ABORTAMENTO ESPONTÂNEO E VULNERABILIDADE SOCIAL: REGISTROS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA

SPONTANEOUS ABORTION AND SOCIAL VULNERABILITY: RECORDS AT A FAMILY HEALTH UNIT

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10703060


Késia Rodrigues Moraes Martins1
Poliana Xavier da Costa1
Maria Aparecida Monteiro Guerra de Souza1
Paulo Henrique Florêncio1
Gabriel Pereira da Silva2
Gabriela Miguel Cruz2
Leticia Satie Lopes Onuki2
Elena Carla Batista Mendes3
Camila Maria Buso Weiller Viotto3
Jussara Britto Batista Gonçalves3
Rogério Rodrigo Ramos3


Resumo

O aborto espontâneo está relacionado à perda precoce da gravidez, muitas vezes causada por anomalia cromossômica ou anatômica materna. O objetivo deste estudo centrou-se em analisar nos prontuários de uma unidade de saúde da família o número de gestações que resultaram em aborto espontâneo e compará-lo com a situação sociocultural dessas mulheres. O estudo trata-se de uma pesquisa transversal envolvendo seres humanos, dessa maneira o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Santa Fé do Sul sob parecer 5.382.705 e CAAE: 57429422.0.0000.5428. Dos 96 prontuários investigados, apenas 12 prontuários foram encontrados indicando aborto espontâneo e por isso foram selecionados para a pesquisa. Conclui-se que o aborto espontâneo é uma das complicações mais comuns na gravidez e que pode ser causado devido a fatores genéticos e não genéticos, sendo neste estudo a predominância dos fatores não genéticos, como é o caso das condições sociais, fatores culturais e econômicos que influenciam a saúde das pessoas.

Palavras-chave: Gravidez; Aborto Espontâneo; Características Culturais; Estratégias de Saúde Nacionais.

Abstract

Spontaneous abortion is related to the early loss of a pregnancy, often caused by a chromosomal or anatomical abnormality. The aim of this study was to analyze in the medical records of a family health unit the number of pregnancies that resulted in miscarriage and compare this with the health conditions and socio-cultural situation of these women. The study is a cross-sectional study involving human beings, and was approved by the Research Ethics Committee of the University Center of Santa Fé do Sul under opinion 5.382.705 and CAAE: 57429422.0.0000.5428. Of the 96 medical records investigated, only 12 records of spontaneous abortion were selected for the study. It was concluded that spontaneous abortion is one of the most common complications in pregnancy and can be caused by genetic and non-genetic factors. In this study, non-genetic factors predominated, such as social conditions, cultural and economic factors that influence people’s health.

Keywords: Pregnancy; Abortion, Spontaneous; Cultural Characteristics; National Health Strategies.

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o termo “morte fetal” refere-se à morte intrauterina em qualquer fase da gravidez; o aborto espontâneo é definido como a perda espontânea da gravidez antes das 24 semanas de gestação, ocorrendo a maioria nas primeiras 14 semanas, conhecido como aborto espontâneo prematuro, sendo a adversidade gestacional mais comum, de origem multifatorial, genética e não genética. Pode causar complicações graves, como hemorragia, infecção, dor e morte, além de eventos traumáticos e críticos, que podem causar distúrbios secundários de saúde psicológica (GIAKOUMELOU et al., 2015; OLIVEIRA et al., 2020; GHOSH et al., 2021; IWANOWICZ-PALUS; MRÓZ; BIEŃ, 2021).

O aborto espontâneo recorrente é definido como dois ou mais abortos, estes com o mesmo parceiro sexual (SUN et al., 2020). Aborto tardio ou silencioso é aquele em que não é expelido tecido gestacional, sangramento ou dor, é identificado quando é diagnosticada uma gravidez inviável. No aborto incompleto, há presença de algum tecido da gravidez, sangue ou dor (GHOSH et al., 2021).

