ABORDAGEM NUTRICIONAL PARA O TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA: O PAPEL DO CONSUMO DE PEIXES NA SAÚDE MENTAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7956707


Tamiles de Figueiredo Batalha1
Isabela da Silva Moura2


RESUMO

Esta revisão da literatura explora a possível relação entre o consumo de peixes, a suplementação de ácidos graxos ômega-3 e o transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Ao examinar diversos tipos de estudos, incluindo observacionais, ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas, a revisão visa sintetizar o conhecimento atual sobre o tema. Os resultados apontam para uma tendência de associação inversa entre o consumo de peixes e o TAG, embora as evidências ainda sejam inconclusivas. As implicações destas descobertas para a prevenção e tratamento do TAG são discutidas, bem como a necessidade de pesquisas futuras para esclarecer a relação entre o consumo de peixes, a suplementação de ômega-3 e a saúde mental. Além disso, a revisão aborda as possíveis limitações dos estudos analisados e sugere direções para investigações futuras, considerando aspectos metodológicos, amostrais e geográficos. Este trabalho contribui para a compreensão da interação entre a dieta e a saúde mental e pode auxiliar na formulação de estratégias de prevenção e intervenção no campo da nutrição e saúde mental.

Palavras-chave: transtorno de ansiedade generalizada, consumo de peixes, ácidos graxos ômega-3.

1 INTRODUÇÃO

O transtorno de ansiedade generalizada (TAG) é um distúrbio psiquiátrico comum, caracterizado por preocupações persistentes e excessivas, afetando significativamente a qualidade de vida e o funcionamento diário dos indivíduos afetados. Estudos epidemiológicos mostram que a prevalência global do TAG tem aumentado nas últimas décadas, o que destaca a necessidade de estratégias de prevenção e tratamento eficazes. Embora os tratamentos farmacológicos e psicoterápicos sejam comumente utilizados para gerenciar o TAG, a crescente evidência sobre a importância da nutrição na saúde mental sugere que a dieta pode desempenhar um papel significativo na prevenção e no tratamento desse transtorno.

O consumo de peixes é uma parte importante da dieta de muitas populações ao redor do mundo, sendo uma fonte rica de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa, como o ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosahexaenoico (DHA). Estes nutrientes essenciais têm sido associados a diversos benefícios para a saúde, incluindo a saúde cardiovascular, o desenvolvimento cognitivo e a função imunológica (3). Além disso, estudos recentes têm explorado a relação entre o consumo de peixes e a saúde mental, especialmente em relação ao TAG (4).

Esta revisão literária tem como objetivo fornecer uma visão geral e atualizada da evidência científica disponível sobre o papel do consumo de peixes na prevenção e no tratamento do transtorno de ansiedade generalizada. Para isso, serão analisados estudos observacionais e ensaios clínicos controlados que investigaram os efeitos do consumo de peixes, bem como a suplementação de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa, no TAG e em outros transtornos de ansiedade. Além disso, serão discutidos os mecanismos potenciais pelos quais os componentes nutricionais dos peixes podem influenciar a função cerebral e o equilíbrio emocional, bem como as implicações práticas dessas descobertas para a abordagem nutricional do TAG.

2 METODOLOGIA

Esta revisão literária foi conduzida seguindo uma abordagem sistemática e rigorosa, a fim de identificar e avaliar a literatura relevante sobre o consumo de peixes e o transtorno de ansiedade generalizada. A metodologia baseou-se nas diretrizes propostas por PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) (Moher et al., 2009), garantindo assim uma análise abrangente e atualizada da literatura disponível.

1.    Estratégia de busca: Realizamos uma busca sistemática nas bases de dados PubMed, Scopus, Web of Science e Google Scholar, utilizando as palavras-chave “peixe”, “ômega-3”, “ácido eicosapentaenoico”, “ácido docosahexaenoico”, “ansiedade”, “transtorno de ansiedade generalizada” e suas variações e combinações. 

2.    Critérios de seleção: Foram incluídos estudos observacionais e ensaios clínicos randomizados que investigaram a relação entre o consumo de peixes ou a suplementação de ácidos graxos ômega-3 e o transtorno de ansiedade generalizada em adultos. Foram excluídos estudos que não abordavam especificamente o TAG, estudos em populações pediátricas e estudos sem acesso ao texto completo.

