REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202412240648
Helen Aparecida Neves; Liliane Simões; Meire Dalva Dias Thomaz Soares; Nedi da Silva Pereira; Adriana Aparecida Almeida de Oliveira
RESUMO
O artigo teve como objetivo principal problematizar e tecer reflexões sobre a experiência subjetiva de pessoas que ingressam no ensino superior após os 50 anos. Foi realizada uma pesquisa exploratória de caráter descritivo e revisão bibliográfica em artigos, teses, dissertações e livros. Para desenvolvimento do trabalho também foram coletados relatos de duas integrantes do grupo que contam idade superior aos 50 anos e estão na graduação de psicologia. O preconceito de idade pode ser definido de forma abrangente como “negativo ou positivo”. Levantou-se com os dados tanto bibliográficos quanto pelos relatos de experiência que retomar os estudos depois de muitos anos, pode apresentar inúmeras dificuldades. Entre elas destacam-se: dificuldades com o mundo digital e desafios quanto à diversidade de faixas etárias de estudantes e o processo de troca de informações entre os colegas. Concluímos, portanto, que o etarismo constitui-se como um dos grandes desafios enfrentados.
Palavras-chave: Etarismo; Psicologia; Saúde Mental e Universidade.
INTRODUÇÃO
A sociedade atual está passando por mudanças significativas, incluindo a maneira como os idosos vivenciam este período de sua vida. A velhice era frequentemente associada há um período em que o sujeito passava a afastar-se das atividades laborais ou afazeres domésticos, assim como um período de maior reclusão, entretanto, atualmente este período da vida é caracterizado por novas formas de ser. De acordo com o CENSO 2023 o número de idosos no Brasil cresceu 57,2% nos últimos 12 anos e a maior parte desta população de acordo com pesquisa do IBGE (2022) é de mulheres. Existem no país 6 milhões de mulheres a mais que homens.
De acordo com Tavares et. al. (2019, p. 406) o processo de envelhecimento é um fenômeno biopsicossocial e cultural que provoca mudanças em termos de exterioridade. A exterioridade que apresenta o corpo, que é intensamente transformado neste período, podem ocorrer distinções entre a aparência e o senso de identidade, entre a relação que se trava com o outro e com o mundo que, por sua vez, refletem ao idoso sua velhice.
Derivada da palavra grega que significa “estudo da mente ou da alma”, hoje a psicologia é definida como a ciência que estuda o comportamento e os processos mentais (Davidoff,1983, p.2). Estudar a população em suas diversas faixas etárias é compromisso social da Psicologia que teve que adaptar-se nos últimos anos com o crescimento desta população.
A saúde mental constitui-se como um conceito complexo que é influenciado por contextos sócio políticos e pela evolução de práticas em saúde (Gaino et. al.,2018, p.110). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a mesma é caracterizada por um estado de bem-estar no qual uma pessoa é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade.
Com o envelhecimento populacional, é comum o surgimento de sofrimento psíquico intenso. Visto que este momento carrega consigo várias tarefas ao corpo e ao psiquismo. É natural que com o passar dos anos a saúde humana vá deteriorando-se, e problemas comecem a aparecer. Também o idoso depara-se com um novo lugar em seu meio e como a sociedade ao seu redor interpreta o envelhecimento é fundamental para como este sujeito irá olhar para si mesmo.
O termo etarismo é uma tradução da palavra inglesa “ageim” preconceito de idade. Designa os atos de intolerância a uma pessoa ou um grupo de pessoas baseados em sua idade (Queiroz, 2013). Tal palavra é uma construção social que retrata o processo de envelhecimento e os indivíduos mais velhos de forma, frequentemente, negativa (Santana et. al., 2024).
Conforme a Organização Mundial de Saúde (2023) o etarismo toma muitas formas ao longo da vida. Imagine ser sistematicamente ignorado pelos colegas e chefes no local de trabalho, ser tratado com condescendência pela família, ter negado um empréstimo no banco, ser insultado ou evitado nas ruas, ter acesso negado à sua propriedade, terra ou tratamento médico, tudo simplesmente em função da sua idade. Esses estereótipos negativos associados à idade e a ideia de que as pessoas com mais idade são mais frágeis, incapazes ou menos produtivas, enquanto os jovens são vistos como mais experientes podem levar à exclusão social e a negação de direitos e oportunidade para indivíduos de determinadas faixas etárias (QUEIROZ, 2023).
Este processo de exclusão, vem aos poucos sendo superado através da implantação de políticas públicas que garantem direitos básicos. Entre estes direitos está o acesso ao ensino nas Universidades (Oliveira et. al.,2016).
Este artigo teve como objetivo problematizar e tecer reflexões sobre a experiência subjetiva de pessoas que ingressam no ensino superior após os 50 anos. Pesquisar e descrever suas trajetórias e dificuldades enfrentadas, além de discutir a relevância das políticas públicas e educacionais voltadas para a terceira idade.
