência anormal da placenta no miométrio.
O médico deve levar em conta os fatores de risco e as queixas da gestante, sendo a queixa principal nesse caso o sangramento que ocorre por volta do final do segundo trimestre e terceiro trimestre da gestação. Juntamente com a história clínica deve-se solicitar exames complementares para o diagnóstico. A ultrassonografia tem alta sensibilidade e especificidade, tendo alguns principais achados típicos no caso de acretismo, como: perda do espaço hipoecoico retroplacentário, adelgaçamento do miométrio subjacente, irregularidade na interface útero e bexiga, protrusão da placenta para a bexiga, lacunas irregulares, aumento da vascularização e fluxo turbulento ao Doppler¹.
No caso relatado o que levou o médico a suspeitar do acretismo foi a queixa de dor abdominal intensa, e não um sangramento, e na realização do ultrassom se suspeitou da doença, que foi confirmada pelo exame de ressonância magnética. É importante solicitar a ressonância nos casos em que a ultrassonografia não esclareceu o quadro¹.
O planejamento de parto nesses casos em que há o diagnóstico é essencial. O parto deve ser realizado com 36/37 semanas, em centro de referência com experiência em casos de acretismo e uma equipe multidisciplinar com obstetra, anestesiologista, radiologista intervencionista, neonatologista, urologista, cirurgião geral, intensivista, hemoterapeuta e enfermagem especializada. O risco de histerectomia, que foi realizada no relato, e o risco de lesões em outros órgãos devem ser esclarecidos a paciente e seus familiares¹.
O diagnóstico de acretismo no momento em que está ocorrendo a dequitação placentária é mais grave, pelo grande risco de hemorragia e pela cirurgia não planejada, diferente do diagnóstico feito no pré-natal¹.
RELATO DO CASO
Anamnese:
Paciente D.F.M., 28 anos, G4P2CE1 chega ao Hospital Maternidade Interlagos. D.U.M. 14/08/2022 com idade gestacional de 36 semanas + 2 dias.
QP: Paciente no momento assintomática, vem para a assistência materno fetal. Relatava boa movimentação fetal.
Cirurgias prévias: 2 cesáreas, 1 laparotomia exploradora por gestação ectópica rota em 2021 e uma laparotomia por apendicite aguda supurada em 2022.
Antecedentes: refere endometrite pós-parto e internação por 15 dias na sua segunda gestação. Relata hipotireoidismo em uso de Levotiroxina 25mcg ao dia. Nega outras doenças ou comorbidades prévias.
Exame físico: Corada, hidratada, eupneica, normocárdica e pressão arterial de 125x74mmHg. Com palpação de tônus uterino normal. Altura uterina de 34 cm, batimento cardíaco fetal de 138 bpm, com movimentos fetais presentes.
Ao exame especular conteúdo fisiológico, com colo uterino puntiforme, epitelizado, sem lesões aparentes e parede vaginal sem lesões aparentes.
Exames Laboratoriais: Durante investigação em atenção primária, foi evidenciado em exame de laboratório, Hb 11,9±dl Ht: 36,2 %, plaquetas 216.000 mm, leucócitos, sorologias de VDRL e HIV testaram não reagente e ±Ts=O+.
Exames de imagens: No primeiro exame de imagem, a ultrassonografia obstétrica transvaginal realizada não foi possível caracterizar o embrião nem a vesícula vitelina com DMSG: 4,0 mm. Na segunda realização do mesmo exame é visto embrião único, atividade cardíaca presente, vesícula vitelina, de aspecto preservado, em idade gestacional 5 semanas e 6 dias. Na realização da terceira ultrassonografia obstétrica transvaginal, o peso fetal estimado estava em 176,6 gramas (p10-90), idade gestacional: 21 +1 dia, placenta em inserção corporal posterior baixa e líquido amniótico com volume normal.
Com 22 semanas e 4 dias de gestação, a paciente relatou dor abdominal intensa, foi realizado ultrassom abdominal com doppler que mostrou placenta marginal e intenso hiperfluxo em parede uterina em região de flanco direito, sugerindo acretismo.
Foi solicitado o exame de ressonância nuclear magnética da placenta, que apresentou placenta com a inserção anterior e posterior, prévia, centro total contendo sinais de acretismo com lobulação uterina anormal, protuberância placentária, indefinição da interface placentominiometrial, afilamento miometrial, vascularização placentária e hipervascularização suberosa. Conclui-se, que o estado da ressonância magnética demonstra alta probabilidade para o espectro de acretismo placentário.
Internação e proposta cirúrgica:
Diante de quadro altamente sugestivo de acretismo placentário, é agendado parto cesárea com histerectomia subtotal abdominal apresentando idade gestacional de 36 semanas, com reserva de concentrado de hemácias e plasma fresco congelado e leito em UTI, paciente sendo orientada sobre risco inerentes ao procedimento.
Cirurgia realizada:
Cirurgia realizada com incisão cutânea mediana infra-umbilical mais histerotomia corporal fúndica, apresentando extração fetal sem intercorrência, peso ±2.690 g Apgar: 8/9. Constatada alta probabilidade de placenta increta por visão direta. A qual, a placenta foi mantida em “in situ” e realizada histerectomia subtotal abdominal mais salpingectomia bilateral sem intercorrências. Sendo encaminhado produto da cirurgia para avaliação anátomo-patológico.
