ACOMPANHAMENTO FAMILIAR EM UMA UTI PEDIÁTRICA DA AMAZÔNIA OCIDENTAL SOB A ÓTICA DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10045703


Karolaine Lopes Gomes da Silva1
Nadia Maria Silva Montelo2


RESUMO

Objetivo: Compreender a visão da equipe multidisciplinar acerca da presença de acompanhante em tempo integral na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTI PED). Métodos: Trata-se de um estudo descritivo com abordagem mista. Para análise e interpretação dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo. Os dados foram coletados entre maio a julho de 2023, por meio de entrevista semi-estruturada junto a 14 profissionais atuantes na UTI Pediátrica do Hospital Regional de Cacoal. Resultados: Através do discurso destes profissionais, pode-se evidenciar que reconhecem a importância da presença da família no processo de hospitalização e recuperação da criança, mas que esta convivência no ambiente intensivo resulta em diversos desafios. Conclusão: Conclui-se que é necessário conscientizar a equipe acerca da importância da busca de conhecimentos teóricos que possam auxiliar nas mudanças necessárias para ofertar o melhor cuidado a família da criança hospitalizada.

Palavras-Chave: Unidade de Terapia Intensiva, Hospitalização Infantil, Humanização

INTRODUÇÃO

As intensas mudanças políticas e sociais ocorridas nos países ocidentais a partir do final do século XIX, diretamente ligadas ao modo de produção, ao desenvolvimento da prática médica, e ao significado e valor atribuído à criança pela sociedade, ocasionaram em importantes transformações na assistência à criança hospitalizada (Lima et al., 1999).

Até 1930, a assistência da enfermagem à criança hospitalizada restringia-se à prevenção de infecções e transmissão de doenças contagiosas, através de um rigoroso isolamento, privando os familiares de contato com a criança e com os profissionais de saúde envolvidos em seus cuidados. Neste período, as necessidades de desenvolvimento, as reações psicológicas infantis, e o impacto emocional e social do processo de adoecimento e hospitalização causados na criança e em seus pais, eram fatores que tinham pouca relevância (Lima et al., 1999).

A partir de 1940, nos Estados Unidos, a assistência médica à criança torna-se mais complexa, acompanhando os avanços tecnológicos e a introdução de terapias antimicrobianas. Em paralelo, ocorre uma transformação no conceito de criança, agora entendida como um ser em desenvolvimento e crescimento, que além de necessidades biológicas, possui necessidades psicológicas, emocionais e sociais. Tais fatores possibilitaram a revisão do afastamento de pais e familiares durante o processo de hospitalização de seus filhos. Em 1951, A Organização Mundial de Saúde (OMS), impulsionada pela preocupação com o crescimento e desenvolvimento na assistência à criança hospitalizada, publica um relatório relacionando a privação materna durante a internação como fator de risco à saúde mental das crianças (Lima et al., 1999).

Em 1959 foi publicado o Relatório Platt, elaborado a pedido do Ministério da Saúde da Inglaterra, que apresentava propostas para a assistência hospitalar à criança, visando minimizar o sofrimento inerente à internação, e a promoção de seu bem-estar, dentre elas a autorização para que os pais permanecessem em período integral no hospital junto a seus filhos. O documento é considerado um marco nas discussões referentes aos cuidados hospitalares ofertados às crianças (Collet; Rocha, 2004).

No Brasil, a preocupação com a permanência dos pais no hospital ocorre a partir da promulgação da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que regulamenta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em seu artigo 12, o ECA (2003, pg. 10) dispõe que “os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsáveis, nos casos de internação de criança e adolescente”.

Apesar do direito à permanência dos pais em tempo integral no hospital durante a internação de crianças e adolescentes ser garantido por Lei, esta modalidade de assistência ainda não é uma realidade em muitas instituições hospitalares brasileiras, principalmente em unidades de terapia intensiva pediátricas (UTIPs), mesmo a presença da mãe aumentando as chances da criança de se manter integrada emocionalmente, reduzindo os impactos psicológicos negativos que a internação tem sobre ela, possibilitando assim, uma recuperação mais rápida e efetiva (Cucco, 2006). 

