ACANTOSE NIGRICANS E PALMA EM TRIPA EM ADENOCARCINOMA GÁSTRICO: RELATO DE CASO

 ACANTHOSIS NIGRICANS AND TRIPE PALMS IN GASTRIC ADENOCARCINOMA: CASE REPORT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10013675


Larissa Soares Queiroga1
Iuri Mandela Simão Batista2
João Gabriel Memoria Costa2
Maurício Gabriel Gonçalves Ferreira2
Luana Maria De Morais Braga3
Piet Gabriel Oliveira Pereira3
Cipriano Ferreira da Silva Junior4


Resumo

OBJETIVO: Relatar caso clínico de manifestação cutânea de doença neoplásica oculta. MÉTODO: Trata-se de paciente com síndrome paraneoplásica dermatológica relacionada à adenocarcinoma gástrico. Ademais, o estudo foi realizado a partir de revisão de prontuário, anamnese, exames complementares e revisão acerca do tema utilizando a base de dados Medline, Scielo e Web of Science. CONSIDERAÇÃO FINAL: A identificação de alterações cutâneas associadas a neoplasias, possibilita um diagnóstico mais assertivo, com objetivo de ofertar tratamento oportuno e melhor desfecho clínico para o paciente

Palavras-chave: Palma em tripa, Acantose nigricans maligna, Acroceratose paraneoplásica, adenocarcinoma gástrico

Abstract

OBJECTIVE: To report a clinical case of cutaneous manifestation of occult neoplastic disease. METHOD: This is a patient with dermatological paraneoplastic syndrome related to gastric adenocarcinoma. Furthermore, the study was carried out based on a review of medical records, anamnesis, complementary exams and a review of the topic using the Medline, Scielo and Web of Science databases. FINAL CONSIDERATION:The identification of skin changes associated with neoplasms allows for a more assertive diagnosis, with the aim of offering timely treatment and a better clinical outcome for the patient.

Keywords: Tripe palm, malignant acanthosis nigricans, paraneoplastic acrokeratosis, gastric adenocarcinoma.

INTRODUÇÃO

A Síndrome paraneoplásica é constituída de sinais e sintomas que podem preceder, surgir concomitante ou suceder a existência de uma neoplasia no corpo. Dessa forma, pode se apresentar como alterações do sistema nervoso, hematológico, endócrino, musculoesquelético e também na pele. Essa síndrome pode ocorrer em diversos tipos de câncer, sendo mais comum nos de mama, pulmão, ovário e linfoma, e acredita-se que surge se origine a partir da liberação de substâncias liberadas pelo tumor como citocinas, hormônios, também através de anticorpos contra o tumor que reagem com outros tecidos do organismo podendo se manifestar em qualquer órgão ou sistema. Entretanto, o diagnóstico de uma síndrome paraneoplásica pode ser desafiador, sendo necessário a exclusão de outras patologias e prosseguir na investigação e localização do sítio primário da neoplasia, a fim de possibilitar seu tratamento (WICK & PATTERSON, 2019).

Na prática clínica, alterações sistêmicas de doenças podem se manifestar na pele dos pacientes, sendo que o reconhecimento de lesões cutâneas pode direcionar e elucidar com maior rapidez seu diagnóstico. Além disso, existem alterações cutâneas relacionadas a síndromes que estão mais ligadas com o desenvolvimento de neoplasia e ajudam na detecção e diagnóstico precoce, assim como no aconselhamento genético, pois podem ser detectadas com anos antes do surgimento do câncer e ser um sinal de alerta para investigação. (SILVA et al, 2013; KUMAR et al, 2021)

RELATO DO CASO:

Trata-se de paciente idoso, faiodérmico, ex-tabagista, em tratamento irregular de hipertensão arterial crônica, com internações prévias devido hemorragia digestiva alta e choque cardiogênico, sendo novamente internado devido quadro de descompensação de insuficiência cardíaca de componente valvar, com insuficiência aórtica e insuficiência mitral grave. Durante a internação relatou quadro de hematêmese há 2 anos e endoscopia digestiva alta com lesão ulcerosa que não foi investigada na ocasião, devido perda do seguimento, além de perda ponderal importante em um mês, associada a epigastralgia e distensão abdominal. Paciente apresentando acantose nigricans com lesões difusas, aumento da rugosidade e hiperqueratose das palmas das mãos.

