ABORDAGEM PSICANALÍTICA PARA O AUMENTO DO DISTÚRBIO DE JOGO CAUSADO POR BETS E CASSINOS VIRTUAIS 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202505032356


Renato Cesar Assef Rodrigues1


RESUMO

O vício em jogos acompanha a humanidade desde que o meio social possibilitou uma variedade de interações, incluindo aquelas voltadas tanto ao entretenimento como outras que estimulam o espírito de competição e outras mais destinadas a explorar a busca da vantagem e do prazer. Como entretenimento, competição ou desafio, entram os jogos eletrônicos, popularizados em plataformas nacionais e internacionais baseados nos resultados de esportes, cassinos com emuladores de caça-níqueis (slots), que se tornaram um problema econômico-social, com repercussões graves na vida profissional, social e familiar. A psicanálise dispõe de instrumentos como a psicodinâmica  e pode usar outros, Terapia Cognitivo Comportamental dentro da Terapia do Esquema, para entender e colaborar com o tratamento do vício compulsivo, a par de outras abordagens terapêuticas no sentido de, ao menos, amenizar os custos financeiros, físicos e sociais para do usuário das plataformas de jogos, senão até mesmo a remissão do próprio transtorno de jogo.  O artigo se propõe a expor resumidamente os mecanismos da dependência em jogo, por meio de referencial e contexto histórico, impacto fisiológicos e psicológicos e as abordagens oferecidas e adaptadas ao conhecimento psicanalítico visando o enfrentamento do problema que possui semelhanças com a dependência química, apresentar dados a respeito do comportamento compulsivo e qual pode ser a abordagem da análise frente ao incremento dos casos e suas repercussões sociais, incluindo familiares.   

Palavras-chave: Transtorno de Jogo, Distúrbio de Jogo, Ludopatia. Bets, Slots 

1. INTRODUÇÃO:  

Registros históricos e arqueológicos dão conta de que os jogos acompanham a humanidade desde três milênios antes de Cristo. Chineses, gregos , romanos, egípcios… Praticamente todas as civilizações da antiguidade desenvolveram ou adotaram a prática de jogar, seja por mera diversão ou visando apostar e lucrar.  Em princípio eram os dados e os jogos de copos, sendo que as cartas chegariam por volta da Idade Média, provavelmente no século IX, e logo seriam condenadas pela Igreja, que já cobrava os depósitos pelos seus serviços. Leis excetuavam a nobreza na prática de jogos de azar, embora a plebe não ficasse à margem deste tipo de entretenimento. 

Com a popularização dos jogos, houve quem começasse a estudar a introdução da probabilidade na vida cotidiana já na idade antiga. 

(…) o tema começou a ser discutido pelos estudiosos – não só matemáticos, mas também filósofos, advogados e juristas etc – em função dos jogos de azar, que eram bastante praticados naquela época. (SILVA e COUTINHO, 2005, apud TOMAZ,2023, p. 4) 

A pesquisa bibliográfica é a metodologia para fundamentar a teoria exposta e apontar na direção da abordagem proposta –   no sentido de obter respostas sobre as opções dentro da análise para o transtorno de jogos. Neste momento, a ciência necessita de posicionamento embasado no sentido de ampliar o conhecimento e as alternativas terapêuticas disponíveis. 

Foram pesquisados artigos e livros no Google Academics, Scielo e Portal de Periódicos da CAPES, além de publicações especializadas, primeiramente sobre linhas de pesquisa em adicções por jogos e depois linhas de pesquisa a respeito de vícios em substâncias. Com bem mais variedade encontrada nas pesquisas envolvendo substâncias, este trabalho se propôs a gerar mais abordagens comparativas entre os sintomas clássicos de vício por substâncias e sua semelhança com a nova fronteira de trabalho, para mitigar os impactos proporcionados  pela facilidade de acesso aos jogos eletrônicos, slots e outros. Foram escolhidos materiais que pudessem elucidar os mecanismos fisiológicos, psicológicos e sociais do vício e, por meio de  inferências, chegar ao ponto em que tais situações se cruzam quanto aos estímulos químicos e sensoriais.   

Portanto, o objetivo geral é apresentar possibilidades psicanalíticas, com a análise das possibilidades terapêuticas  na redução ou remissão do respectivo transtorno, na redução do conflito familiar e no comprometimento financeiro. Como a psicanálise pode oferecer instrumentos para dar suporte ao impacto social da dependência em jogos?   

Especificamente, este trabalho busca alinhar as práticas clínicas adotadas e outras que podem auxiliar no enfrentamento do transtorno de jogos, desde o seu acometimento até o comprometimento das relações  familiares e sociais. 

2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O início do ciclo vicioso 

Sinteticamente, Sigmund Freud colocou como princípio a busca instintiva do prazer e a evitação do sofrimento e da dor. Paradoxalmente, é observado que a busca do prazer redunda justamente naquilo que todos procuram evitar: o sofrimento e a dor. Os vícios, quaisquer que sejam, iniciam na busca do prazer ou fuga da realidade que representa sofrimento – ambas situações  perfeitamente conjugadas ou complementares, mas não necessariamente indissociáveis, já que o meio social provê necessidades de prazer ou escapismo desconhecidas particularmente pelos indivíduos (fase de experimentação).  A mesma ideia já era compartilhada por filósofos hedonistas na Grécia Antiga, para os quais a busca do prazer e a negação da dor deveriam ser a motriz da vida do Ser. A abordagem de Freud, então, se dá no nível científico daquilo empiricamente observado ao longo da história humana. 