Contudo, com as mudanças de comportamento dos profissionais de saúde que vem adotando um modelo de assistência moderno centrado na criança e na família, essa realidade vem sendo transformada no cotidiano das unidades de terapia intensiva pediátricas (UTI’s Ped). Entretanto, devido a uma complexidade de relações que ocorrem no ambiente hospitalar, esses profissionais enfrentam dificuldades para implantar esse modelo, especialmente, no tocante à inclusão dos pais no processo de cuidar (Collet; Rocha, 2004).

As Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica foram criadas com o objetivo de prestar assistência a crianças em situações de risco e agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida e exigem tratamento imediato, mediante a realização de procedimentos complexos, muitas vezes, aliados ao uso de tecnologias avançadas (Molina et al., 2007).

A complexidade das atividades desenvolvidas nas UTIPs exigem de toda a equipe multiprofissional um preparo técnico-científico adequado para o rigoroso controle das funções vitais, a fim de garantir a sobrevivência de crianças em risco de vida, além de conhecimentos para realizar intervenções junto às famílias das crianças hospitalizadas (Pedroso; Bousso, 2004). 

A instrumentalização da equipe para abordagem e intervenções junto à família pode ser subsidiada com a adoção de modelos teóricos como o Modelo Calgary de Intervenção, o Modelo de Crenças e o Modelo de Resiliência Familiar, permitindo-lhes uma melhor compreensão acerca da doença e processo de hospitalização da criança (Silveira; Angelo, 2006).

Essa instrumentalização também pode ocorrer decorrente de práticas cotidianas no ambiente de trabalho que visam o desenvolvimento de competências de comunicação efetiva e trabalho em equipe. Além da predisposição dos profissionais envolvidos na assistência em valorizar a família, promovendo, assim, um ambiente de interação de diferentes opiniões, valores e cultura, sem julgamentos e pré-conceitos (Silveira; Ribeiro, 2005).

Os pais percebem a hospitalização do filho por meio da interação que mantém com a equipe de saúde e os cuidados que são prestados ao filho. Consideram a tecnologia e dedicação dos profissionais como fatores importantes, mas, acima de tudo, julgam o respeito e a consideração indispensáveis na relação interpessoal (Andraus et al., 2004). 

Tais dados evidenciam a importância dos profissionais estarem abertos e atentos às interações com a família, buscando compreender o impacto das vivências decorrentes do processo de adoecimento e hospitalização da criança, e alternativas que visem a superação dos desafios decorrentes destes processos (Cunha, 2000).

 Apesar dos benefícios do acompanhamento da família em tempo integral durante a internação da criança e da importância do vínculo familiar ser mantido neste período, no estado de Rondônia, esta não é uma realidade comum a internação de crianças em ambiente intensivo, visto que, dentre todas as Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica SUS do estado, apenas a que foi objeto de estudo desta pesquisa conta com a presença de acompanhante em tempo integral. 

Diante do exposto, definiu-se como objetivo deste estudo compreender a visão da equipe multidisciplinar acerca da presença da família em tempo integral na UTI Pediátrica do Hospital Regional de Cacoal, localizado no interior do estado de Rondônia.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem mista, sendo assim foram utilizadas as abordagens quantitativas e qualitativas na investigação de um mesmo fenômeno, tendo como objeto principal de investigação a palavra manifestada pelos profissionais entrevistados. 

O estudo foi desenvolvido na UTI pediátrica do Hospital Regional de Cacoal (HRC), localizado no interior do estado de Rondônia. Inaugurado em 2010, o HRC é referência em atendimentos na saúde, em alta e média complexidade, para toda população compreendida na segunda macrorregião de saúde do estado, abrangendo cerca de 830 mil habitantes, distribuídos em 34 municípios. 

