REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411291045
Rayssa Katrine Pinto da Silva 1
Vanessa Caetano Novaes 2
Bianca Oliveira Silva 3
RESUMO
Em síntese, a análise deste trabalho sublinha a importância de uma abordagem interdisciplinar para enfrentar a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, fundamentada na proteção integral e na prioridade absoluta dos direitos das crianças e adolescentes. Com o objetivo de oferecer uma compreensão sobre o tema, o estudo utiliza o cinema como recurso de análise, baseando-se na obra cinematográfica “Anjos do Sol”. Diante desse panorama, a pesquisa busca responder como a análise da obra cinematográfica “Anjos do Sol” pode contribuir para a compreensão das violações dos direitos de crianças e adolescentes, oferecendo uma visão crítica e aprofundada da realidade no interior do país. Destacaremos a complexidade do tema e a importância da conscientização, o trabalho reforça o papel do cinema como um espelho social e um agente transformador no combate às violações de direitos humanos. A fundamentação legal do trabalho está ancorada no ordenamento jurídico brasileiro e internacional, a metodologia empregada é o método hipotético-dedutivo, com análise qualitativa das cenas impactantes do filme, além de revisão bibliográfica de autores que abordam sobre a exploração sexual. Tendo como objetivos específicos interligar as áreas de direito e cinema na discussão sobre a violação de direitos humanos, investigar as causas e consequências da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes no interior do Brasil e propor estratégias de prevenção e intervenção baseadas na integração de políticas públicas, instituições jurídicas e sociedade civil.
Palavras–chave: exploração sexual comercial; criança; adolescente; cinema;
ABSTRACT
In summary, the analysis of this work highlights the importance of an interdisciplinary approach to confront the commercial sexual exploitation of children and adolescents, based on the full protection and absolute priority of the rights of children and adolescents. With the aim of offering an understanding of the topic, the study uses cinema as an analysis resource, based on the cinematographic work “sun angels”. Given this panorama, the research seeks to answer how the analysis of the cinematographic work “Anjos do Sol” can contribute to the understanding of violations of the rights of children and adolescents, offering a critical and in- depth view of the reality in the interior of the country. We will highlight the complexity of the topic and the importance of raising awareness, the work reinforces the role of cinema as a social mirror and a transformative agent in the fight against human rights violations. The legal basis of the work is anchored in the Brazilian and international legal system, the methodology used is the hypothetical-deductive method, with qualitative analysis of the film’s impactful scenes, in addition to a bibliographical review of authors who discuss sexual exploitation. With the specific objectives of interconnecting the areas of law and cinema in the discussion on human rights violations, investigating the causes and consequences of commercial sexual exploitation of children and adolescents in the interior of Brazil and proposing prevention and intervention strategies based on the integration of public policies , legal institutions and civil society.
Keywords: commercial sexual exploitation; child; adolescent; cinema;
INTRODUÇÃO
A pesquisa aborda sobre a violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no interior do Brasil, particularmente no âmbito da exploração sexual comercial. Este acontecimento atinge com particular intensidade as regiões mais vulneráveis do interior do país, onde a escassez de recursos e a fragilidade das redes de amparo social deixam muitos jovens à mercê de exploradores.
A exploração sexual comercial de menores é uma questão multifacetada, envolvendo fatores econômicos, sociais e culturais, e requer uma abordagem abrangente e eficaz para ser combatida. Propõe-se uma análise jurídica da violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no interior do Brasil, com foco específico na exploração sexual comercial.
Para aprofundar essa pesquisa, utilizaremos a relação interdisciplinar entre direito e cinema como um meio que destaca violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes, através da obra cinematográfica “Anjos do Sol”. O filme, dirigido por Rudi Lagemann e lançado em 2006, retrata a difícil realidade de meninas vendidas para fins de exploração sexual comercial.
Em território brasileiro, a Constituição da República Federativa de 1988 e o Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8.069 sancionada em 1990, institui normas jurídicas para garantir a proteção plena de crianças e adolescentes a fim de que tenham um desenvolvimento digno. Assim, estão resguardadas pelo “melhor interesse” das políticas do Estado. Tais normas, asseguram à criança e o adolescente que lhe deve estar imune da opressão, negligência e violência, (Brasil, 1990).
Em uma interpretação sistemática da Constituição da República Federativa de 1988, cumpre ver, também, que o emprego do adjetivo absoluta para designar a prioridade conforme artigo 227 […] é que a expressão “prioridade absoluta”, num plano maior de análise, tem no texto constitucional a acepção de “prioridade primeira”, de “prioridade número um”, como forma de equilibrar a desigualdade fática decorrente da peculiar condição de pessoa em desenvolvimento e como maneira de obtenção da redução das desigualdades sociais a que alude o artigo 3º da Constituição da República Federativa de 1988 (Brasil, 1988).