Há aspectos fisiológicos, psicológicos, sociais e até genéticos e biológicos envolvidos no processo de viciação. A influência de cada um só tem possibilidade de existir em paralelo no seu início, sendo bem mais comum  a combinação de dois ou mais, exceto a dependência fisiológica que se processa mais como efeito e se converte no maior responsável pela manutenção da dependência.  Instalada a adicção, pouco importará qual iniciou o ciclo, pois um sistema restará instalado no indivíduo em que  diferentes fatores atuam em conjunto para retroalimentar a dependência.  

2.2 Mecanismos fisiológicos 

Desde o aparecimento dos jogos eletrônicos são conhecidos seus efeitos cerebrais. Há dez anos, Lemos et al. fizeram uma revisão sistemática  dos estudos sobre os efeitos da neuroimagem na dependência. Concluíram: “A utilização de som, imagem, grafismo e todas as potencialidades hipermédia cativam os jogadores, que facilmente se adaptam a estímulos irresistíveis à atenção involuntária e voluntária”. 

Para Rolnik e Franco (2006), a dependência fisiológica se manifesta na presença de sintomas da abstinência (taquicardia, palidez, tremores, convulsões etc). Esse é o efeito e, como não poderia deixar de ser, os mesmos autores indicam o caminho orgânico, localizado especificamente no cérebro, responsável pela iniciação no vício, genericamente chamado de “circuito de recompensa”. 

Parte desse circuito é o sistema mesocorticolímbico, que tem como neurotransmissor principal a molécula de dopamina. Quando ativado, um de seus componentes, a área tegmental ventral, libera dopamina através de suas projeções (axônios) ao núcleo acumbente (que é tido atualmente como o centro do prazer), assim como em outras estruturas do cérebro: a amígdala, o sistema límbico (o sistema das emoções) e o córtex frontal (PLANETA e CRUZ, 2005, apud ROLNIK e FRANCO, 2006).

Autores mais recentes consideram outras estruturas envolvidas como Sistema Límbico, como é o caso de Favaretto (2021) que o divide em quatro estruturas, a saber: amígdala, hipocampo, núcleo tuberomamilar e córtex cingulado. Há uma diferença importante – a inclusão do córtex cingulado com função de integrar as memórias e informações  às demais regiões do cérebro, sem desprezar as demais estruturas como  o córtex frontal que, em conjunto com a área tegmental e o pálido ventral, os núcleos medial e Accunbens constituem o feixe longitudinal medial ou o Sistema de Recompensa (Favaretto, 2021). 

O objetivo deste artigo não é explicar exatamente a função das estruturas citadas e suas interligações, mas indicar onde as adicções atuam no nível de sistema nervoso central para explicar as alterações cerebrais que promovem a instalação e o progresso das mesmas, sem entrar também nas alterações provocadas nos sistemas nervosos periféricos e autônomos, tendo em vista que é o Sistema de Recompensa o catalisador das mudanças que interferem no SNC. “O feixe longitudinal medial – ou Sistema de Recompensa – é o principal determinante da resposta de vício no uso e abuso de substâncias. (…) estimulando-o anormalmente e criando a sensação de super recompensa”. (Favaretto, 2021). Muito embora o pesquisador mencionado esteja falando de “substâncias”, lato sensu pode ser aplicado no transtorno de jogos por ser o mesmo mecanismo cerebral envolvido. 

Os resultados indicam que os jogos de slot online estimulam o sistema de recompensa do cérebro através do reforço intermitente, ativando circuitos cerebrais ligados à liberação de dopamina, de forma similar ao que ocorre com o uso de substâncias psicoativas como cocaína e crack (BRUNA, 2020, apud GOBBO et al., 2024)  

Obviamente não são apenas drogas e outras atividades viciantes que ativam esse circuito. Exercícios, sexo, alimentação, relações sociais, ações  de caridade e até trabalho ativam o mesmo circuito, tornando-o fundamental para a vida humana em diversos aspectos. Sem ele, não conheceríamos a sociedade como se apresenta hoje em dia: entretenimento, tecnologia, cultura, relações político-sociais, entre outras facetas da contemporaneidade. Para Lavratti e Vieira (2024), a dopamina é essencial em um cotidiano saudável por meio das atividades diárias, incluindo o lazer,  e os contatos afetivos.  A ausência dela nessas condições induz a busca compensatória em outras opções disponíveis.  