 Figura 1: Aspecto em “Tripe palm” em dedo indicador do paciente

Fonte: De autoria própria

Figura 2: Tripe palm em face palmar da mão do paciente      

Fonte: De autoria própria

Procedeu-se então à investigação de síndrome consumptiva com marcadores tumorais e tomografia computadorizada de crânio, abdome e pulmão. Os marcadores tumorais (CA 125, CA19-9, Alfafetoproteina) tiveram resultado negativo, com exceção do CEA que apresentou valor levemente aumentado. A tomografia de abdome evidenciou aparente espessamento parietal irregular no corpo e piloro gástrico com diversas linfonodomegalias perigástricas esparsas na gordura peritoneal e no retroperitônio perivascular de aspecto suspeito para lesão secundária, fígado com forma, contornos e dimensões normais, contendo nódulos hipodensos, hipocaptantes de contraste de limite mal definido com aspecto suspeito para implante secundário, rins de dimensões normais, contornos lobulados, contendo cistos corticais simples com mínima quantidade de líquido livre em cavidade abdominal, bexiga distendida, com espessamento parietal difuso, sugerindo bexiga de esforço com pequeno cálculo no seu interior e próstata aumentada de dimensões. Durante a internação foi possível resgatar biópsia de fragmento de úlcera gástrica realizada em janeiro de 2023 com resultado de adenocarcinoma tipo intestinal de Laurén moderadamente diferenciado, invasivo e ulcerado em antro gástrico. Paciente durante internação foi realizado otimização de medicamentos para insuficiência cardíaca evoluindo com melhora clínica, recebendo alta hospitalar com consulta agendada com oncologia clínica e seguimento ambulatorial.

DISCUSSÃO:

Diversas alterações cutâneas têm sido descritas na literatura como síndrome paraneoplásica desde 1868. Hebra descreveu que a pele poderia mostrar alterações que estariam relacionadas à doença oncológica visceral. Com o tempo, diversos acometimentos dermatológicos foram descritos e associados com quadros oncológicos.  As manifestações cutâneas no contexto oncológico podem incluir comprometimento direto pelo tumor ou ser um efeito à distância, podendo ainda se apresentar como uma alteração benigna correspondendo a uma síndrome que pode ter associação com um maior risco de câncer. A importância de serem reconhecidas essas alterações é direcionar para um diagnóstico mais específico e precoce, aumentando as chances de instituição de tratamento adequado e manutenção da qualidade de vida do paciente. (SILVA, 2013)

Demonstrar a associação de uma alteração cutânea com uma neoplasia pode ser difícil, sendo assim é necessário que as duas condições ocorram em paralelo e seja possível o diagnóstico de ambas em mesma ocasião. Algumas síndromes são fortemente associadas com determinadas neoplasias, já outras são inespecíficas e são mais encontradas em casos benignos. Assim sendo, encontrar em um paciente uma alteração cutânea que está fortemente relacionada a uma determinada neoplasia deve levar a uma investigação criteriosa a fim de diagnosticar o mais breve possível e possibilitar um melhor prognóstico. (SILVA, 2013; COSTA, 2012)

A fisiopatogenia ainda não foi completamente esclarecida, entretanto acredita-se que os tumores podem produzir citocinas e fatores ativadores do crescimento semelhantes à insulina ou seu receptor, além de produzir fator de transformação do crescimento acarretando ativação do fator epidérmico na pele e desencadeando estimulação dos melanócitos, fibroblastos e queratinócitos levando a hiperpigmentação e espessamento da mesma. O diagnóstico se baseia em achados clínicos característicos como deposição de Imunoglobulina G (IgG) e C3 na membrana basal da pele afetada em diversas síndromes e o achado de uma neoplasia subjacente. (KUMAR, 2021)

Uma das principais alterações descritas é a acantose nigricans,  que foi a primeira a ser descrita como associação com neoplasia. Ocorre em ambos sexos igualmente e não tem predileção racial, podendo estar tanto associada com manifestação de acometimentos benignos como na resistência insulínica, diabetes mellitus e uso de drogas, sendo menos associada a condições neoplásicas.  Quando ocorre em idosos e pacientes de meia-idade está fortemente relacionada com neoplasias de trato gastrointestinal e adenocarcinomas, há evidências de que as lesões tendem a regredir com o tratamento da doença subjacente e ainda seu ressurgimento pode indicar recidiva oncológica. (WANG et al, 2020)

