THE VIOLATION OF HUMAN RIGHTS IN THE PRISON SYSTEM
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th1024112210511
Alessandra de Oliveira araújo1
Eduardo Sander 2
Jader Rodrigo Vieira Rigo3
Resumo
O estudo em questão tem como objetivo analisar a relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o sistema penitenciário brasileiro, no qual os direitos essenciais dos detentos, como saúde, higiene, integridade física, reputação, alimentação e recreação, são frequentemente desrespeitados. É feita uma análise da evolução das punições e do tratamento dado aos presos ao longo da história, indo desde a justiça divina, passando pela justiça privada até chegar à justiça pública, que representa o direito do Estado de aplicar punições, sendo a prisão a principal delas. São abordados temas como o sistema carcerário, modalidades de cumprimento de pena, formas de aplicação de penas, objetivos das penas, medidas de prevenção e repressão, legislação penal, alternativas à prisão, ressocialização dos presos e a situação de inconstitucionalidade estrutural. A metodologia empregada inclui a consulta de obras de autores especializados e o exame da legislação pertinente ao tema em questão.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Pena de liberdade. Precariedade de assistência médica. Superlotação. Violação dos direitos humanos.
1 INTRODUÇÃO
Neste estudo, iremos tratar de um assunto de extrema importância no cenário jurídico, que consiste em analisar a questão da dignidade do ser humano no ambiente prisional e as infrações constitucionais cometidas contra os detentos no Brasil, além de avaliar as ações dos órgãos públicos relacionadas a esse tema.
Aborda a questão da punição ao longo dos diferentes períodos históricos da humanidade, considerando a aplicação das penas, o conceito de direito de punir, a utilização da prisão como principal forma de punição e sua transformação ao longo do tempo. Procura-se analisar, com base nos direitos e garantias fundamentais da legislação interna e do direito internacional, o modo como os presos são tratados no sistema prisional nacional.
Uma avaliação é realizada sobre a Lei de Execução Penal, que controla o sistema carcerário do Brasil, sua eficácia, a observância dos princípios nela contidos, as exigências e critérios mínimos definidos pelo legislador.
Questões como execução da penalidade, modelo de execução da penalidade, variedades de penalidades no sistema judicial brasileiro, alternativas à prisão, encarceramento, custódia, penalidade financeira e trabalho comunitário são analisados como alternativas para reduzir a taxa de aprisionamento no Brasil.
Partindo da base da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a dignidade da pessoa humana como o princípio central de todo o sistema jurídico, procura-se enxergar o indivíduo preso como detentor dos mesmos direitos básicos garantidos a todos, sendo o cumprimento da pena de maneira digna a punição pelo ato cometido de forma injusta.
Da mesma forma, é debatido o cenário em que não se contenta apenas com a restrição da liberdade, mas também se busca impor aos detentos um tratamento desumano, desconsiderando a violação de seus direitos fundamentais além da sua privação temporária de liberdade conforme previsto na legislação.
Após análise, foi constatada a existência de uma situação inconstitucional no sistema carcerário do Brasil, onde os direitos humanos universalmente reconhecidos são constantemente desrespeitados de forma sistemática.
2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana é a maneira como cada indivíduo deve ser respeitado para que sua essência humana seja protegida, ou seja, um tratamento essencial para garantir sua existência como ser humano. O respeito à dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais adotados pela República Federativa do Brasil.
É o fundamento fundamental de qualquer sistema legal. Este princípio ganhou importância internacional, principalmente após os acontecimentos terríveis da Segunda Guerra Mundial, onde os atos terríveis, como o holocausto, revelaram o lado mais sombrio da humanidade em relação ao próximo.
Esse princípio deve ser aplicado a todos, sem distinção, e não pode ser ignorado de forma alguma, por nenhum motivo, independentemente de quem sejam os destinatários. Os presos não devem ser tratados de outra maneira, uma vez que a prisão já é a punição pelo crime cometido, não sendo justificável qualquer forma adicional de violência por parte do Estado.
