REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202401080658
AFONSO, Carolina Vasconcelos
Resumo
A violência infantil é um fenômeno que afeta diretamente a saúde mental infantil e o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Este estudo, realizado no Projeto Voar, objetiva identificar sinais de agressividade e violência doméstica nas crianças participantes e promover a conscientização sobre o tema. A pesquisa envolveu 24 crianças, com idades entre 7 e 13 anos, e utilizou peças ilustrativas e perguntas sobre comportamento agressivo e violência. Os resultados indicam que a maioria das crianças já presenciou ou vivenciou cenas de violência doméstica, revelando a necessidade de intervenções psicossociais para apoiar o desenvolvimento emocional saudável das crianças.
Palavras-chave: violência infantil, agressividade, violência doméstica, saúde mental infantil, comportamento agressivo, vulnerabilidade social, intervenção psicossocial, desenvolvimento emocional, prevenção da violência.
1. Introdução
A violência é uma realidade que afeta diversas camadas sociais e se manifesta de formas variadas, seja em conflitos familiares, escolares ou na comunidade. Quando crianças e adolescentes estão envolvidos, ou mesmo apenas expostos a esses episódios, as consequências podem ser devastadoras para seu desenvolvimento psicológico e emocional. A agressividade, frequentemente desencadeada por essas experiências, é um reflexo de fatores internos e externos ao ambiente familiar e social em que a criança está inserida. A presença de violência nas relações familiares e sociais, muitas vezes, contribui para a construção de um comportamento agressivo que pode prejudicar o relacionamento interpessoal e o desempenho acadêmico, além de afetar a saúde mental dos jovens (Figueira; Silva, 2015).
Este estudo, realizado no Projeto Voar, teve como objetivo identificar os sinais de agressividade e violência nas crianças atendidas pelo programa, que oferece suporte social e educacional para crianças de comunidades vulneráveis. Além disso, buscou-se promover uma reflexão e conscientização sobre a violência e suas implicações no comportamento e no desenvolvimento emocional das crianças (Pereira; Lima, 2017).
2. Material e Métodos
Este estudo adotou uma abordagem qualitativa e quantitativa, utilizando o método de pesquisa-ação para identificar sinais de agressividade e violência em 24 crianças atendidas pelo Projeto Voar, com idades entre 7 e 13 anos. A pesquisa foi realizada entre setembro de 2016 e junho de 2017, com a aprovação do comitê de ética da instituição responsável.
O estudo utilizou três peças ilustrativas que retratavam situações cotidianas de violência e agressividade, para gerar discussões e reflexões entre as crianças. Após a apresentação das imagens, foram realizadas perguntas específicas sobre agressividade e violência, para entender melhor como essas crianças percebem e reagem a essas situações (Olweus, 1993).
A análise dos dados foi feita por meio de estatísticas descritivas, tanto qualitativas quanto quantitativas, a fim de identificar os padrões de comportamento e as percepções das crianças em relação à violência e à agressividade.
3. Resultados
Os resultados obtidos na pesquisa revelaram informações importantes sobre as experiências das crianças com violência e agressividade em seus ambientes familiares, sociais e na comunidade:
Violência doméstica: 58,3% (n=14) das crianças afirmaram já ter vivenciado cenas de violência doméstica em sua casa, revelando a presença de um ambiente familiar potencialmente violento (Baker; Nelsen, 2018).
Reações frente à violência familiar: 100% (n=24) das crianças disseram que tentariam se reconciliar com seus familiares ao invés de recorrer à agressão física ou verbal, sugerindo uma conscientização sobre a importância de resolver conflitos de maneira pacífica (Santos; Costa, 2016).
Agressividade entre amigos: 66,7% (n=16) das crianças relataram ter presenciado cenas de agressividade entre amigos, e 16,7% (n=4) indicaram que continuariam a brigar com o colega, evidenciando um padrão de resposta agressiva em alguns casos (Zimbardo; Boyd, 2016).
Violência na comunidade: 83,3% (n=20) das crianças afirmaram ter presenciado ou ouvido falar de casos de violência na comunidade onde vivem, como assaltos e mortes (World Health Organization [WHO], 2002).