Dentre algumas dessas teorias existentes, a psicologia evolucionista discorre sobre como a seleção natural e mecanismos de prazer estão interligados com a sobrevivência, utilizando assim o vício como um atalho adaptativo para manutenção da vida (MORAES, TORRECILLAS, 2014 apud LAVRATTI, VIEIRA, 2024)  

O sistema orgânico passa a ser um problema ao ser corrompido por substâncias e/ou atividades, cuja atuação frequente centraliza todos os esforços da pessoa na busca pelas mesmas sensações, o  que só é possível com o aumento da exposição. Quadros depressivos se instalam com rapidez ante a mera suspensão temporária. Nesse ponto, o equilíbrio emocional, a racionalidade (ou consciência)  e os princípios morais estão obnubilados, convertendo toda a energia do Ser na busca de um prazer cada vez mais efêmero e inatingível. É quando a busca do prazer se converte em dor, podendo se tornar letal por overdose de substâncias ou pelo suicídio, quando se trata de atividades que se tornaram compulsivas, entre elas o transtorno de comportamento sexual compulsivo, oniomania,  transtorno de jogo ou ludopatia. 

Existem características neurobiológicas similares nas adições com e sem substância nomeadamente nas funções cerebrais, na neuroquímica e na sensibilização cruzada, um fenômeno de neuroadaptação em que a exposição repetida leva a respostas mais fortes ao nível dos circuitos de recompensa (LEEMAN; POTENZA, 2013, apud ANTUNES, 2019).  

Vícios, incluindo transtornos por uso de substâncias (SUDs), são condições de várias etapas que, por definição, requerem exposição a um agente que causa dependência. A ampla variedade de agentes viciantes abrange drogas, alimentos, sexo, videogame e jogos de azar (BARBANTI, 2014, apud SILVEIRA, RODRIGUES, OH, 2022)  

Tratam-se de mudanças homeostáticas  que ocorrem após continuada exposição aos estímulos e, além desta, há o aprendizado associativo – atuando como uma memória celular ao interferir na sinapse ao imprimir informações específicas sobre o estímulo, como se fossem um código. É o chamado também condicionamento operante, conforme descrito pelo psicólogo americano Skinner (2003). Em seus experimentos, o pesquisador constatou a aderência a um novo comportamento a partir do reforço  positivo, sendo o reforço negativo uma punição, que pode ser associada à privação ou abstinência.  

Um dos efeitos das drogas no cérebro é o aumento da concentração de dopamina, neurotransmissor que produz prazer. O prazer funciona, portanto, como um reforço ao comportamento de usar a substância. No caso da dependência, surge um agravante: caso a pessoa fique sem utilizar a droga, ela entra em estado de abstinência, o qual caracteriza-se por uma intensa ansiedade, às vezes acompanhada de taquicardia, sudorese e outros desconfortos fisiológicos. Todo este quadro de desconforto age como uma punição (…).  (FARIA; MOURÃO JR., 2017, p.7)

Em qualquer caso de adicção, haverá o fenômeno da Habituação Neuronal. 

Segundo Favaretto (2021), os receptores pré e pós-sinápticos do feixe longitudinal medial – conforme descrito anteriormente – são alterados a ponto de necessitar de cada vez mais estimulação para se obter o mesmo efeito. A manifestação comportamental do fenômeno reflete nas escolhas individuais, o que é explicado pela Teoria da Dependência por Escolha de Heyman2 (2009) que, entre outras abordagens, inclui exatamente aquela na qual o valor reforçador da droga é maior que o valor reforçador das condutas concorrentes como as indicadas na Hierarquia das Necessidades de Maslow3 configurando inexoravelmente o quadro de dependência. 

Portanto, o avanço do vício se interpõe justamente nas demais atividades prazerosas citadas anteriormente e outras mais responsáveis pelo sustento econômico,  relacionamento social e lazer. A atividade viciante acaba por monopolizar a atenção e os recursos individuais. Por fim, toda a ação consciente ou inconsciente é encetada objetivando a satisfação do vício. A pessoa fica na situação de estar perto e longe ao mesmo tempo, pois o aumento do reforço positivo não implica a satisfação do desejo que, pelo contrário, fica cada vez mais forte.  

 Como a mudança neuro adaptativa é potencialmente irreversível, a abstinência absoluta é a única “porta da saída” para a resolução do problema, com a combinação de terapia e acompanhamento médico especializado e medicamentos, notadamente aqueles voltados a tratar predisposições  de ordem psicológica e psiquiátrica como será visto em seguida.  

2.3 Mecanismos psicológicos e psiquiátricos 

Há fatores que podem predispor a pessoa ao vício em jogos: depressão, ansiedade, falta de autocontrole, timidez,  baixa autoestima etc.  Lavratti e Vieira (2024) entendem que os fatores psicológicos e psiquiátricos antecedem o primeiro contato com a substância ou o comportamento vicioso. Moraes e Torrecilhas (2013), citando Pinker e Riddley (2004) menoscabam a influência do meio exterior como indutor do comportamento.  

Stress e traumas, principalmente na primeira infância, já podem desencadear o desequilíbrio da homeostase cerebral. Evolucionariamente, emoções dolorosas como dor, raiva, culpa e medo “parecem pautadas para garantir o bem-estar” (Moraes e Torrecilhas, 2013). Entretanto, a manutenção destas por um longo período tende a produzir desequilíbrios capazes de indicar atalhos para o mecanismo de prazer, quando entram em cena tanto as substâncias psicoativas ou comportamentos compulsivos.  