A luz da Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho-OIT, decreto nº 10.088 de 5 de Novembro de 2019, exorta a proibição e erradicação das formas mais prejudiciais de trabalho infantil, dentre elas, com ênfase na exploração sexual, objeto de estudo deste artigo Trata-se de um marco histórico que todas as crianças a partir deste marco desfrutem de proteção legal contra as modalidades mais danosas de trabalho infantil, isso destaca um compromisso global de erradicar as práticas mais prejudiciais de trabalho infantil de nossa sociedade (Brasil, 2019).
Consequentemente, surge o questionamento se essas garantias são respeitadas quando refere-se à proteção infantil e juvenil. Sob essa ótica, a pesquisa em pauta busca responder a seguinte problemática: como uma análise jurídica da obra cinematográfica “Anjos do Sol” viabiliza a compreensão da violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no interior do Brasil para fins de exploração sexual comercial?
Este trabalho propõe uma análise jurídica interdisciplinar utilizando o cinema como recurso para compreender e evidenciar a violação dos direitos humanos e fundamentais, com foco específico na proteção de crianças e adolescentes contra a exploração sexual comercial. A proposta se justifica ao observar o papel crescente que a arte, especialmente o cinema, assume ao explorar temas complexos e sensíveis, possibilitando uma maior conscientização e reflexão social.
Dessa forma, este trabalho visa contribuir para o campo jurídico ao fornecer uma nova perspectiva para a análise dos direitos humanos e fundamentais, destacando o papel do cinema para a formação de uma sociedade mais sensível às violações de direitos humanos de crianças e adolescentes no interior do país e empenhada em combatê-las através desta visibilidade.
Assim, o objetivo geral deste trabalho é analisar como a obra cinematográfica “Anjos do Sol” viabiliza a compreensão da violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no interior do Brasil para fins de exploração sexual comercial.
Como objetivos específicos definidos para a pesquisa têm-se os seguintes: a) Abordar a violação de direitos humanos e exploração sexual, interligando direito e cinema, e como podem ser usados para promover discussões sobre a temática; b) Investigar as causas e consequências da exploração sexual de crianças e adolescentes para fins comerciais no contexto brasileiro, com foco no interior do país, expondo a obra cinematográfica “Anjos do Sol”; c) Propor estratégias de intervenção e prevenção da exploração sexual de crianças e adolescentes no interior do Brasil, considerando a integração entre políticas públicas, instituições jurídicas e ações da sociedade civil.
A pesquisa foi conduzida pelo método hipotético-dedutivo, analisando as impactantes cenas do supracitado filme como também foi utilizado a observação e a revisão bibliográfica, de caráter qualitativo, embasada em autores que discutem e analisam a questão da exploração sexual de crianças e jovens.
O CINEMA COMO RECURSO DE ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS A ARTE EM SUAS DIVERSAS MANIFESTAÇÕES
No contexto social de ensino aprendemos ao longo da vida sobre a arte e suas diversas manifestações. A pessoa humana, em sua totalidade, expressa suas habilidades através da arte, com a intenção de transmitir uma mensagem à sociedade. Essa comunicação é possível através das múltiplas formas artísticas. Desse modo, podemos observar que a arte continua a ser utilizada para diversas comunicações sociais, transmitindo mensagens em suas várias formas. Assim, torna-se claro que a arte está presente em todas as esferas da evolução humana.
Segundo os autores Barroso e Nogueira (2018), desde o início da história da humanidade, existem vestígios de criações artísticas, que vão desde gravuras em pedras até a produção de cerâmica do dia a dia. Essas expressões refletem os sentimentos e a perspectiva de mundo das pessoas. Através da história da arte, é possível aprender sobre a evolução da humanidade e as diversas manifestações artísticas dos diferentes povos.
Sendo assim, o que está fora do mundo é internalizado, e assim o ser humano começa a expressar o contexto histórico em que está inserido. Podemos afirmar que, na pré-história, os desenhos rupestres eram a forma que essa sociedade encontrava para registrar a convivência humana e a cultura, utilizando as pedras rochosas como suporte. Considerando que, nesse período, os marcos importantes para essa sociedade eram o convívio social em que estavam inseridos.
Conforme Santos e Souza (2018), as manifestações artísticas podem ser classificadas em diversas formas, conforme suas técnicas e propósitos. As artes plásticas abrange expressões visuais que manipulam materiais para criar formas e imagens, expressando uma estética inovadora e a visão poética do artista. Entre elas, destacam-se a arquitetura, pintura, desenho, escultura, gravura e fotografia. Já as artes cênicas, voltadas para a expressão performática em palco, incluem dança, teatro, linguagem verbal e música. As artes visuais, por sua vez, envolvem manifestações que representam a realidade ou a imaginação do artista, perceptíveis pelo olhar. A arquitetura, por exemplo, é a arte de projetar espaços harmoniosos e funcionais, enquanto a escultura cria formas tridimensionais ao combinar ou esculpir materiais. A pintura utiliza tintas para representar figuras em superfícies planas, sendo a cor um elemento essencial em sua composição.
