NON-PHARMACOLOGICAL APPROACHES FOR PAIN RELIEF IN SICKLE CELL DISEASE: A SYSTEMATIC REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202502091142
Gabriel Vinícius Oliveira Alves1
Raquel Rangel Cesario2
Luciana de Castro Araújo3
Resumo
O artigo aborda a utilização de métodos não farmacológicos para o alívio da dor em pacientes com doença falciforme, destacando sua relevância como estratégias complementares ao tratamento convencional. O estudo teve como objetivo investigar a eficácia de intervenções como terapia cognitivo-comportamental, musicoterapia, acupuntura, yoga e técnicas de relaxamento muscular progressivo no manejo da dor crônica e aguda, considerando seu impacto na qualidade de vida, autoeficácia e controle da ansiedade. Por meio de uma revisão sistemática da literatura, foram selecionados estudos experimentais, quasi-experimentais e observacionais com grupo controle, publicados entre 2014 e 2024, que investigaram essas práticas em diferentes contextos populacionais. Os resultados indicaram que as intervenções analisadas promovem benefícios significativos na redução da dor, na melhora de desfechos emocionais e sociais e na autonomia dos pacientes. Contudo, limitações como tamanhos amostrais reduzidos e a necessidade de maior robustez metodológica em alguns estudos apontam para a importância de pesquisas futuras. Conclui-se que os métodos não farmacológicos são ferramentas promissoras no manejo multidimensional da dor em doença falciforme, com potencial para integrar políticas públicas de saúde e ampliar as opções terapêuticas acessíveis à população afetada.
Palavras-chave: Manejo da dor. Doença falciforme. Terapias Complementares. Intervenções não farmacológicas. Qualidade de vida.
Abstract
The article explores the use of non-pharmacological methods for pain relief in patients with sickle cell disease, emphasizing their relevance as complementary strategies to conventional treatment. The study aimed to investigate the effectiveness of interventions such as cognitive-behavioral therapy, music therapy, acupuncture, yoga, and progressive muscle relaxation techniques in managing chronic and acute pain, focusing on their impact on quality of life, self-efficacy, and anxiety control. Through a systematic literature review, experimental, quasi-experimental, and observational studies with control groups published between 2014 and 2024 were selected to evaluate these practices across different population contexts. The results indicated that the analyzed interventions significantly reduce pain, improve emotional and social outcomes, and enhance patient autonomy. However, limitations such as small sample sizes and the need for greater methodological robustness in some studies underscore the importance of future research. The study concludes that non-pharmacological methods are promising tools in the multidimensional management of pain in sickle cell disease, with potential to integrate public health policies and expand accessible therapeutic options for the affected population.
Keywords: Pain Management. Sickle Cell Disease. Complementary Therapies. Non-Pharmacological Interventions. Quality of Life.
1 INTRODUÇÃO
A doença falciforme (DF) é uma hemoglobinopatia hereditária prevalente, principalmente em populações de origem africana, sendo considerada uma das doenças genéticas mais comuns no mundo (Kato et al, 2018). Sua fisiopatologia é marcada pela mutação pontual (GAG-GTG) no gene da hemoglobina, levando à produção de hemoglobina S (HbS), que se polimeriza sob condições de baixa oxigenação, causando deformação das hemácias para o formato de “foice”. Essas células rígidas e anormais apresentam maior risco de aderência ao endotélio vascular, promovendo obstruções nos microvasos, fenômeno que resulta nas crises vaso-oclusivas (CVO), episódios de dor aguda intensa que constituem a manifestação clínica mais frequente de hospitalizações e morbidade (Kang, 2022; Kato et al., 2018; Uwaezuoke, 2018).
Estima-se que, no Brasil, cerca de 30 mil pessoas vivam com DF, uma condição que reduz significativamente a expectativa e qualidade de vida. A idade mediana ao óbito para pessoas com DF no país é de aproximadamente 32 anos, enquanto na população geral brasileira é de 69 anos (Cançado, 2023).
Além da dor, são frequentes manifestações clínicas como infecções, sequestro esplênico agudo, problemas comportamentais e de desempenho de competência social, palidez da pele, febre, deficiência de peso e ferro, baixa estatura e problemas protéticos, além de outras complicações agudas e crônicas (Kato et al., 2018; Carvalho et al., 2020). As crises recorrentes e a evolução para dor crônica impactam diretamente a qualidade de vida dos pacientes, afetando domínios físicos, emocionais e sociais, e levando a altos níveis de ansiedade e depressão. A hiperatividade do sistema nervoso autônomo aumenta a probabilidade de obstrução microvascular, exacerbando as CVO e perpetuando o ciclo de dor (Veluswamy, 2019).
