REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10251622
Mayra Marçal De Assis Belotti1
Diego Sígoli Domingues2
RESUMO
O presente artigo visa trazer um tema contemporâneo de grande importância e relevância para a sociedade. Trata-se do abandono digital, um evento recente no ordenamento jurídico, e que tem seus impactos sido vivenciados pela negligência e omissão parentais, expondo crianças e adolescentes aos perigos do mundo cibernético. Com o avanço da tecnologia e o atrativo do mundo virtual, a sociedade se encontra em constante necessidade de estar conectado. O surgimento da Internet trouxe praticidade para a vida das pessoas, se tornando um facilitador para tarefas antes presenciais (como trabalho, compras, transações bancárias), proporcionando o acesso a diversos materiais de estudo para pesquisas e cursos, incrementando e inovando na esfera de entretenimento (como jogos virtuais, filmes, livros), sem contar as redes sociais, que contribuíram para a comunicação e expansão das interações das relações humanas. Criou-se um leque de possibilidades de atividades virtuais que, em contrapartida, resultaram em uma sociedade mergulhada, de forma desenfreada, nesse universo, em detrimento da convivência presencial. No âmbito familiar essas interações podem acarretar o enfraquecimento do vínculo familiar, como por exemplo, as outrora conversas ao redor da mesa de refeição, que atualmente são raras, pois até mesmo nessa secular tradição as pessoas têm se individualizado em seu próprio mundo virtual, preferindo distrair-se no celular. O objetivo específico deste artigo é mostrar e analisar algumas das implicações que esse desamparo pode ocasionar, seus reflexos e suas consequências jurídicas. A metodologia empregada será embasada na pesquisa de artigos sobre o tema a partir de um levantamento bibliográfico e documental.
Palavras-chave: Abandono Digital. Controle Parental. Parentalidade distraída
ABSTRACT
This article aims to bring up a contemporary topic of great importance and relevance for society. This is digital abandonment, a recent event in the legal system, and its impacts have been experienced by parental negligence and omission, exposing children and adolescents to the dangers of the cyber world. With the advancement of technology and the attraction of the virtual world, society finds itself in a constant need to be connected. The emergence of the Internet brought practicality to people’s lives, becoming a facilitator for previously in-person tasks (such as work, shopping, banking transactions), providing access to various study materials for research and courses, increasing and innovating in the entertainment sphere (such a virtual games, films, books), not to mention social networks, which contributed to communication and expansion of interactions in human relationships. A range of possibilities for virtual activities was created which, on the other hand, resulted in a society immersed, unrestrainedly, in this universe, to the detriment of face-to-face coexistence. In the family context, these interactions can lead to the weakening of the family bond, for example, conversations around the meal table that were once rare, as even in this centuries-old tradition people have become individualized in their own virtual world, preferring have fun on your cell phone. The specific objective of this article is to show and analyze some of the implications that this helplessness can cause, its consequences and its legais consequences. The methodology used will be based on the search for articles on the topic based on a bibliographic and documentary survey.
Keywords: Digital Abandonment. Parental Control. Distracted Parenting
INTRODUÇÃO
Considerada a base da sociedade, a família vem passando, nos últimos 100 anos, por grandes transformações, relacionadas a fatores como a desestruturação da educação formal escolar, o ingresso da mulher no mercado de trabalho, o enfraquecimento das relações sociais e afetivas presenciais, a diferença entre as linguagens de cada geração, mas, sobretudo, pelas mudanças acarretadas pela introdução maciça dos meios digitais no universo familiar.
Essa instituição estrutural da nossa sociedade é resguardada pelo Estado, sobretudo em relação aos infantes e adolescentes. O Código Civil brasileiro conceitua a responsabilidade civil dos pais, isto é, a proteção deve ser desempenhada de forma direta pela família, mormente pelos genitores, assim como a guarda e o poder familiar. Esse poder representa a autoridade dos responsáveis no dever de zelar pela saúde, segurança e educação dos filhos, além do gerenciamento do seu comportamento social. Para isso, deverão apresentar-lhes princípios básicos da vida em sociedade, como educação, cidadania, valores morais e empatia, pois, na carência destes, o evidente resultado será uma personalidade influenciável e vulnerável.
A guarda traz consigo, além dessas responsabilidades, a prática de supervisionar e arcar com as consequências dos atos dos dependentes.
Sendo os pais os principais responsáveis na evolução do indivíduo perante a sociedade, a atuação do Estado está na aplicação de medidas de proteção legais cruciais à manutenção dos direitos da criança e do adolescente, tendo em vista sua condição de vulnerabilidade, devendo possuir proteção prioritária e integral.