Com base no princípio da dignidade humana, é intolerável qualquer forma de tratamento desumano para aqueles que estão privados de liberdade. Tortura física e mental, condições precárias de moradia, superlotação de celas e ausência de assistência legal são exemplos das violações enfrentadas pelos detentos no sistema prisional do Brasil.
Grande parte da sociedade brasileira, principalmente os moradores das áreas periféricas e favelas, ou seja, excluídos da sociedade, sofrem com a violação de seus direitos humanos, devido à extrema desigualdade social e à concentração de riqueza nas mãos de poucos, resultando em pobreza, violência, ausência de infraestrutura básica, moradias precárias e acesso limitado aos serviços de saúde pública.
Não havia expectativa de um ambiente mais favorável nas penitenciárias. Na realidade, a situação da sociedade em geral contribui para agravar a condição dos presídios, tornando a insensibilidade quanto às condições deploráveis em que os detentos são colocados, justificando que estão lá por escolha própria e que o Estado não deve investir na melhoria do sistema, enquanto a população lida com seus próprios desafios.
No entanto, é fundamental que a dignidade da pessoa seja respeitada em todos os setores da sociedade, não apenas nos presídios, mas também nas demais áreas que envolvem a população em geral. É necessário reconhecer a importância de um tratamento digno para todos os seres humanos, sem exclusão de nenhum cidadão.
Ao longo da história da humanidade, podemos observar a influência dos equívocos cometidos pelos indivíduos contra seus semelhantes, como a escravidão, a inquisição, as múltiplas guerras e conflitos que surgiram ao longo dos tempos, juntamente com outros eventos que desrespeitaram a dignidade da pessoa humana.
No que diz respeito à punição, ao longo da história, conforme Zaffaroni (1999, p. 157), houve diferentes estágios. Inicialmente prevalecia a vingança particular, conhecida como “justiça com as próprias mãos”, caracterizada pela brutalidade e pela imposição de castigos ao transgressor das leis. Em seguida, surgiu a fase da vingança pública, na qual a aplicação das penas passou para o poder do Estado, sendo que durante a Idade Média a execução das penas esteve relacionada com a ideia de tortura, até chegar à concepção de humanização e respeito à dignidade na execução das penas, com o surgimento da Era do Iluminismo.
A moral geralmente divide o procedimento histórico de impor castigos em diferentes estágios, incluindo: retaliação pessoal, retaliação divina, retaliação coletiva e era humanitária. Logicamente, ao longo do tempo, houve uma evolução até os dias modernos. A retaliação pessoal é vista como a fase mais antiga na história da punição, marcada pela presença de práticas primitivas e retrógradas. Naquela época, não havia uma justiça verdadeiramente equitativa, muitas vezes voltada para os menos favorecidos e vulneráveis.
Quanto à justiça divina, reflete-se nos ensinamentos religiosos, que se baseiam em princípios relacionados à divindade. As normas punitivas eram registradas em textos sagrados. Nesse contexto, de acordo com Teles et al (2004, p. 1016), “a punição era decidida arbitrariamente, sendo os deuses aqueles ofendidos pelas ações criminosas e os sacerdotes, responsáveis pela aplicação da pena, buscando assim a satisfação da divindade através da punição”.
Durante a época da retaliação dos deuses, era notável a crença fervorosa dos povos antigos em divindades. Eles acreditavam que diversos eventos naturais, como as inundações, precipitações e períodos de estiagem, eram causados e controlados pelas forças divinas. Nesse sentido, os deuses eram reverenciados e adorados constantemente, na esperança de alcançar prosperidade.
A retaliação pública estava ligada ao aumento do poder do Governo, através de punições rigorosas e as conhecidas punições em local público. De acordo com Mirabete (2004, p. 30), “com a evolução da sociedade, chegou-se à era da retaliação pública. Com o objetivo de garantir maior estabilidade ao Estado, buscou-se proteger o príncipe ou soberano através da imposição de penas, ainda que duras e impiedosas”.