Dentre as opções para o alívio da dor, o tratamento farmacológico, especialmente com opioides e hidroxiureia, tem papel central. No entanto, esses tratamentos apresentam limitações, como a variabilidade na resposta ao medicamento, riscos de efeitos adversos e baixa adesão a longo prazo, sendo a atenção farmacêutica fundamental na abordagem multiprofissional ao paciente com DF, afetando diretamente a qualidade de vida do mesmo (Silva et al., 2024).
Esses fatores, aliados ao impacto psicológico e social das crises de dor, reforçam a necessidade de estratégias complementares de manejo, que englobem tanto abordagens farmacológicas quanto não farmacológicas (Bandeira, 2004; Kang, 2022). Entretanto, são poucos os estudos que abordam os aspectos psicossociais em indivíduos com DF (Carvalho et al., 2020).
Assim, este estudo tem como objetivo compilar e analisar evidências sobre a eficácia de métodos não farmacológicos para o alívio da dor em pessoas com DF, explorando alternativas como a terapia cognitivo-comportamental, fisioterapia, técnicas de relaxamento e práticas integrativas. Esses métodos podem atuar como adjuntos importantes no tratamento, melhorando a qualidade de vida e promovendo maior autonomia aos pacientes. A relevância desta pesquisa está fundamentada na necessidade de identificar estratégias abrangentes e multidimensionais para atender às demandas dos pacientes com DF, com foco na redução da frequência de crises dolorosas e no impacto negativo da doença na saúde geral dos indivíduos afetados, alinhando-se a evidências que mostram que o controle do estresse e da ansiedade é essencial para prevenir crises dolorosas e melhorar a qualidade de vida (Veluswamy, 2019).
2 METODOLOGIA
Optou-se por realizar uma revisão sistemática da literatura sobre o uso de métodos não farmacológicos para alívio da dor em pacientes com doença falciforme.
Para a coleta de dados, foram utilizadas as bases de dados PubMed, Scopus, BVS (Biblioteca Virtual em Saúde) e SciELO. A busca foi realizada utilizando descritores em inglês e português, conforme a estrutura da estratégia de busca estabelecida e apresentada no Quadro 1.
Quadro 1 – Estrutura da estratégia de busca, em português e inglês, com os termos relacionados à população, intervenção e desfecho.
PICO | TERMOS |
População: Pacientes com doença falciforme (anemia falciforme ou hemoglobinopatias) | “Anemia Falciforme” OR “Doença Falciforme” OR “Hemoglobinopatias” “Sickle Cell Disease” OR “Sickle Cell Anemia” OR “Hemoglobinopathies” |
AND | |
Intervenção: Métodos não farmacológicos para alívio da dor (como técnicas de relaxamento, fisioterapia, terapia cognitivo-comportamental e práticas integrativas) | “Métodos Não Farmacológicos” OR “Terapias Complementares” OR “Medicina Alternativa” OR “Modalidades de Terapia Física” OR “Terapias Mente-Corpo” OR “Intervenções Psicossociais” OR “Acupuntura” OR “Massagem” OR “Termoterapia” OR “Técnicas de Relaxamento” OR “Terapia Cognitivo-Comportamental” OR “Musicoterapia” OR “Exercício Físico”. “Non-Pharmacological Methods” OR “Complementary Therapies” OR “Alternative Medicine” OR “Physical Therapy Modalities” OR “Mind-Body Therapies” OR “Psychosocial Interventions” OR “Acupuncture” OR “Massage” OR “Heat Therapy” OR “Relaxation Techniques” OR “Cognitive Behavioral Therapy” OR “Music Therapy” OR “Exercise” |
Comparação: Sem intervenção ou tratamento farmacológico isolado. | – |
AND | |
Outcome (Desfecho): Redução da intensidade e frequência da dor, bem como melhora na qualidade de vida dos pacientes | “Alívio da Dor” OR “Redução da Dor” OR “Qualidade de Vida” OR “Controle da Dor” OR “Analgesia” “Pain Relief” OR “Pain Reduction” OR “Quality of Life” OR “Pain Management” OR “Analgesia” |
Foram incluídos estudos com delineamento experimental, quasi-experimental ou observacional com grupo controle, que investigam o uso de intervenções não farmacológicas para o manejo da dor em pacientes com doença falciforme, publicados em qualquer idioma, nos últimos 10 anos (2014-2024).