Lavratti e Vieira dão ênfase nas situações de desamparo, quando a pessoa desenvolve formas de lidar com o problema, sendo que as adicções  se tornam uma barreira protetora, visando o suporte e a defesa daquela realidade. 

como não seria possível satisfazer uma necessidade sem que a categoria logo abaixo fosse plenamente satisfeita, como preconiza o eminente psicólogo. Conceitualmente, porém, é um bom referencial.  

Distúrbios neurobiológicos como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) são considerados por pesquisadores como predisponentes para a adicção, sendo os seus portadores considerados como grupos de risco. Entre as complicações do TDAH, deve-se destacar, encontram-se os transtornos relacionados ao uso de substâncias (TUS). Em um estudo com 120 adultos com diagnóstico de TDAH, Biederman et al. observaram maior risco de problemas relacionados ao álcool e drogas no grupo com TDAH (52%) do que no grupo controle (27%). (CASTRO, PEDROSO, ARAUJO, 2010)   

Assim, alterações psicoafetivas e neurobiológicas devem ser consideradas como fatores de risco, notadamente quando não isoladas do contexto social, o qual será tratado na sequência. 

2.4 Mecanismos Sociais 

A disseminação, variedade e a facilidade de acesso a substâncias e conteúdos viciantes trouxeram mudanças nos relacionamentos. Tanto a interação pessoal como a digital tem o poder de induzimento a comportamentos, o que explica particularmente o envolvimento de influencers na divulgação dos jogos online (slots). 

A necessidade de pertencimento, identificação grupal, superação do isolamento social induz a adoção do modo de vida do grupo, incluindo locais de reunião e formas de consumo. Segundo Santana et al. (2022), a adolescência em função das suas peculiaridades é uma etapa biopsicossocial complexa e contraditória, portanto mais vulnerável. Prova tal afirmação é uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) em 2022, tendo por resultado o envolvimento de praticamente 30% dos adolescentes brasileiros com o Transtorno de Jogo pela Internet, com prejuízos sociais e emocionais.  

Há décadas os pesquisadores contemporâneos aceitam o jogo  como parte da cultura, não somente por conta da presença em todos os extratos sociais, mas também por ser forma de disseminação de informações, narrativas e costumes. Notadamente no caso das Bets, o pano de fundo são esportes populares – além do futebol, aficionados por tênis, basquete e outros esportes também podem ser atraídos pelas inúmeras bancas de aposta.  Gallo (2007) em seus estudos frisou que os games se tornaram uma das culturas mais populares e sofisticadas da atualidade. Recentemente, Soares e Mesquita (2021, apud Silva e Soares,2023) defendem que a cultura reforça a relação entre jogo e jogador ao afirmar as interações simbólicas entre ambos, ou seja, o jogo é algo que faz sentido para o jogador na forma de linguagem e/ou perspectiva real de ganho. 

Inserto desta forma na sociedade e com a inovação tecnológica a seu favor, pode-se descartar prima facie qualquer alternativa de controle de não acesso, sendo apenas possível sua utilização de forma lúdica e responsável nos casos em que isso é viável. Especificamente no caso de jogos que levam à ludopatia, o controle legal somente permitirá a tributação das principais casas de apostas para a função redistributiva do Estado que, em princípio, deverá utilizar parte da receita na redução dos danos provocados pelo jogo compulsivo. Difícil imaginar o banimento de plataformas irregulares diante da possibilidade sem limite de acesso por meio de aplicativos alocados em servidores fora do país. De modo que uma política de saúde mental para o enfrentamento dos efeitos socioeconômicos da dependência é mais urgente – e efetiva – que qualquer diploma legal. 
Não que este seja dispensável. 

2.5 Mecanismos Genéticos ou Biológicos e Ambientais 

A Ciência não ignora a influência de fatores hereditários como predisponentes para dependência química ou comportamento compulsivo. Diversos pesquisadores abordam a predisposição genética ou hereditária como um dos componentes da adicção. Formigoni et al (2017) destacam os resultados de estudos epidemiológicos que demonstraram o forte componente hereditário no desenvolvimento do alcoolismo, algo entre 40 a 60% de risco para o transtorno comparativamente a pessoas sem parentes de primeiro grau adictos. 

Messas e Vallada Filho (2004)  já citavam estes e outros estudos envolvendo metodologias com estudos de famílias, gêmeos e filhos adotivos. As três abordagens são necessárias para isolar o fator ambiental do genético, já que no interior das famílias podem coexistir ou ser predominante um ou outro fator. Segundo esses autores, as pesquisas apontam para a existência da herdabilidade para alcoolismo e outras drogas. Afirmam ainda poderem constatar o componente genético em todas as dependências de drogas a partir da revisão feita a partir de pesquisa de terceiros, algo bastante duvidoso e genérico.      

Não se pode afirmar categoricamente existir o componente genético em todos os casos, até pela influência de outros fatores conforme demonstrado. Mais pragmático, o estudo de Formigoni et al.  afirma que o fato de existir uma influência genética não significa uma dependência totalmente herdada ou ainda pré-determinada, mas claramente é um  fator de risco. Brooken et al. (2017) enfatizam também que somente a predisposição genética não é a única causadora da adicção de per si.  Desta forma, o entendimento geral é de que se trata mais de uma vulnerabilidade, cuja manifestação dependerá de fatores internos (emocionais e/ou psicológicos e psiquiátricos) e externos (ambiente – família e grupos – e disponibilidade da substância ou estímulos e estilo de vida).  Neste ponto, o conhecimento da epigenética é útil e explicará como a influência dos genes é alterada dependendo  onde o indivíduo está inserido, bem como o avanço etário.    