A tecnologia, com o passar do tempo, vem nos apresentando seus prós e contras, pois, embora com os avanços tecnológicos a vida tenha se tornado mais prática, nos facilitando diversos serviços, seu uso desmedido trouxe problemas antes desconhecidos. Seu avanço se estendeu por diversas áreas, tanto econômicas, de comunicação, quanto médicas e científicas, contudo, o entusiasmo em relação à interação humana com essa nova realidade e a expectativa de aproximação das pessoas tem diminuído com seu uso, tendo em vista o desgaste das relações humanas, inclusive e principalmente as domésticas, comprometendo a formação dos infantes que estão em total processo de aprendizagem.
Da Família
A família é caracterizada por uma comunidade de pessoas que vivem juntas ligadas por elos sanguíneos e/ou afetivos. Ao longo da história, essa instituição, como já foi dito, tem sofrido várias mudanças, ocasionadas por razões econômicas, sociais, religiosas e culturais. Atrelados a essas transformações, cresceram os desafios para que se mantenham saudáveis as relações de convívio. Como obstáculo, à vida contemporânea trouxe às famílias mais atividades, como divisão do tempo entre carreiras profissionais, afazeres domésticos e cuidados com os filhos. Sobre as atuais relações familiares, Miriam Goldenberg nos trouxe uma reflexão:
(…) o retrato familiar que se desenha hoje se baseia na qualidade das relações, há mais investimento em afeto, tempo e atenção, divisão de tarefas decorre de uma negociação permanente. Justamente por isso, o que manterá essa nova família unida é o empenho de todos os envolvidos. Será preciso respeitar a individualidade de cada um e estimular o diálogo e a reciprocidade. Significa aceitar que nem todos os conflitos serão resolvidos e que temos que aprender a conviver com as diferenças.
(GOLDENBERG, 2016, P.1).
Hoje vivemos a era da cibercultura, individualista e hedonista, em que cada um prioriza seu próprio prazer, interesse e liberdade. Para que uma mudança ocorra, faz-se necessária uma nova postura familiar, com investimento dos pais em situações de convivência mútua de qualidade, com atividades recreativas e culturais, pois o desfrute desses momentos, além do reforço dos elos de intimidade, possibilita a passagem, de maneira mais orgânica, dos valores e conceitos educacionais e culturais. Essa criação de um espaço de diálogo é a estrutura para o fortalecimento dos laços familiares.
Do Estado e a Família
O cuidado do Estado em relação à família, em especial, dos infantes e adolescentes, está disposta no artigo 226, da Constituição Federal:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
No entanto, a globalização e sua conseqüente transformação da nossa realidade de liquefação do mundo, afeta comportamentos, leis e regras culturais, e a legislação não tem alcançado sucesso em suprir as necessidades e acompanhar as inquietações da família contemporânea, o que tem acarretado a urgência da modernização das leis para englobar esses novos desafios. (DIAS, 2015, P.31)
As alterações funcionais e estruturais no direito de família podem ser percebidas pelo estudo dos seus princípios, que são diversos e com previsão da Constituição Federal de 1988 (TARTUCE, 2019, p.1056). Esta Carta refletiu de forma direta no direito familiar, e estabeleceu que, independentemente de sua estrutura, a família é a base da sociedade. Seu objetivo é a inclusão, realização e desenvolvimentos de todos os integrantes, zelando pelos seus direitos e dignidade. Posto isso, Sílvio de Salvo Venosa assim se expressou:
A Constituição de 1988 representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas de direito de família. O reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, §7º) representou um grande passo jurídico e sociológico em nosso meio. É nesse diploma que se encontram princípios expressos acerca do respeito à dignidade da pessoa humana (art.1º, III). Nesse campo, situam-se os institutos do direito de família, o mais humano dos direitos, como a proteção à pessoa dos filhos, direitos e deveres entre cônjuges, igualdade no tratamento entre estes, etc. Foi essa Carta Magna que também alçou o princípio constitucional da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros (art.226, § 5º) e igualdade absoluta dos filhos, não importando sua origem ou a modalidade de vínculo (art. 227, § 6º).
Ainda, Constituição de 1988 escreve o princípio da paternidade responsável e o respectivo planejamento familiar (art.226, §7º). O Código Civil de 2002 complementou e estendeu esses princípios, mas, sem dúvida, a verdadeira revolução legislativa em matéria de direito privado e especificamente de direito de família já ocorrera antes, com essa Constituição. (VENOSA, 2007, p. 07).
Segundo Fabíola Santos Albuquerque (2010, p.30) é passível de aplicação uma relação de princípios constitucionais no Direito de Família, por exemplo, os da proteção à dignidade humana, à afetividade, à igualdade e ao melhor interesse da criança e do adolescente.
