A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E APLICABILIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10173764


Juvenal Soares de Souza1
Enio Walcacer de Oliveira2


RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar a violência doméstica contra a mulher a as medidas protetivas asseguradas na Lei Maria da Penha (Lei 11340/06). A violência doméstica é o espelho da sociedade brasileira alimentada por um machismo oriundo de um sistema patriarcal, refletindo nas relações familiares e sociais, uma sensação de posse por parte dos parceiros sobre o corpo da mulher. Esse crime sofrido por mulheres acontece dentro do próprio ambiente familiar, podendo ser caracterizado pela violência verbal, física, sexual, patrimonial, psicológica, dentre outras. O agressor, na maioria dos casos, é o próprio cônjuge da vítima, o que dificulta a denúncia, seja por dependência afetiva ou financeira, contribuindo com o aumento da cifra oculta no crime de violência doméstica. Como metodologia, adotou-se o método dedutivo, histórico e comparativo, através de uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa. Concluiu-se que a Lei Maria da Penha visa combater a cultura da violência doméstica, mas enfrenta estruturais e culturais. É essencial o compromisso contínuo das autoridades e da sociedade para prevenir e erradicar a violência, promovendo uma cultura de igualdade de gênero e respeito. A eficácia das medidas protetivas depende da aplicação efetiva da lei. A proteção das vítimas é responsabilidade de toda a sociedade na busca por um ambiente seguro e igualitário para as mulheres.

Palavras-chave: Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Medidas protetivas.

1          INTRODUÇÃO

Sabe-se que a violência contra mulheres é um assunto histórico que persiste a muito tempo e atualmente se faz presente no cotidiano, trazendo impactos emocionais graves à saúde mental e física delas. Tal ocorrência culminou na necessidade de um aumento na fiscalização feita de forma correta e concreta, a fim de que as mulheres beneficiadas pela lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, sejam prontamente atendidas, e obtenham todo o aparato necessário para conseguir a tão sonhada segurança e bem-estar, no meio em que vivem, uma vez que, na maioria das vezes, as vítimas não possuem a certeza de estarem em segurança.

Entretanto, sabe-se que a violência contra a mulher no país tornou-se algo comum e até mesmo banal, sendo fato corriqueiro entre as pessoas, ignorado por muitos com grande facilidade. Diante de tais circunstâncias, a violência contra a mulher não tem tido a devida importância social, fazendo assim, com que a vítima de maus tratos, absorva o medo, tentando omitir cada vez mais a violência.

Diante do exposto, vem à tona o seguinte questionamento: quais os obstáculos para a efetivação das medidas protetivas criadas pela Lei Maria da Penha?

Este estudo tem como objetivo analisar a violência doméstica contra a mulher a as medidas protetivas asseguradas na Lei Maria da Penha (Lei 11340/06). Como objetivos específicos: a) abordar sobre a violência doméstica e seu ciclo; b) analisar sobre o surgimento da Lei 11.340/06 e suas principais garantias para a mulher e c) identificar as medidas protetivas criadas a partir da lei, sua eficácia e possíveis obstáculos para implementação.

Para a realização do presente estudo foi utilizado o método dedutivo, pelo fato de o principal ponto a ser discutido é criminalidade no âmbito doméstico contra a mulher e a efetivação das medidas protetivas a partir da Lei Maria da Penha. Relativamente ao procedimento utilizaremos o método histórico e comparativo, a partir dos principais autores e suas respectivas obras: Caetano et al (2020), Penteado Filho (2017), Nucci (2017), Dias (2019), dentre outros que foram de extrema relevância para construção deste trabalho. A técnica escolhida para a recolha de dados será a pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa, constituída através de registro, análise e interpretação dos dados de periódicos diversos e bibliografia pública, utilizando de monografias, teses, dissertações, artigos, acórdãos de Tribunais, leis e atos normativos dentre outros. A abordagem permitiu obter elementos para a compreensão sobre o assunto abordado.