Importa mais salientar outras pesquisas a respeito da adicção em outras drogas visando reforçar a presença dos fatores genéticos e ambientais analisados também em simetria em casos de ausência de substâncias. Scheffer, Passa e Almeida (2010) citam que pouco mais da metade dos casos de dependência química (53%) estão relacionados aos fatores ambientais (familiar) e vulnerabilidades neurobiológicas (genética). Broken et al. apresentam números semelhantes, considerando  o fator genético (50%) porém  sem dissociar absolutamente fatores ambientais e biopsicossociais. 

Características genéticas e/ou ambientais podem explicar porque indivíduos mesmo expostos a substâncias ou outros estimulantes digitais não desenvolvem a dependência virtual ou química. Sabe-se da interferência da vivência familiar e/ou grupal interfere no comportamento como forma de repetição (mores modus). Por isso a dificuldade de ser estabelecido um número proporcional a priori  sobre a  predisposição para a dependência.  

A identificação dos genes está registrada em pesquisas  realizadas nas últimas três décadas e citadas  recentemente por Silveira, Rodrigues e Oh (2022)  e Souza, Oliveira e Fabiano (2023).  Pesquisas mais antigas indicaram os alelos responsáveis por maior risco de dependência em alcoolismo e tabagismo e que alteram receptores de dopamina. Os revisores citados relacionaram outros genes identificados como vulneráveis aos psicotrópicos, que também não se farão constar nesta pesquisa por não se relacionarem com os objetivos. Basta para concluir – em conformidade com Souza, Oliveira  e Fabiano – o papel dos genes envolvidos no circuito de recompensa  e que são ativados para religar os circuitos de recompensa e causam o desejo intenso por drogas durante o período de abstinência. 

Não foram encontrados estudos correlacionando esse ramo do conhecimento ao transtorno de jogos ou ludopatia. Os fatores ambientais e sociais, neste caso, são mais evidentes. Sem estudos mais aprofundados, não se é possível determinar a influência dos alelos na predisposição para as adicções de interesse deste artigo, uma vez que até o presente momento as pesquisas se concentraram nas adicções envolvendo substâncias, o que não altera o caráter viciante de outros tipos de estímulos, conforme já alinhado.   

2.6 A psicanálise no contexto do tratamento da compulsão por jogos 

A pesquisa bibliográfica até o momento serviu para identificar os elementos do vício e também a simetria em quase todos os mecanismos envolvidos no processo viciante. A partir deste ponto, o artigo analisará as alternativas terapêuticas e avaliará a abordagem exclusivamente para os transtornos objeto do estudo, a saber: Transtorno de Jogo ou Ludopatia.  

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhecia o transtorno de jogo por meio da Classificação Internacional de Doenças (CID) 10 na categoria F63, que trata dos transtornos dos hábitos e dos impulsos, compreendendo os hábitos repetidos e incontroláveis, incluindo entre outros o jogo patológico. Em 2019, a CID passou por uma revisão e o código para o transtorno passou a ser 6C50, definido como Desordem de jogos e Transtorno de Jogos de Azar. Dividido em subcategorias, a classificação admite a adicção  nos modos on-line,  off-line e híbrido.  O diagnóstico é alinhado a partir do envolvimento da pessoa com o jogo em nível de prioridade sobre as demais atividades e o aprofundamento do vício, embora os evidentes prejuízos de ordem, pessoal familiar, educacional, ocupacional e outros. O padrão pode ser contínuo ou eventual, mas sempre recorrente. É notável a maior descrição  e  complexidade que a classificação deu a comportamentos de dependência, separando-os, inclusive, dos demais distúrbios de controle de impulso, adquirindo assim sua especificidade de diagnóstico.  

A 5ª edição do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais mantém a classificação F63 para o transtorno de jogo. Ao contrário da CID que aborda o distúrbio de maneira mais genérica, não focando expressamente a perda econômica como viés de diagnóstico, o MDTM abre como primeiro critério o dispêndio de quantias cada vez maiores de dinheiro e assim, dos nove critérios, em quatro estão presentes o prejuízo financeiro, incluindo o pensamento obsessivo de recuperar perdas. 

 Um dos critérios mais preocupantes é quando o jogador passa a apresentar iniciativas de “resgate financeiro”, voltando-se para familiares e/ou assumindo atitudes ilícitas (fraude, estelionato ou roubo) para aplicar o recurso no jogo. Tradicionalmente, a situação sempre ocorreu com adictos nos cassinos clandestinos ou mesmo nos jogos oficiais de prognóstico. Com a disponibilidade de aplicativos, sites e plataformas ao alcance de qualquer um (inclusive menores de idade) através dos smartphones, não há limites para o acesso e o tempo de jogo. O único limite possível é o recurso disponível.  