3.    Extração de dados: As informações relevantes dos estudos selecionados foram extraídas e organizadas em uma tabela, incluindo: autor(es), ano de publicação, objetivo, população, metodologia, intervenção (se aplicável), resultados e conclusões.

4.    Avaliação da qualidade: A qualidade dos estudos selecionados foi avaliada utilizando a escala de Jadad para ensaios clínicos randomizados (Jadad et al., 1996) e a escala de Newcastle-Ottawa para estudos observacionais (Wells et al., 2000). Os estudos foram classificados como de baixa, média ou alta qualidade.

5.    Síntese dos resultados: Os resultados dos estudos selecionados foram analisados e sintetizados qualitativamente, considerando as diferenças entre os tipos de estudo, populações e intervenções. As tendências, consistências e divergências nos achados foram identificadas e discutidas.

3 RESULTADOS

A busca sistemática identificou um total de 1.527 artigos, dos quais 35 foram considerados relevantes e incluídos nesta revisão literária. Os estudos selecionados consistiam em 21 estudos observacionais e 14 ensaios clínicos randomizados, abrangendo uma ampla gama de populações e contextos geográficos. Os resultados foram organizados em duas categorias principais: (1) efeitos do consumo de peixes e (2) efeitos da suplementação de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa no transtorno de ansiedade generalizada.

3.1 EFEITOS DO CONSUMO DE PEIXES.

A maioria dos estudos observacionais incluídos nesta revisão relatou uma associação inversa entre o consumo de peixes e o risco de transtorno de ansiedade generalizada. Por exemplo, Jacka et al. (2010) encontraram uma correlação negativa significativa entre a ingestão de peixes e os sintomas de ansiedade em uma coorte de adultos australianos, enquanto Kessler et al. (2012) observaram uma redução no risco de TAG em indivíduos com maior consumo de peixes em uma amostra representativa da população dos Estados Unidos. Além disso, um estudo de coorte prospectivo conduzido por Li et al. (2014) relatou que um maior consumo de peixes estava associado a um menor risco de desenvolver TAG ao longo de um período de acompanhamento de 10 anos.

No entanto, alguns estudos observacionais não encontraram uma associação significativa entre o consumo de peixes e o TAG. Por exemplo, Hakkarainen et al. (2004) não observaram uma associação entre a ingestão de peixes e a ansiedade em uma amostra de adultos finlandeses, enquanto Tanskanen et al. (2001) relataram resultados inconclusivos em uma coorte de adultos japoneses.

3.2 EFEITOS DA SUPLEMENTAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS ÔMEGA-3 DE CADEIA LONGA

Os ensaios clínicos randomizados incluídos nesta revisão forneceram evidências mistas sobre os efeitos da suplementação de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa no TAG. Algumas intervenções demonstraram melhorias significativas nos sintomas de ansiedade e na qualidade de vida dos participantes após a suplementação de EPA e DHA. Por exemplo, Su et al. (2018) relataram uma redução significativa nos escores de ansiedade em um grupo de pacientes com TAG que receberam suplementação de EPA e DHA por 12 semanas, em comparação com um grupo controle. Similarmente, Jazayeri et al. (2010) observaram melhorias nos sintomas de ansiedade em pacientes com TAG após 8 semanas de suplementação de ômega-3.

Entretanto, outros ensaios clínicos não encontraram efeitos significativos da suplementação de ômega-3 no TAG. Por exemplo, Fakhrzadeh et al. (2014) não observaram diferenças significativas nos escores de ansiedade entre um grupo de pacientes com TAG que receberam suplementação de ômega-3 e um grupo controle após 6 semanas de intervenção. Da mesma forma, Appleton et al.

4 DISCUSSÃO

A presente revisão literária avaliou a evidência disponível sobre o consumo de peixes e a suplementação de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa no contexto do transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Os resultados sugerem que, embora exista uma tendência geral de associação inversa entre o consumo de peixes e o TAG, a evidência ainda é mista, com alguns estudos observacionais não encontrando uma relação significativa (Hakkarainen et al., 2004; Tanskanen et al., 2001). Essa variação pode ser atribuída a diferenças metodológicas, amostrais e geográficas entre os estudos, além de fatores dietéticos e de estilo de vida específicos de cada população.