A coleta de dados foi realizada nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico. A busca aconteceu através das palavras chaves: violência doméstica; lei Maria da Penha; medidas protetivas. Pelo objetivo de uma análise da aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/206) em tempo recente, será priorizado a utilização de periódicos com ano de publicação dos últimos 10 anos, entre 2013 e 2023.

2          A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A sociedade brasileira foi instruída desde sempre ao sistema patriarcal, conhecido também como “sistema dos homens”, criado por eles e para eles, em todos os âmbitos, sejam eles sociais ou econômicos, o gênero masculino estava sempre no controle. A mulher era sempre vista como companheira deles. Mantidas sempre como objeto de propriedade dos seus maridos (VIEIRA et al., 2020). O patriarcado se alastrou ao ponto de repercutir nas esferas legislativas, como cita Dias (2010, p. 85):

O Código Civil de 1916: Obrigava a mulher a usar o nome do marido. A imposição da mudança de um dos atributos da personalidade tinha por justificativa a necessidade de identificação do núcleo familiar surgindo a partir do casamento. A feição marcadamente patriarcal da sociedade da época impunha a sinalização da nova família deveria ocorrer por meio do patronímico do varão.

O machismo estrutural e a forma como o sistema patriarcal tornou todas as coisas, se expressa como a maneira vista do comportamento do homem e da mulher são diferentes no ambiente social, mesmo ambos tendo condutas iguais, esclarecendo a forma como o sexo masculino é observado como superior. Segundo Dias (2019), a diferença de tratamento entre os gêneros ultrapassa limites biológicos, é uma maneira incisiva de segregação na sociedade, refletindo na forma como a mulher tem sempre seus direitos suprimidos quando colididos com os interesses dos homens.

A violência doméstica é o espelho da sociedade brasileira alimentada por um machismo oriundo de um sistema patriarcal, refletindo nas relações familiares e sociais, com uma sensação de posse por parte dos parceiros sobre a mulher. Ainda hoje, existe a expressão popular “briga de marido e mulher, não se mete a colher”, ditado usado por muitos anos para silenciar os gritos de socorros de mulheres violentadas, deixando-os omissos de socorro, sendo a violência doméstica normalizada por toda uma coletividade de pessoas (SILVA, 2017).

Segundo a Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, violência doméstica e familiar contra a mulher constitui em qualquer ação ou omissão, em virtude do gênero mulher, que cause algum tipo de sofrimento físico ou psicológico, seja ele morte, lesão, agressão sexual, dano moral e patrimonial (BRASIL, 2006).

A violência contra a mulher assume várias formas, que pode ser praticada por parceiros, familiares ou pessoas desconhecidas, sendo do sexo masculino ou feminino. No entanto, devido à alta existência da violência praticada por parceiros masculinos no contexto doméstico, o cenário da violência praticada por homens heterossexuais contra suas parceiras é a que mais atormenta a sociedade (ALVES; OPPEL, 2021). Segundo Vieira (2020) observa-se a inexistência de um perfil para às vítimas, sendo na maioria das situações o agressor o próprio companheiro, atuando por motivos fúteis, injustificada tal conduta.

De acordo com Vieira, Garcia e Maciel (2020) a violência doméstica, propriamente dita, adquire-se deste nome pode acontecer no interior da casa da vítima, aonde o agressor, na maioria das vezes, é uma pessoa em que a mulher tinha contato ou ainda tem alguma relação intima.

Historicamente se observa que a impunidade no Brasil existe desde o período colonial, com isso é possível observar que atos que comprometem os direitos humanos são uma resposta do descaso do governo, o que acaba contribuindo para as diversas formas de violência, em especial, a doméstica. Corroborando com tal perspectiva, Silva (2017) destaca que a violência contra a mulher infelizmente é um mal enraizado na sociedade brasileira e mundial, consequência de uma evolução de hábitos culturais machistas e patriarcais que sempre estiveram presentes passadas de geração em geração. Vistas como um ser secundário não tinham proteção nem amparo algum ante a sociedade e eram submissas ao cônjuge, não conheciam dos seus direitos.