A retribuição pública remete a uma fase social mais organizada, em que havia intervenção direta do Estado, visando assim a sua própria proteção. A punição pública ficou marcada principalmente pelas executações famosas que aconteceram em espaços públicos na Europa durante o século XVIII. Em relação à retribuição pública:
Durante esse tempo, evidenciaram-se os tormentos físicos. Indivíduos eram desmembrados, marcados com ferro em brasa, entre outras punições brutais. A punição era executada em local público, de modo que todos testemunhassem as consequências para aqueles que cometessem atos ilícitos.
Na etapa final, é evidente o momento humanitário, no qual foram notados manifestações feitas, por exemplo, por pensadores e políticos. No fim do século XVIII, o Iluminismo iniciava uma fase considerada mais humanizada para a legislação penal.
De acordo com os estudos de Selson e Silva (2012, p. 09), no século XVIII surgiu o que os pesquisadores denominaram como Humanitários. Conhecido também como “século das luzes”, esse período resultou em significativas mudanças em diversas áreas do conhecimento, como as ciências, as artes e a filosofia.
Pode-se dizer que existem graves problemas no sistema penitenciário do Brasil, que desrespeitam a dignidade das pessoas. O desrespeito aos direitos humanos é frequente, há muitos presos sem julgamento, as condições de alojamento são terríveis, há casos de tortura e humilhação, rebeliões violentas, mortes, mutilações, estupros e todo tipo de desrespeito à humanidade nos presídios brasileiros.
É perceptível que a população, que também enfrenta dificuldades sociais, mostra pouco interesse pelos acontecimentos dentro das prisões. Influenciada por discursos populistas e objetivos políticos, a sociedade chega a considerar as violações como parte da punição para aqueles que optaram por cometer crimes, acreditando que a privação da liberdade não é suficiente como forma de retribuição pelo ato injusto.
Desde os tempos antigos, a dignidade da pessoa humana vem sendo discutida, passando por diferentes contextos na história, como a cultura judaico-cristã e o período pós-Segunda Guerra Mundial. Foi durante o regime nazista que surgiu um importante movimento em prol da internacionalização dos direitos humanos, mostrando como o Estado pode ser um grande violador desses direitos.
Após a ocorrência da Segunda Guerra Mundial e de inúmeros massacres e atrocidades, que tiveram início com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade ficou mais consciente do valor fundamental da dignidade humana do que em qualquer outro momento da história. O sofrimento, visto como uma forma de compreender o mundo e os seres humanos, conforme a sábia lição da Grécia antiga, contribuiu para reforçar a importância histórica dos direitos humanos.
A dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental que permeia todos os direitos do ser humano, incluindo o direito à vida. Considerado como um ponto de referência unificador na constituição de todos os direitos fundamentais, o conceito da dignidade da pessoa humana exige uma avaliação valorativa que leve em consideração seu amplo significado normativo-constitucional e não uma mera ideia abstrata do ser humano, não podendo ser limitado apenas à defesa dos direitos individuais tradicionais, deixando de lado os direitos sociais, ou invocá-lo apenas para teorias sobre a essência da personalidade individual, ignorando-o quando se trata de garantias básicas da existência humana. Por isso, a ordem econômica deve visar a assegurar a todos uma vida digna (artigo.170), a ordem social busca promover a justiça social (artigo.193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e sua preparação para o exercício da cidadania.
Dessa forma, para uma melhor compreensão dos direitos humanos, é fundamental lutar constantemente contra qualquer forma de opressão e buscar o bem-estar do indivíduo, garantindo que seus princípios sejam respeitados e que a liberdade e a igualdade prevaleçam. Ao longo dos séculos, os direitos humanos evoluíram, desde os primeiros registros das comunidades humanas no século VIII a.C. até o século XX, totalizando mais de vinte e oito séculos em busca da universalização desses direitos fundamentais. Um marco importante nesse processo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (RAMOS, 2018, p 33).
O colapso do sistema prisional brasileiro tem sido apontado como uma das principais falhas do modelo repressivo do país, que ironicamente envia os condenados para a prisão com o objetivo de reintegrá-los à sociedade. No entanto, é evidente que ao retornarem à comunidade, esses indivíduos estarão mais desajustados, alienados, apáticos e possivelmente mais propensos a cometer outros delitos (MIRABETE, 2008, p. 89).