Atitudes diante de situações de violência: 83,3% (n=20) das crianças disseram que, ao presenciar uma cena de violência na sociedade, ligariam para a polícia. No entanto, 16,7% (n=4) não tomariam nenhuma atitude para ajudar a vítima (Ministério da Saúde, 2013). Esses resultados evidenciam a presença de violência em diversos contextos da vida das crianças, como na família, entre amigos e na comunidade, e mostram que, apesar das experiências violentas, muitas das crianças têm uma disposição para evitar a agressão física, optando por atitudes mais conciliatórias, como a reconciliação.
4. Discussão
A violência familiar, como evidenciado pelos relatos de 58,3% das crianças, é um fator de risco significativo para o desenvolvimento de agressividade. A exposição constante à violência pode gerar um ciclo de comportamentos agressivos, afetando negativamente o desenvolvimento emocional e social das crianças (Figueira; Silva, 2015). Além disso, a presença de agressividade entre amigos, relatada por 66,7% das crianças, sugere que as relações sociais também são influenciadas por comportamentos violentos, o que pode resultar em dificuldades para estabelecer vínculos saudáveis e respeitosos com os outros (Zimbardo; Boyd, 2016).
Por outro lado, a maioria das crianças demonstrou ter consciência sobre a importância de evitar a violência, com 100% delas afirmando que tentariam se reconciliar com seus familiares ao invés de reagir agressivamente. Esse dado é promissor e sugere que, mesmo em contextos de violência, as crianças ainda mantêm a capacidade de escolher alternativas mais pacíficas para resolver conflitos. No entanto, a pesquisa também revelou que uma parcela das crianças continuaria a brigar com colegas, o que indica a necessidade de intervenções mais aprofundadas para promover habilidades sociais e emocionais que ajudem a prevenir a agressão (Santos; Costa, 2016).
A violência na comunidade, relatada por 83,3% das crianças, reflete um contexto de risco em que elas estão inseridas, o que pode contribuir para o desenvolvimento de comportamentos violentos. No entanto, a atitude positiva de denunciar violência, como foi observada em 83,3% das crianças, indica que a conscientização sobre os direitos e a importância da segurança está sendo cultivada, o que é um passo importante para a prevenção da violência (WHO, 2002).
5. Conclusão
O estudo revelou que as crianças atendidas pelo Projeto Voar estão expostas a diversas formas de violência, tanto no ambiente familiar quanto na comunidade. Embora algumas dessas crianças apresentem sinais de agressividade e violência, muitas demonstram uma compreensão sobre a importância de resolver conflitos de maneira pacífica, o que indica que intervenções como a realizada no projeto são eficazes em promover a conscientização sobre o tema. Contudo, é evidente que a violência familiar e os contextos de risco social têm um impacto significativo no comportamento das crianças, reforçando a necessidade de uma abordagem integradora, que envolva tanto a escola quanto profissionais de saúde, para apoiar o desenvolvimento emocional e social saudável dessas crianças (Pereira; Lima, 2017).
6. Referências
BAKER, L. L.; NELSEN, J. M. The Effects of Domestic Violence on Children: A Review of the Literature. Child Development Perspectives, v. 12, n. 3, p. 187-192, 2018.
FIGUEIRA, M. L.; SILVA, P. A. Violência familiar e o impacto no comportamento infantil.
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas e Comportamentais, v. 10, n. 2, p. 147-156, 2015.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Violência doméstica e seus impactos na saúde mental de crianças e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
OLWEUS, D. Bullying at school: What we know and what we can do. Oxford: Blackwell Publishing, 1993.
PEREIRA, M. A. S.; LIMA, L. D. A violência e seus efeitos na saúde mental de crianças e adolescentes em contexto de vulnerabilidade social. Psicologia & Sociedade, v. 29, n. 2, p. 217-225, 2017.
SANTOS, R. S.; COSTA, A. P. A agressividade infantil: Contextos de risco e estratégias de prevenção. Psicologia em Estudo, v. 21, n. 4, p. 781-789, 2016.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization, 2002.
ZIMBARDO, P. G.; BOYD, J. N. The social animal. New York: Worth Publishers, 2016.