Pesquisas relatam que cerca de 10-25% das gestações resultam em aborto espontâneo, sendo a maioria das perdas precoces da gravidez causadas por anomalias cromossômicas fetais, tabagismo, uso de drogas ilícitas, anomalias anatômicas maternas, deficiência de progesterona, obesidade, alto risco de trombose, polimorfismo, causas socioeconômicas, ambientais, ocupacionais, história de vida, distúrbios endócrinos, atividades laborais, idade materna elevada (acima de 35 anos), menarca precoce (acelera a puberdade), soropositividade de agente infeccioso causador de toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus (du FOSSÉ et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2020; CHEN; CHEN; XU, 2021; CHICHESTER; HARDING, 2021; DEVALL et al., 2021; STRUMPF et al., 2021). Segundo os mesmos autores, a falta e/ou deficiência de vitamina D durante a gravidez pode levar a infecções, inflamações, diabetes gestacional, hipertensão gestacional, ruptura prematura de membranas, parto prematuro e aborto espontâneo, uma vez que a vitamina D é um hormônio que regula o cálcio e metabolismo do fósforo, promovendo o crescimento, a remodelação óssea, o desenvolvimento normal de células, tecidos, órgãos, a função neuroendócrina e o sistema imunológico inato.

Mulheres que vivem em bairros desfavorecidos, de nível socioeconômico mais baixo, com menor escolaridade, apresentam altos índices de aborto espontâneo, já que a desinformação provoca atrasos no pré-natal, dificultando a identificação precoce de alterações na gravidez, a realização de ações preventivas e terapêuticas. Em conta partida, mulheres com boa assistência financeira apresentam menores índices de aborto espontâneo, isso se deve ao fato dessas mulheres possuírem nível socioeconômico mais elevado, levando assim ao fato de detectarem a gravidez mais precocemente e procurarem atendimento para perdas precoces (OLIVEIRA et al., 2020; STRUMPF et al., 2021).

Portanto, o objetivo deste estudo centrou-se em analisar nos prontuários de uma unidade de saúde da família o número de gestações que resultaram em aborto espontâneo e compará-lo com a situação sociocultural dessas mulheres.

2 METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de campo descritivo quantitativo, realizado por meio de pesquisa documental, elaborado a partir de análise de documentos que são chamados de fontes primárias. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Santa Fé do Sul (UNIFUNEC) sob parecer 5.382.705 e CAAE: 57429422.0.0000.5428.

O desenvolvimento do estudo foi realizado na unidade da Estratégia Saúde da Família (ESF) Vila Mariana (VM) de Santa Fé do Sul, no período de março a novembro do ano de 2022.

Foi analisada a amostra de 96 registros em prontuários de mulheres que engravidaram nos últimos 3 (três) anos, compreendendo os anos de 2019, 2020, 2021, com escolaridade, estado civil, renda própria e a quantidade de gestações, sendo estes os principais dados analisados ​​da gestante.

A pesquisa incluiu prontuários de mulheres da unidade ESF que estavam grávidas e sofreram aborto espontâneo. Foram excluídos da pesquisa prontuários de mulheres atendidas na unidade ESF que não apresentavam histórico de gravidez ou aborto espontâneo.

Os dados coletados foram organizados e apresentados em gráficos utilizando Microsoft Excel e Word. Para esta etapa foi necessária a utilização de métodos quantitativos que permitissem definir o problema por meio de técnicas estatísticas. Observado e interpretado com base nos achados de Richardson (2010), utilizou-se como método um formulário estruturado. Este método é definido por Cervo e Bervian (2005), como um conjunto ordenado de procedimentos a serem seguidos, sendo um instrumento eficiente na busca pelo conhecimento científico.

3 RESULTADOS

Dos 96 registros investigados, apenas 12 prontuários com aborto espontâneo foram selecionados, sendo 2 mulheres (17%) com ensino médio completo, 2 mulheres (17%) com ensino fundamental completo e nenhuma mulher tinha ensino superior completo. 5 mulheres (41%) tinham ensino fundamental incompleto, 1 mulher (8%) com ensino superior incompleto e 2 mulheres (17%) com ensino médio incompleto (Gráfico 1). A idade média das gestantes cujos prontuários foram analisados ​​foi de aproximadamente 28 anos.

Gráfico 1: Nível de Escolaridade.

