REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7409383
Geovanna Costa Braga¹
Orientador: Prof. Vitor Martins Cortizo²
RESUMO
O momento do parto é um momento único na vida de uma mulher, é um momento cheio de grandes emoções e transformações. Nesse momento, a mulher necessita ser acolhida e protegida pelos profissionais que a atendem. Porém, em muitas maternidades do Brasil não é bem isso que ocorre, as mulheres sofrem da violência obstétrica, uma forma de violência de gênero, onde as mulheres gestantes passam por atitudes desrespeitosas e humilhantes, e o momento que precisaria ser único e sublime muitas vezes é doloroso. Dessa forma, esse trabalho teve como objetivo demonstrar a violência obstétrica em suas ramificações e questões importantes à luz dos direitos fundamentais, bem como apresentar esta modalidade de violência como um obstáculo para a efetiva concretização dos direitos fundamentais da mulher. A violência obstétrica é um conceito amplo destinado a descrever todos os procedimentos de natureza violenta praticados contra a mulher sejam eles físicos, psicológicos, verbais ou mesmo sexuais, explícitos ou ocultas, realizados por profissionais em instituições de saúde em gestantes e seus familiares no ocasião do pré natal, parto, pós-parto ou do aborto espontâneo. Na legislação brasileira, a violência obstétrica não tem ainda regulamentação específica, pois casos desse tipo estão aumentando e sendo comprovados em hospitais e clínicas, sendo assim indispensável um maior investimento contínuo em pesquisas e conscientização dos profissionais médicos, enfermeiros, equipe técnica e funcionários da área da saúde que estão ingressados na assistência da mulher gestante, principalmente aqui as mulheres vítimas, pois muitas delas ainda não possuem conhecimento sobre esse tipo violência. A metodologia utilizada no presente trabalho foi o de pesquisa qualitativa, descritiva e a pesquisa bibliográfica. Conclui-se, ser premente e urgente que uma normativa seja determinada e que a violência obstétrica encontre apoio jurídico que merece, para auxiliar de forma adequada a atuação do sistema de justiça e, assim, colaborar de modo efetivo para a redução da violência obstétrica no exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
Palavras-Chave: Direitos humanos.Violência obstétrica.Gestante.Violação.
ABSTRACT
The moment of childbirth is a unique moment in a woman’s life, it is a moment full of great emotions and transformations. At that moment, the woman needs to be welcomed and protected by the professionals who assist her. However, in many maternity hospitals in Brazil this is not what happens, women suffer from obstetric violence, a form of gender violence, where pregnant women experience disrespectful and humiliating attitudes, and the moment that would need to be unique and sublime many times it’s painful. Thus, this work aimed to demonstrate obstetric violence in its ramifications and important issues in the light of fundamental rights, as well as to present this type of violence as an obstacle to the effective realization of fundamental rights of women. Obstetric violence is a broad concept intended to describe all procedures of a violent nature practiced against women, whether physical, psychological, verbal or even sexual, explicit or hidden, carried out by professionals in health institutions on pregnant women and their families at the time of childbirth. Prenatal, delivery, postpartum or miscarriage. In Brazilian legislation, obstetric violence does not yet have specific regulation, as cases of this type are increasing and being proven in hospitals and clinics, thus making it essential to invest more in research and awareness of medical professionals, nurses, technical staff and employees in the area. Of health who are involved in the care of pregnant women, especially the women victims here, as many of them still do not have knowledge about this type of violence. The methodology used in this work was qualitative, descriptive and bibliographical research. It was concluded that it is urgent and urgent that a regulation be determined and that obstetric violence find the legal support it deserves, to adequately assist the justice system and, thus, effectively collaborate to reduce obstetric violence in the country exercise of their sexual and reproductive rights.
Keywords: Human rights. Obstetric violence. Pregnant. Violation.
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como finalidade de apresentar o tema “A violência obstétrica à luz dos Direitos Humanos”. A violência obstétrica é um termo que tem origem no movimento social em prol do parto humanizado no Brasil, para instituir as práticas no sistema de saúde e o atendimento à gestante durante o trabalho de parto e puerpério.
A violência obstétrica caracteriza-se por atos praticados contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva, que podem ser cometidas por profissionais de saúde ou outros profissionais envolvidos na assistência à mulher durante ciclo gravídico-puerperal, inclusive nos casos de abortamento.
Observa-se que no direito brasileiro a positivação e o combate de diversas formas de violência contra a mulher, como por exemplo, a violência doméstica, física, moral, psicológica, amparadas pela Lei Maria da Penha e o Código Penal, tendo inclusive, a própria sociedade, relevante conhecimento sobre as diversas caracterizações da violência contra a mulher, além de também ser ciente quanto ao amparo legal e a violência obstétrica, tanto no campo social, quanto no campo jurídico, ainda é pouco notada.
Assim, surge o seguinte problema: Como a violência obstétrica tem sido um obstáculo para a efetiva concretização dos Direitos Fundamentais da mulher?
O objetivo geral foi demonstrar a violência obstétrica em suas ramificações e questões importantes à luz dos direitos fundamentais, bem como apresentar esta modalidade de violência como um obstáculo para a efetiva concretização dos direitos fundamentais da mulher.
Os objetivos específicos foram abordar, de modo geral, como se deu a contextualização histórica da violência, bem como explorar como decorreu a origem do tema na sociedade brasileira; conceituar a violência obstétrica e abordar as diferentes práticas consideradas violentas na hora do parto e de que modo estas podem afetar a vida da parturiente e do neonatal e analisar a violência obstétrica sob a luz dos direitos fundamentais da mulher.
Justifica-se este tema pelo fato que a violência obstétrica, ainda é pouco reconhecida por muitos, até mesmo muitas mulheres não tem conhecimento sobre seus direitos. Assim como as outras ramificações de violência contra o gênero feminino, a violência obstétrica também tem o seu valor e necessita que seja reconhecida a sua existência, que sejam as vítimas protegidas e que haja punibilidade de quem a pratica. Desse modo se instala a importância da discussão do presente tema, abordando que a violência obstétrica existe e, assim como as outras carrega consigo danos e sequelas irreversíveis ou, quando reversíveis, trazem traumas psicológicos profundos de um momento que deveria ser memorável. Importante salientar ainda que o presente trabalho poderá trazer conhecimento a várias mulheres sobre mais uma das diversas formas que violência que, ocasionalmente, possam a vir sofrer no período mais belo da vida.
O método utilizado no presente trabalho foi o de pesquisa qualitativa, na qual expõe a análise de conceitos e ideias, bem como o método de pesquisa descritiva, onde se buscará a análise minuciosa e descritiva do tema. Quanto às particularidades, trata-se de uma pesquisa básica, bibliográfica e científica, utilizando materiais existentes, como livros e artigos científicos.
A monografia foi dividida em três capítulos:
O primeiro capítulo aborda-se sobre tipos de violência, com os subtítulos: A Lei Maria da Penha; Definição de violência doméstica; Os tipos de violência doméstica; e a Classificação da violência obstétrica a luz da Lei Maria da Penha.
No segundo capítulo discorre-se sobre a violência obstétrica, apresentando as formas de violências obstétricas existentes trazendo conhecimento as mulheres, que por muitas vezes ao não entenderem como a violência se exterioriza, agem como se normal fosse, e os subtítulos: Surgimento da violência obstétrica; Violência obstétrica: conceito e incidência; e Práticas de violência obstétrica.
No terceiro e último capítulo apresenta-se o tema a violência obstétrica e os direitos fundamentais da mulher, e foi concretizado por meio dos subtítulos, Comparativo da penalidade dos países da américa do sul com o brasil; Lacuna da lei nos casos de violência obstétrica tem se tornado um obstáculo para a concretização dos direitos fundamentais da mulher; Legislação atual que ampara as vítimas de violência obstétrica e pune os agentes desse tipo de violência e Jurisprudência: Casos concretos de violência obstétrica
1 TIPOS DE VIOLÊNCIA
Ao dar início com o primeiro capítulo será discorrido sobre os tipos de violência, com os subtítulos: A Lei Maria da Penha; Definição de violência doméstica; Os tipos de violência doméstica; e a Classificação da violência obstétrica a luz da Lei Maria da Penha.
1.1 A LEI MARIA DA PENHA
A história da violência de gênero é sempre muito negativa e na maioria das vezes está associada à históricos de políticas públicas. A violência de gênero decorre da discriminação histórica contra as mulheres, isto é, no longo processo de construção e efetivação de medidas e ações precisas e subentendidas para subjugar a população feminina que que tem advindo no decorrer do desenvolvimento da sociedade humana (TELES; MELO, 2017).
Perante disso, Teles e Melo (2017, p. 29) acrescentam que que “violência de gênero” é entendida como “a relação entre poder masculino e submissão feminina”. A implementação dessa violência decorre de padrões impostos a homens e mulheres, que não são instintos naturais e humanos, mas visam determinar o comportamento de cada um, estabelecendo que os homens sejam agressivos e as mulheres dóceis e submissas.
Registros anteriores ao século XVIII mostram o uso de castigos, punições físicas e humilhações contra crianças e mulheres que praticavam desobediência à autoridade masculina. Esses comportamentos são evidenciados pelo pensamento patriarcal que potencializa o uso da punição para criar e formar uma família estruturada e ideal, com duração do século XIX até meados do século XX, período em que os papéis das mulheres e suas vozes ganharam uma nova conotação de pseudo-autonomia e liberdade para condenar ações punitivas, abrindo espaço para novos conceitos de reeducação e reivindicação social (RODRIGUES, 2018).
De acordo com Moreira et al (2015) compete destacar que uma nova condição de liberdade para as mulheres começou no século XIX, quando surgiu o primeiro movimento feminista no mundo. No entanto, embora o progresso, a exploração e as agressões físicas e psicológicos às mulheres prosseguiram e cresciam em todo o mundo. Esse acontecimento tornou-se mais evidente na década de 1970, quando os Estados Unidos promulgaram leis exigindo a designação de pessoas para denunciar a violência doméstica.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu uma Comissão sobre a Situação da Mulher em 1950, que entre 1949 e 1960 fez diversos tratados que reconheciam os direitos humanos e declaravam que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem qualquer diferença. No Brasil, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, diversas campanhas aconteceram de mobilização de mulheres contra a violência de gênero pronunciadas pelas organizações não governamentais (ONGs), tais como: Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE), Gênero, Justiça e Direitos Humanos (THEMIS), Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), e outros (MOREIRA et al, 2015).
Conforme Rodrigues (2018), a violência de gênero, foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema de saúde pública em 1990, considerada uma barreira ao desenvolvimento socioeconômico, além de violações de direitos humanos, tornando-se uma questão de saúde pública. A OMS considera a violência de gênero como um problema social que atinge de diferentes formas todas as classes sociais. Determinadas estimativas mostram números alarmantes, mostrando que pelo menos um quinto da população feminina do mundo já sofreu alguma forma de violência.