Os critérios de exclusão recaíram sobre estudos que abordem exclusivamente intervenções farmacológicas sem incluir métodos não farmacológicos e estudos de caso, estudos observacionais com grupo único, estudos piloto, editoriais, resumos de conferências e revisões da literatura.
Após a realização das buscas, os artigos foram exportados para um software de gestão bibliográfica para remover duplicatas e auxiliar na triagem. Em seguida, os títulos e resumos foram revisados independentemente por dois revisores, considerando os critérios de inclusão e exclusão. Uma segunda triagem foi feita após leitura integral dos textos, resultando nos estudos elegíveis para extração de dados (Figura 1).
Os dados extraídos foram sintetizados qualitativamente e, quando possível, quantitativamente. As intervenções foram agrupadas conforme os tipos de métodos não farmacológicos e os desfechos de alívio da dor e qualidade de vida reportados.
Figura 1: Fluxograma de seleção dos estudos incluídos na revisão.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Um total de sete estudos atenderam aos critérios de inclusão desta revisão e foram considerados para responder à pergunta norteadora, que trata de ferramentas metodológicas não medicamentosas que tenham evidência científica para utilização no alívio da dor em pacientes com doença falciforme. Os dados de identificação dos estudos estão sumarizados no Quadro 2, enquanto o Quadro 3 apresenta os cinco métodos não farmacológicos estudados e detalha o delineamento metodológico de cada um dos estudos.
3.1 Terapia Cognitivo Comportamental
A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) é uma técnica psicoterápica que vem sendo utilizada com efetividade nos mais diversos casos de dor crônica. Ela objetiva identificar padrões negativos de pensamento e comportamento que atuem como gatilho para a intensificação da dor, e ajudar o paciente a desenvolver estratégias comportamentais para lidar com a dor, criando caminhos adaptativos que aprimorem sua funcionalidade de vida diária e qualidade de vida (Uwaezuoke, 2018).
Os dois estudos que avaliaram o uso da TCC para tratamento da dor na Doença Falciforme foram desenvolvidos nos Estados Unidos da América, apresentam características diferentes e se complementam.
O estudo de Sil et al. (2021) extraiu dados retrospectivos do prontuário de 101 crianças e adolescentes de 6 a 18 anos encaminhadas pela equipe médica de doença falciforme para clínica de psicoterapia pediátrica ambulatorial com a finalidade de manejo da dor crônica. Os efeitos foram medidos por meio dos dados de utilização de serviços de saúde, como quantidade e tempo de internações hospitalares e visitas ao pronto-socorro; e desfechos relatados, como intensidade da dor (escala 0-10), inventário de funcionalidade (FDI) e eficácia de enfrentamento (PCQ). A amostra, composta predominantemente por meninas negras, com idade média de 13,4 anos de idade, foi inicialmente separada em grupo tratamento (n=57) e grupo controle (n=44), que não diferiram estatisticamente em idade, sexo, genótipo de DF, tratamento com hidroxiureia ou transfusional, distância da residência ao hospital e tipo de seguro saúde. Devido a diferenças no perfil de adesão ao tratamento, o grupo tratamento foi subdividido em “TCC estabelecido” e “Terminação precoce”. Os resultados encontrados por Sil et al. (2021) apontam para redução na intensidade da dor e na incapacidade funcional, bem como melhora da eficácia no enfrentamento à dor. Pacientes com alta adesão relataram menos internações e menos dias de hospitalização, impactando no custo do tratamento, aspecto este não abordado no estudo. Os autores concluem que a TCC é eficaz, mas enfrenta desafios na implementação clínica. Em que pese a robustez estatística na comparação entre os grupos, este estudo longitudinal observacional, comparando grupos com e sem intervenção, apresenta limitações pela adesão variada ao tratamento e por não ter uma amostra controlada, recomendando que futuras pesquisas envolvam estratégias para reduzir desistências e explorar combinações de terapias multidisciplinares. É justamente aqui que o segundo estudo complementa o primeiro.