Pretende-se levantar quais as motivações desses alunos para fazer um curso superior após os 50 anos. E quais perspectivas e planos para o futuro após sua formação.
Faz-se importante esclarecer que duas integrantes do grupo deste trabalho inserem-se nesta categoria de estudantes da graduação de psicologia que ingressaram após os 50 anos. Cada uma delas teve um estímulo diferente, entretanto, ambas relatam que o apoio familiar foi decisivo. Outra peculiaridade enfrentada foi o período de pandemia do COVID 19 que exigiu que as aulas passassem a ter o formato online e a necessidade de adaptar-se ao mesmo fez-se obrigatória. Diante deste desafio relatam que o contato com os professores e colegas auxiliou em tal situação. Posteriormente nas aulas presenciais, com o contato direto com os colegas, avaliam que “tudo ficou muito melhor”.
METODOLOGIA
A pesquisa foi desenvolvida por meio de metodologia qualitativa que ocupa um reconhecido lugar entre várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e relações sociais, estabelecidas em diversos ambientes e reflexivas, visando compreender as experiências subjetivas de indivíduos que ingressam no ensino superior após os 50 anos.
O estudo de caráter qualitativo, teve foco na análise de experiências individuais e na reflexão sobre o papel das políticas públicas educacionais voltadas para essa faixa etária. Para isso foram utilizados alguns passos para obter essas informações. Um dos instrumentos de pesquisa escolhidos foi a revisão bibliográfica que teve como principal objetivo fundamentação teórica sobre o tema abordado. A primeira etapa teve caráter exploratório e documental levantando materiais já elaborados sobre o tema, constituído principalmente de livros e artigos científicos ( Gil, 2002) A segunda etapa foi mais descritiva e aborda o envelhecimento que se pode vivenciar tanto de forma positiva ou negativa , com enfoque no Etarismo nas Universidades. Foram levantadas para tanto os relatos de experiências das duas integrantes do grupo que possuem idade superior a cinquenta anos.
As pesquisas foram realizadas nos livros técnicos científicos, assim como nas plataformas de buscas virtuais, como Scielo ( Scientific Electronic Library Online; Pepsic( Periódico Eletrônico em Psicologia) e também no Google acadêmico. As palavras chaves usadas foram: etarismo nas universidades, envelhecimento, estudantes acima de 50 anos, depressão em idosos, psicologia e saúde mental na terceira idade, sendo encontrados 255 itens bibliográficos , tais como artigos, dissertações, teses e livros, sendo que 236 foram eliminados devido ao não enquadramento ao tema pesquisado, restando apenas 19 títulos. Os artigos pesquisados foram publicados no período de 10 anos.
Quanto aos relatos colhidos, estes foram descritos pelas duas integrantes do grupo que descreveram a sua vivência no ingresso ao curso superior. As narrativas nasceram em pouquíssimas horas, quase chegaram prontas no papel, alguns rascunhos ao lado da caneta. O grupo realizou o exercício de ouvir as suas palavras e ler o quanto foi construído um repertório pessoal em cada, pois como pudemos testemunhar foram muitas barreiras enfrentadas do início até os dias atuais.
A separação dos principais tópicos da pesquisa foi realizada de forma sistemática, com a divisão dos temas principais em subtemas específicos, o que possibilitou uma análise mais aprofundada e detalhada de cada aspecto relevante para o estudo. Esse processo foi estruturado em duas etapas principais: a definição dos tópicos e a análise e resumo dos artigos aos quais os estudantes tiveram acesso.
Durante as pesquisas bibliográficas, uma das principais dificuldades encontradas foi a falta de documentos específicos sobre o tema do etarismo nas universidades e a experiência de estudantes mais velhos no contexto acadêmico. Ainda que a literatura sobre envelhecimento e educação tenha sido amplamente abordada em outros contextos, poucos estudos diretamente relacionados ao ingresso de estudantes acima de 50 anos nas universidades foram encontrados. Além do mais, muitos dos artigos disponíveis se concentraram em aspectos gerais do envelhecimento ou em dados quantitativos, enquanto a pesquisa procurava por estudos qualitativos que abordassem as experiências subjetivas dos alunos mais velhos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
1. ETARISMO: DESAFIOS AO INGRESSAR NO ENSINO SUPERIOR
A psicologia, enquanto ciência da vida mental, dos fenômenos e das condições (James, 1890), tem um papel crucial na compreensão e suporte às necessidades de saúde mental dos idosos. À medida que o envelhecimento envolve-se também com mudanças cognitivas e emocionais, a psicologia se torna fundamental para investigar como os processos mentais dos idosos são afetados pelo avanço da idade e do contexto ao seu redor. Fenômenos como a perda de autonomia, a diminuição de interações sociais e o surgimento de condições de saúde crônicas impactam diretamente o bem-estar psicológico (Zimerman,2000). Nesse sentido, a psicologia vai além do estudo dos estados mentais isolados, investigando as condições que promovem ou deterioram a saúde mental, como por exemplo, a maneira como a sociedade enxerga e trata os idosos.