Conforme afirmado por Kant (2009, p. 32), é fundamental agir de modo a sempre valorizar a humanidade, tanto na própria pessoa quanto na de outrem, como um fim em si mesma e jamais apenas como um meio.
Ao escolher a valorização da integridade do ser humano como um dos seus princípios, o Brasil, depois de um longo período de desrespeito às liberdades pessoais, passou a considerar o indivíduo como o centro das ações do Estado em busca do progresso social, evidenciando seu caráter de Estado Democrático de Direito.
O conceito de dignidade humana está intimamente ligado às questões de etnia, descendência, faixa etária, cidadania e posicionamento político-ideológico.
A qualidade essencial de cada indivíduo, que o torna digno de respeito e consideração por parte da sociedade e do Estado, é denominada dignidade da pessoa humana. Esta qualidade traz consigo uma série de direitos e deveres fundamentais que protegem a pessoa contra todo e qualquer ato cruel ou degradante, garantindo as condições necessárias para uma vida saudável. Além disso, promove a participação ativa e responsável na sociedade, juntamente com os demais indivíduos.
Este fundamento é de extrema relevância, conforme menciona Barroso (2011, p. 272) “A dignidade da pessoa humana é o conceito fundamental e subjacente ao principal mandamento, de cunho religioso, da consideração pelo próximo”. Todos os indivíduos surgem livres e equivalentes em dignidade e prerrogativas, todos são equiparados perante a legislação e possuem direito, sem qualquer discriminação, a igual amparo da lei.
Valor, proveniente do latim valor (mérito, prestígio, importância), refere-se à integridade moral, presente em um indivíduo que construiu a partir do seu próprio respeito pelo qual é reconhecido. Também é considerado como a conduta pessoal de alguém, através da qual se torna digno de reconhecimento público. No âmbito jurídico, o valor pode ser interpretado como o reconhecimento ou prestígio atribuído a um indivíduo, geralmente associado a um cargo ou posição de alta estima. Na esfera do Direito Canônico, indica-se a vantagem ou privilégio vinculado a um cargo na igreja.
A honra é um princípio ético e moral essencial à individualidade, manifestando-se de forma única na capacidade de tomar decisões de forma coerente e responsável em relação à própria existência e exigindo o reconhecimento e respeito dos outros, representando um patamar mínimo de proteção que toda legislação deve garantir (MORAES, 2020, p. 28).
A Constituição Federal apresenta, no seu artigo 1º, o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado, garantindo o respeito mínimo à pessoa em si. Dessa forma, o Estado e, em especial, o legislador derivado, são obrigados a considerar sempre os princípios que protegem essa dignidade em todas as suas atividades legislativas e administrativas.
A valorização da pessoa humana é fundamental para garantir o respeito e igualdade a todos os indivíduos, independentemente de qualquer característica. Como destacado por Reale (2008, p. 150), a dignidade humana deve ser protegida e respeitada como forma de reconhecimento da essência comum a todos os seres humanos.
Cada indivíduo possui características únicas e, dentro dele, está presente o todo universal, o que o torna parte integrante da existência humana como um todo; é por isso que deve ser considerado primeiramente como uma centelha que alimenta a chama e a mantém acesa, e essa chama constantemente crepita, renovando-se de forma criativa, sem que uma anule a outra; em resumo, mesmo que a imagem seja imperfeita, o mais importante é deixar claro que ser humano é sinônimo de singularidade, intencionalidade, liberdade, inovação e transcendência, aspectos estes impossíveis de serem captados por qualquer conceito transpersonalista, que tende a reduzir a pessoa a uma mera parte de um ser transpessoal ou de uma engrenagem em um grande mecanismo, que, sob diferentes rótulos, esconde sempre a mesma ameaça: a coletividade, a espécie, a nação, a classe, a raça, a ideia, o espírito universal ou a consciência coletiva.
Os direitos essenciais são os direitos do indivíduo enraizados de forma positiva nas leis fundamentais. São regras de efeito direto que conferem poder institucional para assegurar a convivência livre e igualitária para todos. De acordo com Silva (1995, p.106), “a dignidade da pessoa humana é o princípio fundamental que inspira todos os direitos essenciais do ser humano, incluindo o direito à vida”.