A Constituição da República Federativa do Brasil, quanto ao melhor interesse desses vulneráveis, atribuiu aos pais e responsáveis ampla liberdade em relação à criação e educação de seus filhos, de forma que não haja imposições ou intervenção do Estado.
Com base no princípio da liberdade que rege o Direito da Família e o Código Civil, é proibido a qualquer pessoa, e até mesmo ao Estado, interferir na constituição familiar, no seu planejamento e funcionamento do seu poder, como está disposto no Código Civil de 2002:
“Art. 1513: É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.
No 5º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade que ocorreu na Universidade Federal de Santa Maria (RS), Bruna Rosado Radaelli e Caroline Gassen Batistela evidenciaram que:
Na família constituída pela comunhão de vida é defesa a interferência de quem quer que seja. Nem mesmo interferência estatal. Deverá o estado assegurar a proteção à família, observando a inviolabilidade da intimidade das pessoas. Vislumbra-se que por este princípio a entidade familiar tem liberdade diante da sociedade e do Estado: O princípio da dignidade da pessoa humana é a sustentação dos ordenamentos jurídicos da atualidade, eis que é o vértice do Estado de Direito e significa para o Direito de Família o respeito à autonomia dos sujeitos, à sua liberdade, bem como uma dignidade igualitária para todas as formas de família. O princípio da igualdade prevê que devem ser tratados iguais os iguais e desiguais os desiguais na exata medida de sua igualdade ou desigualdade. Já, no âmbito do direito de família, se prevê a igualdade entre cônjuges e companheiros, bem como entre os filhos, sejam eles havidos ou não da relação do casamento. O princípio da afetividade está relacionado com os laços afetivos que envolvem os membros de uma família, sejam eles conjugais e parentais. Por fim, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está previsto no artigo 227, da CF: é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (RADAELLI; BATISTELA,2019, p. 4).
No planejamento familiar, os pais devem se atentar à obrigação de fornecer educação e amparo na criação dos filhos, dado que possuem responsabilidade de forma individual na formação de caráter dos infantes. Na carência do dever de cuidado, o Estado poderá intervir, por meio de sanções de cunho civil ou criminal, sendo os pais responsabilizados pelos crimes de abandono intelectual e material, como disposto nos artigos 244 e 246 do Código Penal Brasileiro:
Art 244, CP. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário-mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968).
Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. (Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)
Art 246, CP. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Na Constituição Federal de 1988 está previsto, no artigo 229, o dever legal dos pais em assistir, educar e criar seus filhos, e, em contrapartida, aos filhos maiores o dever de amparar e ajudar seus pais na velhice, carência ou enfermidade.
Seguindo os mesmos preceitos, A Lei 8.069/90 prediz que as obrigações não estão somente atreladas a bens materiais, mas também às obrigações morais de afeto e, inclusive, psíquicas:
Art. 3º. A criança e do adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.
O afeto é compreendido como direito fundamental, pois decorre da valorização da dignidade da pessoa humana, e possui, inclusive, valor jurídico. Como a Ministra Nacy Andrighi esclareceu:
A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito e procriação da entidade familiar.
Hoje, muito mais visivelmente alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão devida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre seus integrantes (…)
(STJ, 2010,).
Neste trabalho, a intenção é evidenciar como a frequência dos diálogos familiares têm sofrido uma redução por conta das interações digitais, afastando aos poucos os entes familiares.
Do Abandono Digital
O abandono digital é um tema contemporâneo de grande importância e relevância para sociedade, mas tem sido pouco aprofundado no ordenamento jurídico brasileiro. Ele traz uma reflexão referente aos impactos que os infantes têm sofrido quanto à omissão de vigilância parental no exercício do poder familiar.
No Direito de Família, um dos maiores desafios da chamada Era Digital tem sido a manutenção dos vínculos de afeto e convivência. A tecnologia, que aclama promover proximidade e interação entre pessoas, tem surtido efeito contrário no âmbito familiar.
A parentalidade distraída corresponde à omissão do dever de cuidado para com os filhos, sendo o primeiro indício para o total abandono digital, onde a interação e atenção dos pais estão mais ligadas ao mundo virtual em detrimento de suas obrigações parentais. É o excesso do uso de tecnologias por parte dos genitores na presença das crianças, acarretando vínculos empobrecidos, isolamento, falta de contato físico, desaguando na ocorrência de distúrbios comportamentais que impactam negativamente no desenvolvimento cognitivo das crianças. Em virtude das longas jornadas de trabalho e o uso indevido e excessivo da internet, pais têm reduzido o tempo de convivência com seus filhos, conforme Ferreira (2022), e, por conseguinte, tem surgido, nos últimos anos, uma geração de jovens que se sentem solitários em suas próprias casas. O autor descreve esses jovens como a geração do quarto, e demonstra a fragilidade destes que se sentem desamparados pelos pais:
A solidão da geração do quarto é uma espécie de abandono. Uma negligência em nome do poder econômico e da sobrevivência social. Muitas crianças e adolescentes se ressentem da ausência dos pais dentro de casa, da ausência de conversas espontâneas, de momentos de confraternização, de realização de atividades em conjunto (FERREIRA, 2022, p. 13).