O envelhecimento é um processo bastante complexo que afeta o indivíduo em diversas formas. A velhice, historicamente associada à inatividade e isolamento, tem sido reinterpretada à luz de novos paradigmas que reconhecem o potencial contínuo de participação social e aprendizagem ao longo da vida.
Lima et. al. (2018) assinalam que o envelhecimento compreende dois processos: a senescência e a senilidade. A senescência é o envelhecimento primário, biológico e inevitável, que corresponde à deterioração corporal, e ocorre de forma gradual. Por outro lado, a senilidade, envelhecimento secundário, é resultante de doenças, abusos, afastamento das atividades sociais, falta de atividade física e estimulação cognitiva.
A velhice é uma experiência individual que pode ser vivenciada tanto de forma positiva ou negativa, isso dependendo da história de vida da pessoa e qual lugar ocupa na sociedade em que vive. A percepção de uma parte das pessoas sobre os idosos é negativa, pois em uma sociedade moderna as pessoas enxergam o idoso com um grau abaixo do que uma pessoa mais jovem que frequentemente tem mais habilidade e rapidez para resolver algumas tarefas.
No Brasil, apenas no ano de 2003 que a Constituição Federal passou a tratar o direito à educação da pessoa idosa, expressamente, em lei (BARBOSA-FOHRMANN, 2019). No artigo 3º da Lei 8.842/94 (BRASIL, 1994) já se encontravam propostos melhores condições de estudo para a população idosa, a fim de que fosse facilitada a aprendizagem, desenvolvendo programas educacionais direcionados a ela.
O idoso é assegurado pela Política Nacional do Idoso, segundo a Lei Nº 8.842, de 4 de Janeiro de 1994, “tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade” (BRASIL, 1994).
Segundo a Lei Nº 10.741, de 1º de outubro de 2003:
Art. 25 – As instituições de educação superior oferecerão às pessoas idosas, na perspectiva da educação ao longo da vida, cursos e programas de extensão, presenciais ou a distância, constituídos por atividades formais e não formais. Parágrafo único. O poder público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual (BRASIL, 2003).
No Brasil, o ingresso de pessoas idosas nas universidades brasileiras ocorreu de várias formas, como por exemplo, por processos seletivos abertos ao público em geral para acesso a cursos superiores, à distância ou presencial, assim como por meio de programas de educação continuada, como as Universidades Abertas da Terceira Idade (UNATIs), destinadas exclusivamente às pessoas idosas.
De acordo com o Censo de Educação Superior de 2019, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 27 mil idosos encontravam-se regularmente matriculados em cursos superiores no Brasil, o que representa um aumento de 48% em relação ao censo de 2015 (Alfano, 2021).
O ingresso nas universidades para pessoas acima de 50 anos produz desafios específicos a esta população. Embora a velhice seja um construto social, o preconceito continua florescendo (Schneider, 2008). O preconceito da idade surge, por exemplo, quando é utilizado para dividir as pessoas em categorias de modo que produza sentimento de desvalia, desvantagens e injustiças e assim resultando em danos à saúde mental. O etarismo discriminação contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos associados à idade tem sido uma realidade vivida por pessoas mais velhas em diversos espaços da vida em sociedade e, por consequência, também quando do seu ingresso nos espaços universitários (Cruz, 2022).
No Brasil, no ano de 2024 ocorreu um episódio de etarismo que gerou grande repercussão nacional. Quando uma mulher de 40 anos foi vítima de preconceito quando fazia um exame de concurso público, ela foi vítima de comentários preconceituosos, sobre querer ingressar numa universidade numa fase mais avançada de sua vida.
Esse caso destaca não apenas o preconceito contra pessoas mais velhas no ambiente educacional e profissional, mas também a persistência de estereótipos relacionados à capacidade de aprendizado e adaptação na maturidade ( G1, 2024).
A exclusão de idosos no ensino superior é um fenômeno complexo que merece análise sob diversas perspectivas. Minayo (2014) aponta que a exclusão social pode ocorrer em várias esferas da vida, incluindo nas instituições de ensino superior. Os estudantes mais velhos, ao ingressarem na universidade, frequentemente enfrentam barreiras institucionais que dificultam sua integração, como a falta de programas de suporte específicos e a ausência de atividades que promovam a interação entre diferentes faixas etárias. A falta de horários flexíveis e a escassez de cursos adaptados são exemplos de obstáculos enfrentados por esses alunos.