Segundo Farias (2003, p. 53), a dignidade da pessoa humana é um direito fundamental, uma vez que a garantia de sua preservação constitui o principal objetivo e fundamento de todo o ordenamento jurídico.
O inciso XLIX do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 assegura que os detentos tenham sua integridade física e moral respeitada, sendo fundamental a proteção do direito mais essencial de qualquer sistema legal, que é a vida.
Para a população, simplesmente ver o criminoso atrás das grades não é o bastante, é necessário testemunhar a punição pelos delitos cometidos. Dessa forma, acaba-se por negligenciar que esses indivíduos possuem direitos assegurados como qualquer outro cidadão. Conforme afirmado por Boullos (2012, p.187), “A Constituição, mesmo detentora de supremacia, não está isenta de abusos e desrespeitos, tanto por parte do legislador comum quanto pelas autoridades públicas em geral”. Segundo Boullos (2012, p. 205): No Estado, os princípios essenciais são diretrizes indispensáveis que orientam sua estrutura e funcionamento. Eles refletem os valores presentes na legislação, difundindo a ideologia do constituinte, os princípios fundamentais e os objetivos da comunidade. São chamados de fundamentais porque representam a base, o suporte, o alicerce do complexo edifício constitucional. Esses princípios possuem grande influência, reunindo em torno de si direitos inegociáveis, essenciais e não sujeitos a prescrição, como é o caso da dignidade humana.
Afronta à dignidade humana é evidenciada nas condições de detenção dos presidiários, bem como na frequente desrespeito aos seus direitos fundamentais.
É urgente que ocorra uma transformação nessa realidade lamentável presente em nossas penitenciárias, todos merecem viver com dignidade como indivíduos, assim, conceder o respeito devido a esses indivíduos que estão afastados da comunidade é o mínimo que qualquer pessoa pode oferecer, afinal, mesmo que o delito praticado seja grave, essa pessoa continua sendo um ser humano e, sendo assim, deve ser tratada como tal (SILVA, 2000, p.15).
A legislação penal contempla medidas que garantem um tratamento humano para os indivíduos privados de liberdade. No entanto, de acordo com informações veiculadas pela mídia e por organizações de direitos humanos, o Estado em si viola os direitos dos detentos.
Conforme Kirst (2008, p.2), as garantias são oficializadas, reforçando a ideia de que devem ser respeitadas e ampliadas a todos, no entanto, não há valorização pela sociedade e pelo Estado, resultando na total negligência e falta de consideração em relação à população carcerária.
O Pacto de São José da Costa Rica, também chamado de Convenção Americana de Direitos Humanos, foi estabelecido em 22 de novembro de 1969, na cidade de São José da Costa Rica. Este acordo internacional busca estabelecer um sistema de liberdade individual e justiça social entre os países americanos, com base no respeito aos direitos humanos fundamentais, sem levar em consideração a nacionalidade ou local de nascimento da pessoa.
O fundamento deste Acordo é a Carta Internacional dos Direitos Humanos, promovendo a concepção de um ser humano emancipado, com o objetivo de garantir que cada indivíduo possa desfrutar de suas liberdades econômicas, sociais, culturais, civis e políticas.
Uma das principais consequências do Pacto de São José da Costa Rica foi a instituição da Comissão Internacional de Direitos Humanos – Corte Interamericana de Direitos Humanos. Este órgão é formado por sete especialistas em direito, escolhidos com base em sua reputação e expertise jurídica. Sua função é assegurar o cumprimento e proteção dos Direitos Humanos, atuando de forma independente da OEA.
É uma verdadeira Carta de Direitos Humanos, constituída por 81 artigos. O texto foi aprovado pelos países participantes, incluindo o Brasil, e define as orientações a serem seguidas para a proteção dos direitos humanos. Destaca e reitera os direitos fundamentais de cada indivíduo, ao mesmo tempo em que determina que os Estados devem respeitar esses direitos para todas as pessoas.