De acordo com o anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2019, a cada dois minutos era feito um Boletim de Ocorrência em alguma delegacia no país com denúncia de vítima de violência doméstica. A autora ainda complementa que no ano de 2020, devido a pandemia da COVID-19, o número de denúncias aumentou cerca de 18%, comparado ao mesmo período do ano de 2019 (VEIRA; GARCIA; MACIEL, 2020).

Segundo Basílio (2020) em 2020, o Brasil registrou oficialmente a morte de 1338 mulheres em razão da condição do gênero – violência doméstica. Quantidade essa que se enquadra na criminalidade real, entretanto no mesmo ano 13 milhões de mulheres disseram ter sido alvo de algum tipo de violência doméstica.

O movimento feminista foi criado para representar o combate ao preconceito e exclusão das mulheres, na garantia de seus direitos, para mudar o antigo conceito de que as mulheres são objetos dos homens, e mostrar que as mulheres fazem parte da sociedade como um todo, assim como ressaltar sua importância dentro do contexto histórico (FORNARI et al., 2021).

No entanto, é fato a presença de uma divisão objetiva dos papéis em que, o homem é o responsável por prover o sustento do lar, com autonomia para determinar regras e delegar funções, enquanto a mulher é responsável pelo trabalho doméstico unicamente as atividades realizadas dentro de casa (SILVA et al., 2019). Ainda há inúmeras barreiras a serem rompidas, no que diz respeito a situação de igualdade de gênero, levando em consideração que muitos pontos de vistas machistas são provenientes também de mulheres, que foram criadas e educadas em ambientes submissos e com subjugação social (FORNARI et al., 2021). 

É importante ressaltar que diversos casos de violência que as mulheres sofrem podem ser caracterizados pelo contexto que vêm do aspecto social e econômico em que algumas mulheres se encontram, devido à falta de educação, cultura e saúde, o que demonstra que as medidas para inclusão social e desenvolvimento educacional da mulher devem ser criadas para melhorar a situação daquelas que não possuem condições de alcançar algum tipo de independência (COLOSSI; FALCKE, 2017). 

Segundo Alves e Oppel (2021) ainda com diversas mudanças, a questão da desigualdade de gênero ainda não foi extinta, mas sim repensada. Deste modo, as mulheres ainda possuem um longo caminho a percorrer. Dentro deste contexto, compreende-se que o poder dos homens sobre as mulheres ainda existe e é muito presente na vida conjugal.

3          CICLO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A violência se traduz como sendo o uso de palavras ou ações que machucam as pessoas. É a violência também o uso abusivo ou injusto do poder, assim como o uso da força que resulta em ferimentos, sofrimento, tortura ou morte (DIAS, 2019). Entre as formas que a violência pode assumir, uma particularmente vem chamando atenção nos últimos anos: a violência doméstica. Pode-se dizer que o ciclo da violência se compõe de três fases distintas (COLOSSI; FALCKE, 2017). 

A primeira fase é a construção da tensão no relacionamento. Nessa fase podem ocorrer incidentes menores como agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruição de objetos etc.  Na tentativa de acalmar o agressor, a mulher encontra-se aflita e reclusa a qualquer atitude que possa o “provocar”. Diversos sentimentos podem ser identificados nessa fase, como: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão, são os principais (SOUSA; SILVA, 2019). Na maior parte dos casos, a mulher se nega a aceitar a situação vivenciada, escondendo a situação das demais pessoas, concluindo que fez algo para justificar o comportamento violento do agressor ou que seja uma situação atípica devido a estresses do trabalho, por exemplo. Essa fase pode ter um período médio de semanas ou anos, entretanto, com sua decorrência, a situação levará a segunda fase (TRINDADE; RITT, 2016).