Jonassaint et al. (2024) realizaram um ensaio clínico randomizado de efetividade comparativa com 359 adultos com DF, comparando a eficácia da terapia cognitivo-comportamental digital (TCC) com uma intervenção educativa também digital no manejo da dor crônica. Ou seja, ambas intervenções foram feitas à distância, mediadas por computador, sendo que ambos os grupos tiveram suporte humano (“health coaches”). Para medição dos efeitos, os autores utilizaram Escala PROMIS-8a para interferência da dor; diários de dor; e questionários sobre autoeficácia (SCSES), ansiedade (GAD-7) e depressão (PHQ-9). Após 12 semanas de intervenção com seguimento de seis meses, concluiu-se que ambas as intervenções (TCC e Educação) foram eficazes em reduzir a interferência da dor e melhorar aspectos da saúde mental e da qualidade de vida em adultos com anemia falciforme, sendo que o suporte humano (health coaches) desempenhou um papel crucial no engajamento e na eficácia das intervenções.
O estudo de Jonassaint et al. (2024) foi o primeiro grande ensaio clínico randomizado com foco em intervenções não farmacológicas digitais para dor em anemia falciforme e responde às limitações apresentadas pelo estudo de Sil et al. quanto ao maior controle metodológico. Da mesma forma, a baixa adesão ao tratamento, um ponto de fragilidade no estudo de Sil et al. (2021), foi abordada por Jonassaint et al. (2024) ao promover forte engajamento comunitário na criação e implementação das intervenções, na fase de delineamento da pesquisa, e suporte humano com health coaches na fase de realização das intervenções. Mesmo assim, os autores apontam como limitações do estudo a baixa interação dos participantes com os componentes digitais, uso limitado de notificações devido a restrições da plataforma, ausência de um grupo controle padrão (apenas comparação entre intervenções), e utilização de escala de dor unidimensional, que pode não capturar todos os aspectos da dor.
Em revisão integrativa para analisar o perfil epidemiológico de crianças com anemia falciforme, Carvalho et al. (2020) encontraram que dor e problemas comportamentais e de desempenho de competência social estão entre as manifestações clínicas mais frequentes, concluindo que diagnóstico precoce e intervenções específicas permitirão reduzir danos físicos e adotar estratégias proativas diante das limitações impostas pela doença. A TCC, segundo os estudos de Sil et al. (2021) e Jonassaint et al. (2024), configura-se como uma alternativa para pais e crianças lidarem com as limitações impostas pela DF, ajudando-os a desenvolver estratégias comportamentais positivas diante da dor e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida.
3.2 Musicoterapia
A musicoterapia, conceituada como “prática expressiva que utiliza basicamente a música e/ou seus elementos, no mais amplo sentido – som, ritmo, melodia e harmonia – em grupo ou de forma individualizada”, tem finalidade de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas, bem como restabelecer funções de modo a melhorar a qualidade de vida das pessoas e integra o rol de Práticas Integrativas e Complementares no SUS desde 2017 (Brasil, 2018).
Considerando que estudos apontam que a musicoterapia é eficaz para gerenciar a dor e promover qualidade de vida em populações diversas, mas há falta de evidências específicas sobre sua viabilidade e eficácia na população falcêmica, Martin et al. (2020), na França; e Rodgers-Melnick et al. (2022) nos Estados Unidos da América, conduziram estudos que atenderam aos critérios de inclusão desta revisão.
Martin et al. (2020) conduziram estudo quasi-experimental com grupo controle com 20 adolescentes com anemia falciforme (10 a 18 anos) hospitalizados por crises vaso-oclusivas e estratificados metade (n=10) no grupo de intervenção musical; e a outra metade no grupo controle, que recebeu uma sessão de 20 minutos de respiração abdominal em uma posição relaxada. O grupo de intervenção foi exposto a uma sessão de 20 minutos de música – escolhida pelo próprio paciente – através do aplicativo Music Care, usando fones de ouvido e máscara ocular. Todos os participantes responderam à Escala Visual Analógica (EVA) para dor; e ao State-Trait Anxiety Inventory for Children (STAI-Y-A) para medição do estado de ansiedade. Os resultados apontaram redução de 34% na dor (Mdn 6,75 x 4,80; p<0,05) e 33% no estado de ansiedade (Mdn 41,50 x 31,00; p<0,05) no grupo que ouviu música, o que correspondeu a melhora significativamente maior que a apresentada pelo grupo controle.
Dentre as limitações do estudo, distingue-se a impossibilidade de generalização dos resultados, devido ao tamanho amostral pequeno; a limitação da aplicação a uma única sessão, sem acompanhamento de longo prazo; e a não avaliação dos efeitos a longo prazo ou mesmo a adesão à intervenção fora do ambiente hospitalar. Mesmo assim, os resultados são clínica e estatisticamente significativos (p<0,05), e com forte correlação entre os escores EVA e STAI-Y-A (r=0,62; p < 0,05), sugerindo que a música pode ser uma ferramenta não farmacológica eficaz para complementar o tratamento convencional.