Desde os primeiros textos, o Acordo firmado entre os Estados-membros estabelece a extensão dos direitos ali mencionados e aprovados, abrangendo todas as pessoas, independentemente de suas circunstâncias individuais ou posições políticas. Exige-se que os Estados-membros se comprometam a respeitar os direitos e liberdades, assegurando o pleno exercício desses direitos sem discriminação por motivos de raça, gênero, religião, orientação política, língua, situação financeira ou qualquer outra condição.
Garantir a salvaguarda dos direitos humanos, preservando a liberdade de manifestação, sempre se mostrou desafiador, o que torna essencial compreender a diversidade cultural, social e política em diferentes locais, visando promover a paz global por meio dos direitos humanos e incentivando o diálogo intercultural.
Na troca cultural, a partilha recíproca não diz respeito somente a diversos conhecimentos, mas também a distintas culturas, ou seja, a diferentes universos de significado e, em sua maioria, significados insondáveis que consistem em conjuntos de raízes profundas. Os topos são os tópicos retóricos mais amplos de uma determinada cultura. Eles são apresentados como premissas de argumentação que não são questionadas devido à sua clareza.
O Acordo de San José da Costa Rica, em seus 81 artigos, tem como objetivo proteger, nos países americanos, os direitos básicos do ser humano (como o direito à vida, à dignidade, à liberdade, à educação, entre outros), além de abordar questões relacionadas às garantias legais, à liberdade de crença, de religião, de pensamento e de expressão, proibir a escravidão e a servidão, bem como estabelecer diretrizes sobre a liberdade de associação e a proteção da família.
Segundo Piovesan (2003, p.332), a Convenção Interamericana destaca uma série de direitos fundamentais, como o direito à personalidade jurídica, direito à vida, direito de não ser escravizado, direito à liberdade e o direito à assistência judicial.
A Carta Internacional dos Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil, representa um marco relevante na defesa dos direitos humanos. Criada logo após a Segunda Guerra Mundial, que evidenciou a extrema capacidade do ser humano de desrespeitar de maneira brutal os direitos de seus semelhantes, essa Carta tem como objetivo reafirmar a importância desses direitos e evitar futuras violações.
O reconhecimento da dignidade inerente a todos os indivíduos e seus direitos iguais e inalienáveis é a base da liberdade, justiça e paz no mundo, conforme declarado. Atos bárbaros que desrespeitam os direitos humanos têm abalado a consciência da humanidade. Por isso, foi criada uma Carta de Direitos Humanos para garantir que homens e mulheres desfrutem de suas liberdades sem medo de violação. A ONU reitera que os direitos fundamentais humanos devem prevalecer, incluindo a igualdade de gênero, o valor da pessoa, a liberdade de expressão, pensamento, crença e opinião política. O preâmbulo estabelece as diretrizes para garantir o respeito aos direitos humanos e o desenvolvimento social, representando verdadeiras intenções e orientações para as Nações.
No texto de introdução, A Assembleia Geral afirmou a Declaração Universal dos Direitos Humanos como o objetivo comum a ser alcançado por todas as sociedades e nações, com o propósito de garantir que cada pessoa e grupo social, mantendo em mente a Declaração, se empenhem através da educação e ensino em promover o respeito aos direitos e liberdades, e, mediante a aplicação de medidas progressivas em âmbito nacional e internacional, busquem garantir o seu reconhecimento e cumprimento de forma universal e eficaz, não apenas entre os habitantes dos Estados-Membros, mas também entre os indivíduos dos territórios sob sua responsabilidade (ONU, 1948, 01).
O sistema legal brasileiro possui um mecanismo semelhante ao utilizado pelo direito constitucional colombiano para avaliar casos de desrespeito aos direitos fundamentais, chamado de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF. Essa ação está descrita no artigo 102 da Constituição, que determina que o Supremo Tribunal Federal é responsável por julgar os casos de descumprimento de preceitos fundamentais, conforme estabelecido em lei.
A Lei número 9.882, de 03 de dezembro de 1999, disciplina o parágrafo 1 do artigo 102 da Constituição Federal acerca do procedimento e julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). O artigo 1 da mencionada Lei estabelece: “Artigo 1o A alegação prevista no parágrafo 1 do artigo 102 da Constituição Federal será apresentada perante o Supremo Tribunal Federal, e terá como objetivo evitar ou corrigir violação de princípio fundamental, decorrente de ato do Poder Público”. (grifou-se).