Até 2004, o Brasil não contava com uma legislação abrangente sobre violência doméstica, que fosse integral à proteção e prevenção das mulheres. No mesmo ano, com o apoio e pressão do movimento feminista, foi elaborada o Projeto de Lei nº 4.559/2004, que deste originou a Lei nº 11.340/2006 a Lei Maria da Penha (RODRIGUES, 2018).
Assim, no Brasil, até o ano de 2006 não existia nenhuma lei específica que tratasse sobre a violência contra a mulher. Desta forma, a Lei Maria da Penha de nº 11.340/2006 foi criada em função do contexto fático que marcou a sociedade brasileira, e pela sua repercussão nacional e internacional. Esse ano de 2022, completam-se 16 anos da sanção da Lei, que foi capaz de instituir mecanismos para reduzir a violência doméstica e familiar contra a mulher, e passou a ser vigorada 45 dias após sua publicação (SOUZA et al, 2021).
Fonseca e Álvares (2022), destacam que o nome Lei Maria da Penha deu-se em homenagem Maria da Penha Maia Fernandes, que resistiu por vinte anos e lutou contra seu agressor para vê-lo preso. A Lei Federal 13.340 de 7 de agosto de 2006 foi aprovada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com a intenção de coibir as agressões às mulheres.
Trata-se do caso da cearense biofarmacêutica Maria da Penha Maia, que foi casada com o professor universitário colombiano Marco Antônio Heredia Viveiros, um homem de total agressividade, que atacava e agredia constantemente sua mulher e suas filhas de 6 e 2 anos, no decorrer de todo o tempo que manteve a sua relação matrimonial com Maria da Penha Maia. De acordo com a vítima, a situação chegou a ficar impossível, entretanto o medo não a deixava realizar a denúncia ou ao menos exigir a separação (SANTOS, 2020).
Segundo Campos e Gianezini (2019), no ano de 1983, Maria da Penha Maia Fernandes, foi baleada, enquanto dormia, com um tiro nas costas ficando paraplégica. Maria da Penha, após sair do hospital, voltou a viver com o agressor e foi agredida de novo, quando seu ex-marido deu um empurrão na cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la no chuveiro. Assim, a vítima não teve alternativa a não ser tomar coragem e solicitar ajuda do Poder Judiciário, em busca dos seus direitos, contudo não conseguiu resposta positiva que pudesse resolver o seu problema que já vinha percorrendo por vários anos, e assim, teve que lutar por mais de quinze anos para que pudesse ver a condenação de seu agressor.
De acordo com Souza et al (2021), o caso de violência doméstica que Maria sofreu obteve repercussão além de nacional, indignada com a ausência de ação da Justiça brasileira, ao longo dos anos de omissão em investigar e até punir o agressor. Maria da Penha apresentou uma denúncia formal contra o Brasil em 1998 junto a órgãos internacionais como o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), apresentando o caso a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em seguida, Santos (2020) expõe que a Lei Maria da Pena foi criada como resultado de uma recomendação da OEA ao Brasil de realizar uma reforma legislativa para combater de forma definitiva a violência doméstica no país, após condenar o Brasil por negligência e omissão na investigação de crimes de violência doméstica. E esta foi à origem para a concepção da lei.
Por conseguinte, foi em setembro de 2006 passou a vigorar a lei 11.340/06, fazendo com que a violência contra a mulher não seja mais um tratado de crime de menos potencialidade agravante. Portanto, pela primeira vez um organismo internacional usou a Convenção de Belém do Pará para acusar um Estado soberano pelas violações de direitos humanos sofridas por um particular.
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Eliminar a Violência contra a Mulher, conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, é um órgão internacional de direitos humanos utilizado em uma conferência aprovada pela Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizado em 09 de junho de 1994, em Belém do Pará, Brasil. Este é o primeiro tratado internacional juridicamente vinculativo que criminaliza todas as formas de violência contra as mulheres, principalmente a violência sexual (BARSTED, 2017).
Para Cavalcanti (2015) a Convenção de Belém-Pará, adotada em 1994, reconhece toda necessidade do movimento global de mulheres reconhecer todas as formas de violência como objetos de rejeição e estabelece para o Estado a dever de preparar políticas públicas e serviços de proteção para as mulheres. A Convenção de Belém do Pará determina a violência contra a mulher como qualquer ato ou comportamento relacionado ao gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres na esfera pública e privada.
Cavalcanti (2015, p. 98) expõem que os Estados-partes entendem a situação problemática em que as mulheres estão envolvidas,
Concordaram em tomar uma política imediata voltada para a prevenção e eliminação da violência contra as mulheres (Artigo 7). Portanto, as partes assegurarão que os agentes do Estado respeitem o direito das mulheres a uma vida não violenta e tenham procedimentos legais justos e eficazes para prevenir, investigar e punir a violência contra as mulheres (tanto na esfera pública como em todas as vítimas de violência. E que todas as vítimas da violência possam acessar os procedimentos jurídicos justos e eficazes. E as leis ou práticas legais que apoiam a tolerância devem ser revogadas.
Nesse sentido, entende-se que a Lei 11.340 de 2006 veio especificamente para confirmar a resolução da “Convenção de Belém do Pará” uma vez que se faziam imprescindíveis mecanismos legais que protegem a mulher e que estabeleceram a punição, assim como a reabilitação e educação do agente agressor.
A Lei Maria da Penha transformou-se em símbolo contra a violência doméstica, e esse fato não é difícil de ser deparado em muitas famílias do Brasil e do Mundo. Representou uma verdadeira guinada na história da impunidade. Portanto, a contribuição da Lei Federal 11.340 a lei Maria da Penha foi uma importante conquista para as mulheres brasileiras tem lhe proporcionado, por todo o país, significativas homenagens, nos quais tenta contribuir para a conscientização dos operadores do Direito, da classe política e da sociedade de uma maneira geral, sobre a importância da correta aplicabilidade da Lei (SANTOS, 2020).
Logo, a Lei 11.340/06 foi colocada no ordenamento jurídico brasileiro juntamente com a inclusão de várias medidas protetivas de urgência que visam resgatar a cidadania feminina e garantir à mulher o direito a uma vida sem violência. Considerada pela Organização das Nações Unidas a terceira melhor lei do mundo quando se trata do combate à violência doméstica, ficando atrás somente da legislação Chilena e Espanhola (SOUZA et al, 2021).
Fonseca e Álvares (2022) relatam que a história de vida de Maria da Penha é bastante comum à de tantas mulheres, que apresentam no corpo e na alma os sinais manifestos e invisíveis da violência, Maria da Penha passou a ser protagonista de uma ação internacional emblemático, para o ingresso à justiça e à luta contra a impunidade, referente à violência doméstica contra as mulheres no Brasil. Símbolo dessa causa, sua vida se encontra de modo simbólico subscrita e marcada sob o nome de uma lei.
1.2 A DEFINIÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O termo “violência” provem-se do latim, o qual significa veemência e também violação. Quando a violência acontece no âmbito familiar, ou seja, entre a convivência de pai, mãe e filho no interior de sua residência, usa-se a definição Violência doméstica (MOZZAMBANI et al, 2016).
De e acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. É um acontecimento que não reconhece classe social, raça, etnia, religião, orientação sexual, idade e nível de escolaridade. Todos os dias somos afetados por relatos de mulheres sendo mortas por seus parceiros ou excompanheiros (SANTOS, 2020).
Em muitos desses casos, Souza et al (2021), revelam que as mulheres são vítimas de várias formas de violência há algum tempo, entretanto a situação somente chega ao conhecimento de outras pessoas quando as agressões chegam ao ponto do feminicídio. Portanto, as vítimas de violência doméstica e familiar podem estar em qualquer classe social, afetando mulheres, homens, crianças e idosos de qualquer idade, religião, sexo ou cultura, sendo portando uma grave violação aos direitos humanos, de acordo com 1º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual afirma que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
Segundo um estudo da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no município de Jequié, realizado em 2014 pelos profissionais de saúde, os quais sempre atuam diretamente nos ambientes familiares, a violência doméstica é um comportamento habitual que se desenvolve para a agressão, resultando em um abuso por parte de uma pessoa contra outra num ambiente doméstico. Tais abusos acontecem nas relações entre pessoas casadas, em união estável, ou também no ambiente intrafamiliar contra crianças, adolescentes, jovens ou idosos (MACHADO et al, 2018).
Quando a violência é praticada pelo companheiro numa relação íntima contra o outro cônjuge, chama-se violência conjugal, podendo acontecer tanto entre relações heterossexuais como homossexuais, ou também entre antigos parceiros ou cônjuges. A violência contra a mulher há muito tempo vem aumentando no mundo inteiro, pois evidencia tanto questões de gênero quanto construções histórico-sociais e econômicas sobre o papel da mulher na nossa sociedade. Segundo um artigo publicado pela Professora Viegas (2018),
A discriminação sofrida pela mulher, considerada frágil, é histórica e dá origem à violência, dificultando sua ascensão social e profissional, pois, a ela sempre foi imposto um grau de submissão e opressão praticado pelo homem e agravando-se quando o ocorrido se passa no ambiente familiar e doméstico – VIEGAS, 2018, p. 01 apud PORTO, 2012).
Percebe-se então, que o lugar onde as mulheres são representadas sempre as colocam na condição de subordinadas, e a mulher, como sujeito histórico dominado, sempre foi analisada como “sexo frágil”, conforme já mencionado anteriormente, do qual a inclusão com a moralidade de suas atuações é sempre impactada na sociedade. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional do Ministério Público do Brasil (CNMP) (2018).
A agressão contra a mulher é praticada desde o início da civilização, sendo a idade média considerada como uma das épocas mais violentas. Os tribunais civis e religiosos legitimavam os castigos físicos, a flagelação e as torturas como algo normal, aceitável. Até a idade média quase não havia questionamento sobre o direito que os homens tinham de agredir suas mulheres (CNMP, 2018, p.15)
O fenômeno social da violência contra a mulher passou a tornar-se foco de estudos, haja vista que as mulheres passaram a exercer lugares de destaque na sociedade. Entretanto, mesmo com tantas conquistas políticas, sociais e econômicas, as marcas da violência contra as mulheres ainda se fazem presentes como resistência masculina às referidas mudanças. O uso da força física predomina como instrumento de coerção, onde o poder imposto às mulheres já não se sustenta. A força física masculina é uma triste realidade de exploração vivenciada pelas mulheres no Brasil (VIEGAS, 2018). Em pleno século XXI, a violência doméstica em mulheres, ainda é uma realidade, evidenciando assim uma grave violação dos direitos humanos. É importante ressaltar que, para a conceituação de violência doméstica, é necessário que seja instituído quem é o agressor e o local onde aconteceu a violência, como acentuam os incisos de I a III do Art. 5º da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), conforme Bezerra e Gomes (2011, p. 04) apresenta seguir:
Para que a mulher esteja enquadrada na categoria de vítima de violência doméstica, é necessário que o agressor seja algum familiar seu, pessoa que frequente sua casa ou cuja casa ela frequenta, ou pessoa que more com ela – pai, irmão, marido, companheiro, namorado, noivo, amigo, agregado, etc. O espaço doméstico seria o local de convívio permanente ou esporádico, que delimita o agressor como a pessoa que tem livre acesso a ele (LEI n. 11.340/2006).