Já Rodgers-Melnick et al. (2022) investigaram a viabilidade, aceitabilidade e eficácia preliminar de um protocolo de musicoterapia de seis sessões sobre autoeficácia, qualidade de vida e habilidades de enfrentamento em 24 adultos com anemia falciforme. Os participantes foram randomizados em grupo intervenção (MT) e grupo controle. O grupo MT recebeu protocolo de musicoterapia personalizada com seis sessões de 30-60 minutos, incluindo exercícios de respiração baseados em música, relaxamento muscular progressivo, imaginação guiada e produção ativa de música, adaptados às preferências dos participantes. Para medição da intervenção, responderam a um diário de dor todas as manhãs e noites por duas semanas antes da intervenção, e duas semanas depois; e no pós-teste responderam às escalas Sickle Cell Self-Efficacy Scale (SCSES), Patient-Reported Outcomes Measurement Information System (PROMIS-29), Adult Sickle Cell Quality of Life Measurement Information System (ASCQ-Me), e diários eletrônicos de dor e participaram de uma entrevista semi-estruturada. Já os participantes alocados no grupo controle responderam aos diários de dor e às escalas, sem, entretanto, receber a intervenção musical (esta lhes foi aplicada após terminada a pesquisa). Análises estatísticas dos resultados apontaram melhorias significativas no grupo MT em autoeficácia (d=1,20, p=0,008), interferência da dor (d=-1,06, p=0,016), impacto no funcionamento social (d=1,05, p=0,018) e distúrbio do sono (d=-0,99, p=0,023). Apesar da limitação metodológica apresentada pelo pequeno tamanho amostral, Rodgers-Melnick et al. (2022) concluíram que a musicoterapia é viável, aceitável e mostra impacto positivo em autoeficácia, interferência da dor, funcionamento social e distúrbios do sono em adultos com anemia falciforme, recomendando, porém, que estudos maiores sejam realizados para confirmação da eficácia.
Brazoloto & Fujarra (2024) elucidam que mecanismos neurais complexos que envolvem o sistema inibitório descendente de dor suportam evidências de que a música representa impacto positivo em situações ambientais ou condições biológicas que resultem em dor.
3.3 Acupuntura
O Ministério da Saúde brasileiro define acupuntura em seu Glossário de Práticas Integrativas e Complementares como “Tecnologia de intervenção em saúde que faz parte dos recursos terapêuticos da medicina tradicional chinesa (MTC) e estimula pontos espalhados por todo o corpo, ao longo dos meridianos, por meio da inserção de finas agulhas filiformes metálicas, visando à promoção, à manutenção e à recuperação da saúde, bem como à prevenção de agravos e doenças” (Brasil, 2018).
Nesta revisão, Reece-Stremtan et al. (2021), pesquisadores associados ao Children’s National Hospital e George Washington University School of Medicine and Health Sciences, ambos em Washington D.C., Estados Unidos da América, são responsáveis por um estudo piloto, unicêntrico, prospectivo e com grupo controle, cujo objetivo foi avaliar a aceitação da acupuntura como terapia adjuvante e explorar seu impacto nos desfechos relacionados à dor em crianças e adolescentes hospitalizados com anemia falciforme. Foram incluídos no estudo 29 crianças e adolescentes hospitalizados, sendo 19 incluídos no grupo acupuntura que, além do manejo padrão para dor (opioides, AINEs e fluidos intravenosos), receberam sessões diárias de acupuntura personalizada durante a hospitalização (média de 2,3 sessões por paciente); e 10 no grupo controle, que receberam manejo padrão da dor sem acupuntura. Como métodos de medição, este estudo incluiu a escala numérica de dor (0-10) autorrelatada; análise de tempo de internação e readmissão a partir de registros médicos; e satisfação avaliada pelo Treatment Evaluation Inventory-Short Form (TEI-SF).
Nos resultados, o grupo de acupuntura apresentou redução significativa na pontuação de dor (pré-acupuntura: 6,84; pós-acupuntura: 5,51; redução média: 1,33; p<0,0001) e tendência para menor tempo de internação e menores taxas de readmissão em 30 dias, mas sem significância estatística.