A Carta Magna de 1988 introduziu instrumentos de fiscalização da constitucionalidade eficazes nos cenários concentrado e difuso, expandindo consideravelmente a lista de pessoas com legitimidade para mover ações de inconstitucionalidade e instituindo a ação de declaração de constitucionalidade.
Isso levou a um fortalecimento do controle concentrado, enquanto ainda permanecia um espaço considerável para o controle difuso em relação a questões que não podem ser examinadas pelo controle concentrado, como a interpretação direta de cláusulas constitucionais pelos juízes e tribunais, direito pré-constitucional, disputas constitucionais sobre normas revogadas, controle de constitucionalidade do direito municipal em relação à Constituição (MENDES, BRANCO, 2019, p. 1430).
Aqueles autorizados a entrar com um pedido de descumprimento de preceito fundamental são os mesmos autorizados a entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade, incluindo os partidos políticos com assento no Congresso Nacional.
No ano de 2015, o PSOL entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal, solicitando o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no sistema prisional do Brasil, além de pedir que fosse debatido quais medidas estruturais poderiam ser tomadas para corrigir as violações aos direitos fundamentais sofridas pelos detentos, causadas pelas ações e omissões dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal.
A petição foi protocolizada por meio da ADPF nº 347 MC/DF sob responsabilidade do Ministro Marco Aurélio. Conforme o Informativo de Jurisprudência nº 797 do STF, datado de 7 a 11 de setembro de 2015, no referido processo o PSOL solicitava diferentes medidas, incluindo a necessidade de uma justificativa pontual caso fosse decretada a prisão preventiva, a realização de audiências de custódia conforme previsto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, com o indivíduo detido sendo apresentado a um juiz em até 24 horas, e o reconhecimento da situação crítica enfrentada pelo sistema prisional.
O objetivo da ação era facilitar a oportunidade para que os presos desfrutassem dos benefícios e direitos, como a mudança de regime e a liberação condicional da pena. Assim, a pena de prisão seria reduzida quando fosse identificado que as condições de cumprimento da pena eram mais rigorosas do que as estabelecidas pela lei devido à situação do sistema prisional.
Os questionamentos trazidos na ADPF estão de acordo com o que está estabelecido na Constituição e nas leis criminais, visando assegurar os direitos essenciais dos detentos. No entanto, essas normas muitas vezes não passam de palavras escritas, uma vez que não são adequadamente seguidas e respeitadas pelo próprio Estado, que é responsável pela aplicação das punições e pela manutenção das prisões.
As inúmeras violações aos direitos básicos dos detentos presentes na Constituição e nos tratados internacionais de direitos humanos ficaram evidentes. As medidas solicitadas exigiram a intervenção de todos os setores do governo, revelando um sério problema de natureza estrutural que tem sido desprezado pelo Estado do Brasil por muitos anos.
Questões como excesso de detentos, violência, abusos, falta de comida, uso indevido de prisões temporárias, omissão em comunicar a prisão às autoridades, de acordo com a Constituição, falta de cuidados médicos, e diversas outras violações aos direitos básicos dos presidiários foram relatadas pelo PSOL na petição.
Também se observou que vários princípios constitucionais – como a dignidade da pessoa humana, a proibição de tortura, a proibição de tratamentos desumanos, a separação de condenados de acordo com a gravidade dos crimes cometidos, a proteção à integridade física, e a garantia de acesso à assistência jurídica completa e gratuita – são frequentemente desrespeitados.
Dentro dessa mesma linha, muitas normas internacionais que regem os direitos dos detentos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, juntamente com normas nacionais, como os direitos garantidos pela Lei de Execução Penal, não são devidamente respeitadas no que diz respeito ao tratamento dado aos presidiários nas prisões do Brasil.