De acordo com a Organização das Nações Unidas no Brasil (ONU/BR) (2018), o combate à violência contra a mulher segue sendo um dos maiores desafios do Brasil na luta pela igualdade de gênero. Pesquisas referentes as percepções e experiências de violência mostram que 40% das mulheres brasileiras relatam ter sofrido violência por parte de um homem e 29% relatam que sofrem ou sofreram violência doméstica.
Para Silva (2019) o fato é que a violência doméstica é uma questão histórica e cultural anunciada, que ainda hoje infelizmente faz parte da realidade de muitas mulheres nos lares brasileiros. Com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres almeja-se que essa realidade mude e a mulher passe a ter instrumentos legais inibitórios, para que não mais seja vítima de discriminação, violência e ofensas dos mais variados tipos.
1.3 OS TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Infelizmente, a violência entre humanos ainda não foi erradicada em nosso país, acontecendo sobre as mais diversas formas e expressões. Apresenta-se a seguir as formas mais comuns de violência doméstica: física, moral, psicológica, patrimonial e sexual.
1.3.1 Violência Física
É aquela compreendida como qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal da mulher. Para Souza (2019) a violência física acontece quando alguém provoca ou tenta provocar dano através da força física, portando algum tipo de instrumento que possa causar lesões internas, externas na pessoa, colocando assim em risco a sua integridade física, de diversas maneiras ou ainda com o uso de armas, e também bater, chutar, queimar, cortar e mutilar e outas formas.
De acordo com Rosa (2021), a violência física contra a mulher é um crime que deve ser denunciado, é uma das forma de violência doméstica e familiar e abrange preconceitos estruturais na sociedade, comportamento sexista e culpabilização da vítima. Além do mais, o Ministério dos Direitos da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) divulgou que as agressões se encontram inteiramente pertinentes aos parceiros, cônjuges e ex-companheiros das vítimas.
1.3.2 Violência Moral
A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria e está intimamente ligada à violência psicológica, uma vez que que por meio das agressões ocasionam dano emocional e diminuem a autoestima das mulheres. Entretanto, a Lei Maria da Penha pune os crimes de violência moral contra a mulher praticados em ambiente doméstico ou familiar (ALBUQUERQUE, 2020).
Segundo Cavalcanti (2015), a violência moral é qualquer comportamento calunioso quando o agressor alega falsamente que a vítima cometeu um crime; difamação; quando o agressor atribui à mulher fatos que prejudicam sua reputação ou a prejudicam, ofende sua dignidade, como por exemplos: Expressar uma opinião contra uma reputação moral, críticas mentirosas, gritos, xingamentos, entre outros, que. Esse tipo de violência do mesmo modo pode acontecer na Internet.
1.3.3 Violência Psicológica
A violência psicológica é a atuação ou omissão, a qual é designada a humilhar ou controlar as ações, conduta, crenças e decisões de outra pessoa. Esse tipo de violência acontece também no meio familiar, onde uma pessoa age ou omite algo contra outrem, com intuito de causar constrangimento e prejuízo no crescimento e fortalecimento psicológico desse indivíduo (SÁ, 2016).
Em um ambiente familiar, onde a violência psicológica é hábitos constantes, na maioria das vezes trazem graves danos à saúde mental das vítimas, ocasionando o stress, a ansiedade, a depressão, insônia, dentre vários outros problemas, haja vista que tais danos muitas das vezes serão irreversíveis ou trarão grandes sequelas para a saúde dessas vítimas. Segundo um estudo realizado por Morais (2017),
as mulheres podem apresentar sequelas psicológicas, sequelas somáticas, incluindo problemas crônicos de dor pélvica, dor de cabeça, asma, problemas ginecológicos, gastrintestinais, além de efeitos permanentes na autoestima e autoimagem. Outros comportamentos, também prevalentes nestas vítimas, são o abuso de drogas e álcool; o sexo desprotegido, além de múltiplos parceiros; e a prostituição (MORAIS, 2017, p.21).
Portanto, é considerada uma forma de violência que muitas vezes é de difícil identificação, pois o dano não é físico ou material. Consequentemente, muitas vítimas não percebem, que estão sendo agredidas psicologicamente, sofrendo com danos emocionais, desencadeando os mais variados tipos de doenças.
1.3.4 Violência Patrimonial
A violência patrimonial é uma forma quase invisível e extremamente destrutiva de violência doméstica, uma tentativa de controlar a vida de alguém utilizando o dinheiro, bens ou documentos. No Brasil, há pouca debate a respeito do assunto, entretanto o ato abusivo é uma das formas de agressão contra a mulher prevista na Lei Maria da Penha. Embora esse tipo de violência seja comum no cotidiano, no entanto há poucas denúncias registradas pelas vítimas (LEWGOY, 2021).
De acordo com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) (2020), a violência patrimonial é qualquer ato que configure a retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos nos termos da Lei Maria da Penha, abrangendo aqueles designados para atender às suas necessidades.
1.3.5 Violência Sexual
A violência sexual é percebida como uma grave violação dos direitos humanos e um problema de saúde pública, por suas limitações à autonomia da mulher, e muitas outras consequências. Esse tipo de violência existe em todas as áreas da vida diária, espaços públicos, locais de trabalho e ambiente doméstico (ALBERGUINI, 2019).
A definição de violência sexual pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (2018, p. 75) é:
Quem se valer de sua posição de poder, usar de força física, coerção, intimidação ou influência psicológica, com ou sem uso de armas ou drogas, forçar outra pessoa de qualquer sexo e idade, a ter, presenciar ou fazer parte de qualquer forma de interações sexuais, ou a prevalecer-se, de qualquer modo, a sua sexualidade, com finalidade de lucro, vingança ou outra intenção.
Quando alguém toca ou mexe no corpo de alguém sem permissão, não importa se é um estranho ou não, qualquer toque ou tratamento sem o consentimento, é violência sexual (ALBERGUINI, 2019). Portanto, qualquer prática sexual que venha a acontecer sem a autorização da pessoa, é uma forma de violência sexual que pode ter um efeito devastador sobre a vítima.
1.4 A CLASSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA A LUZ DA LEI MARIA DA PENHA
O uso arbitrário do conhecimento dos profissionais da área da saúde para o controle do corpo e da sexualidade da mulher durante o pré-natal, parto, puerpério, cesariana e abortamento está sujeito à violência obstétrica. Podendo essa ser verbal, física, psicológica ou sexual e se expressa de várias formas explícitas ou implícitas. Assim como outras formas de violência contra a mulher, a violência obstétrica é baseada no gênero (BOGEA, 2019).
A Lei Maria da Pena prevê as formas de violência contra a mulher no ambiente doméstico ou de âmbito afetivo, conforme descrito no subtítulo anterior. No entanto, não há dúvidas de que existem outras formas de violência contra a mulher no sistema nacional fora do âmbito doméstico, como a violência obstétrica, que não consta na Lei Maria de Penha, mas é classificada como violência de gênero, por ser praticados contra mulher em todas as fases da gravidez. A violência obstétrica são as diversas ações dos profissionais da saúde de intervenção no processo fisiológico do parto (AMORIM; OLIVEIRA, 2019).
Segundo Marques (2020), a violência obstétrica é vista como parte integrante de uma sociedade que violenta a mulher por causa de sua identidade de gênero e condição feminina, originada do predomínio masculino que leva à masculinidade institucional e individual, e que incide na mulher e em todos os tipos em relação ao seu corpo, seu lugar na sociedade e sua dignidade. Assim, a violência obstétrica é entendida como toda violência física, moral, sexual, psicológica e patrimonial e outras (Institucional e midiático) cometida contra as mulheres durante o parto, pósparto e puerpério, e é observada em diferentes práticas nos sistemas de saúde público ou privado.
Em seguida, Magalhães (2020) acrescenta que além da negligência, discriminação ou comportamento excessivo ou desnecessário ou imprudente, a violência obstétrica pode ser física, psicológica, verbal, simbólica ou sexual, muitas vezes muito prejudicais, não havendo comprovação científica para fazer na realizações dessas práticas. Dessa forma, as mulheres não são respeitadas e ficam sujeitas a regulamentos e rotinas rígidas e muitas vezes desnecessários, sem nenhum respeito ao seu corpo e ritmo natural, o que as impede de cumprir seu papel de protagonismo.
2 A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Neste segundo capítulo aborda-se sobre a violência obstétrica, apresentando as formas de violências obstétricas existentes trazendo conhecimento as mulheres, que por muitas vezes ao não entenderem como a violência se exterioriza, agem como se normal fosse, e os subtítulos: Surgimento da violência obstétrica; Violência obstétrica: conceito e incidência; e Práticas de violência obstétrica.
2.1 SURGIMENTO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Embora ser considerado um assunto “novo” no campo de estudo, o sofrimento da mulher com a assistência ao parto tem sido registrado em vários momentos da história, mesmo sob diferentes nomes, encontrando respostas em diversos contextos, e muitas vezes tendo impacto significativo em mudança e práticas de cuidado no ciclo gravídico-puerperal (DINIZ, 2015).
A partir do século XVIII, o parto, que antes era uma atividade restrita às mulheres assistidas por parteiras, passou a ser iniciado por médicos na Inglaterra. A concepção tecnicista mudou o modelo de atenção ao parto. Mulheres e filhos são separados e a mulher começa a se adaptar ao parto de acordo com a conveniência médica. Assim, o parto mudou gradativamente até se tornar midiatizado e hospitalizado, deixando de ser uma experiência feminina única (OLIVEIRA; ALBUQUERQUE, 2018).
E foi no início do século XX, o processo de internação para parto se acelerou e, no final do século, quase 90% dos partos aconteciam no hospital. Isso tem sido acompanhado por um aumento no uso de tecnologias destinadas a iniciar, fortalecer, regular e monitorar o trabalho de parto, tudo para torná-lo mais normal e fazer com que a mãe e do bebê possam obter maiores benéficos relacionados a sua saúde (ZANARDO et al., 2017).
Oliveira e Albuquerque (2018) acrescentaram que no final da década de 1950, a narrativa da violência no parto tiveram capacidade de romperem o silêncio nos Estados Unidos (EUA), quando o Ladies Home Journal uma revista publicou o artigo “A Crueldade da Maternidade”. O texto informava o tratamento que a gestante recebia como tortura, quando entrando no sono crepuscular, sendo uma combinação de morfina e escopolamina, que produz sedação profunda, muitas vezes com agitação psicomotora e alucinações ocasionais. Os profissionais algemavam e prendiam os pés e as mãos das parturientes para evitar que caiam da cama e com constância as mulheres no pós-parto apresentavam hematomas pelo corpo e lesões nos pulsos.
Portanto, Diniz et al (2015) mencionou que em 1958 aconteceu no Reino Unido, um movimento formando a Sociedade para a Prevenção da Crueldade com Mulheres Grávidas. Feministas assim como Adrienne Rich, organizaram sua revolta contra as experiências vividas por mulheres de renda alta e educação na década de 1950:
Demos à luz no hospital […] fomos inadvertidamente drogadas e amarradas contra nossa vontade, […] nossos filhos foram retirados de nós até que outros especialistas nos disseram quando poderíamos abraçar nossos recém-nascidos” (DINIZ et al, 2015, p. 269.)