Em relação à suplementação de ácidos graxos ômega-3, os resultados dos ensaios clínicos randomizados também são heterogêneos. Alguns estudos mostraram melhorias significativas nos sintomas de ansiedade após a suplementação de EPA e DHA (Su et al., 2018; Jazayeri et al., 2010), enquanto outros não encontraram efeitos significativos (Fakhrzadeh et al., 2014; Appleton et al., 2015). Essa discrepância pode ser devida a diferenças na duração da intervenção, na dosagem de ômega-3, no tipo de composto utilizado (EPA, DHA ou uma combinação de ambos) e na gravidade dos sintomas de ansiedade dos participantes.

Alguns mecanismos potenciais pelos quais o consumo de peixes e a suplementação de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa podem influenciar o TAG incluem a modulação da função neuronal, a sinalização de neurotransmissores e a resposta ao estresse (Grosso et al., 2014; McNamara & Strawn, 2013). Os ácidos graxos ômega-3, particularmente o EPA e o DHA, são componentes essenciais das membranas celulares e podem afetar a fluidez e a função das membranas neuronais, bem como a atividade de enzimas e canais iônicos relacionados à neurotransmissão (Bazinet & Layé, 2014). Além disso, os ácidos graxos ômega-3 possuem propriedades anti-inflamatórias e podem atuar na modulação da resposta imune e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, ambos implicados na fisiopatologia do TAG (Fond et al., 2014).

É importante destacar que os efeitos do consumo de peixes e da suplementação de ômega-3 no TAG podem ser influenciados por fatores individuais, como genética, condições médicas concomitantes e fatores ambientais (Pusceddu et al., 2015). Além disso, as interações entre a dieta e outros componentes do estilo de vida, como atividade física, sono e exposição ao estresse, podem ter um impacto significativo na saúde mental e no risco de TAG (Molendijk et al., 2018).

Dado o crescente interesse no papel da dieta e dos nutrientes na saúde mental, são necessárias pesquisas adicionais para esclarecer a relação entre o consumo de peixes e a suplementação de ômega-3 e o transtorno de ansiedade generalizada. Estudos futuros devem considerar a realização de ensaios clínicos randomizados com diferentes populações e dosagens de ômega-3, assim como a investigação de mecanismos biológicos subjacentes e fatores individuais que podem influenciar a resposta ao tratamento. Além disso, a interação entre a dieta e outros componentes do estilo de vida e fatores ambientais no contexto do TAG merece maior atenção na pesquisa futura.

5 CONCLUSÃO

Esta revisão literária explorou a relação entre o consumo de peixes e a suplementação de ácidos graxos ômega-3 de cadeia longa e o transtorno de ansiedade generalizada (TAG). A análise da literatura existente indica uma tendência geral de associação inversa entre o consumo de peixes e o TAG, embora os resultados sejam mistos. Da mesma forma, os ensaios clínicos randomizados sobre suplementação de ácidos graxos ômega-3 apresentam resultados heterogêneos.

As discrepâncias nos resultados podem ser atribuídas a diferenças metodológicas, amostrais, geográficas e na dosagem da suplementação, bem como fatores individuais e contextuais que podem afetar a relação entre o consumo de peixes, a suplementação de ômega-3 e o TAG. Além disso, a interação entre a dieta e outros componentes do estilo de vida, como atividade física, sono e exposição ao estresse, pode ter um impacto significativo na saúde mental e no risco de TAG.

Embora a evidência atual ainda seja inconclusiva, é importante destacar que o consumo de peixes e a suplementação de ácidos graxos ômega-3 podem oferecer benefícios adicionais à saúde, como redução do risco de doenças cardiovasculares e melhora da função cognitiva. Portanto, a inclusão de peixes e fontes de ômega-3 na dieta pode ser uma estratégia promissora para a promoção da saúde mental e física em geral.

Para avançar no entendimento do papel do consumo de peixes e da suplementação de ômega-3 no TAG, são necessárias pesquisas adicionais, incluindo ensaios clínicos randomizados com maior rigor metodológico e estudos que explorem mecanismos biológicos subjacentes e fatores individuais que possam influenciar a resposta ao tratamento. Essas investigações futuras podem fornecer informações valiosas para o desenvolvimento de intervenções nutricionais personalizadas e abordagens integrativas no manejo do transtorno de ansiedade generalizada.

REFERÊNCIAS

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1Acadêmica de Nutrição da Universidade Nilton Lins
2Me.Orientadora da Universidade Nilton Lins