Um padrão de “recuperar as perdas” pode se desenvolver, acompanhado de uma necessidade urgente de continuar jogando (frequentemente com apostas ou riscos maiores) a fim de desfazer uma perda ou uma série de perdas. O indivíduo pode abandonar sua estratégia de jogo e tentar recuperar todas as perdas ao mesmo tempo. Embora muitos jogadores possam apresentar essa característica durante períodos breves, essa atitude frequente e em geral prolongada é típica do transtorno do jogo (MDTM, 2023, p. 587). 

Ainda segundo o Manual,  a depressão acompanha a maior parte dos jogadores compulsivos em tratamento, sendo que a metade apresentou ideação suicida e 17% tentaram o ato.  Não é inusitado que alterações de humor, como ansiedade e depressão,  ocorram com jogadores compulsivos. A entidade autora do Manual (The American Psychiatric Association) observa que o ato de jogar envolve arriscar algo valioso na esperança de obter algo que valha ainda mais. É a definição clássica. O que o jogador compulsivo deixa de notar é que ele não está mais jogando apenas dinheiro, ele está apostando tudo na sua vida; o tão buscado prêmio é apenas uma quimera incapaz de recuperar sequer a mínima parte do que se perdeu, ainda que se concretize. À terapia, portanto, cabe trabalhar para a redução da ocorrência das situações de jogo, enquanto entender improvável a  abstinência, ou redução de danos e focar, em qualquer caso, na qualidade de vida. 

Oliveira et al. (2022) alertam para a falta de oferta para tratamento deste transtorno. Há iniciativas isoladas como a do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e algumas cidades que possuem grupos de Jogadores Anônimos. A pesquisa identificou grupos somente nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Limeira. Há ainda um serviço on-line, porém de caráter religioso,  o que não se apresenta adequado pelo caráter restritivo em impor logo de início um sistema de crença. 

De fato, essa é uma das formas de tratamento de TJ. Há outras segundo Fong (2005, apud Oliveira et al., 2022): Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), Terapia Comportamental (TC), Psicoterapias Psicodinâmicas (PP), Psicoterapia Familiar, redução de danos e linhas de apoio. 

A pesquisa realizada proporciona uma validação da Teoria do Esquema de Jeffrey Young, o qual fundamentalmente utiliza uma série de instrumentos terapêuticos perpassando tanto as raízes do problema quanto a desaptação presente, alterando os atuais esquemas que provocam sofrimento e dor.  

Tal teoria é uma abordagem integrativa expandindo a abordagem clássica da Terapia Cognitivo Comportamental, integrando contribuições da Gestalt, Psicanálise e Construtivismo em um novo sistema de psicoterapia (Young, Klosko & Weishaar, 2008, apud Isoppo, 2012)        

 A seguir, uma definição sintética de cada uma: 

  1. TCC: as pedras de toque desta abordagem são as próprias cognições que têm influência sobre as emoções  e comportamento e que este último, de modo cíclico, afeta os padrões de pensamento e emoções. É por meio da cognição que a pessoa avalia seus estados emocionais e eventos efetivos ou imaginados do meio externo. Trabalhar o nível de atenção consciente e reforçar a tomada de decisões racionais, alterando o pensamento desadaptativo (pensamentos automáticos – pré-conscientes – e esquemas ou sistema de crenças).  A reestruturação cognitiva envolve o questionamento Socrático, examinar evidências, ensaio cognitivo (e.g. role-play) entre outros métodos. A abordagem comportamental envolve aumentar a frequência de atividades prazerosas saudáveis, reduzir emoções dolorosas, desenvolver habilidades de enfrentamento e outras. 
  2. TC: pode ser considerada uma divisão da TCC, na medida em que o foco são as emoções e comportamento. Considero uma redução da amplitude da TCC ao ignorar as origens das manifestações e seu caráter cíclico ou retroalimentador. As críticas ao modelo são bem antigas. Guedes (1993) considerou a abordagem superficial e irrelevante, citando críticas já existentes de que sua utilização estava limitada a problemas clínicos simples e rotineiros (e.g. hábitos de estudo, rotinas de alimentação e de descanso). A autora ainda acusa de arbitrária a manipulação do ambiente do paciente, o que pode ser deduzido a partir de uma das afirmações de Lettner (1988) ao recomendar o conhecimento dos fatores envolvidos como base do planejamento terapêutico, ou seja, alterar fatores ambientais para uma repercussão positiva do tratamento. Neste caso, a iniciativa é do terapeuta e não do paciente, o que é bastante relevante e inadequado . A manutenção desta abordagem no presente artigo atende objetivos didáticos, uma vez que ainda é mencionada em artigos recentes, mas claramente não atende ao objeto de estudo proposto. 
  3. PP: Ablon e Jones (1998, apud Rosenthal, 2008) presumiram em seus estudos existirem componentes significativos na TCC nos tratamentos psicodinâmicos e vice-versa. Tal fato foi comprovado nos estudos de Schneider et al.(apud, Schimidt, Gastaud e Ramires,2018). Embora menos sistemático que na TCC, a psicodinâmica busca as motivações que levam a padrões de comportamento e emoções dos pacientes, incluindo aspectos históricos e relacionais. Daí a conclusão dos citados pesquisadores que inclusive aludem a atendimentos com ambas as abordagens, o que entendem ser algo com potencial bem promissor, principalmente no tocante a quadros depressivos e de ansiedade. É a posição de Sousa et al. (2024) indicando estudos clínicos e revisões que denotam resultados significativos na melhoria da qualidade de vida, remissão de sintomas depressivos e no funcionamento psicossocial com esta terapia integrativa,  que consideram uma evolução na prática clínica. 