Versões do clássico das décadas de 1960-1980 do livro “Our Bodies, Ourselves” que fala sobre a saúde e sexualidade da mulher elaborado pela organização sem fins lucrativos e outros livros feministas reforçam essas críticas com narrativas amplas que ajudaram gerações de profissionais da área e conscientização e inspiração de ativistas que condenam a irracionalidade dessas práticas. Por conseguinte, em 1998, o Centro Latino-Americano dos Direitos da Mulher divulgou o relatório Silencio y Complicidad:Violencia contra la Mujer en los Servicios Públicos de Salud no Peru, que continha ampla documentação de violações dos direitos humanos das mulheres na realização do parto, aplicando a todo o continente (OLIVEIRA; ALBUQUERQUE, 2018).
No Brasil, segundo Diniz et al(2015), esse assunto sobre a violência contra a mulher em trabalho de parto, já estava sendo abordado em escritos feministas, no meio acadêmico e fora dele. Espelho de Vênus, o pioneiro do Grupo Ceres (1981), que realizou estudos etnográficos da experiência feminina na década de 1980, descreveu explicitamente o parto institucionalizado como uma experiência violenta.
Depoimentos publicados por este grupo de pesquisadores ativistas afirmaram:
A violência não está presente exclusivamente nas relações sexuais, ela marca a trajetória de existência da mulher. Do mesmo modo na relação médico-paciente, reacende-se a falta de compreensão da fisiologia para explicar o desamparo e a frustração que as mulheres sentem ao verem seus corpos manipulados quando recorrem a medicina nas ocasiões mais importantes de suas vidas: a contracepção, o parto, o aborto (DINIZ et al., 2015, p.02).
Um estudo-ação denominado Violência – Um Olhar sobre a Cidade, coordenado pela Prefeitura de São Paulo, revelou que a assistência ao parto foi descrita como violento e usuárias expunham que frequentemente funcionários tinham condutas agressivos e intimidadoras, as pacientes eram humilhadas e suas dores não eram respeitadas. A violência obstétrica já era tema do mesmo modo das políticas de saúde ao fim da década de 1980 com o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que por exemplo, conhecia o tratamento impessoal e geralmente agressivo da atenção à saúde das mulheres (ANDRADE; AGGIO, 2014, p. 1).
Então, como mostra Velasco (2017), em 1993, com a carta fundadora da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (REHUNA), o termo violência obstetrícia no Brasil ganhou maior definição e reação devido ao reconhecimento de situações de violência e do mesmo modo do constrangimento ao atender uma mulher em trabalho de parto. Entretanto, esta organização temia a reação agressiva dos profissionais da saúde, sob a acusação de violência. Assim, resolveu não falar declaradamente a respeito da violência, fazendo uso dos termos como humanização do parto, a promoção dos direitos humanos das mulheres.
Conforme Zanardo et al (2017), na segunda década do século XXI, a violência obstétrica começou a ser vista com maior visibilidade, com muitos estudos, exposições artísticas, documentários, ação no judiciário, inquérito parlamentar, atividades de diversas instâncias do Ministério Público, bem como um novo conjunto de intervenções de saúde pública.
2.2 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: CONCEITO E INCIDÊNCIA
Violência obstétrica é um conceito amplo destinado a descrever todos os procedimentos de natureza violenta praticados contra a mulher sejam eles físicos, psicológicos, verbais ou mesmo sexuais, explícitos ou ocultas, realizados por profissionais em instituições de saúde em gestantes e seus familiares no ocasião do pré natal, parto, pós-parto ou do aborto espontâneo (DUTRA, 2017). Segundo Tesser et al (2015) um conjugado de definições de violência obstétrica tem sido sugerido, a Venezuela é pioneira na tipificação desse tipo de violência, que é entendido como:
A violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos da mulher, sendo eles médicos, enfermeiros ou por outros profissionais de saúde que estejam oferecendo assistência a mulher gestante por meio de relações desumanizantes, medicalização abusiva e patologização do processo natural, procedendo na perda da autonomia e da capacidade de determinar livremente o próprio corpo e sexualidade, provocando forte influência de modo negativo na qualidade de vida das Mulheres (TESSER et al., 2015, p. 12).
Observa-se que a violência obstétrica é caracterizada por qualquer tipo de violência que acontece durante a gravidez, seja durante o pré-natal, parto e puerpério. O conceito de violência obstétrica surgiu na América Latina em 2000, juntamente com os movimentos sociais de defesa do parto humanizado (VELASCO, 2017). Sousa (2022) relata que a presidente da Associação Parto Normal de Fortaleza, Priscila Rabelo em reunião com a Defensoria Pública (2016) preleciona que:
O conceito internacional de violência obstétrica descreve toda conduta ou interferência voltada contra à mulher grávida, parturiente ou puérpera, que deu à luz recentemente, ou ao seu bebê, cometido sem a autorização expressa e confirmado da mulher sem levar em conta sua autonomia, integridade física e mental, seus sentimentos, escolhas e preferências.
O termo, geralmente generalizado, é empregado para delinear desde a assistência ao parto demasiadamente medicalizado, até a violência física contra a mulher em trabalho de parto ou que acaba de dar à luz. Esses abusos tem a capacidade de se manifestarem por meio da violência física ou psicológica e pode fazer com que um dos momentos mais importantes da vida da mulher se transforme em um momento de maior impacto negativo, com muitos traumas (MARTINS et al., 2019).
Jansen (2019) enfatiza que não há um conceito fechado do termo, entretanto sim, apreciações complementares propostas por distintas organizações e governos. É de suma importância destacar que o termo violência obstétrica refere-se não exclusivamente ao trabalho dos profissionais de saúde, no entanto do mesmo modo a falhas estruturais de hospitais, clínicas e todo o sistema de saúde como um todo.
Logo, encontrar uma significação do termo violência obstétrica é indispensável para encontrar um equilíbrio em meio as expectativas da mãe, os serviços prestados e as necessidade médicas que possam aparecer. É importante usar este termo para garantir o exercício dos direitos das mulheres quando procuram os serviços de maternidade e sua definição precisa é necessário para que não prejudique o exercício da medicina.
De acordo o Balogh (2014) a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência obstétrica é uma violação dos direitos humanos, uma vez que está ferindo o direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana, os direitos sexuais e reprodutivos, à integridade física e moral, conforme a Constituição brasileira. Em seguida, Amorim (2022) destaca que foi divulgado pela a organização não governamental The Women’s Global Network for Reproductive Rights (A Rede Global de Mulheres para Direitos Reprodutivos) um folheto em que abrange todas as características conferidos à violência obstétrica. Assim, em uma conceituação englobante a Violência Obstétrica consistiria em ser:
A intersecção em meio a violência institucional e violência contra a mulher na gravidez, parto e puerpério. Isso acontece nos serviços de saúde públicos e privados. Em decorrência da violência obstétrica, a gravidez é um momento de sofrimento, humilhação, problemas de saúde e até morte para muitas mulheres (AMORIM, 2022, p. 01).
Percebe-se que a violência obstétrica é uma forma de violência de gênero, onde as mulheres gestantes passam por atitudes desrespeitosas e humilhantes. De acordo com Dutra (2017) essa questão da violência obstetrícia vem sendo amplamente debatido em todo o mundo, divulgando que é relevante o debate dentro e fora da universidade. No Brasil, esse assunto vem sendo discutido há muito tempo, onde a Fundação Perseu Abramo, concluiu em sua pesquisa de 2010, “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado” que uma em cada quatro mulheres brasileiras sofreram determinado tipo de violência obstétrica, dando início desde ao atendimento no parto. Esse é um número assustador, tornou-se tão natural que é difícil para as mulheres se verem como sendo ou foram submetidas a algum tipo de violência obstétrica (DUTRA, 2017).
Segundo um estudo “Nascer no Brasil” 2011/2012 da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), cerca de 36% das gestantes atendidas em hospitais privados já vivenciaram a violência obstétrica e 45% das gestantes atendidas no Sistema Único de Saúde (SUS) são vítimas de abusos, maus tratos perdas de bebês e lesões, sendo que a maioria dessas mulheres com maior capacidade a sofrer violência obstétrica são negras, pobres, jovens grávidas do primeiro filho as quais acabam sendo sujeitas a partos mais demorados. De fato, são escassos os estudos que fornecem dados atualizados porque essa violência é subnotificada, poucas são as mulheres que realizam a denúncia (SOUSA, 2022).
Rezende (2019) descreve que a violência obstétrica pode ocorrer com qualquer mulher, independentemente de classe, religião, etnia, idade, opção sexual, e adquirir consequências irrecuperáveis para sua saúde física e mental. No entanto, o número de violência obstétrica em hospitais públicos é maior, o que se explica especialmente pela elevada demanda de atendimentos e pelo fato de a maioria das mulheres atendidas nessas unidades de saúde serem pobres. Por conseguinte, Oliveira (2018) acrescenta que a violência obstétrica tem um abarcamento maior de vítimas de grupo vulnerável, em consequência da discriminação de gênero, realidade que não impossibilita que estas mesmas vítimas venham a fazer parte de outros grupos de discriminação como os que usam o motivo da cor de pele, da renda, dentre outros.
Marques (2020) relatou que um estudo de Leal et al (2014) mostraram que a violência obstétrica teve maiores índices e foi predominante entre as mulheres negras. Ao avaliarem os dados da pesquisa, conseguiram uma subamostra de 6.689 mulheres, onde 1.840 negras e 4.849 brancas pareadas por uma variável que resulta do cálculo da probabilidade (propensão) de cada participante e conforme a pesquisa, concluíram que as mulheres negras em comparação com as mulheres brancas receberam menos anestesia no parto, sendo comprovado que as taxas são significativamente mais altas de negligência relacionado as mulheres negras.
Matos e Machado (2018) acreditam que a violência obstétrica se estabeleceu e então, no processo dessa mudança, criou outra forma de violência contra a mulher na sociedade, não só por gênero, contudo do mesmo modo acentuada por questões raciais e socioeconômicas, em que mulheres tem seus direitos físicos, sexuais e psicológicos infringidas. Além de ferir de forma grave aos direitos humanos e fundamentais, ao mesmo tempo causa dano aos direitos sexuais e reprodutivos, e se manifesta como violação do corpo, dignidade e autonomia da mulher na fase mais importante de sua vida, que é o nascimento de seu filho (MARQUES, 2020).
Claramente, trata-se de violência de gênero, pois muitas vezes são as mulheres que passam pelo ciclo gravídico-puerperal e, portanto, são objetivamente corpos de mulheres, sujeitas a intervenções e práticas realizadas sem seu consentimento expresso, gestante ou parturiente. Para Coelho e Santos (2019) porém, é imprescindível que os países latino-americanos prossigam avançando nessa agenda, pois a violência obstétrica é uma realidade no mundo contemporâneo e que, geralmente, pode ser manifestada de maneira quase impercebível, o que gera subnotificações da incidência dessa violação.