O hospital dispõe de atendimentos ambulatoriais de diversas especialidades médicas, enfermarias e um Centro de Terapia Intensiva, composto por 3 Unidades de Terapia Intensiva Adulta, que conta com 28 leitos, além de uma UTI Pediátrica, inaugurada no ano de 2015, dispondo de 7 leitos para internação de crianças acima de 28 dias de vida até 12 anos 11 meses e 29 dias. 

A UTI pediátrica do HRC, desde sua implementação, tem seguido o modelo de UTI humanizada, permitindo que a criança internada tenha um acompanhante em tempo integral. Além disso, é permitida a entrada de um visitante por dia, consanguíneo ou não, podendo permanecer durante 50 minutos na unidade. Em algumas situações, após avaliação da equipe, este horário de visita pode ser estendido.

A população foi constituída pelos profissionais: médicas(os), enfermeiras(os), técnicas(os) de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticas(os), e psicólogas(os) atuantes na UTI Pediátrica do Hospital Regional de Cacoal. Atualmente, as equipes estão constituídas da seguinte forma: 8 médicas(os),  5 enfermeiras(os), 21 técnicas(os) de enfermagem, 7 fisioterapeutas, 4 psicólogas(os), 8 nutricionistas, e 3 farmacêuticas(os).

Os informantes foram selecionados aleatoriamente, numa proporção de 20% de cada categoria profissional, totalizando 14 profissionais.

Os dados foram coletados, entre os meses de maio e julho de 2023, por meio de um questionário sociodemográfico contendo 8 perguntas e uma entrevista semiestruturada conduzida pela pesquisadora, realizada no próprio local de trabalho em ambiente reservado. Os instrumentos utilizados na coleta de dados foram elaborados pela própria autora, de acordo com os objetivos.

Para a análise e interpretação dos dados optou-se pela análise de conteúdo. Na apresentação dos resultados, os discursos dos sujeitos estão identificados com as iniciais da profissão: MED para médica(o), ENF para enfermeira(o), TECN ENF para técnica(o) de enfermagem, FISIO para fisioterapeuta, PSI para psicóloga(o), NUTRI para nutricionista e FARMA para farmacêutica(o), seguidos do número da participação da pesquisa. 

A apresentação, neste formato, procurou garantir, entre outros aspectos, a preservação das identidades dos sujeitos investigados, cuja participação atendeu às especificações da Res. 196/96-CNS, acerca de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da União das Escolas Superiores de Ji-Paraná – UNIJIPA (Parecer nº. 5.986.882).

RESULTADOS

Os 14 participantes, sendo 2 médicas(os), 01 enfermeira(o), 5 técnicas(os) de enfermagem, 2 fisioterapeutas, 1 psicóloga(o), 2 nutricionistas, e 1 farmacêutica(o), eram em sua maioria do sexo feminino, solteiros, com idade média de 33 anos. Em relação à escolaridade, 11 possuíam curso superior, dentre estes, 7 tinham pós-graduação e 3 tinham ensino médio nível técnico. Destes profissionais, 4 atuam, em suas respectivas profissões, entre 2 e 5 anos, 5 entre 5 e 10 anos, 3 entre 10 e 15 anos, 1 entre 15 e 20 anos e 1 há mais de 20 anos.

Dentre os participantes, 8 atuam entre 6 meses e 2 anos na UTI Pediátrica do HRC, 3 entre 2 e 5 anos, e 3 entre 5 e 7 anos, com média de 2 dias de atuação por semana.

A importância do vínculo afetivo

A criança hospitalizada está sujeita a ser submetida a diversos procedimentos desagradáveis e dolorosos, que aumentam conforme seu quadro clínico se agrava, tais medidas apesar de serem essenciais para manutenção da vida, podem fazer a criança sentir-se insegura e angustiada (Ribeiro, 2004).