Como já exposto, as relações afetivas não têm sido afetadas somente pela vida profissional dos pais, mas inclusive pelo tempo dedicado por eles às redes sociais e interações virtuais. Esses comportamentos propiciam a ”parentalidade distraída” (FALCÃO, 2019). Essa condição se aplica quando os pais, embora presentes fisicamente, não interagem com os filhos, devido à utilização da internet como meio de entretenimento. Para Falcão:
A parentalidade distraída é uma releitura do abandono familiar, abandono este que se demonstra de forma abstrata, quando os pais estão com seus filhos de forma física apenas, marcado pela separação fática (FALCÃO, 2019, p.62).
A consequência desse isolamento familiar é o abandono ao mundo digital de crianças e adolescentes, deixando-os livres para acessarem qualquer conteúdo sem a devida supervisão.
O termo ”abandono digital”, criado pela advogada especialista em direito digital Patrícia Peck Pinheiro, pode ser definido pela negligência dos pais na segurança dos filhos na vivência do mundo virtual, deixando-os expostos aos perigos presentes nessa realidade paralela. Também de acordo com Patrícia Pinheiro (2016), a internet é a rua da sociedade atual, ou melhor, todos os perigos que no passado estavam presentes fora do abrigo dos pais, podem ser encontrados na internet atualmente. Desta forma, como os pais se preocupam e mesmo proíbem seus filhos de ficarem na rua, não deveriam deixá-los sem supervisão na internet, pois esta oferece tantos riscos quanto.
A preocupação ganha força ao se identificar que o número de crianças com acesso à internet tem aumentado exponencialmente nos últimos anos, principalmente em razão da fase da pandemia de Covid-19, em que teve um aumento bastante expressivo. Conforme dados da TIC Kids Online Brasil, a proporção de usuários entre 9 e 17 anos passou de 79%, em 2015, para 89%, em 2019. Estes dados foram coletados pela TIC Domicílios e demonstram que o número de usuários da rede foi ainda maior em 2020, sendo que 94% deles têm entre 10 e 17 anos. (CETIC, BR 2021).
As crianças e os adolescentes, como vulneráveis e em fase de desenvolvimento, carecem de proteção e cuidados especiais. Os números divulgados fortalecem a necessidade da assistência e supervisão dos pais na vivência do mundo virtual, pois, caso contrário, estarão à mercê de pessoas mal-intencionadas e conteúdos impróprios para suas faixas etárias.
A internet veio para globalizar o mundo, facilitar a disseminação de informações e conhecimentos, propagar interação e inclusão de pessoas. Porém, apesar de todos os benefícios que ela carrega, traz consigo riscos, principalmente aos vulneráveis. Dentre as ameaças cabe evidenciar o cyberbullying, sexting, grooming, pornografia infantil e abuso sexual online.
Cyberbullying
O cyberbullying, de acordo com a literatura e legislação brasileira, é a versão virtual da intimidação sistemática. Segundo Pinochet (2014, p.223), é caracterizado pela ”perseguição ou humilhação sistemática a alguém via internet”. Seria, desta forma, o já conhecido bullying, onde a perseguição, o ataque, as humilhações são praticados através do meio virtual.
Devido à quantidade de ataques ocorridos, o Brasil aprovou a Lei 13.185/2015, que estabeleceu o programa de combate à Intimidação Sistemática. Logo no primeiro artigo é possível encontrar a definição do termo sistemática:
Art. 1º Fica instituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional.
§ 1º No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas (BRASIL, 2015, não paginado)
No 2º artigo vem definindo o cyberbullying praticado na rede mundial de computadores:
Art. 2º Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:
I – ataques físicos;
II – insultos pessoais;
III – comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;
IV – ameaças por quaisquer meios;
V – grafites depreciativos;
VI – expressões preconceituosas;
VII – isolamento social consciente e premeditado;
VIII – pilhérias.
Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial” (BRASIL, 2015,não paginado).