Coelho e Santos (2019) afirmam que pelo fato da violência obstétrica ser ainda considerado uma prática que acorre com muitas mulheres, o assunto exige investimento contínuo em pesquisas e conscientização dos profissionais médicos, enfermeiros, equipe técnica e funcionários da área da saúde que estão ingressados na assistência da mulher gestante, antes, na hora do parto e depois do parto, principalmente aqui as mulheres vítimas, pois muitas delas ainda não possuem conhecimento sobre esse tipo violência.
2.3 PRÁTICAS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
As consequências das práticas de violência obstétrica acabam por ter um impacto direto na morbimortalidade materna, considerando uma questão de problema social ainda de maior abrangência, que pode ocorrer tanto na saúde pública, quanto na privada, refletindo a qualidade assistencial. Assim, as formas de violência obstétrica que implicam em morbidade e mortalidade materna serão apresentadas a seguir:
2.3.1 Física
Relacionado aos motivos que levam a classificação da violência obstétrica física, é quando a integridade do corpo da mulher não é respeitada ou quando não são proporcionadas melhores opções para a saúde, de forma que os danos provocados à parturiente acabam sendo mais expressivos que os benefícios desejados. Exemplos: recusa alimentar, restrição de movimentos da mulher, tricotomia (raspagem de pelos), não uso de analgesia em casos técnicos (MAGALHÃES, 2020).
A seguir será discorrido sobre algumas outros tipos de violência física como:
Episiotomia – Esta é assinalada por um procedimento cirúrgico concretizado por médicos aumentar a abertura do canal vaginal com um corte efetivado na vulva com tesoura ou bisturi e, às vezes, não é usado a anestesia. Essa intervenção maioria das muitas vezes não é autorizada pelas mulheres em trabalho de parto, nem de modo verbal ou por escrito, só que essa questão não é levada em consideração, praticando total desrespeito ou desconsideração do plano de parto (BEZERRA et al, 2018). Segundo a Pesquisa Nascer no Brasil, a episiotomia é realizada em aproximadamente 53,5% dos partos vaginal no Brasil e, entretanto a OMS, recomenda somente 10% deles (PONTES; SOARES, 2018).
Manobra de Kristeller – É frequentemente usada em hospitais para acelerar o nascimento do bebê. Incide em uma manobra na parte superior do útero para empurrar o bebê para a pelve durante o trabalho de parto. Pode ser usado as mãos, braços, antebraço e joelho. A intervenção é um grave desrespeito à integridade física da mulher, além de causar também violência psicológica à gestante, pode levar a lesões em órgãos internos, contusões, fraturas de costelas e sangramentos (SAUAIA, SERRA, 2016).
Aplicação de ocitocina – É um hormônio que acelera as contrações uterinas e o trabalho de parto, mas o corpo é responsável por sua produção. A ocitocina artificial, dada como soro e usada indiscriminadamente, desempenha um papel na aceleração do trabalho de parto. Quando mal administrada, pode levar a um aumento expressivo da dor durante as contrações e, se não for controlada, pode induzir a sérios problemas tanto para a mulher quanto para o feto, pois em doses exageradas produz um superestímulo uterino com capacidade de ocasionar sofrimento fetal, asfixia e morte do bebê (PONTES; SOARES, 2018).
Cesariana eletiva – A própria cesariana pode ser considerada uma prática de violência obstétrica quando realizada sem prescrição apropriada e autorização da paciente. O Brasil possui atualmente o maior número de cesáreas do mundo sem o consentimento da gestante ou sem prescrição médica. A cesariana eletiva aumenta o risco de problemas respiratórios ao nascimento em 120 vezes e o risco de morte materna em três vezes (ROCHA, 2016).
Conforme observado por Diniz et al (2012), também se pode falar do constrangimento ou coação do parto cesariana, aumentando sua incidência e os riscos que ela apresenta, podem ser expressos pela limitação das opções disponíveis às mulheres que têm como opções possíveis o parto cesariana ou o parto normal, mesmo sem o uso de qualquer tipo de anestesia.
De acordo com Lima (2019), os médicos não repassam pra as gestantes os danos que podem sofrer durante a cesárea, pois tem como objetivo induzir a tal cirurgia sem necessidade. Assim, as fontes de abuso as mulheres em seus processos reprodutivos são as mais variadas formas, conforme a classificação da violência obstétrica física.
2.3.2 Moral
A violência obstétrica moral, embora também acarrete sérios danos à saúde da mulher, muitas acabam suportando o ato de violência e mais propensa a não denunciar. Tal ato se manifesta, em especial, por meio de tratamento desumano com linguagem inadequada e grosseira, discriminação e humilhação, expondo a mulher ao ridículo e à julgamento de assuntos pessoais e particulares da gestante (LIMA, 2019).
Araújo et al (2020) destacam que a violência moral é a mais associada ao comportamento profissional. Segundo a Fundação Perseu Abramo, pelo menos 23% das mulheres já ouviram algum insulto durante o parto. Também se expressam por meio de comentários abusivos, discriminatórios, insultuosos ou maliciosos sobre qualquer característica. Sendo assim, a violência moral obstétrica parece ser tão real quanto a violência física.
Lima (2019) acrescenta que devido aos medos e angústias relacionados a alegria do nascimento do filho, bem como ao desconhecimento dos atos caracterizadores, esse tipo de violência no parto passa despercebido por muitas das vítimas. Por isso, deve ser discutido, e reconhecido como uma violação dos direitos das mulheres, pois os infratores foram devem ser punidos conforme o aparato jurídico proporcionado, contudo essencialmente eliminados.
No entanto, muitas vezes é realizado também o trabalho de parto coletivo, sem um biombo para separar os leitos. E ainda justifica ausência de privacidade para explicar o desrespeito aos direitos ao acompanhante. Por conseguinte, além de todos esses fatos relatados acima, não é incomum que a mulher seja obrigada a suportar hostilidade e negligência da equipe médica ou de saúde que está atendendo a mulher gestante, não a tratando como pessoa, o que se mostra no caso de pacientes que manifestam sua dor, sua angústia, como choro, gritos, gemidos, implorando por ajuda (FIORETTI, 2014).
Venturini (2013) enfatiza que esse mal tratamento se estende às gestantes em circunstância de abortamento, pois, segundo dados de uma pesquisa realizada do autor, no que diz respeito ao atendimento, a principal queixa observada nas entrevistas concretizadas com as gestantes é relacionado ao atendimento, é a hostilidade a forma como essas pacientes são tratados, no que lhe diz respeito, provém da suposição pessoal da equipe médica de que a paciente abortou por conta própria ou, nos acontecimentos previstos em lei, por motivos morais.
Ainda em relação ao serviço de atendimento, Bezerra et al (2018) destacam a negação do direito à presença do acompanhante, o qual é garantido pela Lei nº 11.108/2005 durante o parto e o puerpério, quando as mortes materno-infantis são mais elevadas. Além desses casos, dados da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2013) mostram que a cor da mulher, nacionalidade, raça, grau de instrução e formação, idade, religião ou crença, situação financeira e social, orientação sexual, número de filhos e outros fatores levam as mulheres a serem vítimas de discriminação sem eu atendimento, sendo assim vítimas da de violência obstétrica
2.3.3 Sexual
A violência obstétrica sexual, tem a capacidade de ser considerado como todo comportamento que afete o senso de integridade sexual e reprodutiva da mulher, podendo atingir diretamente ou não os órgãos sexuais e partes íntimas do seu corpo, como assédio; toque invasivo sem consentimento ou de forma persistente e agressiva; lavagens intestinais, exposição do corpo e muitas outras. A episiotomia também é considerada uma violência obstétrica de caráter sexual (OLIVEIRA, 2021).
Ferreira (2019) menciona um caso onde é associado os sintomas ocorridos de um parto traumático com os sintomas das vítimas de estupro, relação essa que ocorreu por um obstetra e codiretor do Observatórios de Violência Obstétrica (OVO) no Chile, onde a gestante foi examinada, e ao fazer o toque e sentindo muita dor, ela pede para que o médico tire a mão e pare com o procedimento, mas ele insiste e continua, proferindo que ela estava ali e tinha que dar conta e aceitar a dor que estava sentindo para trazer seu filho ao mundo.
Ainda segundo Ferreira (2019) a paciente relata que se sentiu como se estivesse sendo estuprada, pedindo para o médico parar e não parava e a agressão sexual continuava. Os Observatórios (OVOs), especialmente no Brasil, enfoca o descaso, abandono, abuso e agressão que existem na violência obstétrica (VO) que constitui a chamada medida de poder, saber e fazer.
2.3.4 Psicológica
Os efeitos psicológicos associados à violência obstétrica estão relacionados à forma como as mulheres se sentem quando vivenciam tal violência. Dessa forma, são atraídas pela raiva, medo, humilhação. Em alguns casos, pode levar a sentimentos conflitantes e manifestações de emoções, principalmente no que diz respeito à possibilidade de ter outro filho (SILVA et al 2017).
De acordo com Corrêa (2021) compete ressaltar que algumas equipes técnicas, não permite que a mãe fique com seu bebê em seguida ao seu nascimento, isso tem a capacidade de ser considerado uma violação dos direitos da mãe. É comum a equipe técnica separar o bebê da mãe, impedindo esse contato pele a pele entre mãe e filho, geralmente sem saber o porquê ou para onde seu filho está sendo levado. A própria ciência mostra a importância desse primeiro contato, que deve ser evitado apenas por razões médicas.
Portanto, alterar ou omitir informações dadas às pacientes constitui uma forma de abuso obstétrico. Não devemos esquecer que muitas intervenções são classificadas como procedimentos urgentes e obrigatórios exclusivamente a critério do médico e não a critério da gestante. O direito de escolha da gestante deve ser respeitado, e seus direitos são protegidos pela legislação brasileira, o que pode ser considerado uma violação dos direitos da mãe (CORRÊA, 2021).
Dessa forma, muitas mulheres passam a até mesmo a ter medo de outra gestação (SILVA et al, 2017). Existe um entendimento de que a gravidez concebe um período de vulnerabilidade emocional e perante a violência obstétrica, a mulher acabam ficando mais vulneráveis em sua condição psicológico.
2.3.5 Patrimonial
A violência obstétrica patrimonial está relacionado quando a mulher é vítima principalmente da indústria da cesariana. Segundo Moura (2021), as propostas tendenciosas para salvar a vida das mães e seus futuros bebês, inclui o parto de alto custo, excesso de medicamentos, assinatura de documentos que possa prometer financeiramente, condicionando-lhe a uma adequada qualidade de parto, com uma despesa entre R$ 8 e 10 mil reais para ter um parto hospitalar concernente digno.
Tesser et al (2015) menciona que, se a gestante desistir, por falta de condições financeiras, ou o plano de saúde cobre ou a outra opção é não sofrer e decidir rápido estando sujeita a uma série de riscos, se submetendo a uma cirurgia cesárea, deixando a gestante completamente sem alternativa. Do mesmo pacientes também podem ficar retidas até que suas dívidas com o hospital seja quitadas.