Nesse tipo de acometimento surgem lesões na pele com aspecto aveludado, verrucoso, hiperpigmentado, geralmente em locais que podem ocorrer enrugamento da pele como no pescoço, axilas, virilhas e mucosas como lábios, ânus e região periocular, essas lesões podem ter prurido associado ou apresentar sinais inflamatórios. Histologicamente se apresentam com hiperqueratose, papilomatose e algum grau de espessamento da epiderme, sendo que a coloração escurecida está mais relacionada à hiperqueratose do que a presença de melanina, entretanto o exame microscópico é o mesmo nos casos de benignidade e malignidade, portanto uma biópsia da lesão não elucidará o caso. (SILVA, 2013)

Outro acometimento que não é comum e que pode vir associado a acantose nigricans, é o “Palma em tripa” ( “tripe palms” ) caracterizada pelo espessamento da pele em região palmar com aspecto aveludado associado a hipertrofia dos dermatoglifos, tornando pontilhada, rugosa e enrugada, que causa uma aparência que remete às vilosidades intestinais, sendo a explicação para o nome dessa alteração. Essa alteração está associada em até 90% a malignidades internas e mais comumente acontece em conjunto com a acantose nigricans. O grupo de malignidades em que mais ocorre são trato gastrointestinal, bexiga, pulmão, mama, região cervical, ovariano e renal. Quando ocorre em conjunto com a acantose nigricans a neoplasia maligna mais comum é a de estômago ou a de pulmão. (KUMAR, 2021)

A Palma em tripa pode ocorrer simultaneamente ao tumor, ou se manifestar anteriormente. Usualmente pode estar associada a outras síndromes paraneoplásicas e alguns autores a consideram uma variação da acantose nigricans maligna. Tem predileção pelo sexo masculino. A fisiopatologia e histopatologia sugerida são similares à da acantose nigricans. (SILVA, 2013; CHEN & CHU, 2019)

CONCLUSÃO:

A identificação precoce de uma síndrome paraneoplásica e outros achados que corroboram com esse possível diagnóstico pode ser essencial para propiciar o início de uma investigação aprofundada a fim de descobrir um sítio neoplásico. Sendo assim, é de suma importância que o surgimento de alterações cutâneas sugestivas seja prontamente identificado por qualquer médico, possibilitando um melhor desfecho clínico do paciente e podendo contribuir com melhor qualidade de vida. As alterações descritas neste trabalho podem ainda ter papel de marcador de recidiva, visto que existem casos de melhora ou desaparecimento das lesões com o tratamento e retorno ou piora das lesões quando há recorrência do câncer.

REFERÊNCIAS

AHMAD, B. et al. Metástases cutâneas à distância como apresentação primária de câncer gástrico. The Journal of community and supportive oncology , v. 13, n. 4, pág. 156–158, 2015.

CHEN, W.-T.; CHU, C.-H. Palma tripa: uma manifestação paraneoplásica do câncer gástrico. Journal de l’Association Medicale Canadienne [Jornal da Associação Médica Canadense] , v. 13, pág. E366, 2019.

COSTA, MC et al. Acantose nigricans e “tripe palm” como manifestações paraneoplásicas de tumor metastático. Anais brasileiros de dermatologia , v. 3, pág. 498–500, 2012.

KUMAR, P. et al. Palmas tripas e acantose nigricans maligna: mais do que um indicador de diagnóstico. Relatórios de câncer , v. 4, n. 1, 2021.

SILVA, JA DA et al. Manifestações cutâneas paraneoplásicas: conceitos e atualizações. Anais brasileiros de dermatologia , v. 1, pág. 22/09, 2013.

WANG, N. et al. Acantose nigricans maligna com sinal de Leser-Trélat e palmas tripas: relato de caso. Revista mundial de casos clínicos , v. 8, n. 22, pág. 5632–5638, 2020.

WICK, M. R.; PATTERSON, J. W. Cutaneous paraneoplastic syndromes. Seminars in diagnostic pathology, v. 36, n. 4, p. 211–228, 2019.


1Médica Residente de Clínica Médica do Hospital de Base Dr Ary Pinheiro
2Aluno graduação em Medicina da Universidade Federal de Rondônia
3Médico especialista em Clínica Médica, Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital de Base Dr Ary Pinheiro
4Médico especialista em dermatologia, Preceptor da Universidade Federal de Rondônia