Na mesma linha de raciocínio, Albuquerque, Williams e D’ Affonseca (2013) mencionam as consequências do bullying e do cyberbullying, que podem ser emocionais, físicas, sociais e, em alguns casos, progredir para um transtorno do estresse pós-traumático. Tanto o bullying quanto o cyberbullying podem ocorrer dentro do ambiente escolar, e, ocorrendo de maneira repetida e reiterada ao longo do tempo, podem trazer consequências drásticas para a vítima.
A lei n.13.185/2015 não estabeleceu sanções, apenas instituiu o programa de combate às práticas do bullying e cyberbullying, porém ambos são passíveis de punição. A penalidade a ser aplicada irá depender de como será enquadrado o crime: injúria, calúnia ou difamação. Não será considerado crime nos casos que envolvam menores de 18 anos, quando será encarado como ato infracional, sofrendo as sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, tais como medidas socioeducativas e a inserção em um programa escolar de combate ao bullying.
Como consequência ao sofrimento psicológico acarretado por esse tipo de ataque sistemático, a vítima pode desenvolver quadros de ansiedade, depressão, mutilação corporal e pensamentos suicidas, e, eventualmente, vir até mesmo a concretizar este ato.
Foi registrado no Brasil no ano de 2021 um caso que evidencia a gravidade dos danos causados pelo cyberbullying. Este aconteceu no estado da Paraíba e teve grande repercussão na mídia – um adolescente de 16 anos, filho de uma cantora da região, após postar um vídeo em uma rede social, recebeu inúmeros comentários homofóbicos que o levaram a cometer suicídio (revista VEJA, 2021). Este é um entre muitos exemplos que comprovam o quanto o esse tipo de assédio é nocivo, e o quanto se faz necessária a orientação dos pais para o uso devido do universo digital, a fim de que crianças e jovens não sofram ou causem danos a outrem, imputando, inclusive, as consequências de seus atos aos seus responsáveis.
Sexting
Outro perigo vinculado à internet é o sexting, palavra formada pela junção dos termos “sex” e “texting”, que, em inglês, significam sexo e o ato de enviar mensagens de texto, respectivamente. Essa expressão nomeia a prática de enviar conteúdos eróticos via aplicativo e redes sociais.
No geral, sexting é mais praticado por adultos, caso em que o ato não causa preocupação, pressupondo-se que estes são capazes de identificar os riscos inerentes a essa conduta. A preocupação ocorre quando crianças e adolescentes o praticam, inconscientes dos perigos existentes.
Apesar do sexting ser praticado de forma espontânea sem a presença de coação, o problema estaria mais relacionado ao resultado que pode gerar, pois, após o compartilhamento, não há mais controle da divulgação do conteúdo, podendo ocasionar inúmeros danos na vida de quem tem suas imagens ou vídeos espalhados na web, inclusive de violação de privacidade.
De acordo com Abreu, Eisenstein e Estefenon (2013, p.298):
“A perda de controle representa que as imagens e os vídeos podem perpetuar por tempo indeterminado, em grupos não previstos, podendo ser recuperados depois de muito tempo, associado a outros contextos.”
Fica evidenciado, então, que a dificuldade de controle dos materiais compartilhados pode trazer graves consequências às vítimas.
Ainda sobre o tema, de acordo com Friorillo e Conte (2016, p.85):
“A legislação brasileira pouco pode fazer para conter esse tipo de conduta. O melhor remédio ainda é a conscientização de quem prática e a supervisão e orientação dos pais em relação às atividades realizadas por seus filhos no mundo digital”.
Essa prática pode significar a exposição da criança ou do adolescente a outra ameaça – o grooming. Abreu e Eisenstein Estefenon (2013, p.62) assim explicaram essa questão:
“As imagens implicadas no sexting podem chamar a atenção de predadores sexuais, seja porque centralizam sua atenção nos aspectos físicos de quem aparece nelas ou então porque seus protagonistas são identificados como pessoas que realizam práticas de risco e, portanto, são mais atrevidas e vulneráveis. Pode suscitar-se então um caso de grooming.”
Portanto, é de extrema importância a vigilância e assistência dos pais no uso da internet, porque, como foi mostrado, uma vez divulgados, as imagens ou vídeos passarão a uma espécie de domínio público, podendo serem utilizados para quaisquer fins.
Grooming
O grooming é outro tipo de ciber violência a que crianças e adolescentes estão sujeitos, e constitui o aliciamento sexual, tendo esse mesmo significado na língua inglesa, de onde se origina. Em tal caso, o aliciador cria perfis falsos em redes sociais a fim de se aproximar dos vulneráveis, com o objetivo de conseguir benefícios sexuais. Essa prática é caracterizada como uma manipulação psicológica com o objetivo de que a situação de abuso seja vivenciada como uma prática normal aos olhos da vítima, e não seja denunciada aos responsáveis. Por conta da manipulação empregada, a vítima não identifica o perigo, tendo aquele comportamento como normal de forma que não leva ao conhecimento de seus pais ou adulto de confiança. (SCREMIN, 2016, p32).