Nessa perspectiva, Moura (2021) descreve que apesar da gravidade do problema da violência obstetrícia, nota-se que há pouco interesse legislativo a respeito dessa questão, seja com o objetivo de regular os fatores que ocasionam esse tipo de violência, seja com o objetivo de punir aqueles que praticam esses atos. No entanto, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei para implementar políticas públicas contra a violência obstétrica para garantir os direitos das mulheres enquanto gestante, parturiente, em estado puerperal ou em situação de abortamento, os quais serão apresentados no próximo capítulo, juntamente com jurisprudências de casos julgados.
3 A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER
Neste terceiro capítulo apresenta-se o tema a violência obstétrica e os direitos fundamentais da mulher, e foi concretizado por meio dos subtítulos, Comparativo da penalidade dos países da américa do sul com o brasil; Lacuna da lei nos casos de violência obstétrica tem se tornado um obstáculo para a concretização dos direitos fundamentais da mulher; Legislação atual que ampara as vítimas de violência obstétrica e pune os agentes desse tipo de violência e Jurisprudência: casos concretos de violência obstétrica
3.1 COMPARATIVO DA PENALIDADE DOS PAÍSES DA AMÉRICA DO SUL COM O BRASIL
Diferentemente do Brasil e de alguns países da América do Sul que possuem legislação específica referente a violência obstétrica, adequados exemplos, consistem em ser a Argentina e a Venezuela, que foram os dois primeiros países latino-americanos a incluir uma lei para questionar a violência obstétrica. A América do Sul é um subcontinente que acolhe 6% da população mundial. Segundo Ely (2017), para a Revista IHU On-line, a América Latina (Instituto Humanitas Unisinos) é o lugar mais violento para se nascer.
3.1.1 Argentina
Na Argentina, o tratamento da violência obstétrica pelo governo no país foi considerado uma conquista importante, lançada pela Lei nº 25.929, a Lei do Parto Humanizado, que entrou em vigor no dia 17 de setembro de 2004, que não definiu exatamente o que é violência obstétrica, entretanto assegurou que as gravidas os direitos das mulheres no decorrer do trabalho de parto, parto e pós-parto, afirmando essencialmente os Direitos de Pais e Filhos no decorrer do Processo de Nascimento (PASSOS, 2020).
De acordo com Nóbrega (2020), é de suma importância frisar que a Lei n. 25.929 não apresenta o conceito de violência obstétrica, no entanto trata detalhadamente todos os direitos da grávida enquanto estiver em trabalho de parto, o parto e o pós-parto, estes são os direitos de serem informadas sobre todos os procedimentos médicos possíveis no decorrer de todo o processo, dando à grávida a chance de escolher de modo espontâneo se tiver mais de uma opção adequada; tornar-se uma pessoa capaz para que apresente a oportunidade de participar ativamente do parto e de vários direitos imprescindíveis para um parto calmo e seguro.
No ponto de vista de Passos (2020), a norma, além disso, institui direitos para os recém-nascidos, geralmente a lei decide que todo recém-nascido possui o direito de ter um tratamento digno e respeitoso. Além da Lei 25.929, a Argentina adotou a Lei 26.485, a Lei de Proteção Integral da Mulher, com o objetivo de precaver, punir e eliminar a violência contra as mulheres nas áreas em que desenvolvem suas relações interpessoais. A lei ainda define todas as violências que estão ajustados nesse conceito, relacionado à violência física, sexual e psicológica, e traz ainda o conceito de violência obstétrica, que é realizada por um profissional de saúde ao corpo e aos processos reprodutivos da mulher, manifestada por tratamento desumano, medicalização abusiva e patologização de processos naturais, de acordo com a Lei 25.929.
Conforme Arsie (2015), tal legislatura tem como objetivo impossibilitar a continuação e o desenvolvimento da modalidade de agressividade e estabelecer que os três poderes do Estado Legislativo, Executivo e Judiciário possam adotar medidas indispensáveis para assegurar o completo respeito ao direito constitucional à equidade entre mulheres e homens, que constitui os princípios fundamentais. Observa-se que a legislatura da argentina preocupou-se tanto com a punição quanto na precaução, pois sugere a proteção dos direitos das mulheres e busca protegê-las em todas as classificações de violência, até mesmo a obstétrica.
Segundo Natalin (2020), na Argentina foi disponível um site que oferecia explicações e orientações sobre a violência obstétrica, mostrando como as mulheres devem fazer a denúncia dos atos vivenciados da violência obstétrica, já que muitas mulheres por não terem informações válidas estão deixando de fazer denúncias sobre a violência, é ainda está disponível neste site informações que as mulheres vítimas de violência obstétrica podem apresentar queixa na justiça e apresentar reclamação administrativa de forma direta à Defensoria do Povo e da Nação, com capacidade de requerer a intervenção de outros órgãos.
3.1.2 Venezuela
Na Venezuela, ao contrário da lei argentina, é mais firme e possui maior clareza “relacionado à configuração dos crimes e proáveis penas, com inclusão determinado aos detalhes das denúncias” (ARSIE, 2015, p. 55). De modo oficial a República Bolivariana da Venezuela, foi o primeiro país da América do Sul a determinar de modo legal a violência obstetrícia e classificá-la como crime. Isso aconteceu com a aprovação da Lei 38.668 em 23 de abril de 2007, intitulada como Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência, conforme o objetivo definido no artigo 1º, prevenir, tratar, punir e eliminar a violência em diferentes formas contra as mulheres, possibilitando qualidades efetivas de garantia e promoção dos direitos das mulheres (NÓBREGA, 2018).
A lei é estabelecida por 123 artigos e sete disposições transitórias, orientada pelos princípios constituídos no artigo 2.º além de enumerar os direitos protegidos, dispõe de composições para a sua efetivação. A violência obstétrica é um conceito analisado na norma em seu artigo 15, que define a violência obstétrica entre as dezenove formas de violência contra a mulher e a determina como a ato de Ato de se apoderar do corpo e do processo reprodutivo feminino por um profissional da área da saúde, que se manifesta no tratamento desumano, abusivo na forma medicamentosa e de serem resolvidas por meio como do profissional de saúde que está realizando o procedimento da forma que acha melhor, sem levar em conta a opinião da gestante, fazendo assim, com que a mesma perca a sua independência e da aptidão de decidir espontaneamente sobre seu corpo e sexualidade, o que afeta de modo negativo a qualidade de vida das mulheres (VENEZUELA, 2007).
No que se refere às políticas públicas de prevenção e atenção contra à violência da mulher, a lei prevê no Capítulo IV uma série de direitos previstos aos ministérios e as obrigações do Estado de garantir os direitos e proporcionar segurança. Conforme Natalin (2020, p. 12), no que lhe diz respeito, seu artigo 51 assegura a penalidade por meio de indenização às vítimas de violência obstétrica relacionada aos profissionais de saúde, que são considerados atos criminosos:
1 – Falta de atendimento rápido e eficaz às emergências obstétricas. 2 – Forçar a mãe a deitar-se de costas e levantar as pernas para parir, havendo meios precisos para a concretização do parto na vertical. 3 – Proibir que o recém-nascido permaneça com a mãe sem motivo médico válido, privandoa da oportunidade de o carregar e amamentar logo quando nasce.
Nesse caso, o tribunal aplicará uma multa de duzentos e cinquenta (250 UT) sobre quinhentas unidades fiscais (500 UT) ao responsável, enviará cópia autenticada da condenação ao concernente colégio ou instituição profissional, para implicações de processo disciplinar concernente. Em seguida, para concluir o dispositivo legal mencionado acima, aplica-se uma multa para punir o profissional que a praticar. O legislador foi muito firme em sua intenção de reduzir e eliminar a violência obstétrica, bem como outras formas de violência contra a mulher, classificando-as como crime e fazer cumprir rigorosamente as disposições pertinentes para atingir o objetivo da lei (NATALIN, 2020). .
Nóbrega (2018), menciona que além da responsabilidade criminal, também prevê a indenização civil para as mulheres vítimas de qualquer modo de violência nos termos da lei, com a aplicação de indenização pelo autor dos danos ocasionados e ainda o tratamento médico ou psicológico. Se a mulher vir a óbito por causa dos danos sofridos, de acordo com dispositivo 61 a indemnização será entregue para seus herdeiros.
3.1.3 México
Foi aprovado no senado mexicano três (3) dispositivos na Ley General de Acceso de las Mujeres a uma Vida Libre de Violência, em abril de 2014, um desses dispositivos trouxe uma classificação de violência obstétrica, modelada pela presidenta da Comissão para a Igualdade de Gênero, destacada por Diva Hadamira Gastélum Bajo, sobre a importância de punir a violência obstétrica quando esta concebe um ato de alguns obstetras e ginecologistas, em detrimento da saúde da mulher e da criança, já que mais de 50% dos partos são realizados atualmente por cesariana,, na maior parte não são necessários (PASSOS, 2020).
Dixon et al (2019) referem a pesquisa feita por Robbie Davis-Floyd e Melissa Cheyney em sua obra Parto em Oito Culturas (2019), onde fazem uma análise sobre as diversas práticas obstétricas, médicas e culturais em determinados países sob o ponto de vista antropológico. Portanto, de modo muito astucioso, ao comparar, através de um grupo de autores, países com partos conservadores e, por conseguinte, a disposição da mulher no aspecto social com outros países que usam uma abordagem humanizada da saúde e das relações do médico com as pacientes, nomeadamente, progressistas. Logo, a primeira análise realizada em sua obra é sobre o parto no território do México, situação semelhante à do Brasil, o mesmo processo de colonização, seus resultados na organização da sociedade e o concludente reflexo nos modelos eurocentristas.
De acordo com Margioti (2021) diversas práticas de obstetrícias foram implementadas no México por meio de seus estudos específicos. Há uma diferença significativa entre a prática tecnocrata, que se concentra apenas na medicina e o tratamento humanístico para grávidas. No primeiro, existe o predomínio das relações hierárquicas, onde o médico responsável, principalmente o homem está ativamente envolvido no processo, e o segundo, com o papel das parteiras, a relação é observada de forma mais igualada entre a gestante e a experiência da prática da profissional. Do mesmo modo, é importante ressaltar que hoje em dia, o México tem três linhas de parto, os concretizados inteiramente no hospital, por procedimentos tecnocratas; o parto em casa, supervisionado por uma parteira, como acontece nos estados mexicanos mencionados acima; e a terceira, que combina com os dois, parto hospitalar, com apoio médico e orientado por uma parteira.
De acordo com Dixon et al (2019) em seu artigo, enfatiza que é clara a diferença entre a qualidade do parto humanístico de uma mulher grávida, combinada com condições que definem visivelmente a diferença extrema entre ter um filho com o objetivo de respeitar as mulheres grávidas e os recém nascidos e a necessidade ilusória de obter um parto de forma rápida, geralmente torna-se desconfortável e violento.