A evolução da arte é, de fato, um processo complexo que reflete as transformações culturais, sociais e tecnológicas ao longo da história da humanidade. É possível observar que a arte evolui conforme as mudanças que ocorrem na sociedade, impactando diretamente a forma como é transmitida a mensagem que o artista deseja comunicar. Além disso, o modo de expressão artística pode se manifestar de diversas maneiras.
Bem como, a música constitui uma expressão artística que combina sons e ritmos, praticada em diversas sociedades desde a pré-história até os dias atuais. Em relação a este elemento artístico, Almeida e Pamplona Filho (2023) observa que:
A música, a partir de uma leitura interdisciplinar, funciona como um espelho que reflete a perspectiva popular dos fenômenos sociais e/ou jurídicos. Ademais, apesar da música retratar uma perspectiva sócio histórica, valores e mentalidade da época acerca de determinado assunto, ela acaba por dialogar com o presente, seja sob uma perspectiva didática de “expor o passado”, seja num diálogo de repetição, pela reconcretização do que fora cantado outrora, demonstrando, portanto, a atualidade da canção. Destaque-se aqui a música popular, instrumento de reflexão sobre diversos fenômenos e temas presentes no cotidiano social, que possuem refração no âmbito jurídico (Almeida e Pamplona Filho, 2023, p.12).
Patriota (2013) destaca que no século XIX, o teatro passou a explorar o estilo naturalista servindo como instrumento para refletir questões sociais no palco, o que possibilitou não apenas uma ampliação de seu público, mas também uma mudança nas relações entre o artista e a sociedade. A partir desse novo formato, o teatro deixou de ser uma manifestação destinada a elites restritas e passou a envolver a população em geral, o que favoreceu o surgimento de debates estéticos e políticos. Com isso, o teatro contribuiu para um compromisso progressivo com causas sociais, ao mesmo tempo que expôs as dimensões históricas e políticas das escolhas artísticas.
Mais recentemente, surgiu o que se conhece como a “sétima arte”: o cinema. Em 1895, os irmãos Lumière, na França, introduziram o cinematógrafo, inspirado na fotografia e na ideia de síntese de movimento, além de incorporar elementos sonoros. Com o tempo, essa forma de arte começou a se integrar a grandes eventos sociais e recebeu investimentos significativos para seu aprimoramento. Cada vez mais, documentários e filmes transmitem imagens e mensagens que provocam reações, informam e despertam emoções nos espectadores (Barroso; Nogueira, 2018).
O cinema, ao longo dos anos, consolidou-se como uma importante ferramenta de intervenção social e crítica cultural, expandindo seu alcance global e influenciando milhões de pessoas. No contexto contemporâneo, ele permite examinar e questionar estruturas de poder, inclusive no âmbito jurídico, ao refletir as complexidades das relações humanas e das instituições sociais. Nesse sentido, o cinema atua como um importante meio de conscientização pública e crítica social, ao expor as nuances e contradições e as falhas dos sistemas legais, proporcionando um espaço para a reflexão crítica e a necessidade de transformações (Borges, 2024).
O cinema é uma das formas mais populares de arte e entretenimento no mundo, tendo um grande impacto na cultura popular e na sociedade em geral. Por meio de suas narrativas e imagens, o cinema é capaz de sensibilizar o público e despertar reflexões sobre questões fundamentais do ser humano no contexto social, lançando luz sobre conflitos coletivos ou individuais que refletem a diversidade e complexidade das sociedades em seu processo histórico e multicultural (Vilk et al., 2024 p.2).
Além de seu valor artístico, o cinema desempenha um papel eficaz de evidenciar as mazelas sociais. Através dele, é possível apresentar narrativas sobre injustiças sociais, exploração sexual, infringência de direitos, desigualdade estrutural, etc. Utilizando as narrativas cinematográficas para trazer visibilidade para essas questões. Assim, o cinema é um relevante recurso de comunicação e transformação social, que provoca reflexões e influencia uma sociedade para uma constante mudança.
A RELAÇÃO INTERDISCIPLINAR ENTRE DIREITO E ARTE
A relação entre o direito e o cinema pode ser analisada em diversos níveis, considerando as estruturas, técnicas, símbolos e funções sociais presentes em ambas as áreas. Essa abordagem permite uma visão mais profunda sobre como essas duas disciplinas influenciam e comentam mutuamente, promovendo um novo quadro teórico para o estudo interdisciplinar. Ainda em desenvolvimento, o campo do direito e cinema é uma área cultural em ascensão (Kamir, 2021).
O direito e a arte, embora operem em esferas distintas, compartilham um ponto em comum: ambos refletem e influenciam a sociedade. O direito, ao instituir normas que disciplinam as interações sociais, tem como objetivo preservar a ordem, garantir a justiça e proteger direitos fundamentais. Ele é um instrumento de organização, que atua sobre questões como a tutela dos direitos humanos, a promoção da igualdade e a busca pela justiça social.