Em vista disso, Rocha (2018, p.23) considerou:
Podemos então sintetizar a complexidade do grooming online como a estratégia (habitualmente sem o uso de força ou intimidação) que envolve uma série de comportamentos que preparam o menor para o abuso sexual, onde o ofensor se aproxima mediante um processo de aliciamento e manipulação, na tentativa de ganhar a sua confiança e estabelecer com ele um controlo emocional
O Grooming traz bastante preocupação, visto que o aliciador se utiliza de estratégias de manipulação para que a criança ou adolescente ofereça voluntariamente material ou informações de conteúdo sexual, ou até mesmo realize algum ato ilícito, não vendo neste abuso oferecimento de riscos, e nem apresentando resistência aos pedidos do criminoso.
A respeito disso, Mota e Manita (2021, p. 3) esclarecem que:
Este processo prepara, muitas vezes, o terreno para um futuro contacto sexual, através de uma série de estratégias que se enquadram em duas grandes categorias: a dessensibilização e a ressignificação. A dessensibilização implica dessensibilizar verbal ou fisicamente a criança para o contato sexual, e o reenquadramento ou ressignificação consiste em apresentar a atividade sexual entre crianças e adultos como se fosse um comportamento normal ou um benefício para a criança. O ciclo de aprisionamento é igualmente desenvolvido em duas outras fases, o isolamento e a abordagem. O isolamento consiste em duas formas não exclusivas, físicas e mentais. A abordagem constitui a fase final do ciclo de aprisionamento e refere-se às tentativas dos perpetradores de se encontrarem fisicamente com as suas vítimas, com o objetivo de abusar sexualmente destas.
Como comentado, a prática do grooming está relacionada com outros riscos no mundo virtual, tais como a pornografia infantil e o abuso online. Sobre essa relação, Rocha (2018, p.20) afirma:
Na generalidade dos casos de exploração sexual, depois do contacto inicial entre o ofensor e a potencial vítima ser estabelecido, o ofensor tenta obter material sexual explícito da mesma ao invés de querer marcar um encontro físico. Portanto, se após obter o material, o ofensor utilizá-lo como meio de chantagem para exigir um encontro físico entre ambos, a ofensa passa a seguir as especificidades do grooming online.
O abusador pode se utilizar de vários meios para se aproximar das vítimas, tais como jogos online, redes sociais, aplicativos de mensagens, e não raro cria nomes falsos, se passa por alguém da mesma idade e demonstra possuir interesses semelhantes, entre outros artifícios para firmar uma relação de amizade e confiança com as vítimas. E quando essa confiança é conquistada, o abusador passa a solicitar imagens íntimas, fazer convites para encontros físicos com o menor, que poderá aceitar sem hesitar, baseado na fictícia imagem criada pelo criminoso.
Pornografia Infantil
Pornografia infantil, conforme o artigo 2º, alínea c, do Protocolo Facultativos à Convenção sobre os direitos da criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil (BRASIL, 2004, não paginado), é:
O Estatuto da Criança e do Adolescente aborda em seus artigos 240 e 241 a pornografia infantil, sobre mais, o artigo 241-A caput² trata em específico da pornografia infantil online (BRASIL, 1990).
Posto isto, Fiorillo e Conte (2016, p. 77) argumentam:
“O tipo engloba expressamente as condutas perpetradas por meio de sistema informático ou telemático, incluindo imagens virtuais e páginas na Internet sobre pedofilia, bem como a troca de mensagens eletrônicas com arquivos anexados que contenham fotos pornográficas e/ou de sexo explícito, envolvendo crianças ou adolescentes.”
A conduta exposta no caput do artigo citado prevê pena de reclusão de 3 a 6 anos e multa; também explanam que:
”As formas de consumação, por meio da internet operam-se por meio da constatação real nos sites onde são divulgadas as imagens ou cenas de sexo explícito que envolve crianças e adolescentes” (FIORILLO, CONTE, 2016, p. 77).
A pornografia infantil online é crime passível de sanções, especificada na legislação de proteção da criança e do adolescente. No entanto, cabe aos pais o dever de cuidar e orientar seus filhos sobre os riscos da interação na internet, para que não exponham sua privacidade, sob o risco de passarem até mesmo a serem, eles próprios, conteúdo veiculado na rede.