Assim, percebe-se que o objetivo dos países citados é promulgar uma legislação de combate à violência obstétrica, a fim de erradicar tal violência. No entanto, ainda com as leis em vigor, a violência obstétrica continua, por isso os procedimentos são essenciais para que essa luta seja bem-sucedida. A divulgação da lei sozinha não é uma ferramenta poderosa para combater esse grande problema social. Um ótimo exemplo disso é o Brasil, onde há uma série de normas que estão tratando de diversas questões e ainda assim não possuem resultados consistentes por si só. Infelizmente, essas leis, debatidas anteriormente, apresentam falhas em sua construção, como as leis da Venezuela onde o país criminaliza delitos e seus resultados, porém, não abrange em sua legislação direitos de mulheres grávidas e recém-nascidos na lei deste país (MARGIOTI, 2021).
Passos (2020) acrescenta que a condição de países como Argentina, Venezuela e México é muito provável, ainda que uma única lei não cause efeitos eficazes para combater à violência obstétrica, a aprovação dessas leis tem sido um grande avanço, já que almejam combater algo que acontece no cotidiano das mulheres em todo o planeta e não possuem a importância que merecem, e com a ineficácia da lei, os governos não oferecem a necessária atenção ao problema. Não é apenas no Brasil, entretanto ainda em alguns países, por se tratar de um assunto que várias pessoas não tem conhecimento, ainda na área acadêmica não existe muito esclarecimento sobre esse tema, e esse desconhecimento de informação faz com que várias mulheres não realizem a denúncia sofrida, visto que as vítimas não possuem conhecimento sobre seus direitos e, como é a violência obstétrica, isso tem a capacidade de colaborar por si próprio para tornar o assunto normal que acontece no dia-a-dia das mulheres.
3.2 LACUNA DA LEI NOS CASOS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA TEM SE TORNADO UM OBSTÁCULO PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER
Na legislação brasileira, a violência obstétrica não tem regulamentação específica, pois casos desse tipo estão aumentando e sendo comprovados em hospitais e clínicas. Todos os dias, há mulheres vítimas desse modelo de agressão. Por conseguinte, a relação entre o médico e o paciente caracteriza-se pela precisão de defender dois valores que são, em muitos casos, estar em conflito, nomeadamente o conforto do paciente e a seu desejo, ou seja, a sua aceitação. Nessa acepção, é provável averiguar que na medicina de modo geral, há uma grande lacuna em meio a proteção da liberdade do paciente (SIQUEIRA, 2019).
De acordo com Siqueira (2019), a complicada relação entre médico e paciente é vista, em um de seus aspectos, a partir do conflito entre salus aegroti e voluntas aegroti (a saúde do paciente e a vontade do paciente) isto é, entre a precisão de proteger dois valores possíveis, em diferentes circunstâncias, consistem em ser conflitantes, o bem estar da paciente e seu desejo. Nesse cenário, é provável a identificação, segundo a orientação médica tradicional, uma considerável lacuna na tutela da autonomia do paciente.
Nesse sentido, Silva (2017) ressalta que o padrão do novo sistema foi seguido, finalizando com uma estruturação da Política Nacional de Atenção Integrada à Saúde da Mulher – PNAISM, que pode ser o progresso do PAISM, buscando preencher as lacunas que a política anterior deixou em vigor.
Ferreira e Duarte (2022) advertem que comportamentos agressivos e abusivos contra grávidas provocaram 113 denúncias aos canais do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos nesse ano de 2022. Foi identificado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) que pelo menos 13 projetos de lei existem na Câmara que tratam dessa questão de algum modo. Um deles foi apresentado há aproximadamente dez anos, porém nunca veio a sua aprovação. Desde do ano de 2021, relatos de agressões a mulheres se tornaram notícias com maior constância. No mês de dezembro de 2021, o caso do ginecologista Renato Kalil, muito popular por fazer o acompanhamento de gravidez de celebridades, surgiu ao público, após vazar áudios e vídeos da influenciadora Shantal Verdelho, em que ela o denúncia por violência obstétrica.
E segundo Ferreira e Duarte (2022) no mês de julho de 2022, surgiu o caso do anestesista Giovanni Quintella Bezerra, preso em flagrante por estuprar uma gestante no decorrer da cirurgia cesariana em uma maternidade do Rio de Janeiro. No entanto, o anestesista fez o mesmo com outras mulheres grávidas durante a realização do parto. O flagrante incentivou a bancada feminina do Senado a constituir um projeto de lei, que ainda está sendo desenvolvida. As senadoras concordaram em apresentar o texto à Câmara dos Deputados e, assim sendo, acelerar sua aceitação e aprovação. A questão ainda em debate é quais penalidades podem ser impostas em caso do não cumprimento da lei. A ineficácia das leis existentes preocupa os parlamentares.
Gama (2022) noticia já existe uma lei que força os centros de saúde a possibilitarem, acompanhantes na realização do parto, porém essa decisão nem sempre é seguida, o que pode ampliar o risco de que a grávida sofra violência obstétrica. Assim, está a ser posta em prática uma proposta legislativa para evitar que crueldades e atrocidades desta natureza, como vê-se recentemente, se repitam, incluindo a questão do tratamento humanitário, a obrigatoriedade de ter um acompanhante e outros elementos que julga-se pode preencher essas lacunas.
3.3 LEGISLAÇÃO ATUAL QUE AMPARA AS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E PUNE OS AGENTES DESSE TIPO DE VIOLÊNCIA
No Brasil, não existe lei federal específica contra a violência obstétrica, como do mesmo modo não há sua tipificação como crime no Código Penal. Todavia, embora a omissão do legislação brasileira relativo à proteção de mulheres gestantes, puérpera ou em estado parturiente, essa circunstância parece não ser totalmente absoluta, sendo possível encontrar na legislação esparsa penalidades para práticas abusivas dirigidas à mulher na assistência obstétrica (SOUZA, 2021).
No entanto, apesar da omissão e demora da legislação federal sobre violência obstétrica, isso não significa que o sistema de justiça não possa tratar das violações dos direitos das mulheres. Nesses acontecimentos, aplicam-se as leis existentes correspondentes aos danos motivados, amparados no Código Civil, no Código Penal e no Código de Defesa do Consumidor. Em esfera federal, são destacadas a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Lei nº 11.108/2005 (Lei do Acompanhante) (DORNELES, 2022).
Embora o Direito Penal não tenha uma lei específica que trate desse costume, podem ser encontradas outras leis pertinentes à situação atual. Ressaltase, portanto, que qualquer profissional de saúde que cometer qualquer ato de violência obstétrica no Brasil será responsabilizado legal e criminalmente por esse ato. No âmbito civilista, há uma instituição de responsabilidade civil, formalizada pelo art. Art. 5º V e X da Constituição Federal de 1988. Destarte, todos os atos que causem danos a terceiro devem ser responsabilizadas ou indenizadas civilmente. Qualquer indivíduo físico ou jurídico e sob quaisquer circunstâncias, é responsável pelas consequências de um ato, prática ou negócio perigoso (BRASIL, 1988).
Da mesma forma, o Código Civil reforçou esse entendimento através do art. 186. Nesse caso, deve-se falar em responsabilidade civil objetiva, que como esclarece Schreiber (2022, p. 53), é a responsabilidade baseada no fator objetivo, o dano. Na responsabilidade objetiva o dano é suficiente, de modo que surge a obrigação de indenização da responsabilidade, dispensando a forma da culpa por parte do agente causador do delito, sendo indispensável provar a autoria e o dano, causado, pois assim, o autor da lesão será abrigado a reparar o dano ocasionado a vítima.
Dessa forma, entende-se que os profissionais de saúde que cometeram um ato de violência durante o parto podem ser responsabilizados civilmente pelos danos causados às vítimas. Para a justiça brasileira, essa situação está enquadrada em um erro médico. Contudo, conceitualmente, erro médico é entendido como “conduta profissional imprópria, envolvendo falha técnica, capaz de causar dano à vida ou à saúde de outrem, e qualificada por imperícia, negligência ou imprudência” (RIOS, 2022, p. 25).
Conforme Dorneles (2022), o profissional nesses episódios é responsabilizado tanto na esfera civil com na esfera penal. Além do mais, é possível ser justapostas as medidas repressivas administrativas do Conselho Federal de Medicina, estando sujeito da gravidade do dano, pode ter como resultado à suspensão dessa atividade profissional. As propostas legislativas estão indo também nessa direção, reconhecendo a violência obstétrica cometida por parte dos profissionais de saúde, além de assegurar os direitos das mulheres no decorrer do parto, puerpério e do recém-nascido. Da mesma forma, determinados estados estão criando suas próprias leis contra a violência obstétrica.
Presentemente, o Brasil tem Projetos de Lei pendentes com estatutos importantes na Câmara dos Deputados, tratando principalmente da questão da violência obstétrica. O primeiro projeto de Lei apresentado foi o PL nº. 7.633/2014, acompanhado dos PL nº. 7.867/2017 e PL nº. 8.219/2017 e PL nº. 878 de 2019 que é a mais atual.
O PL nº 7.633/14, regulamenta o atendimento à mulher humanizado e ao recém-nascido no período gravídico-puerperal e oferece outras deliberações, inclusive condenações criminais para profissionais de saúde que apresentem violência obstétrica, com intimação ao Conselho Regional de Medicina e de Enfermagem, para os adequados direcionamentos e determinações de sanções administrativas aos profissionais envolvidos. Exclusivamente no artigo 13, onde o tema é discutido, este artigo traz um surgimento e definição do que é violência no parto, onde a violência obstetrícia tem como características, a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos da mulher pelos profissionais de saúde, através do abuso e tratamento desumano, bem como perda de autonomia e capacidade de resolver livremente sobre o próprio corpo (PASSOS, 2020).
Logo, o PL nº 7.867/17/2017, regulamenta a adoção de medidas de prevenção à violência obstétrica e divulga boas práticas para o atendimento à mulher na gestação, parto, aborto e puerpério. O artigo 3º determina violência obstétrica como qualquer ação cometida por elementos da equipe de saúde, hospital ou terceiros, que não esteja de acordo com das práticas de controle ou pratique ofensas verbais ou de modo físico a grávida, puérperas ou parturientes (BRASIL, 2017). A PL também prevê a especificação necessária do plano de parto; apresenta uma lista de ações as quais proibidas a grávida, incluindo agressões verbais e físicas, sendo assim semelhante ao PL nº 7.633/2014.
O Projeto de Lei 8.219/2017 prevê a violência obstétrica por profissionais de saúde contra a mulher durante ou após o parto. A Proposta tem quatro artigos e, sendo semelhantes a outros Projetos já apresentados. O PL trata da acepção e afirmação de comportamentos que incluam a violência obstétrica. Conforme os artigos 2º e 43º, a violência obstétrica é a prática de intervenções prejudiciais ao bem-estar físico e mental da mulher nos estabelecimentos de saúde e por seus profissionais onde recebem atendimento, além de desrespeitar sua vontade (BRASIL, 2017).
Souza (2021) ressalta que o PL Lei nº. 8.219/2017 difere de outros Projetos, pois é exclusivo a caracteriza esse comportamento como prática delituosa, que impõe prisão e multa. Nota-se que o parlamentar teve a capacidade de compreender a realidade e a importância de combater a violência obstetrícia moderna, caracterizando sua punição pelo não cumprimento da conduta em questão. No caso os infratores serão punidos com pena de prisão de seis meses a dois anos e multa.