Na segunda fase, acontece a violência em si, correspondendo a explosão do agressor, a qual o não controle leva a violência física. Neste momento, a tensão ocorrida na primeira fase se transforma além da violência física, também na verbal, psicológica, moral ou patrimonial. Ainda que a mulher esteja ciente do descontrole do agressor e de seu potencial destrutivo em relação a sua vida, ela encontra-se paralisada e sem possibilidade de reação (HERMANN, 2018). É observado, nessa fase, que a vítima sofre de uma tensão psíquica grave, ocasionando na perda de peso, insônia, fadiga constante, ansiedade, medo, solidão, ódio, pena de si mesmo, vergonha, confusão e dor. Em alguns casos, a mulher decide enfrentar a situação e procura ajuda, denunciando, indo a casa da família ou amigos, solicita o divórcio, ou em casos mais graves, encontra solução no suicídio. E, consequentemente, o agressor se distancia da vítima (CUNHA; SOUSA, 2017).

Entretanto, a partir de uma entrevista com mulheres que sofreram/sofrem com a violência doméstica, é na terceira fase que a vítima cria a ilusão de que seu companheiro irá mudar e decide não o denunciar, isso porque, essa fase é caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. Essa fase também é descrita pela vitimização do agressor, deixando a vítima em uma situação de manipulação, e considerando que a violência como resultado de suas próprias condutas, a partir disso, a violência cometida contra ela é invisibilizada (CORDEIRO, 2018).

Durante um tempo, a situação se acalma, e a mulher sente-se feliz novamente por identificar esforço pelas mudanças de atitude do agressor, relembrando de bons momentos que passaram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor (DIAS, 2019).

Entretanto, devido ao estresse vivenciado, a mulher continua vivendo um misto de sentimentos, com a sensação de medo, confusão, culpa e ilusão. Por fim, novamente a tensão volta, e consequentemente, as agressões da primeira fase (CORDEIRO, 2018).

No que diz respeito à violência doméstica, o homem ao praticar esse crime se baseia em três pilares: o controle, a força e o poder punitivo (SOUSA; SILVA, 2019). Sendo assim, Cordeiro (2018) contextualiza esse tipo de violência como um crime de poder, tendo em vista “que o macho deve dominar a qualquer custo”, e a mulher deve aceitar as agressões, pois seu “destino” assim determina. 

Se faz necessário evidenciar que o ciclo que envolve violência doméstica é somente um padrão global que, em cada situação, irá se manifestar de forma diferente, onde os próximos incidentes podem ser ainda mais violentos e acontecer com maior frequência e intensidade, resultando muitas vezes, em assassinato (CUNHA; SOUSA, 2017).

Entende-se, de acordo com a literatura, que a violência doméstica causa diversos de danos e seus tipos de agressões afetam o pleno desenvolvimento mental e psicológico da mulher, ocasionando em sequelas emocionais (HERMANN, 2018). Deve-se levar em consideração em relação a este contexto, que em muitas culturas, inclusive no Brasil, a mulher sofre discriminação em diversas áreas de sua vida, até mesmo no meio familiar, que teoricamente, deveria ser um ambiente seguro e livre de qualquer tipo de situação constrangedora e tóxica.

4          LEI MARIA DA PENHA

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, juntamente com outros tratados internacionais, já incorporava conceitos relacionados à violência doméstica e familiar. No entanto, somente com a promulgação da “Lei Maria da Penha”, a violência doméstica passou a ser oficialmente reconhecida como crime no Brasil (CAVALCANTI, 2012, p. 48).

Os artigos 5º e 7º desta legislação introduzem no âmbito jurídico conceitos abrangentes de violência doméstica e familiar. Enquanto o artigo 5º fornece uma definição de violência doméstica, o artigo 7º elenca as diversas formas pelas quais essa violência pode se manifestar, exigindo uma análise conjunta desses dispositivos para uma interpretação precisa do tema.