Ao analisar o estado civil dessas mulheres, constatou-se nos prontuários que seis delas (50%) eram solteiras e as outras seis (50%) estavam em união estável ou casadas, sendo o percentual de separadas, divorciadas ou viúvas igual a zero. (Gráfico 2).

Gráfico 2: Estado Civil.

Através da análise da renda própria foi possível identificar que a maioria das gestantes (42%) não possuía renda própria (Gráfico 3) e pela observação dos prontuários constatou-se que a renda familiar por gestante tem em média 2 a 3 salários mínimos.

Gráfico 3: Renda Própria.

A maioria das gestantes que sofreram aborto espontâneo eram multíparas, estando na quarta ou mais gestações (42%) (Gráfico 4).

Gráfico 4: Quantidade de gestações.

4 DISCUSSÃO

O aborto espontâneo é uma das complicações mais comuns durante a gravidez. Sua incidência varia entre 6,5% e 21% em gestações clinicamente reconhecidas. Diversos estudos têm buscado determinar possíveis indicadores de risco para ocorrência de aborto espontâneo, relacionados às condições socioeconômicas, ao histórico reprodutivo e à exposição ambiental e ocupacional das mulheres (MATTOS et al., 2016).

Analisando o nível de escolaridade das gestantes (Gráfico 1), é observado que a maioria das mulheres (41%) possuíam apenas o ensino fundamental incompleto, podendo então este aborto estar relacionado à falta de informação, já que esta gestante não possui conhecimento suficiente sobre a gravidez e dos riscos os quais a mãe e o feto estão sujeitos caso não seja feito os exames laboratoriais e estes sejam alterados, planejamento da gravidez, acompanhamento caso haja alguma infecção sexualmente transmissível, ou seja, a realização do pré-natal na ESF com os profissionais de enfermagem (BRAZ et al.,2020; BARBOSA et al., 2021).

A idade mínima dessas mulheres é de 16 anos e a máxima é de 46 anos, o que também contribui para o aborto espontâneo porque essas gestantes tiveram menarca precoce ou tardia. Além disso, os potenciais determinantes para o aborto estão o efeito da idade, malformações fetais pela senilidade dos óvulos mais sujeitos a alterações cromossômicas, no caso de fecundação acima dos 35 anos e, menarca precoce no caso das mulheres com menos de 18 anos devido à aceleração da puberdade e à ocorrência de gravidez em idades mais jovens, quando o corpo da mulher ainda não está totalmente maduro, consumo de álcool e tabagismo, estado civil e estado nutricional pré-gravidez com níveis deficientes de micronutrientes como ácido fólico, ferro, zinco e vitamina D, pois promove o crescimento saudável da placenta, minimiza o risco de aborto espontâneo, ajuda a reduzir os riscos da pré-eclâmpsia e regula a implantação de trofoblastos (MATTOS et al., 2016; OLIVEIRA et al., 2020).

Quanto ao estado civil (Gráfico 2), houve um percentual de 50% em ambos os resultados, porém isso não significa que ter a participação do cônjuge nesse doloroso processo de perda facilite o enfrentamento dessa dor, pelo contrário, tanto as mulheres casadas como as solteiras também devem receber apoio da família e de outros profissionais de saúde (BARTH; VESCOVI; LEVANDOWSKI, 2020) o apoio de fontes externas é essencial, pois ajuda na gestão das tarefas do luto e na prevenção do luto complicado. Os mesmos autores relatam que, o apoio conjugal é essencial nesse período devido ao entendimento mútuo resultante do compartilhamento da experiência.

Os dados apresentados nos Gráficos 3 e 4 estão de alguma forma relacionados entre si, pois são condições socioeconômicas, e como já mencionado por Oliveira et al. (2020) as causas do aborto estão relacionadas à fatores sociodemográficos como baixa renda, estado de saúde, histórico gestacional e também atividade laboral excessiva, fatores infecciosos e hormonais.