Em contrapartida, a arte, por intermédio da linguagem cinematográfica, tem um papel provocador e crítico no contexto social. Com o uso da arte, expressam-se sentimentos, ideias e visões do mundo, muitas vezes trazendo em evidência questões sociais complexas e abordando temas que o direito, por sua natureza normativa, não consegue traduzir em sua plenitude.
Segundo as autoras Sousa e Nascimento (2011), o cinema se destaca como uma metodologia transdisciplinar, unindo elementos linguísticos e facilitando a transposição do conhecimento teórico para a prática. Através de suas tramas, que podem representar tanto
situações reais quanto fictícias, o cinema colabora para o desenvolvimento da argumentação técnico-jurídica, fundamentada em valores interiorizados, intelecto, imaginação e emoção. O cinema pode funcionar como uma lente poderosa, que expõe, critica e analisa prerrogativas humanas e fundamentais.
De maneira explícita, Orit Kamir afirma que:
O diálogo, o comentário mútuo e as influências recíprocas entre o direito e o cinema podem ser explorados em vários níveis. Identificados e analisados em relação uns aos outros, estruturas, técnicas, imagens, símbolos, ideologias, funções sociais e impactos legais e cinematográficos podem ser vistos sob uma nova luz. Essa análise multiperspectiva convida a um novo quadro teórico, levando a uma compreensão mais profunda das múltiplas perspectivas da análise interdisciplinar (Kamir, 2021, p. 3001).
A interconexão entre cinema e direito, enfatiza a capacidade do cinema servir como um espelho da sociedade. A reflexão de que o cinema atua como “representação e produtor de afetos e sentidos” sugere que ele não é apenas um meio de entretenimento, mas também uma ferramenta poderosa para provocar emoções e reflexões sobre problemas sociais. Essa característica é fundamental, pois o cinema tem o potencial de humanizar e dar voz a questões muitas vezes esquecidas, incluindo as violações dos direitos humanos (Grune, 2017).
A arte expressa por meio de obras cinematográficas, ao longo de sua história, tem se mostrado uma forma poderosa de expressão artística, capaz de provocar profundas reflexões sobre a condição humana. Assim, enquanto o direito busca estabelecer os direitos fundamentais, a arte expõe e critica as falhas que surgem quando esses direitos são violados. Essa interação dinâmica torna o cinema um poderoso aliado na análise e exposição das violações dos direitos humanos.
UMA ANÁLISE A PARTIR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL CONTRA A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
- O MARCO TEÓRICO DA PROTEÇÃO INTEGRAL
O presente capítulo tem como objetivo apresentar os enfrentamentos da exploração sexual de crianças e adolescentes a partir dos seus direitos fundamentais. Com ênfase, na teoria da proteção integral dos direitos das crianças e adolescentes. Uma abordagem a partir da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, que embora listada nacionalmente e internacionalmente uma das mais severas formas de trabalho infantil, a exploração sexual comercial causa danos significativos ao desenvolvimento humano.
A legislação voltada à infância e adolescência sofreu transformações muito significativas ao longo das últimas duas décadas, em grande parte por mérito das atividades de organizações nacionais e internacionais da sociedade civil e da Organização das Nações Unidas. O caráter universal das prerrogativas fundamentais significa que valem igualmente para todas as crianças e todos os adolescentes.
Cabe salientar que, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, no segundo artigo, no Brasil, “a conceituação de criança é de toda pessoa que possua até doze anos incompletos de idade, enquanto adolescente é a pessoa que possui entre doze anos completos até dezoito anos de idade” (Brasil, 1990).
O Estatuto da Criança e do Adolescente disciplinou alguns dos princípios expressamente assegurados no seu artigo 4º, o que garante proteção à universalidade de crianças e adolescentes de acordo com a previsão constitucional (Brasil, 1990).
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b. precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c. preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d. destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Dentre os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, a Declaração de Genebra, em 1924, firmou a necessidade de proclamar à criança uma proteção especial, abrindo caminho para conquistas importantes que foram galgadas nas décadas seguintes (Brasil, 1924).
Aos dias 20 de novembro de 1989, na Convenção sobre os Direitos da Criança, adotou-se na Assembleia Geral das Nações Unidas, em que o Brasil é um dos signatários, direitos da Criança, que determinou:
Os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos (Brasil, 1990).
Em 1948, as Nações Unidas proclamou o direito a cuidados e à assistência especial à infância, através da Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu Art. 25 […] 2, “A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social” (ONU, 1948).
A Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1959, adotada pela Assembleia das Nações Unidas, foi um grande marco no reconhecimento de crianças como sujeitos de direitos, carecedoras de proteção e cuidados especiais.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988 e com a Emenda Constitucional do artigo 227 que é a base da garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes no ordenamento jurídico brasileiro, tal dispositivo, está em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, que é preceito fundamental constitucional.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988).