Apesar do tamanho da amostra limitado e outras limitações apontadas, o estudo utilizou medidas robustas de desfecho e forneceu evidências preliminares úteis sobre a acupuntura em uma população pediátrica com anemia falciforme, levando os autores a concluírem que a acupuntura foi amplamente aceita pelos pacientes, bem tolerada e associada a uma redução significativa nos níveis de dor, sendo uma opção viável e segura para manejo adjuvante da dor em pacientes com anemia falciforme hospitalizados, e constituindo-se em estratégia que pode reduzir a dependência de opioides e fornecer alívio eficaz da dor em populações pediátricas.
Reece-Stremtan et al. (2021) recomendam que estudos futuros devem explorar diferentes protocolos de acupuntura e avaliar o impacto de longo prazo dessa abordagem. Para tanto, pode ser útil considerar a utilização de critérios diagnósticos específicos da MTC para personalizar o tratamento e melhorar os efeitos da acupuntura (Wang et al., 2024),
3.4 Exercícios de Relaxamento Muscular Progressivo
Estudos apontam que os Exercícios de Relaxamento Muscular Progressivo (PMRE) compreendem um método de tratamento integrativo que, gradualmente, relaxam todo o sistema muscular; reduzem a tensão muscular, os efeitos de estresse e ansiedade, a pressão arterial, a frequência cardíaca, a produção de ácido láctico, a sensibilidade à dor e fadiga; aumentam a imunidade; melhoram os estados físico e mental; facilitam o sono; aumentam a liberação de endorfina; e distraem a atenção do indivíduo à dor (Kazak & Ozkaraman, 2020).
Para avaliar o efeito dos exercícios de relaxamento muscular progressivo na intensidade da dor em pacientes com doença falciforme, Kazak & Ozkaraman (2020) conduziram um estudo randomizado controlado com 58 pacientes com doença falciforme, maiores de 18 anos, hospitalizados, conscientes e tratados com analgésicos não opioides ou opioides fracos. Um formulário de apresentação individual com características sociodemográficas e clínicas e a Escala Visual Analógica (EVA) foram utilizados como método de medição.
Os participantes foram estratificados para os grupos de tratamento e controle com base no analgésico não opioide ou opioide fraco administrado e randomizados para cada grupo. O protocolo foi seguido por 3 dias consecutivos, tendo cada dia 3 medições de dor: o 1o momento, imediatamente antes da administração de medicação analgésica; o 2o momento, 2 horas após a administração medicamentosa; nesta etapa o grupo tratamento recebeu 30 minutos de exercícios e o grupo controle descansou; o 3o momento de medição da dor deu-se 2h50min após a administração da medicação analgésica. O grupo de intervenção apresentou redução significativa na intensidade da dor em comparação ao grupo controle em diferentes momentos de avaliação ao longo dos três dias.
Suas limitações estão atreladas ao tamanho da amostra, à avaliação de curto prazo da dor, feita somente 20 minutos após a intervenção, com consequente não consideração dos efeitos de longo prazo. Contudo, os autores consideraram os PMRE eficazes na redução da dor em pacientes com doença falciforme, recomendando que os mesmos sejam considerados como parte do manejo integrado da dor, o que permitiria que seu impacto de longo prazo seja estudado.
3.5 Yoga
O Yoga, método não farmacológico utilizado e reportado em um dos artigos incluídos nesta revisão, é uma prática integrativa presente no rol de PIC´s do SUS. Conceituada como “Prática corporal e mental de origem oriental utilizada como técnica para controlar corpo e mente, associada à meditação”, esta técnica foi utilizada por Mood et al. (2017), nos Estados Unidos da América, em 70 crianças e adolescentes com anemia falciforme hospitalizadas devido a CVO.
A fim de comparar os efeitos do yoga e de uma intervenção de controle no manejo da dor, ansiedade, tempo de internação e uso de opioides em crianças hospitalizadas com CVO, Mood et al. (2017) conduziram um ensaio clínico randomizado com dois braços: grupo de intervenção com yoga, em que 35 participantes receberam sessões diárias de 30 minutos durante a hospitalização, incluindo exercícios de mindfulness, posturas (asanas), técnicas de respiração e relaxamento guiado. No grupo controle, os 35 participantes receberam relaxamento passivo com música ambiente, sem movimentos ou exercícios guiados. Mediante utilização de escalas validadas para dor e ansiedade (Wong-Baker FACES® Pain Rating Scale para crianças e State Trait Anxiety Inventory-State); e dados de prontuários para tempo de internação e uso de opioides, os resultados mostraram redução significativa da dor no grupo yoga após a primeira sessão (-0,6 ± 0,96 vs. 0,0 ± 1,37 no controle; p = 0,029); redução não significativa de ansiedade e tempo de internação entre os grupos e devolutiva positiva dos participantes sobre a aceitação do yoga.