Da Responsabilidade Jurídica dos Pais
Diante das ameaças acima mencionadas, é importante salientar que a ausência do controle dos pais pode ser caracterizada como negligência, pois, como já foi explicado, essa falta de acompanhamento gera o chamado abandono digital. Com esse entendimento, a Desembargadora e relatora Liege Puricelli Pires, em uma apelação, decidiu de maneira a formar a seguinte Jurisprudência:
Ementa: APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. USO DE IMAGEM PARA FIM DEPRECIATIVO. CRIAÇÃO DE FLOG – PÁGINA PESSOAL PARA FOTOS NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. RESPONSABILIDADE DOS GENITORES. PÁTRIO PODER. BULLYING. ATO ILÍCITO. DANO MORAL IN RE IPSA. OFENSAS AOS CHAMADOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. MANUTENÇÃO DA INDENIZAÇÃO. PROVEDOR DE INTERNET. SERVIÇO DISPONIBILIZADO. COMPROVAÇÃO DE ZELO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PELO CONTEÚDO. AÇÃO. RETIRADA DA PÁGINA EM TEMPO HÁBIL. PRELIMINAR AFASTADA.DENUNCIAÇÃO DA LIDE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS. Apelo do autor […] VI. Aos pais incumbe o dever de guarda, orientação e zelo pelos filhos menores de idade, respondendo civilmente pelos ilícitos praticados, uma vez ser inerente ao pátrio poder, conforme inteligência do art. 932, do Código Civil. Hipótese em que o filho menor criou página na internet com a finalidade de ofender colega de classe, atrelando fatos e imagens de caráter exclusivamente pejorativo. Incontroversa ofensa aos chamados direitos de personalidade do autor, como à imagem e à honra, restando, ao responsável, o dever de indenizar o ofendido pelo dano moral causado, o qual, no caso, tem natureza in reipsa. VIII. Quantum reparatório serve de meio coercitivo/educativo ao ofensor, de modo a desestimular práticas reiteradas de ilícitos civis. Manutenção do valor reparatório é medida que se impõe, porquanto harmônico com caráter punitivo/pedagógico comumente adotado pela Câmara em situações análogas. APELOS DESPROVIDOS (Apelação Cível, Nº 70031750094, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em: 30-06-2010).
Através desse julgado constata-se a obrigação e o dever legal dos responsáveis em acompanhar e zelar pela proteção dos seus filhos no ambiente virtual, sendo passível a quem não o fizer sofrer sanções civis, sob a acusação de não terem se responsabilizado pelo bem-estar e segurança digital da criança. Com isso, embora atualmente não haja uma previsão expressa quanto à responsabilização dos pais em relação ao abandono digital, é evidente que a família também deve contribuir para que os menores estejam sempre amparados, sendo preservados os cuidados essenciais e primordiais, sob o risco de os responsáveis responderem por atos ilícitos ocasionados pela negligência, atos estes previstos no artigo 932 do CC/02 como referiu a desembargadora Pires (2009).
É possível observar também que nesse julgado a situação fática é de um abandono digital, onde a responsável não se atentou estritamente às suas obrigações legais, permitindo que o filho tivesse acesso livre à internet sem nenhum tipo de monitoramento. Restou claro que não havia o acompanhamento da própria nos acessos do filho, sendo assim, identificada claramente a negligência por parte da responsável. (TIBÚRCIO, 2018).
Além disso, é notório que, embora ainda não existam leis que tratem o respectivo tema, os julgados, assim como o exemplificado acima, vêm reconhecendo que a internet pode e deve ser utilizada para benefício de todos, contanto que seja possível responsabilizar aqueles que a utilizem indevidamente. Somente assim os responsáveis levarão com maior seriedade a temática, e consequentemente aumentará o monitoramento por parte dos responsáveis. (MARCUS; RAMPAZZO, 2020).
Posto isto, é referido nos textos legais o dever dos pais em encarregar-se, pelo Poder Familiar, a acompanhar os filhos menores durante sua navegação na internet, sendo plenamente possível a responsabilização deles quando seus filhos praticam condutas indevidas, prejudicando outras pessoas. Os dispositivos transmitem a culpa para os pais que se omitem ao cuidado, ao invés da criança ou adolescente, em razão de sua vulnerabilidade. (TIBÚRCIO, 2018).
Diante de tantos riscos impostos pelo uso da internet por crianças e adolescentes, e a pressão sobre os responsáveis, o que poderia auxiliar os pais em uma supervisão eficaz?