A criação da Lei n.11.340/06 transcende a mera proteção da vítima. Trata-se de uma legislação que engloba medidas não apenas para a repreensão, mas também para a prevenção e, por conseguinte, a erradicação da violência doméstica e familiar contra as mulheres, incluindo a implementação de medidas protetivas, meios educativos.

No contexto brasileiro, a luta pelo combate à violência de gênero e a proteção das mulheres ganhou destaque com a criação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). A lei recebeu esse nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher que sofreu violência doméstica por parte de seu marido por mais de 20 anos e se tornou um símbolo de resistência e luta contra a violência de gênero no Brasil (LINS, 2021).

Maria era casada com o professor universitário Marco Antônio Heredia Viveros, tiveram três filhas e moravam em Fortaleza. Em 1983, seu marido simulou um assalto, e disparou um tiro em suas costas (BIANCHINI, 2018). O crime resultou na paraplegia de Maria da Penha. Já na segunda tentativa, Marco tentou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho. Constata-se que as agressões não aconteceram de uma hora para outra,  mas sim, ao longo do casamento, Maria sofreu diversas formas de agressões e intimidações, porém nunca reagiu por medo (HERMANN, 2018).

Após fazer a denúncia e ficar inconformada com a impunidade da lei, Maria decide escrever um livro relatando a sua história – Maria da Penha Maia Fernandes, Sobrevivi, posso contar – e as agressões sofridas por ela e suas filhas. Vale ressaltar que, o julgamento quanto à primeira tentativa de homicídio ocorreu em 1991, ou seja, 8 (oito) anos após a prática do crime e, o da segunda tentativa, no ano de 1998, 15 (quinze) anos após a prática. Quando faltavam seis meses para a prescrição do crime, o réu foi condenado a 8 anos, mas foi liberado depois de cumprir apenas dois anos de prisão (DIAS, 2019).

A divulgação do livro provocou uma inestimável repercussão mundial, tal que o Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) formalizaram uma petição contra o Estado Brasileiro relatando o caso de Maria da Penha, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estudos Americanos, que passou a julgar o presente caso (LINS, 2021).

O Brasil foi condenado internacionalmente em 2001, o relatório nº 54/2001, além de estabelecer o pagamento de indenização no valor de 20 (vinte) mil dólares em favor da vítima, responsabilizou o Estado brasileiro por “omissão, tolerância e impunidade” no que se refere à violência doméstica (HERMANN, 2018).

A persistência de Maria da Penha e o apoio de organizações de direitos das mulheres e defensoras dos direitos humanos chamaram a atenção para a necessidade de uma legislação mais rigorosa para lidar com a violência doméstica. Sua luta e determinação resultaram na criação da Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que representa um marco legal na busca por erradicar a violência contra as mulheres no país (LINDEMANN, 2023).

Ela abrange diversos tipos de violência, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, e estabelece medidas de proteção e prevenção, bem como direitos das vítimas. Além disso, a lei também prevê a criação de juízes especializados, programas de recuperação para agressores e mecanismos de assistência às mulheres em situação de violência (MARQUES, 2023).

Deste modo, com a criação dessa lei as mulheres obtiveram reconhecimento, direito e proteção, visto que, a Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher fazendo com que as vítimas dessa violência deixassem o anonimato e fossem em busca de justiça (VETORETTI, 2015).

5          MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, representou um marco significativo no combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil. Dentre as muitas disposições dessa legislação, um aspecto de grande importância são as medidas protetivas, que desempenham um papel crucial na prevenção e na proteção das vítimas.

Essas medidas legislativas e regulamentares visam proteger mulheres que se encontrem em situação de risco devido à violência de gênero. Segundo XXXXX, fazem referência um tipo de atendimento emergencial destinado a quem sofre a violência doméstica, tanto para salvaguardarem sua integridade física, psicológica e patrimonial, como para imporem injunções contra o agressor visando os objetivos antes mencionados. Seu intuito seria que a partir do primeiro contato com a vítima, pudesse lhe ser conferida cuidado e segurança quanto ao agressor.