O Supremo Tribunal ressaltou que a grave violação dos direitos essenciais dos detentos teria consequências para além das questões individuais e geraria um aumento da violência na sociedade em si, uma vez que o sistema reintegraria à convivência social indivíduos marcados por traumas e abusos físicos e mentais. Conforme os juízes, ao invés de proporcionar a reinserção dos condenados, o sistema estaria criando verdadeiros criminosos perigosos.
Os magistrados destacaram que, para agravar a crise do sistema prisional no Brasil, é evidente o elevado índice de repetição entre os detentos, demonstrando que a prisão não desempenha sua função de reabilitar os condenados. Um fato alarmante é que os reincidentes tendem a cometer delitos ainda mais graves, criando uma situação preocupante, uma vez que, nos presídios, são frequentes as violações dos direitos humanos, e, fora deles, a criminalidade aumenta e a insegurança social se espalha.
3 METODOLOGIA
A coleta de dados foi realizada por meio de uma extensa revisão da literatura disponível em bases de dados científicos, como Scielo, Google Scholar e CAPES, abrangendo livros, artigos científicos, relatórios de ONGs, tratados internacionais e documentos legais sobre direitos humanos e o sistema prisional. Os critérios de seleção das fontes incluíram a relevância para o tema, a revisão dos autores
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
Os resultados da pesquisa bibliográfica qualitativa descritiva sobre a violação dos direitos humanos no sistema prisional apontam para um cenário alarmante e global, caracterizado pela coexistência de múltiplos fatores que prejudicam a manipulação das condições de vida nas prisões. A análise das fontes selecionadas revelou as seguintes constatações principais.
Um dos resultados mais recorrentes na literatura é a superlotação das prisões, que é apontada como o principal fator para a violação dos direitos humanos. A superlotação afeta diretamente a dignidade dos detentos, pois compromete o acesso a itens básicos de sobrevivência, como espaço físico, alimentos, água e condições sanitárias adequadas.
Outro resultado evidente é a presença constante de violência institucional, tanto por parte de agentes penitenciários quanto entre os próprios presos. Estudos demonstram que a falta de controle nas prisões, muitas vezes causada pela superlotação, resulta em altos índices de violência.
5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A valorização do ser humano foi estabelecida como um dos alicerces da República Federativa do Brasil. É o princípio central, pilar do Constitucionalismo, que restringe o poder do Estado e garante os direitos essenciais. A valorização do ser humano é estendida a todos, sem discriminação, já que se baseia na humanidade. Tratar alguém de maneira respeitosa significa reconhecer sua natureza humana, independentemente de sua raça, gênero, cor, origem, crença, situação financeira ou qualquer outra condição. Isso implica o reconhecimento de direitos básicos, como a vida, a integridade física e mental, o direito ao pensamento e à autodeterminação.
O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser assegurado inclusive para aqueles que estão privados de sua liberdade. Ao longo da história, os indivíduos encarcerados têm sido desrespeitados em relação à sua dignidade, sendo que a própria privação de liberdade é considerada uma forma de punição aceitável para aqueles que descumprem as normas sociais. No entanto, percebe-se que apenas o aprisionamento não é suficiente para garantir a justiça, levando muitas vezes os presidiários a serem tratados de forma desumana, sofrendo com condições deploráveis e violações constantes de seus direitos. Aqueles que defendem a dignidade dos detentos são muitas vezes criticados e rotulados como apoiadores de criminosos, contribuindo para a impunidade.
Durante o decorrer da evolução da sociedade, foram utilizados diversos métodos de punição, até que a prisão se firmou como a punição mais severa, em geral, para aqueles que infringem as leis. Para os delitos mais sérios, que causam grande impacto na comunidade, não se enxerga, até o momento, outra alternativa de punição.
Portanto, é inegável a importância da prisão como forma de punição, sendo a mais severa delas, porém indispensável. Contudo, é crucial que a dignidade humana seja garantida a todos que têm sua liberdade restrita devido à pena cumprida ou à prisão preventiva. Infelizmente, o sistema prisional brasileiro não segue essa premissa. Conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal, o sistema carcerário do Brasil enfrenta uma situação de inconstitucionalidade, com frequentes violações aos direitos fundamentais dos detentos.
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