Figura1- Detalhes da Histerotomia corporal com placenta “insitu”
Figura 2- Detalhe de infiltração de massa placentária em miométrio, parede uterina posterior
Cuidados na cirurgia:
Para os cuidados na cirurgia foi realizado incisão cutânea mediana infra umbilical, para amplo campo operatório, possibilitando a realização da parede uterina corporal anterior e todas as referências anatômicas, com histerotomia corporal fora da área placentária, evitando contato com a massa placentária e realizado a extração fetal habitual.
DISCUSSÃO
No tocante aos fatores de risco do acretismo placentário, o aumento dos partos cesáreos demonstra impactos maiores e a endometrite pós-parto impactos menores quando correlacionados a patologia em questão². Fernandes (2018) refere que pacientes com duas cesáreas anteriores, o risco de placenta prévia gira em torno de 1,9%, um aumento significante em relação a pacientes com apenas uma cesárea anterior.
Esta paciente além de apresentar duas cesáreas anteriores, apresentou também uma endometrite pós-parto em sua segunda gestação, classificando como grupo de risco para acretismo placentário.
O diagnóstico de acretismo placentário é realizado através da história clínica da paciente, colhendo quaisquer fatores de riscos e antecedentes pessoais, da ultrassonografia transvaginal e ressonância magnética quando os exames anteriores forem insuficientes para fechar o diagnóstico¹, ².
No caso relatado foi diagnosticado placenta prévia centro-total com 22 sem e 4 dias de gestação baseado na história clínica e exames de imagem. Foi realizada ultrassonografia do abdome superior com doppler do sistema porta que demonstrou placenta marginal e intenso hiperfluxo em parede uterina e ressonância magnética, a qual confirmou o diagnóstico.
Diante do exposto, foi programado parto cesáreo de forma eletiva com 36 semanas de gestação e histerectomia subtotal abdominal. Realizada reserva de concentrado de hemácias, plasma fresco congelado e leito em unidade de terapia intensiva (UTI) e orientações dos riscos do procedimento com a paciente. No ato cirúrgico optou-se pela incisão cutânea mediana infra umbilical, para amplo campo operatório, a qual permite a visualização da parede uterina corporal anterior e demais referências anatômicas. A histerectomia corporal foi realizada fora da área placentária para evitar qualquer contato com a massa placentária. A extração fetal ocorreu sem intercorrências e foi constatada alta probabilidade de placenta increta. A placenta foi mantida “in situ” e histerectomia subtotal abdominal juntamente com salpingectomia bilateral foi realizada, sem intercorrências. Em seguida, o produto da cirurgia foi encaminhado ao anátomo-patológico para avaliação.
A conduta expectante pode ser adotada desde que não haja sangramento materno intenso e alterações hemodinâmicas, mantendo sempre que possível bom controle materno e fetal. Tal conduta juntamente com o parto cesáreo é considerado o principal fator para a diminuição da mortalidade materna e neonatal em casos de placenta prévia¹.
Um planejamento cirúrgico adequado é essencial para diminuição da morbimortalidade materna e fetal. Realizar parto em centro de referência com equipe multidisciplinar contando com obstetra, anestesiologista, urologista, cirurgião geral, intensivista, hemoterapeuta e enfermagem especializada se faz necessário. A paciente e familiares devem ser orientados sobre o procedimento a ser realizado, bem como gravidade do caso e todos os riscos¹.
Para a cirurgia, a incisão mediana é mais recomendada, a qual deve ser feita cuidadosamente, evitando lesionar a placenta. Após confirmar acretismo placentário, realiza-se a sutura com a placenta “in situ” e inicia-se a histerectomia. É de suma importância não forçar o descolamento manual placentário, visto ocorrência de intenso sangramento¹.
Após 48 horas foi realizada a alta, paciente estável hemodinamicamente, sem intercorrências e com seguimento em puerpério de alto risco.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Infere-se como conclusão, que o aumento da incidência de partos cesarianos prévios incita um aumento significativo para o risco e acretismo placentário, interferindo significativamente no alto risco de morbimortalidade materna e neonatal. Além do risco considerável da cesariana, a paciente relatada ainda apresentava um risco, mesmo que menor, de endometrite e procedimento cirúrgico prévios em cavidade uterina. Uma conduta adequada para esses casos deve ser elaborada categoricamente, uma vez que sua complicação cirúrgica é elevada. Por fim, como conduta adequada para o presente relato, observou-se a incisão cutânea mediana infra umbilical juntamente com histerotomia corporal fúndica, que apresentou sucesso.
REFERÊNCIAS
- Fernandes, Cesar E. Febrasgo – TratadodeObstetrícia. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2018.
- JAUNIAUX, Eric; COLLINS, Sally; BURTON, Graham J. Placenta accreta spectrum: pathophysiology and evidence-based anatomy for prenatal ultrasound imaging. American Journal Of Obstetrics And Gynecology, [S.L.], v. 218, n. 1, p. 75-87, jan. 2018. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.ajog.2017.05.067.
1 Discente do Curso Superior de Medicina da Universidade Nove de Julho CampusGuarulhos
² Docente do Curso Superior de Medicina da Universidade Nove de Julho Campus Guarulhos, graduado em Medicina pela Universidad Mexico Americana Del Norte, revalidação na Universidade Estadual de Londrina, residência médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital Universitário e Faculdade de Medicina de Jundiaí, aprimoramento em Ginecologia Oncológica pelo Instituto Brasileira de Controle do Câncer, pós-graduação em ultrassonografia Ginecológica e Obstétrica pelo CETRUS.