No supracitado artigo está inserida a proteção integral de direitos de crianças e adolescentes, o princípio da prioridade absoluta e o princípio da tríplice responsabilidade compartilhada de forma expressa.
Dentre as fontes que embasam esse tema, a Assembleia das Nações Unidas, em 25 de maio de 2000, adotou o Protocolo Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança, Dispõe o referido em seu artigo 2º, especifica que:
Para os propósitos do presente Protocolo: a) Venda de crianças significa qualquer ato ou transação pela qual uma criança é transferida por qualquer pessoa ou grupo de pessoas a outra pessoa ou grupo de pessoas, em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação; b) Prostituição infantil significa o uso de uma criança em atividades sexuais em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação; c) Pornografia infantil significa qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais (Brasil, 2004).
Neste viés, menores em situação de proteção especial, necessitam de um ambiente que lhes permita desenvolver o seu pleno desenvolvimento sexual, físico, mental, emocional, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade, com respeito pelo seu corpo e integridade.
“[…] No Brasil, a Doutrina da Proteção Integral foi absolutamente recepcionada na Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, introduzindo tal Doutrina jurídica no âmbito da normativa nacional” (Veronese, Silva, 2019, p. 20).
A legislação da infância e da juventude possui princípios fundamentais atinentes ao enfrentamento da exploração sexual comercial que são denominados, sob o ponto de vista de classificação, em estruturantes e concretizastes.
Conforme Lima (2001, p. 159), “os princípios estruturantes constituem a “estrutura pétrea” e, nessa circunstância, cumprem uma tarefa funcional de garantir o sentido geral, a unidade interna e a coerência lógica, sistemática, axiológica e teleológica do Direito da Criança e do Adolescente.”
Como princípios estruturantes, foram abrangidos em princípio de vinculação à base teórica da proteção integral, o princípio da universalização, o princípio do interesse superior da criança e do adolescente e o princípio do caráter garantista (Lima, 2001).
[…] os “princípios concretizantes”. Como o próprio nome indica, estes princípios, dentre os quais destacamos os da “Prioridade Absoluta”, “Humanização”, e “Ênfase nas Políticas Sociais Básicas”, têm a finalidade básica de “concretizarem” os “princípios estruturantes”, complementando a estrutura axiológica e teleológica fundamental do Direito da Criança e do Adolescente. (Lima, 2001, p. 410).
Devem ser aplicados no Direito da Criança e do Adolescente, além dos seus princípios específicos, todos os relativos aos direitos fundamentais. Segundo o princípio estruturante, deve-se assegurar que crianças e adolescentes tenham garantidos seus direitos fundamentais e suas necessidades básicas, com o princípio da “prioridade absoluta” como garantia de cumprimento (Lima, 2001).
À luz da Lei 13.431, dispõe em seu art. 4º, inciso III, “b”, a conceituação da violência e exploração sexual, vejamos:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência:
III – violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:
b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;
Ao revés, a exploração sexual comercial, uma das formas mais graves de trabalho infantil, resulta de uma série de fatores e gera sérias consequências para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, quando violados seus direitos fundamentais.
Em sentido oposto, a exploração sexual comercial, reconhecida como uma das mais graves modalidades de trabalho infantil, decorre de uma junção de fatores e acarreta sérias violações aos direitos fundamentais, comprometendo o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. As causas dessa prática podem ser divididas em três categorias: econômicas, associadas à pobreza, à extrema pobreza, à globalização, ao ciclo intergeracional de pobreza, à desigualdade social e à exclusão; culturais, relacionadas aos mitos que envolvem a infância e que disseminam a ideia de que o trabalho infantil pode ser benéfico para o desenvolvimento humano, além da cultura adultocêntrica e da objetificação da infância; e, finalmente, a insuficiência das políticas públicas, que ocorre devido à falta de estrutura e capacitação para implementar estratégias eficazes, somada à carência de acesso a serviços essenciais como educação, assistência social e saúde (Custódia, Lima, 2015).
No ano de 2013 foi positivado o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, o qual discorre sobre a divisão de exploração sexual e abuso sexual.
[…] como todo ato, de qualquer natureza, atentatório ao direito humano ao desenvolvimento sexual da criança e do adolescente, praticado por agente em situação de poder e de desenvolvimento sexual desigual em relação à criança e adolescente vítimas (Brasil, 2013, p. 22).
Sobremais, o desenvolvimento de políticas públicas se dará conforme as características de cada país, primando pelas orientações previstas nos tratados internacionais. O artigo 39 da Convenção sobre Direitos das Crianças previu a adoção de medidas para a recuperação física, psicológica e a reintegração social de vítimas da exploração sexual comercial:
Art. 39. Os Estados-parte adotarão todas as medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou abuso; tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; ou conflitos armados. Essa recuperação e reintegração serão efetuadas em ambiente que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade da criança (Brasil, 1990).