Já o Projeto de Lei nº. 878 de 2019 mais atual referente à violência obstétrica, voltada ao atendimento humanizado a mulheres e ao neonato no decorrer do ciclo gravídico-puerperal. O projeto tem como objetivo reverter a realidade da violência durante e após o parto no Brasil, onde a mortalidade materna pode ser evitada em 90% dos casos (NAVES, 2021). Ressalta a importância de se fazer planos de parto de acordo com a vontade de cada gestante, que só pode ser alterado se for estabelecido durante o parto, que são indispensáveis intervenções para garantir a saúde da mãe e do filho, com o consentimento da gestante.
3.4 JURISPRUDÊNCIA: CASOS CONCRETOS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Neste subitem serão analisados casos de jurisprudência relativos à violência obstétrica. Alguns dos casos pesquisados são de fatos ocorridos basicamente dentro de hospitais públicos e outros privados. Procurou-se pesquisar casos recentes com datas mais atuais. Como resultado da pesquisa realizada, foi provável identificar processos judiciais de casos julgados referentes a violência obstétrica onde foram proferidas decisões em processos cíveis de indenização por danos morais e materiais.
Portanto, perante a pesquisa nota-se que o nível de violência é maior no setor público do que no setor privado de saúde. Percebe-se que a maioria da população do Brasil utiliza o sistema público de saúde, uma vez que muitas pessoas são desfavorecidas economicamente, não possuem alto nível de escolaridade e na maioria das vezes não conhecem seus direitos. Incluindo esses fatores, a probabilidade de acontecer a violência obstétrica só aumenta (MAGALHÃES, 2020).
Por conseguinte, ao analisar os julgamentos brasileiros é possível observar que a violência obstétrica é de modo contínuo disfarçada pelo termo negligência médica. A maior dúvida para muitos estudiosos é que se for um erro, se estiver engajado em algum tipo de ilegalidade, então deve acarretar responsabilidade civil, no entanto, se for um caso de violência, é crime e deveria originar uma responsabilidade penal para quem praticá-lo. Para tanto, a seguir apresenta-se dois (2) casos julgados relacionado à violência obstétrica
Caso 1 – Omissão no atendimento a gestante com dor e sangramento
Ainda que a maioria dos tribunais não reconheçam o termo violência obstétrica, desde o ano 2020, há uma pequena quantidade de julgados que aderiram à terminologia, mesmo que ainda acarrete apenas a responsabilidade civil. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em Apelação Cível nº AC: 10103335020138260127 SP 1010333-50.2013.8.26.0127, contra um hospital público, que negou atendimento emergencial, a uma gestante mesmo com um quadro de saúde visivelmente crítico, ocorrendo aborto por motivo de aborto da omissão. Esse processo teve como relator J.B. Paula Lima, julgamento em 08/05/2020, 10ª Câmara de Direito Privado, publicação em 08/05/2020. Segue o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de São Paulo:
Responsabilidade civil. Atendimento em pronto socorro. Autora gestante de risco com dor e sangramento. Demora injustificada no atendimento. Paciente com sangramento visível deixada na recepção do hospital. Violência obstétrica. Dano moral caracterizado. Indenização devida. Fixação do valor da reparação à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Sentença reformada. Recurso provido. (TJ-SP – AC: 10103335020138260127 SP 1010333-50.2013.8.26.0127, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 08/05/2020, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/05/2020) (SÃO PAULO, 2020).
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de início reconheceu ser improcedente o pedido de indenização à gestante, no entanto a autora do processo recorreu alegando que ocorreu a demora no atendimento médico que somente foi atendida após várias reclamações, uma vez que chegou ao hospital às 13:50 hr, com fortes dores e sangramento e só passou pela triagem às 14:40 hr com as roupas já cobertas de sangue e implorava para que fosse atendida depressa, porém, ordenaram que aguardasse na sala de espera junto com os outros pacientes (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2020).
A gestante esperou o atendimento mesmo com tanta dor e sangramento bem visível, fez várias reclamações, mesmo após o clamor de vários pacientes que viram a situação e pediram para que ela passasse na frente, foi ignorada pelos profissionais. E somente foi atendida pela médica às 16:00 h quando oi constatado o óbito do feto e a necessidade de cirurgia. Logo, o pedido de indenizações é lastreado no descaso do hospital, pois sofreu situação vexatória, sofreu dano moral e que procede sua pretensão recursal (NAVES, 2021).
Portanto, em 8 de maio de 2020, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a obrigação do hospital de indenizar por danos morais, a gestante que estava com dor e sangrando, aguardando no pronto-socorro, caracterizando demora injustificada no atendimento, resultando em violência obstétrica (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2020). Assim, ressalta-se a Constituição Federal (art. 37, § 6º) que prevê a responsabilidade objetiva do Estado que incide na responsabilização das pessoas jurídicas de direito público ou privado prestadoras de serviços, pelos danos ocasionados por seus agentes.
Caso 2 – Erro médico – Manobra de Kristeller
Neste caso, há uma grande chance de que tenha havido falha na prestação de serviços devido ao uso da manobra de Kristeller, que é uma violência obstétrica ocorrida em um parto normal onde é introduzida pressão excessiva na parte superior do útero para agilizar o parto.
A manobra de Kristeller é um método já comprovado pela ciência de trazer riscos à saúde do nascituro e da parturiente, sendo considerado crime em muitas nacionalidades, como a Venezuela. No território nacional, o Ministério Público já se posicionou na acepção de não indicar este tipo de procedimento, pelas implicações negativas para da parturiente e o nascituro. Sobretudo para a parturiente. No domínio penal, o art. 129 (CP) dependendo da intenção da pessoa e do tipo de lesão que pode ser causada ao paciente. Se deste comportamento resultar lesão corporal culposa, prevê o que está determinado no inciso 6 do artigo 129.º do Código Penal (CARVALHO, 2020).
A jurisprudência brasileira já condenou este tipo de ação, conforme demonstrado abaixo, a apelação Cível realizada no Tribunal de Justiça de São Paulo – TJ-SP abaixo:
APELAÇÃO. INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO. Reclamando os autores (mãe e filho) a condenar o hospital réu ao pagamento de indenização por danos morais em motivo da não prestação de serviços. Sentença de procedência. A responsabilidade objetiva do hospital (CDC art.14). Falta de comprovação da omissão da prestação dos serviços ou da culpa exclusiva dos requerentes do dano sofrido (art. 14, §3º, CDC). Avaliação pericial reconheceram a não prestação do serviço devido ao uso de manobra de Kristeller mal executada e não descartou nexo causal com o dano padecido pelo concepto (hematoma cerebral). Os danos morais foram determinados. Manter indenização no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para cada um dos autores. Adequação do valor da compensação na ausência de sequelas de prematuridade e hipóxia em recém-nascidos. A sentença foi mantida. RECURSOS DESPROVIDOS. (1123283-44.2017.8.26.0100. TJSP. 3º Câmara de Direito Privado. Apelação Cívil. Relator: Beretta da Silveira. Data do Julgamento: 05/11/2021. Data de Publicação: 05/11/2021).
No presente caso, foi evidentemente validada a não prestação de serviços pelo uso da manobra de Kristeller, procedimento considerado pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde como risco à segurança da mãe e do recém-nascido. No caso acima, a operação ainda é realizada de forma inadequada, além de ser confirmando pela perícia que o serviço não foi prestado devido ao uso de uma técnica que proporciona riscos à mãe e ao concepto. Ainda que não há evidências de que um hematoma cerebral do neonatal tenha outra causa que não os movimentos violentos da manobra utilizada (CARVALHO, 2020).
Assim, pode-se notar que na decisão enunciada, o relator explicou que além do caso específico analisado, a manobra de Kristeller não é respaldada pela maioria dos profissionais de saúde por causa aos riscos envolvidos, especialmente se a técnica não for aplicada de forma adequada, como no caso acima mencionado
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após chegar ao término deste estudo e de acordo com a pesquisa revisada, o termo violência obstétrica não possui um conceito único, nem foi definido legalmente devido à ausência de casos específicos que punam os maus-tratos abusos e procedimentos desnecessários que a maioria das mulheres brasileiras estão sujeitas. Dessa maneira, seus direitos e autonomia são subestimados, e a violência muitas vezes não é denunciada, pois muitas mulheres que sofreram a violência acreditam que não teriam efeito contra os profissionais agressores, muito menos criminalizá-los.
A violência obstétrica é uma questão de violência contra a mulher que merece atenção do sistema de justiça para que possa ser combatida e devidamente punida. Esse tema já encontra respaldo em alguns institutos legais, porém, merece regulamentação específica para que possa ser enfrentado com todas as complexidades e especificidades envolvidas no tema, a fim de formar uma proteção efetiva contra a violência contra a mulher no ciclo gravídico-puerperal.
Consequentemente, há a necessidade de uma legislação que defina e criminalize a violência obstétrica. De acordo com a análise dos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional a respeito da violência obstétrica, percebe-se que o parlamento brasileiro já está recebendo subsídios para debater e votar uma regulamentação federal que aborde as necessidades da mulher durante a gravidez e o puerpério, em concordância com os direitos humanos e os direitos das mulheres já contidos em documentos internacionais, em particular os direitos sexuais e reprodutivos.
Logo, os resultados encontrados expressam também a necessidade de promover um ambiente de saúde mais propício tanto para gestantes, quanto para profissionais, principalmente nos hospitais públicos, onde a violência no parto ocorre com mais frequência, mas isso não quer dizer que não aconteça em hospitais privados, como visto no discorrer do estudo, acontece também da mesma forma, mas com menos frequência. Ressalta-se que muitas gestantes acabam se adaptando ao ambiente em que terão seus bebês e, muitas vezes, para impedir a dor e sair rapidamente desse local, acabam cedendo a intervenções desnecessárias que podem ser perigosas ou prejudiciais à saúde. Por esse motivo, mudanças devem ser feitas nas práticas atuais de cuidado para reduzir intervenções desnecessárias, onde os profissionais de saúde devam utilizar procedimentos e intervenções realmente necessários, claros e estruturados e proporcionam um ambiente mais seguro as gestantes.
Por fim, concluiu-se que obteve-se algumas limitações para a realização do estudo sobre violência obstétrica. Primeiramente, o fato de haver escassez de literatura para estudos que abordem direta e objetivamente o problema, tornando urgente a necessidade de que mais pesquisas, principalmente as quantitativas, sejam concretizadas para servir de subsídio e base para a criação de futuras políticas públicas. Assim, diante de tudo o que foi estudado, considera-se premente e urgente essa normativa seja determinada e que a violência obstétrica encontre apoio jurídico que merece, para auxiliar de forma adequada a atuação do sistema de justiça e, assim, colaborar de modo efetivo para a redução da violência obstétrica no exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
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¹Discente do Curso de Direito da Universidade Evangélica de Goiás – Campus Ceres
²Docente do Curso de Direito da Universidade Evangélica de Goiás – Campus Ceres