De acordo com as observações de Batista (2009, p. 17), o elemento mais inovador e digno de elogios presente na lei está relacionado às Medidas Protetivas de urgência (art. 22, 23 e 24). Essas medidas delineiam uma série de ações que podem proporcionar um nível adequado de segurança no encaminhamento da solução para conflitos domésticos, inclusive aqueles de natureza patrimonial. Estabelecer critérios que regulem a adequada essas Medidas Protetivas de urgência, considerando seu caráter preventivo, o que torna um avanço notável na lei, e, ao mesmo tempo, limitando a extensão de seu uso em questões penais, emerge como uma tarefa de suma importância para a legislação brasileira ao lidar com a execução dessa legislação.

A partir do exposto, se entende que as Medidas Protetivas são instrumentos criados pelo Estado a fim de resguardar e proteger a integridade física, moral, patrimonial, sexual e psicológica da ofendida e impedir novas investidas do agressor, e podem ser solicitados tanto pelas próprias vítimas quanto pelo Ministério Público ou pelas autoridades policiais.

Uma referência ao artigo 23 da Lei Maria da Penha, que detalha os casos em que o juiz pode deferir as Medidas Protetivas de Urgência, contribui para a compreensão do processo legal envolvido nessa questão.

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I – encaminhar à ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; […] III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV – determinar a separação de corpos. (BRASIL, 2006).

Elenca ainda, no art. 24 da Lei n. 11.340/06, algumas medidas de cunho patrimonial podendo ser verificada a preocupação do legislador de estabelecer não só a proteção física da vítima, mas também proteção patrimonial conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, podendo o juiz determinar liminarmente, medidas, dentre como:

I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. (BRASIL, 2006).

Observa-se que a depender da situação da vítima e da necessidade de urgência as medidas descritas nesse artigo e no antecedente, podem ser concedidas, sem a necessidade da prévia manifestação do Ministério Público. Porém o magistrado é obrigado a comunicar o órgão após o deferimento do pedido (DIAS, 2013).

Importante mencionar também, decorrente do Projeto de Lei do Senado nº 8.305, de 17 de dezembro de 2014, em 9 de março de 2015 foi publicada a Lei nº 13.104, alterando o artigo 121 do Código Penal, criando-se uma modalidade de homicídio qualificado, que passou a ser denominado de feminicídio (SILVA, 2019).

O referido texto legal promoveu ainda a alteração no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que trata dos crimes hediondos, incluindo o feminicídio no seu rol. Com a mudança, o artigo supracitado do código repressivo passou a ter a seguinte redação:

Art. 1º São considerados hediondos os crimes de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), extorsão qualificada pela morte, (art. 158, § 2º), extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º), estupro (art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único), epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º), envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte (art. 270, combinado com o art. 285), todos do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e de genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956), tentados ou consumados. 

Conforme citado, o §2º-A, incisos I e II, do artigo 121, caracteriza a ocorrência do tipo penal quando o crime envolve violência doméstica e familiar (I), ou ainda, em detrimento do menosprezo ou discriminação à condição de mulher (II). Para sua incidência, no caso do §2º-A, inciso I, não basta que o crime seja consumado no âmbito da violência doméstica, ou seja, dentro do espaço doméstico, no convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, ainda que esporadicamente ligadas a este espaço de convívio. Tal violência doméstica caracterizadora do feminicídio precisa estar agregada ao fator do gênero feminino (NUCCI, 2017)

Por conseguinte, no § 2º-A do mesmo artigo, o Código Penal elenca as situações que são consideradas como razões de condição do sexo feminino: violência doméstica e familiar, menosprezo à condição de mulher ou discriminação à condição de mulher (SAFIOTTI, 2014).