O ordenamento jurídico brasileiro trouxe responsabilidades para o Estado, para a família, para a comunidade e para a sociedade em geral na proteção de direitos da criança e do adolescente. Para que medida de tal abrangência fosse possível, foram assegurados direitos fundamentais mediante proteção jurídica ampla de acordo com as necessidades particulares de desenvolvimento de crianças e adolescentes, tais como o direito à saúde, à assistência social, à educação, ao lazer e à cultura, dentre outros.
O Sistema de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente é um arranjo estruturado de entidades encarregadas de assegurar esses direitos. Para isso, foram estabelecidos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente em três esferas de governo (União, Estados e Municípios), que atuam na formulação, decisão e supervisão integrada das políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da infância e da adolescência.
A VISIBILIDADE DO CINEMA COMO UMA FERRAMENTA EFICAZ PARA EVIDENCIAR E COMBATER AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATRAVÉS DA OBRA CINEMATOGRÁFICA ANJOS DO SOL
- REPRESENTAÇÃO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL NO FILME
O filme “Anjos do Sol”, dirigido por Rudi Lagemann e lançado em 2006, narra a trajetória de Maria, uma menina de 12 anos que é entregue pelo próprio pai a um aliciador de crianças, Sr Tadeu. Este indivíduo, que dispõe de recursos financeiros, convence a família de que Maria teria uma vida melhor na cidade grande. É importante destacar que a família de Maria vivia em condições extremas de pobreza, e a venda de suas filhas, consideradas saudáveis e com bom histórico de saúde, era vista como um meio de subsistência para atender às exigências dos compradores.
No filme, é possível observar que, seja de maneira consciente ou não, as famílias parecem tentar minimizar sua culpa, fazendo crer desconhecerem o destino que espera as suas filhas, retratada pela cena onde a mãe de Maria diz a ela: “vai arrumar um casa pro ocê trabalhar minha fia”. Nessa Vereda, a pobreza, em muitos casos, faz com que os valores morais e éticos do indivíduo sejam deixados de lado, pois a luta pela sobrevivência passa a ser prioritária, o trabalho infantil emerge no filme, refletindo a realidade social, sendo visto como uma solução, como uma forma de escapar dessa dura realidade.
Em sequência, Maria é transportada em um caminhão até a capital. Ao chegar, é transferida para outro veículo, fechado e em condições degradantes, semelhante ao transporte de animais. Nesse cenário, junta-se a outras garotas que também estão sendo levadas. Todas são entregues a uma cafetina, responsável por prepará-las para a venda aos futuros “proprietários”. As meninas são tratadas como mercadorias, exibidas para serem avaliadas pelos compradores. Maria é adquirida por um fazendeiro que planeja presentear seu filho. Como um adicional, e por um preço reduzido, ele decide levar também Inês.
Com isso, mais uma vez reduzidas à condição de mercadorias, são transportadas em um avião de carga até o interior da floresta amazônica para uma cidadezinha chamada socorro. Em um cenário, onde a exuberância e a riqueza natural deveriam simbolizar vida e preservação, evidencia-se a degradação humana, transformando pessoas em objetos de negociação para satisfazer interesses egoístas e perversos. Assim, as meninas são cruelmente tratadas como mercadorias, anunciadas publicamente como “carne nova”.
A obra cinematográfica traz à tona as condições precárias de vida de meninas, que vivem em situação de extrema pobreza, sem acesso adequado à educação, saúde e segurança. Essa desigualdade social facilita a exploração sexual comercial.
“[…] O drama é inspirado em acontecimentos publicados pela imprensa e organizações não governamentais brasileiras, além de embasar-se em uma pesquisa realizada e divulgada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, em janeiro de 2005, a qual denuncia a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes brasileiras em 937 municípios do país. A estimativa da época era a de que 100 mil crianças e adolescentes eram sexualmente exploradas no Brasil.” (Pacheco, 2022, p.32).
Em vários momentos do filme, é evidenciada a violência sexual sistemática contra as meninas, que são tratadas como objetos pelos adultos, especialmente por homens poderosos que controlam suas vidas e destinos. O filme denuncia a impunidade e a normalização de comportamentos abusivos em um ambiente de absoluta vulnerabilidade, onde as vítimas não têm condições de se proteger ou buscar ajuda.
Destaca-se, assim, a prática do trabalho infantil em uma de suas formas mais cruéis: a exploração sexual. Em uma das falas da personagem Maria em uma conversa com Inês, diz: “Tô toda suja”, fazendo referência ao abuso e violência, o desrespeito à sua intimidade e integridade física e moral, ocorrendo na relação sexual intermediada pelo dinheiro.
A situação de Maria e Inês, submetidas a condições extremas de vulnerabilidade econômica e social, que as tornam vítimas de exploração sexual infantil. Sendo forçadas a realizar trabalhos árduos e degradantes, enquanto também enfrentam a brutalidade da exploração sexual, evidenciando graves violações de direitos humanos. Além do abuso físico e psicológico direto, as vítimas de abuso sexual são vistas como “propriedade” ou “mercadoria”.