O estresse da criança, apesar de inevitável durante o período de internação na UTI, causado por fatores como medo, dor, privação de sono, estranhamento com o ambiente, entre outros, pode ser minimizado com a presença da família (Molina et. al., 2007). Os resultados obtidos neste estudo evidenciam que os profissionais têm conhecimento do estresse e sofrimento vivenciados pela criança no período de internação, e do papel fundamental que os pais desempenham no enfrentamento desta situação. 

“Em relação à presença da família na UTI Pediátrica, acho importante pela questão da afetividade, a manutenção do laço afetivo, e também passa mais segurança para a criança ter alguém ali que ela conheça” (Psi 1).

A presença da família, além de diminuir os efeitos negativos decorrentes da internação, contribui para uma melhor adaptação da criança no ambiente hospitalar, uma maior aceitação do tratamento e engajamento nas atividades terapêuticas (Ribeiro, 2004). Tais benefícios foram apontados por vários profissionais entrevistados, e suas respostas estão em consonância com resultados evidenciados na literatura científica acerca do tema. 

“Eu acho que [ a presença dos pais] traz segurança para a criança, porque a criança sozinha vai se sentir mais desprotegida,  vai ter mais resistência com a equipe, porque elas são resistentes, né?  Ninguém gosta de ficar sendo furado, sendo manipulado por pessoas estranhas, né?  E a família acaba dando essa segurança, essa estabilidade emocional.  Então, eu acho que como  profissional e como mãe, eu acho que é super importante que a família possa participar desse processo terapêutico” (Tecn. Enf 3).

“Eu acho que todas [UTI’s PED] deveriam ser assim, porque a criança já está doente, ela já está fragilizada, e o fato de ter um familiar, uma pessoa que ela pode confiar ali perto, acho que isso ajuda bastante, dá um conforto tanto para a criança quanto para a mãe” (Nutri 2).

A boa formação do vínculo mãe e filho auxilia até mesmo na recuperação da criança hospitalizada, pois a mãe é considerada aquela que promove segurança para a criança doente (Bowlby, 2002).

“Eu percebo como um fator primordial para a recuperação das crianças.  Eu acredito que sem a presença do familiar a gente teria índices piores  em relação a mortalidade.  Acredito que a gente teria também muito mais problema  em relação a processos traumáticos da internação dessas crianças,  o que por consequência dificultaria a recuperação do seu processo patológico” (Fisio 2).

A família como barreira de segurança

Os profissionais entrevistados também destacaram a importância da presença dos familiares em tempo integral na UTI Pediátrica na garantia da segurança da assistência ofertada à criança ali internada. 

“Eu acredito que também é um fator essencial para a segurança desses pacientes,  prevenindo incidentes, quedas, entre outras diversas situações.  Então, o familiar também se constitui como uma barreira de segurança  para esses pacientes” (Fisio 2).

“A família ajuda a trazer para a equipe uma maior responsabilidade, porque a partir do momento que tem um familiar ali, você obrigatoriamente tem que relatar o que você está fazendo naquele momento” (Farma 1).

“A UTI humanizada é uma forma bacana, porque ajuda a gente.  Às vezes a mãe do [paciente] isolamento vem nos chamar “nossa, meu filho está saturando 85%” e ele realmente está.  Imagina se não tivesse acompanhante (TECN 2).

Além da segurança ao paciente, os entrevistados também salientaram que a presença do acompanhante na UTI transmite ao familiar mais confiança na assistência ofertada à criança.

“Além de ser uma segurança para a criança, é até para a gente mesmo [equipe], porque eu acredito que uma criança não vai saber responder por ela, e o pai está ali presenciando tudo […] passa mais segurança para eles e até para a gente também,  para eles saberem o que está acontecendo” (Tecn Enf 4).