Com todas essas modificações, consequentemente, o réu que cometer tal crime deixa responder pelo homicídio simples com pena prevista de 06 a 20 anos, aumentando a pena, já que qualificado, para 12 a 30 anos (HEIDE, 2010).

Peceitua o art. 112, caput, da Lei de Execução Penal que a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado por atestado emitido pelo diretor do estabelecimento. (MARCÃO, 2012, p. 153).

Logo, de acordo com a Lei de Execução Penal sob o nº. 7.210/1984, a progressão de regime dá-se após o cumprimento de 1/6 da pena se o crime não é hediondo, com fulcro no artigo 112, da LEP. Tem-se, também, a promulgação da Lei 14.550/23, que acrescenta parágrafos ao artigo 19 da Lei Maria da Penha, representando um importante capítulo na evolução das políticas de combate à violência de gênero no Brasil. Esta nova legislação, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi projetada com o objetivo de ampliar a proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, demonstrando um compromisso contínuo com a segurança e o bem-estar das vítimas (LINDEMANN, 2023).

A conexão entre a Lei Maria da Penha e a Lei 14.550/23 é evidente, pois a primeira já havia medidas protetivas cruciais previstas para as vítimas de violência de gênero. No entanto, a legislação mais recente procura melhorar e reforçar essas medidas, conferindo maior exigência à sua aplicação. Isso significa que as autoridades têm a responsabilidade de implementar e cumprir as medidas protetivas de urgência de maneira mais eficaz, garantindo assim uma resposta mais eficaz à violência contra as mulheres (SILVA NETO, 2023).

Essa medida se insere em um contexto de evolução constante das políticas de combate à violência de gênero, onde a sociedade e os legisladores estão cada vez mais conscientes da importância de proteger as vítimas e responsabilizar os agressores. A luta contra a violência de gênero é uma batalha contínua, e as mudanças legislativas como a Lei 14.550/23 são passos importantes na direção certa. Elas refletem o reconhecimento de que a segurança das vítimas deve ser uma prioridade absoluta e que as leis devem evoluir para atender às necessidades em constante mudança das mulheres que enfrentam a violência doméstica e familiar.

Desse modo, observe-se que, de acordo com Nucci (2017, p. 876) “a nova Lei, que busca avanço e celeridade na solução dos problemas da mulher agredida, olvidou que o magistrado possa decretar medidas de urgência ofício, conforme o caso e de acordo com a proteção.” (NUCCI, 2017, p. 876). Conforme a perspectiva de Cavalcanti (2012, p. 239), todas essas medidas de proteção desempenham um papel fundamental e devem ser aplicadas quando a situação assim for exigida, a fim de garantir a plena satisfação dos interesses da vítima de violência doméstica e de seus familiares.

Portanto, ressalta-se que os propósitos que motivaram a promulgação da Lei n.11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, transcenderam a mera punição dos agressores. Esta legislação representa um marco ao abranger medidas que não apenas visam a proteção da vítima, mas também visam a prevenção e, consequentemente, a erradicação da violência doméstica e familiar contra as mulheres. Isso inclui a previsão de meios educativos, conforme destacado por Hermann (2018). A Lei Maria da Penha, portanto, almeja uma transformação cultural e social, contribuindo para criar uma sociedade mais justa e igualitária, na qual a violência de gênero seja efetivamente combatida.

Segundo Nucci (2017), a eficácia das medidas protetivas muitas vezes depende da prontidão e eficiência do sistema de justiça em aplicá-las de forma rápida e consistente. A demora na concessão das medidas ou na fiscalização do seu cumprimento pode permitir que o agressor continue a ameaçar ou agredir a vítima, comprometendo sua segurança.

Além disso, a falta de estrutura e recursos adequados nas instituições encarregadas de acompanhar e fazer cumprir as medidas protetivas pode prejudicar a eficácia do processo. Isso inclui a falta de pessoal capacitado, a proteção de abrigos para as vítimas que precisam ser refugiadas e a ausência de programas de reabilitação para os agressores.