Em um dos momentos mais tensos, Maria e Inês tentam escapar do local onde está sendo mantida. Elas correm desesperadamente pelas ruas e floresta, mas logo é capturada pelo homem que as controla, Saraiva, o dono do bordel. A câmera transmite a sensação de claustrofobia, desespero e impotência. A cena é rápida, mas serve para mostrar que as vítimas muitas vezes estão presas em um ciclo, sem ajuda externa.
A tentativa de fuga de Maria e Inês ilustra como as vítimas de exploração sexual infantil estão frequentemente em um ciclo de abuso que não conseguem quebrar sozinhas, a falta de apoio social, aliado ao medo e à violência, tornam a fuga dessas vítimas extremamente difícil, mas com todo sofrimento, Maria consegue fugir e vai em direção a capital.
Lagemma, procura representar uma realidade presente em todo o território brasileiro, destacando que o universo cinematográfico de “Anjos do Sol” enfatiza a gravidade da exploração sexual comercial, no contexto em que ocorre por diversas razões, destacando-se, a marginalização social e a condição de infância sem proteção. O sertão nordestino é apresentado como um lugar de qualidade de vida precária, onde muitas famílias se encontram à margem da sociedade e desprovidas de direitos essenciais. A omissão do Estado é evidente, deixando a população sem acesso a serviços básicos como saúde, educação e moradia digna. Nesse contexto, de abandono, a lei do mais dominante se impõe, refletindo uma realidade próxima ao “estado de natureza”, em oposição ao “estado de direito”, onde as normas do Estado devem ser cumpridas.
2. O CINEMA COMO FERRAMENTA DE CONSCIENTIZAÇÃO
“As imagens falam através do olhar; e falam para todos”. Infere-se que a frase de Carrière, 2015, p.19 apud Pinheiro, 2016, p. 12, que pelo cinema, é notável a possibilidade de convencimento, de registrar e reproduzir a realidade, através da comunicação audiovisual, torna-se, global e acessível, torna-se clara para todos os seus públicos.
O cinema funciona como um instrumento que impacta a percepção das pessoas, transmitindo histórias por meio de imagens e sons. Para Carriére, 2015, p.19 apud Pinheiro, 2016, p. 12, “as imagens falavam através do olhar. […] Ao contrário da escrita, em que sempre estão de acordo com um código que você deve saber ou ser capaz de decifrar, a imagem em movimento estava ao alcance de todo mundo”.
Nessa diapasão, nas palavras de Aristóteles, 2008, pág. 72-73:
Devem estruturar os enredos e completá-los com a elocução, pondo-os, o mais possível, diante dos olhos. Assim, vendo com toda clareza, como se já estivesse perante os próprios factos, o poeta poderá descobrir o que é apropriado e não deixará escapar nenhuma contradição. É prova disto o que censuraram a Carcino: Anfiarau saía do templo, o que passaria despercebido a quem não visse, mas quem, em cena, foi apupado pelos espectadores, que ficaram descontentes.
Nesta linha do pensamento Aristotélico em analogia com a obra cinematográfica “Anjos do Sol”, podemos dizer que, a exibição de filmes pode estimular debates e reflexões críticas entre sobre questões e problemas históricos, culturais, sociais, econômicos e políticos da sociedade. As cenas exibidas ajudam a reduzir os “muros”.
Em sua obra A poética, Aristóteles disse: “a trama [de uma tragédia] deve ser estruturada […] de modo que faça com que aquele que escuta o desenrolar dos acontecimentos estremeça de medo e se compadeça ante o que acontece” (Ramos, 2004, p. 113 apud Pinheiro pág. 19). Um filme pode explorar temas realistas ou irrealistas, com a vantagem de que os temas realistas geralmente criam uma conexão mais direta e familiar com o público.
Embora a resposta emocional a fatos reais é um aspecto concreto da experiência humana, mesmo que o acontecimento não seja real e pertença ao campo da ficção, reagimos emocionalmente a ele, cientes, ao mesmo tempo, de que é algo ficcional.
De acordo com Carrière, “o cineasta realmente determinado a se expressar através do filme se depara antes de tudo com o maior obstáculo do cinema, que também é sua arma primordial: a realidade da imagem” (Carrière, 2015, p. 68 apud Pinheiro, pág.19). Com um olhar cru e realista, o cinema, através do filme “Anjos do Sol”, desnuda as profundas feridas da exploração sexual infantil no Brasil. Ao expor a omissão de estruturas sociais e políticas, a obra clama por uma urgente transformação, exigindo políticas públicas efetivas para proteger nossas crianças e adolescentes. Ao desvelar essa realidade sombria, o filme não apenas denuncia, mas também sensibiliza, convidando a sociedade a romper o silêncio e agir em defesa dos direitos mais básicos da infância.