“Eu acho importante, acho que a família tem uma visão mais real da situação. Eu acho que ela consegue ter uma noção. E eu acho que é mais fácil para ela digerir e entender o processo […]  e ver o momento de piora, o momento de melhora, ver o trabalho da UTI, que tem assistência” (Med 2).

“Todo o processo terapêutico, todo o cuidado, toda a mobilização,  quanto menos a gente conhece, menos segurança a gente tem, né?  A partir do momento que você conhece o serviço, você sabe o que está sendo feito, né?  A forma que é abordada as coisas que são feitas com as crianças, o pai se sente mais seguro com a equipe” (Tecn Enf 3).

Os relatos supracitados revelam a importância de colocar a família como protagonista no que concerne ao tratamento oferecido à criança.

Reflete-se que a recusa do familiar a determinado procedimento ao filho ocorre, na grande maioria das vezes, pois este não entendeu a real necessidade de tal procedimento, ou porque não foi explicado a ele a necessidade, ou explicado de maneira ineficaz (Marques et al., 2014).

Os desafios decorrentes da presença da família na UTI Pediátrica: comunicação efetiva

Ao serem questionados acerca dos desafios enfrentados em relação à presença das famílias em tempo integral na UTI, a maioria dos entrevistados, conforme evidenciado na literatura, destacaram a dificuldade de manter uma comunicação eficaz com as famílias.

“Dentro da UTI PED o boletim é dinâmico.  Então, o que é bom, se torna também algo incomodativo, se essa comunicação não combina em algo. Essa mesma situação se aplica à enfermagem.  O médico pode ser questionado pela família dez, doze vezes em um dia sobre algum sinal de melhora,  ou algum sinal de piora da criança. E ele tem que estar sempre disposto a atualizar.  Afinal, tem uma companhia beira leito ali querendo saber o que está acontecendo.  Acho que o desafio maior é esse, alinhar uma comunicação eficaz com essa família desde a chegada” (MED 1).

“O desafio é você fazer com que aquele familiar entenda que às vezes você vai ter que fazer coisas que não são legais, que são dolorosas. Perfurar crianças não é uma coisa fácil […]. É importante trazer o que está sendo feito naquela criança naquele momento, com uma linguagem não científica, uma linguagem que seja mais casual, que aquela pessoa, aquela família consiga compreender” (Farma 2).

“Eu acho que é importante sempre ter uma boa comunicação. Eu acho que antes de tomar qualquer decisão, […] devemos entender porque os pais tiveram aquele posicionamento, ouvi-los antes de decidir por qualquer conduta. Muitas das vezes nós somos falhos nisso. Uma equipe diz uma coisa, a outra equipe diz outra, e às vezes nós não sentamos para compartilhar o posicionamento de cada profissional” (Psi 1).

O processo de comunicação com os familiares deve ser efetivo, regular e contínuo sobre a condição clínica e tratamento da criança. Dado a complexidade dos casos atendidos na UTI Pediátrica, as condutas terapêuticas podem ser alteradas após discussões entre a equipe multidisciplinar, portanto, o familiar deve ser informado acerca das mudanças de forma rápida e clara, assegurando que ele compreenda o motivo das mudanças e o prognóstico (Bazzan et al., 2021). 

Uma das entrevistadas destacou a importância de capacitação das equipes a fim de desenvolver habilidades comunicação efetiva e empatia.

“A gente sabe que é difícil porque a família, a maioria, não são entendidos da área da saúde,  são leigos. A forma como você vai repassar as informações têm que ser da maneira mais clara possível, como até uma criança entenderia […]. Acho que isso diminui essa resistência, porque se fosse nosso filho, a gente também teria resistência.  Se fosse o meu pai, minha mãe, eu também ia querer saber tudo. Às vezes a gente acha, entre aspas, que o pai e a mãe estão atrapalhando o processo, mas é por falta de conhecimento da parte da equipe. Muitas vezes a equipe não tem um tato, às vezes não se qualifica melhor.  Eu acho que quanto mais qualificação a equipe tem, ela consegue diminuir esses conflitos com a família” (Tecn Enf 3).