Outro desafio significativo é a subnotificação e a falta de denúncia por parte das vítimas. Muitas mulheres têm medo de denunciar seus agressores, temendo retaliações ou represálias, o que pode impedir que medidas protetivas sejam aplicadas nos casos mais atuais delas.

Além disso, a falta de conscientização e educação sobre a Lei Maria da Penha e as medidas protetivas é um obstáculo importante. Tanto as vítimas quanto a sociedade em geral precisam estar cientes dos seus direitos e da existência dessas medidas para que possam ser utilizadas de forma eficaz.

Deste modo, embora as medidas protetivas representem um avanço na luta contra a violência de gênero, os desafios que cercam sua eficácia são evidentes. Para superar esses obstáculos, é necessário um esforço conjunto que envolva não apenas o sistema de justiça, mas também a sociedade como um todo, a fim de garantir a plena proteção das vítimas de violência doméstica e familiar.

6          CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo, foi possível realizar uma análise profunda da relação entre o patriarcado e a dominação masculina na sociedade brasileira, diante do persistente problema da violência doméstica. Embora o tema tenha ganhado visibilidade específica atualmente, é importante ressaltar que se trata de um problema atual que ainda persiste e se intensifica.

Ao analisar a questão da violência de gênero no Brasil, identificou-se raízes históricas profundas de machismo, patriarcado e opressão, que perpetuam a desigualdade de gênero e a subjugação das mulheres.

Conforme descrito neste estudo, um dos desafios mais enfrentados pelas mulheres que sofrem com a violência doméstica está relacionado ao vínculo com o agressor, que se torna uma ameaça constante e, muitas vezes, garante a impunidade. A violência doméstica, por ser frequentemente perpetrada por parceiros da vítima, muitas vezes resulta na não notificação do crime. Isso ocorre devido à dependência financeira e emocional das vítimas, bem como ao medo de retaliações, que as impede de buscar ajuda ou de se afastar de seus agressores.

Por isso, é essencial que a cultura de tolerância à violência de gênero seja combatida de forma contundente, fomentando uma sociedade mais igualitária e respeitosa. A erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher é um objetivo das medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha, e que representa um marco importante na proteção das vítimas de violência doméstica e familiar. No entanto, como discutido ao longo deste estudo, a eficácia dessas medidas enfrentadas desafios urgentes que vão desde questões estruturais do sistema de justiça até barreiras sociais e culturais que impedem a denúncia e a aplicação das medidas.

Para que as medidas protetivas cumpram o seu papel de prevenir e erradicar a violência doméstica, é fundamental um comprometimento contínuo das autoridades, da sociedade e dos órgãos competentes. É necessário promover uma cultura de respeito, igualdade de gênero e justiça, para que a violência contra a mulher seja inaceitável e punida de forma eficaz.

A eficácia das medidas protetivas da Lei Maria da Penha não depende apenas da existência da legislação, mas da capacidade do sistema de justiça e da sociedade em geral de garantir que essas medidas sejam aplicadas de maneira eficaz. A proteção das vítimas de violência doméstica é uma responsabilidade compartilhada que deve ser abraçada por todos os setores da sociedade, com objetivo de criar um ambiente seguro e igualitário para todas as mulheres.

REFERÊNCIAS

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Juvenal Soares de Souza – Bacharelando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC1
Enio Walcacer de Oliveira – Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos, especialista em Ciências Criminais e em Direito e Processo Administrativo. Graduado em Direito e em Comunicação Social, todos os cursos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Professor de Processo Penal pela Fasec. Professor do curso de pós graduação em Ciências Criminais da UFT e de Processo Penal no curso de Pós Graduação da Idasp. Escritor de obras jurídicas. Delegado de Polícia Civil do Tocantins2