Opland e Torrico (2024) referem-se a terapia psicodinâmica  e a TCC como complementares, principalmente porque a primeira remete a conceitos consagrados por Freud como base da investigação psicanalítica e os conceitos de Alfred Adler como primórdios dos impactos do ambiente na formação da personalidade. Os autores entendem que a PP é efetiva para quadros depressivos e de ansiedade, mas é limitada quanto a tratamentos de quadros mais complexos, como transtornos obsessivos-compulsivos e dependência química. É quando pode entrar a terapia integrativa como opção. 

Psicanálise Familiar: A questão da disfuncionalidade familiar é saber se esta é anterior ao problema a ser tratado clinicamente ou ocorreu o inverso: o desequilíbrio se iniciou com a introdução de um elemento novo (persona ou status). De qualquer forma, a família é afetada pelo comportamento compulsivo, notadamente nas do tipo nuclear e extensa. Portanto, o ambiente familiar também se encontra adoecido pelos transtornos apresentados pelo paciente. Para Minuchin (1982), “a estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as formas pelas quais os membros da família interagem. É o conjunto de regras que governam as transações da família”. O referido terapeuta compreende a família na forma predominantemente nuclear e é a definição teórica de família um pressuposto para a intervenção terapêutica sob este ângulo (Ponciano, Feres-Carneiro, 2003). 

Não é por outra razão que Minuchin recomenda entender conceitualmente a família como, e.g, L’abbate, Frly e Wagner (apud Gomes, 1986) que apontam como aspectos estruturais o limite ou regras de participação e hierarquia ou regras de poder. Ele frisa que a terapia familiar é uma “terapia de ação”  para modificar o presente e não serve para explorar ou interpretar o passado. “A estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem. Uma família é um sistema que opera através de padrões transacionais” (Minuchin, 1982). A função do terapeuta então é agir pela alteração estrutural para alterar as experiências subjetivas. Em segundo lugar, ainda conforme Minuchin, o terapeuta não se une com a família para educá-la ou socializá-la, mas para modificar ou  restaurar suas funcionalidades  (socialização, apoio, regulamentação e proteção) para seus membros de forma que cumpra melhor sua tarefa. Acreditando ainda na autoperpetuação do sistema familiar, as mudanças quando produzidas serão mantidas.  

Numa perspectiva de atendimento familiar, o terapeuta deve analisar o funcionamento da estrutura familiar e suas relações atuais e ver como contribuem para a situação-problema. Não raro, há a conversão da situação-problema no foco da família encobrindo as demais desfuncionalidades inerentes ao grupo que retroalimentam o próprio comportamento compulsivo.  

Redução de Danos e Linhas de Apoio: Segundo Araújo (2019) o tratamento direcionado para a redução de danos é de “baixa exigência”, contrastando com tratamentos que visam a abstinência. O exemplo contemporâneo mais clássico é a distribuição de seringas para evitar a propagação do vírus HIV entre os adictos de drogas injetáveis. Ou seja, o foco passou a ser evitar a doença e não o vício e suas consequências diretas.  

A redução de danos se orienta pela construção de estratégias, junto ao usuário, a fim de minimizar danos de saúde e sociais advindos do uso abusivo de substâncias psicoativas; as intervenções não visam a diminuição imediata do consumo. Essa abordagem engloba, ainda, ações em diferentes âmbitos: informação, aconselhamento, maior acesso aos serviços de saúde e assistência social, distribuição de insumos e incentivo ao não compartilhamento destes, etc. (ARAÚJO, 2019, p.17)  

Em um parágrafo, a autora definiu tanto a estratégia de redução de danos como a rede de apoio, que pode ser pública ou privada. Já foi visto que há grupos (poucos) se organizando em torno do jogo compulsivo. 

Michels, Machado e Pizzinato (2022) citam que o espaço de atendimento previsto por Freud em seu texto Caminhos da Terapia Psicanalítica, lido durante o 5o Congresso Psicanalítico Internacional (Budapeste, 2018), em muito se assemelhar aos atuais Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), “principal serviço público de atenção à saúde mental da população”. Segundo Freud: 

(…) consultórios que empregarão médicos de formação psicanalítica, para que, mediante a análise, sejam mantidos capazes de resistência e de realização homens que de outro modo se entregariam à bebida,  mulheres que ameaçam sucumbir sob a carga de privações, crianças que só tem diante de si a escolha entre a neurose e o embrutecimento. Esses tratamentos serão gratuitos. (FREUD, 2018, p. 291, apud MICHELS, MACHADO e PIZZINATO, 2022) 

Os mesmos autores ainda atentam que o psicanalista é desafiado a atuar em locais diferentes daquele para o qual foi preparado e está habituado. É o que  também afirmava o psicanalista e psiquiatra francês naturalizado argentino, Enrique Pichon Rivière, conforme abordado no Caderno de Atenção Básica no 34 (Saúde Mental) do Ministério da Saúde (2013, p.124). No citado documento, aborda-se a teoria dos grupos operativos de Pichon que visam promover uma adaptação ativa à realidade rompendo estereótipos, revendo papéis sociais, elaborando perdas cotidianas e superando resistências a mudanças. Entre os campos de atuação dos grupos estão o comunitário e o institucional que podem ser, além das instalações públicas, escolas, igrejas, associações, sindicatos e outros, promovendo as atividades mais próximas da população.     