Em conclusão, a comunicação constitui um fator primordial para a humanização do atendimento aos familiares, pois não há como ter um bom acolhimento por parte dos profissionais de saúde se não houver comunicação com efetividade e clareza (Luiz et al., 2017). 

Os desafios decorrentes da presença da família na UTI Pediátrica: ansiedade dos pais e interferência nos cuidados

Segundo Schliemann (2006), os pais de crianças hospitalizadas podem experienciar sentimentos de ansiedade, angústia, apreensão, medo e sentimentos de inutilidade, decorrentes da falta de diagnóstico, das potenciais sequelas da doença e/ou tratamento e do risco de vida implicado.

Alguns profissionais pontuaram a ansiedade dos pais e a interferência destes nos cuidados à criança como pontos negativos da presença de acompanhante na UTI Pediátrica.

“Às vezes o desespero do pai pode transmitir para a criança algo ruim: se meu pai está chorando, está com medo, então é algo muito ruim” (Psi 1).

“Às vezes é um pouco complicado, porque os pais choram muito. Eles têm o direito, mas  às vezes eles não aceitam as condutas, eles não entendem  por que está sendo feito aquilo” (Nutri 1).

“O lado ruim é que tem alguns [familiares] que intervêm coisas que não é pra intervir, né?  (Tecn Enf 2).

“Vejo que às vezes como a criança está mais fragilizada, está mais nervosa e tudo mais, a mãe para compensar esse momento acaba muitas vezes prejudicando o cuidado que os profissionais têm com a criança. A criança chora, então a mãe fica sentida e acaba cedendo a coisas que em casa não teria, por exemplo, a criança já não usava mais mamadeira,  mas o fato de ela ver outra criança que estava mamando, ela quis voltar a mamar,  ou então ela começa a querer comer alimentos que não tem o hábito em casa por ver outra criança comendo” (Nutri 2).

Armond e Boemer (2004) apontam a importância de um bom relacionamento entre equipe de saúde e os pais, assim como a maneira que são transmitidas as informações sobre o quadro clínico da criança. Um bom vínculo entre equipe e família promove um maior entendimento sobre o estado geral e prognóstico da criança, e contribui para redução de sintomas ansiosos que geralmente a família enfrenta neste período de hospitalização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do relato dos profissionais evidenciou que estes reconhecem a importância da presença da família no processo de hospitalização e recuperação da criança, mas que esta convivência no ambiente intensivo, onde são enfrentadas situações complexas e diversas, resulta em diversos desafios. Os principais pontos positivos citados pelos profissionais acerca da presença da família em tempo integral na UTI Pediátrica foram: a importância de manter o vínculo afetivo, a garantia da segurança da assistência à criança, e maior confiança na equipe que está oferecendo cuidados à criança. Em contrapartida, os profissionais relatam dificuldade para estabelecer uma comunicação efetiva e de forma contínua com a família. Pontuam também a ansiedade dos familiares e a interferência destes nos cuidados com a criança como pontos negativos do acompanhamento em tempo integral na UTI Pediátrica. Faz-se necessário reforçar que durante a internação a criança não deve ser enxergada de forma isolada, e sim como uma díade criança-família, sendo assim, não é apenas a criança que precisa dos cuidados da equipe multiprofissional em saúde, a família precisa ser acolhida, orientada e informada de forma adequada. É fundamental conscientizar a equipe acerca da importância da constante busca de conhecimentos teóricos que possam auxiliar nas mudanças necessárias para ofertar o melhor cuidado a família da criança hospitalizada.

REFERÊNCIAS

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1Hospital Regional de Cacoal, Cacoal-Rondônia. Email: karolainelgomes@gmail.com.
2Hospital Regional de Cacoal, Cacoal-Rondônia.