Controle Parental
O controle parental pode ser exercido através da utilização de instrumentos tecnológicos que restringem o acesso de crianças a determinados sites ou aplicativos. Estes softwares permitem aos responsáveis o monitoramento do conteúdo publicado, oferecendo a possibilidade de limitá-lo, incluindo o uso de senhas para evitar o contato dos menores com o material impróprio. Assim, reduz-se a possibilidade de que os filhos naveguem livremente em sites inapropriados, como os de cunho sexual ou de violência extrema, que podem influenciar negativamente crianças e adolescentes.
É importante frisar que boa parte dessas ferramentas que auxiliam os pais no controle parental são gratuitas, tanto para computadores quanto celulares, sendo facilmente localizadas ao se fazer uma rápida pesquisa online. O importante é saber qual a necessidade de utilização, para que consiga o software mais apropriado.
Segundo GLANZMANN, BinarySwitch é um conhecido software no ramo, tendo sido atualizado em 2011, e é um dos que se encontram disponíveis para os sistemas operacionais de forma gratuita. Esse programa limita os sites selecionados, impedindo as crianças de acessá-los livremente, além da possibilidade de listar aqueles que devam ser totalmente bloqueados. Desta forma, os responsáveis podem utilizar o aplicativo como uma ferramenta para impedir a visualização dos sites escolhidos como impróprios, embora seja importante salientar, que, pela sua extrema facilidade de uso, seu controle não seja tão rigoroso, devendo os pais sempre acompanhar e atualizar as listas. (BURATTO, GLANZMANN, 2015).
De acordo com o mesmo autor, tratando-se do sistema operacional Windows, é possível encontrar esse tipo de ferramenta de controle nas próprias configurações de fábrica do sistema, descartando assim a necessidade de instalar outro programa da internet. Ela também é encontrada no sistema operacional Windows Phone, sendo apenas necessário habilitar a função. Essa opção fornecida por esses sistemas permite que os responsáveis coloquem uma duração máxima para o acesso, deixando que a criança consiga utilizar somente o tempo estipulado. Também oferece a oportunidade de acompanhamento em tempo real ou mesmo a verificação dos acessos anteriores, possibilitando a averiguação dos conteúdos aos quais as crianças estão tendo acesso. Desta forma, o controle pode ser feito a qualquer momento ou local, basta ter acesso a um computador. (BURATTO, GLANZMANN, 2015).
Em suma, fica claro que atualmente existem várias alternativas fornecidas pela própria rede para que os pais ou responsáveis realizem o controle parental, bastando apenas analisar qual opção se encaixa na sua necessidade, escolhendo a melhor e mais eficiente forma de controle. Isso facilita o monitoramento para que os menores utilizem a Internet de forma saudável, por um período controlado, tornando mais improvável que eles caiam nas armadilhas dos ciber criminosos, proporcionando maior segurança jurídica àqueles mais vulneráveis.
Conclusão
O avanço da internet trouxe novos desafios para a família contemporânea. Seus integrantes vêm se distanciando por conta de interações virtuais, pais passam muito tempo distraídos em telas, e, por muitas vezes, para terem alguns minutos para si, também ocupam seus filhos com esse mesmo vício, deixando de exercer seus deveres de cuidar, educar e supervisionar seus filhos, também no ambiente da internet.
Muitos pais não têm consciência da magnitude do problema que essa ausência pode trazer para o desenvolvimento de seus filhos, nem tampouco dos riscos a que estes estão expostos no mundo cibernético.
Diante disso, é necessária uma conscientização social, com discussões mais amplas em escolas, divulgação em mídias e redes sociais, para que o abandono digital seja debatido e mudanças aconteçam no comportamento das famílias, além do aprimoramento de sanções jurídicas para que sejam garantidos os direitos das crianças e dos adolescentes.
É também crucial o investimento do Estado em políticas públicas que promovam e conscientizem esses pais sobre os riscos a que seus filhos podem estar expostos e as sanções que possam vir a sofrer pela falta de supervisão, esclarecendo que serão aplicadas penalidades a esses responsáveis legais, se for constatado que houve negligência, omissão, imprudência ou imperícia no exercício de suas responsabilidades como garantidores dos direitos e deveres das crianças e dos adolescentes, sob a ótica da proteção integral da criança.
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Mayra Marçal De Assis Belotti – Graduanda em Direito pela Faculdade Integradas Campos Salles – FICS1
Diego Sígoli Domingues – Mestre em Direito, linha de pesquisa Justiça, Empresa e Sustentabilidade (2017/2019); Pós-graduado em Direito Processual Civil (2013/2014); Pós-graduado em Metodologias Ativas em Educação (2020/2021) e Bacharel em Direito pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE (2008/2012). Professor Universitário, lecionando em cursos de Graduação. Advogado em São Paulo. Possui experiência na área jurídica, com ênfase em Direito Processual Civil, Responsabilidade Civil, Direito Digital e Compliance.2