5 CONCLUSÃO

Conclui-se que as ações primárias de saúde são essenciais para que os casos de aborto sejam reduzidos, em razão das unidades ESF serem consideradas pelo SUS o local de primeiro atendimento às gestantes, sendo esse acompanhamento fundamental. Portanto, os profissionais de saúde, principalmente os de enfermagem por serem responsáveis ​​pelo acompanhamento do pré-natal de baixo risco, devem ser capacitados e sensibilizados para uma assistência integral, técnica, ética e humana, caso haja um processo de perda e a vivência do luto da mulher, por isso, sugerem-se novos estudos para determinar se os profissionais estão preparados para tal situação.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

6 Referências

du FOSSÉ, N.A. et al. Advanced paternal age is associated with an increased risk of spontaneous miscarriage: a systematic review and meta-analysis. Hum Reprod Update. v.26, n.5, p.650-669, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1093/humupd/dmaa010>.

BARBOSA, T. et al. A causalidade do abortamento espontâneo: uma revisão integrativa. Brazilian Journal of Health Review. v.4, n.4, p.16045-16057, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.34119/bjhrv4n4-130>.

BARTH, M.C.; VESCOVI, G.; LEVANDOWSKI, D.C. Percepção de casais que vivenciaram perda gestacional sobre o apoio social. Psicologia Argumento. v.38, n.102, p.772-791, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.7213/psicolargum.38.102.AO09>.

BRAZ, R.F. et al. Aborto espontâneo: uma análise em relação à prevalência no norte de Minas Gerais. Revista Eletrônica Acervo Saúde. v.12, n.12, p.e5416, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.25248/reas.e5416.2020>.

CERVO, A.L.; BERVIAN, P.A. Metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

CHEN, B.; CHEN, Y.; XU, Y. Vitamin D deficiency in pregnant women: influenced by multiple risk factors and increase the risks of spontaneous abortion and small-for-gestational age. Medicine (Baltimore). v.100, n.41, p.e27505, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1097/MD.0000000000027505>.

CHICHESTER, M.; HARDING, K.M. Early pregnancy loss: Invisible but real. Nursing. v.51, n.12, p.28-32, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1097/01.NURSE.0000800080.92781.c5/>.

DEVALL, A.J. et al. Progestogens for preventing miscarriage: a network meta-analysis. Cochrane Database Syst Rev. v.4, n.4, p.CD013792, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1002/14651858.CD013792.pub2>.

GHOSH, J. et al. Methods for managing miscarriage: a network meta-analysis. Cochrane Database Syst Rev. v.6, n.6, p.CD012602, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1002/14651858.CD012602.pub2>.

GIAKOUMELOU, S. et al. The role of infection in miscarriage. Hum Reprod Update. v.22, n.1, p.116-33, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1093/humupd/dmv041>.

IWANOWICZ-PALUS, G.; MRÓZ, M.; BIEŃ, A. Quality of life, social support and self-efficacy in women after a miscarriage. Health Qual Life Outcomes. v.19, n.1, p.16, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1186/s12955-020-01662-z>.

MATTOS, S. B.; CERETTA, L. B.; SORATTO, M. T. Causas relacionadas ao aborto expontâneo: uma revisão de literatura. Revista Interdisciplinar de Estudos em Saúde. v.5, n.2, p.176-193, 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.33362/ries.v5i2.839>.

OLIVEIRA, M.T.S. et al. Factors associated with spontaneous abortion: a systematic review. Rev Bras Saude Mater Infant. v.20, n.2, p.361-372, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1806-93042020000200003>.

RICHARDSON, R.J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas; 2010.

STRUMPF, E. et al. Prevalence and clinical, social, and health care predictors of miscarriage. BMC Pregnancy Childbirth. v.21, n.1, p.185, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1186/s12884-021-03682-z>.

SUN, Y.F. et al. High BMI and insulin resistance are risk factors for spontaneous abortion in patients with polycystic ovary syndrome undergoing assisted reproductive treatment: a systematic review and meta-analysis. Front Endocrinol. v.11, p.592495, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.3389/fendo.2020.592495>.


1Graduando em Enfermagem, Centro Universitário de Santa Fe do Sul (UNIFUNEC), Brasil

2Graduando em Medicina, Centro Universitário de Santa Fe do Sul (UNIFUNEC), Brasil

3Docente do Centro Universitário de Santa Fe do Sul (UNIFUNEC), Santa Fé do Sul, Brasil

Autor de Correspondência: Jussara Britto Batista Gonçalves – jsarabritto@gmail.com