Alta taxa de adesão à intervenção (88%), protocolo bem definido e replicável são características positivas deste estudo, que foi o primeiro a avaliar yoga em pacientes com CVO hospitalizados. Dentre suas limitações está o pequeno tamanho amostral e ter sido conduzido em um único centro de estudo, o que impede a generalização. Os autores ressaltam ainda que a redução da dor foi pequena e pode não ser clinicamente relevante.
Entretanto, Silva & Lage (2006) apontam como a prática avançada do yoga pode levar à inibição da atividade cerebral em áreas relacionadas à dor, de modo que modificações na atividade neurovegetativa e na condição muscular podem resultar em alívio da dor. A autoconsciência, também desenvolvida pela prática contínua do Yoga, pode influenciar positivamente no comportamento em relação à dor. Ambos resultados demandam longo prazo de prática, o que não pôde ser verificado no estudo randomizado levado à cabo por Mood et al. (2017).
Descritos os métodos não farmacológicos incluídos nesta revisão, considerando a realidade do Sistema Único de Saúde e visando a qualidade de vida de pacientes com anemia falciforme, destaca-se a importância do fortalecimento de políticas públicas voltadas à DF, desde a triagem neonatal até o acesso precoce e contínuo a tratamentos apropriados, medicamentosos e não medicamentosos, para a melhoria da qualidade de vida dos portadores de DF e também suas famílias (Gonçalves & Rezende, 2024).
Neste sentido, os artigos apresentados nesta revisão reforçam o potencial das terapias não farmacológicas na gestão da dor em pacientes com DF, mas destacam a necessidade de estudos mais amplos e robustos para consolidar essas práticas.
QUADRO 2 – Síntese de artigos incluídos em revisão sistemática que investigaram intervenções não farmacológicas para alívio da dor na Doença Falciforme, de 2014 a 2024.

QUADRO 3 – Intervenções não farmacológicas para alívio da dor na Doença Falciforme.




4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente revisão sistemática destacou a eficácia e as características específicas de métodos não farmacológicos para o alívio da dor em pacientes com doença falciforme, abordando intervenções como terapia cognitivo-comportamental, musicoterapia, acupuntura, técnicas de relaxamento muscular progressivo e yoga. Esses métodos demonstraram potencial em complementar os tratamentos farmacológicos convencionais, especialmente no manejo da dor crônica e aguda, promovendo melhorias na qualidade de vida, autoeficácia, controle da ansiedade e redução na interferência da dor nas atividades diárias.
Embora cada intervenção apresente benefícios específicos, limitações como tamanhos amostrais reduzidos e necessidade de estudos com maior poder estatístico foram identificadas. Esses desafios reforçam a importância de pesquisas futuras que explorem a implementação de forma multidisciplinar e abrangente, considerando as particularidades culturais e sociais dos pacientes com doença falciforme, para que se possa consolidar essas práticas como parte integrante do manejo da dor, oferecendo abordagens holísticas e acessíveis que respondam às necessidades físicas, emocionais e sociais dessa população vulnerável.
Os resultados obtidos nesta revisão reforçam o valor das intervenções não farmacológicas como ferramentas adjuvantes e apontam para a necessidade de maior investimento em políticas públicas que incorporem essas práticas nos sistemas de saúde, ampliando o acesso e promovendo um cuidado centrado no paciente com doença falciforme.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Flavia M. G. C. et al. Hidroxiuréia em pacientes com síndromes falciformes acompanhados no Hospital Hemope, Recife-PE. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, v. 26, n. 3, p. 189-194, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Secretaria de Atenção à Saúde. Glossário Temático: Práticas Integrativas e Complementares em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2018. 180 p.
BRAZOLOTO, T. M.; FUJARRA, F. J. C. Music therapy and music-based interventions in the treatment of pain: state of the art. BrJP, v. 7, p. e20240040, 2024.
CANÇADO, Rodolfo Delfini et al. Estimated mortality rates of individuals with sickle cell disease in Brazil: real-world evidence. Blood Advances, v. 7, n. 1, p. 3783-3794, 2023. DOI: https://doi.org/10.1182/bloodadvances.2022-008938.
CARVALHO, Giselle Coelho et al. Clinical and epidemiological profile of sickle cell anemia in children: an integrative review. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 12, n. 2, p. e2774, 2020. DOI: https://doi.org/10.25248/reas.e2774.2020.