Nessa perspectiva, o cinema através do filme “Anjos do Sol” nos revela que a criança é privada de identidade, não sendo reconhecida como sujeito de direitos. Ela é tratada como uma mercadoria pertencente inicialmente à família, que a transfere a outra pessoa mediante pagamento. Esse comprador, por sua vez, se torna proprietário e, nesse contexto, exerce sobre a criança a total autoridade para direcionar sua vida, tratando-a como um objeto a ser usufruído. Sob essa ótica e considerando que o ato de observar algo implica tanto em transformá-lo quanto em transformar a si mesmo, a imagem cinematográfica exerce uma influência sobre os modos de organização social, já que suas estruturas simbólicas têm o poder de moldar e modificar o espectador.
Assim, a mídia atua como uma arma de consenso, moldando e distorcendo a subjetividade coletiva sem gerar disputas. Sua representação do mundo, considerada real e convincente, é aceita como algo dado e imutável.
A sociedade contemporânea, fortemente influenciada pela imagem, faz com que a narrativa cinematográfica construa novas estruturas, cujo objetivo é manter uma relação de reconhecimento do sujeito, mediada pela interação visual, pela aproximação e pela afetividade. Nesse cenário, as mudanças sociais têm um impacto direto na maneira como a sociedade é representada. Assim, a representação artística do sujeito no cinema expõe seu conteúdo cultural, ao mesmo tempo que o cinema abre espaço para novas questões sobre a realidade que ele procura refletir.
Em síntese, a realidade apresentada no filme não se restringe às cenas do nordeste, mas se estende a diferentes contextos da sociedade, abrangendo desde a pobreza e miséria no sertão e nos garimpos, até as fazendas, rodovias e o coração das grandes metrópoles. Através da linguagem do cinema, é evidente o poder de persuadir, capturar e representar a realidade, narrar histórias e entreter, despertar emoções e promover a conscientização, ao revés, (des)informar e (des)educar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste estudo, ficou evidente como a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes constitui uma grave violação de direitos humanos. Essa problemática envolve questões econômicas, sociais, culturais e institucionais que, juntas, criam um cenário de dor e vulnerabilidade para aqueles que deveriam ser protegidos e cuidados. Por intermédio de uma análise que entrelaça direito e cinema, utilizando a obra cinematográfica “Anjos do Sol” como ponto de partida, foi possível revelar as complexidades dessa realidade e os obstáculos que surgem diante da falta de proteção efetiva e das desigualdades que marcam a vida do público infantil e juvenil no Brasil
A obra cinematográfica demonstrou-se uma importante ferramenta para promover a conscientização, revelando de maneira marcante as realidades degradantes e os sofrimentos enfrentados por menores em situação de proteção especial submetidos à exploração sexual comercial. O filme não se limita a retratar a dura realidade da exploração sexual comercial, mas também revela a conivência e a omissão presentes nas estruturas sociais e políticas. Ademais, expõe como práticas abusivas, muitas vezes naturalizadas, contribuem para a manutenção e perpetuação do ciclo de violência, evidenciando a necessidade de uma reflexão crítica e de ações efetivas no âmbito jurídico e social para enfrentar essa problemática.
O presente estudo destaca, em um de seus tópicos, a importância dos direitos fundamentais como alicerce para a proteção de crianças e adolescentes, enfatizando a necessidade de assegurar a efetividade e a eficiência desses direitos e garantias, especialmente para aqueles que se encontram em situação de exploração sexual comercial. Torna-se evidente a prioridade indispensável de uma articulação eficaz entre políticas públicas, a fim de alcançar esse grupo vulnerável de maneira efetiva. Nesse sentido, a implementação de medidas preventivas e a garantia de assistência adequada às vítimas da exploração sexual comercial, com base nos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, revelam-se essenciais para enfrentar, de forma humanizada, as graves violações que afetam este grupo vulnerável.
Além disso, destaca-se a importância de ações de sensibilização e educação, que utilizem a arte, em especial o cinema, como meio de promover a reflexão e a mudança de comportamentos sociais. Por fim, espera-se que esta pesquisa contribua para o avanço do debate sobre a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, instigando novas reflexões e promovendo a luta pela efetivação de políticas públicas. É fundamental que a sociedade, o Estado e as instituições mantenham-se vigilantes e comprometidos com a defesa intransigente dos direitos da infância e da adolescência, assegurando-lhes um futuro digno, livre de violência e exploração sexual comercial.
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1 SILVA, Rayssa Katrine Pinto da, graduanda do curso de direito da Faculdade Independente do Nordeste.
2 NOVAES, Vanessa Caetano, graduanda do curso de direito da Faculdade Independente do Nordeste
3 SILVA, Bianca Oliveira, mestra pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Advogada. Docente do Curso de Direito de Graduação da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR). Faculdade Santo Agostinho (FASA).