A abordagem de redução de danos pode ser aplicada em comportamentos compulsivos objetivando o controle dos efeitos colaterais da atividade – principalmente no campo da saúde – e externalidades que afetam relações sociais e profissionais. Contudo, não deve ser a primeira escolha do terapeuta, na medida em que o resultado desejável é a abstinência ou a redução significativa da frequência (estratégias de alta exigência ). A postura do terapeuta deve ser condizente com a busca do melhor resultado possível, sem desconsiderar alternativas – até mesmo a redução de danos  e a inclusão de  rede de apoio– como meio para atingir a meta do tratamento.  

Como estratégia de redução de danos no caso do TJ, pode-se recomendar suspender os jogos que envolvam apostas financeiras por outros também on-line ou offline nos quais esteja ausente o fator aposta financeira. Não é um processo automático, pois nas situações envolvendo as Bets e Slots há o componente da recuperação financeira e a sensação de perda , os quais podem impedir ou dificultar a transição.  

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS   

Os mecanismos pelos quais ocorre a adicção denominada Transtorno (ou Distúrbio) de Jogo ou Ludopatia alinham tanto o comportamento compulsivo para o uso de substâncias como o citado transtorno. Não é desprezível a chance do jogador apresentar inclusive o uso de substâncias lícitas ou ilícitas como parte do quadro de dependência, demonstrando que estamos diante de uma situação complexa que não exclui a abordagem multidisciplinar, integrando até mesmo a terapia medicamentosa para controle da depressão e ansiedade, por exemplo . 

Na parte da psicanálise, a combinação de estratégias – TCC, PP e PF – pode culminar em resultados mais expressivos. Para definir a abordagem, a escuta ativa é o principal meio que o terapeuta emprega para conhecer a dimensão do distúrbio, considerando ainda a possibilidade do paciente amenizar o quadro, dificultando tanto o diagnóstico como a própria terapia. Espera-se, obviamente, que as dificuldades na relação terapeuta-paciente fiquem restritas ao início das sessões, sendo o papel do psicanalista buscar o aprofundamento da relação mediante as técnicas aprendidas, oportunizando a ocorrência da transferência e o tratamento das resistências, que somente ocorrem em ambiente de confiança recíproca e crença na terapia.  

Favorecer o autoconhecimento é outro objetivo do analista com potencial para que o paciente encontre a porta de saída do transtorno. A partir do estudo levado a efeito neste artigo foi constatada a necessidade da dopamina no equilíbrio fisiológico. A partir desta observação, vislumbra-se a possibilidade da substituição do comportamento compulsivo por outra atividade como reforço positivo. Tal abordagem deve ser extremamente cuidadosa e não deverá recair no início do tratamento. Cabe ao analista avaliar o “timing” da proposta de acordo com a evolução inicial ou medial do paciente. Ao se precipitar, pode o analista “queimar” opções, cuja retomada se apresentará mais complicada.  

Mesmo não sendo uma novidade nas últimas décadas, o Transtorno de Jogo merece mais estudos devido ao potencial  de expansão devido à tecnologia e da regulamentação estudada no momento pelo Governo Federal para cassinos, bingos e jogo do bicho.  

A regulamentação de per si  não possui o condão de aumentar o número de jogadores e ainda prevê uma arrecadação que pode auxiliar em campanhas de prevenção do jogo abusivo e nos tratamentos na rede de apoio pública, além de reconhecer legalmente a realidade na qual pessoas jogam independentemente de restrições.  Pode fazer diferença para parte da população que se importa com regras legais ou morais e a maior facilidade de acesso promover a entrada de um público ainda reticente quanto aos jogos de azar. Exceto por isso, os já legalizados cassinos on-line vem cumprindo o seu papel de expandir a base de jogadores e, infelizmente, entre eles os jogadores compulsivos. 


2 Esta teoria entende que o vício é uma atividade de escolha cotidiana resultante de um quadro de visão temporariamente míope no qual o paciente refuta as demais opções disponíveis. Apesar de enxergar o vício como um comportamento operante, o que vai ao encontro das pesquisas realizadas por Skinner, Heyman é contraditório ao excluir absolutamente o condicionamento cerebral, o que é refutado por diversos pesquisadores, incluindo alguns citados neste artigo.  

3 Também conhecida como Pirâmide de Maslow, organiza as necessidades humanas por ordem de prioridade em cinco categorias (necessidades fisiológicas, de segurança, sociais, de autoestima e autorealização). Críticos apontam que esta teoria da motivação não é flexível o suficiente para explicar 


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1Psicanalista Clinico, pós graduando em Dependência Química, Neurociência e Aprendizagem