GONÇALVES, A. M.; REZENDE, G. O. Análise crítica do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN): efeitos na qualidade de vida de pacientes com anemia falciforme. Revista ft, v. 29, n. 140, nov 2024.
JONASSAINT, Charles; LALAMA, Christina; CARROLL, C. Patrick; et al. Digital Cognitive Behavioral Therapy Versus Education for Pain in Adults with Sickle Cell Disease. Blood Advances, v. 8, n. 1, p. e2024013861, 2024.
KANG, Hyeun Ah et al. Impact of adherence to hydroxyurea on health outcomes among patients with sickle cell disease. American Journal of Hematology, v. 98, p. 90-101, 2023. DOI: https://doi.org/10.1002/ajh.26765.
KATO, Gregory J. et al. Sickle cell disease. Nature Reviews Disease Primers, v. 4, n. 10, p. 1-20, 2018. DOI: https://doi.org/10.1038/nrdp.2018.10.
KAZAK, Aysun; OZKARAMAN, Ayse. The Effect of Progressive Muscle Relaxation Exercises on Pain on Patients with Sickle Cell Disease: Randomized Controlled Study. Pain Management Nursing, v. 21, n. 6, p. 579-585, 2020.
MARTIN, Jérémy; LE FAUCHEUR, Loïc; PONDARRÉ, Corinne; CARLIER-GONOD, Adèle; GUÉTIN, Stéphane; BAEZA-VELASCO, Carolina. Effets d’une intervention musicale standardisée sur la gestion de la douleur et de l’anxiété-état des adolescents drépanocytaires. Soins Pédiatrie/Puériculture, v. 41, p. 35-41, 2020.
MOODY, Karen; ABRAHAMS, Bess; BAKER, Rebecca; et al. A Randomized Trial of Yoga for Children Hospitalized With Sickle Cell Vaso-Occlusive Crisis. Journal of Pain and Symptom Management, v. 53, n. 6, p. 1026-1034, 2017.
REECE-STREMTAN, Sarah; MAHMOOD, Laila; MARGULIES, Stefanie; et al. Acupuncture as an Adjunctive Treatment for Pain in Hospitalized Children With Sickle Cell Disease. Journal of Pain and Symptom Management, v. 62, n. 6, p. 1239-1244, 2021.
RODGERS-MELNICK, Samuel N.; LIN, Lucas; GAM, Kristina; et al. Effects of Music Therapy on Quality of Life in Adults with Sickle Cell Disease (MUSIQOLS): A Mixed Methods Feasibility Study. Journal of Pain Research, v. 15, p. 71-91, 2022.
SIL, Soumitri; LAI, Kristina; LEE, Jennifer L.; et al. Preliminary Evaluation of the Clinical Implementation of Cognitive-Behavioral Therapy for Chronic Pain Management in Pediatric Sickle Cell Disease. Complementary Therapies in Medicine, v. 56, p. 102348, 2021.
SILVA, G. D. da; LAGE, L. V. Ioga e fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 46, n. 1, p. 37-39, jan. 2006.
SILVA, Antonia Moreira da et al. Foco na qualidade de vida de portadores de anemia falciforme: uma análise com agregação de medicamentos que auxiliam a quimiotaxia. Ciências da Saúde, v. 28, ed. 138, p. 1-33, 2024. DOI: 10.69849/revistaft/ra10202409092132.
UWAEZUOKE, Samuel N. et al. Vaso-occlusive crisis in sickle cell disease: current paradigm on pain management. Journal of Pain Research, v. 11, p. 3141-3150, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.2147/JPR.S185582.
VELUSWAMY, Saranya et al. Vaso-occlusion in sickle cell disease: Is autonomic dysregulation of the microvasculature the trigger? Journal of Clinical Medicine, v. 8, n. 10, p. 1690, 2019. DOI: https://doi.org/10.3390/jcm8101690.
WANG, Ying; WANG, David D.; PUCKA, Andrew Q.; et al. Differential Clinical Characteristics Across Traditional Chinese Medicine (TCM) Syndromes in Patients With Sickle Cell Disease. Frontiers in Pain Research, v. 4, p. 1233293, 2024.
1Médico Residente na Santa Casa de Misericórdia de Franca. e-mail: gvoalves@gmail.com
2Docente do Curso de Medicina do Centro Universitário Municipal de Franca. Doutora em Promoção da Saúde. e-mail: raquelrangelcesario@gmail.com
3Médica Hematologista na Santa Casa de Misericórdia de Franca.