Ribeiro (2008) sublinha a importância de iniciativas como os programas voltados para a terceira idade, que têm como objetivo não apenas o aprimoramento educacional, mas também a inclusão social desses indivíduos. Tais programas oferecem um espaço para que estudantes mais velhos possam se sentir parte do ambiente universitário, ao mesmo tempo em que compartilham suas experiências com colegas mais jovens, promovendo uma troca inter geracional que enriquece a convivência e o aprendizado de todos. Segundo o autor, as universidades precisam expandir suas políticas de diversidade e inclusão para que estudantes de todas as idades possam ter acesso igualitário às oportunidades de ensino.
Embora em alguns aspectos a sociedade atual promova uma perspectiva positiva para os idosos, muitos ainda enfrentam discriminação e estereótipos negativos que podem resultar na falta de oportunidades, o que pode levar à depressão.
Para Zimerman (2007, p. 108) a depressão prejudica a saúde mental de crianças, adultos e idosos. A principal diferença entre a depressão em diferentes faixas etárias está no fato de que o idoso pode não ter tanto apoio e motivação para melhora de seu estado. As depressões na terceira idade estão, geralmente, relacionadas a perdas, doenças e aspectos sociais.
Muitos são os fatores que desencadeiam a depressão no idoso. Entre eles pode-se citar a aposentadoria (que simboliza o fim da rotina de trabalho, a sensação de inutilidade, a falta de realização profissional, dificuldades financeiras, o isolamento social, mudanças e limitações físicas, a solidão, a perda de familiares e/ou amigos, e o desenvolvimento de diversos problemas de saúde.Questão de saúde pública, a depressão atinge pessoas em todo o mundo independentemente da idade, status ou condição financeira. Entretanto, é na população idosa que ela atinge os maiores dados de mortalidade. Contudo, na terceira idade essa patologia não só é mais difícil de diagnosticar, visto que alguns sintomas se assemelham ao enfraquecimento da velhice, quanto também se torna um desafio, pois em muitos casos a maioria dos idosos nega sua depressão e recusa-se a procurar tratamento ( OLIVEIRA, 2020 ).
É comum que a vida de idosos adquira um tom de tristeza maior, o que se deve às circunstâncias em que muitos se encontram quando atingem uma idade avançada. Um exemplo é o ritmo acelerado pelo qual a sociedade contemporânea é caracterizada em oposição ao corpo idoso que aos poucos vai entrando em contato com uma desaceleração forçada. Uma das características do envelhecer é a necessidade de maior tempo para se fazer coisas que antes eram realizadas de modo mais rápido.
Diversos fatores podem trazer sofrimento aos idosos. A aposentadoria traz o fim de uma rotina e a necessária invenção de outra. O que pode gerar a sensação de inutilidade, diante da falta de realização profissional, a dificuldade financeira, o isolamento social, a solidão, a perda de familiares e/ou amigos, além do surgimento de diversos problemas de saúde (OLIVEIRA, 2020).
Ao ingressar na instituição de ensino de nível superior na faixa etária acima de 50 anos, muitas pessoas podem estar em busca de novos começos. Várias motivações podem justificar esta escolha: busca por uma nova profissão; adaptação a novos padrões exigidos pelo mercado de trabalho; o desejo de adquirir novos conhecimentos; a necessidade de uma formação contínua; uma forma de preencher o tempo após uma aposentadoria e/ou crescimento dos filhos e até mesmo como um objetivo pessoal de vida sem grandes justificativas.
Nesse percurso alguns pontos negativos podem vir à tona após tal ingresso como: o sentimento de não confiança em si mesmo, a dificuldade de memória e raciocínio, a sensação de desvalia diante de colegas e professores mais jovens. Um dos desafios é o enfrentamento do etarismo (ou edadismo) que impacta diretamente na saúde mental das pessoas, prejudicando a saúde física e mental e levando ao isolamento e à solidão (LEMES, 2024).
De acordo com Neri (2006) o processo biológico normativo de envelhecimento inclui diminuição da plasticidade comportamental (ou possibilidade de mudar para adaptar-se ao meio), e diminuição da resiliência biológica. A plasticidade cerebral depende das condições histórico-culturais do indivíduo. Raposo (2006) aponta que após o ingresso no ensino superior o indivíduo passa a ocupar novos papéis, sua interação social aumenta e ocorre o desenvolvimento de potencialidades no sujeito.
As pessoas idosas que chegam à universidade, encontram novas oportunidades e assim conseguem ter uma perspectiva maior de futuro. Araújo (2004) afirma que o ingresso na universidade pode contribuir significativamente para um envelhecimento mais participativo na sociedade.
Destarte esta vida universitária ser caracterizada por diversas barreiras, entre elas: sociais, falta de apoio ou até mesmo interrupções por diversas razões, etc. O início deste novo projeto traz consigo novas oportunidades: obtenção de conhecimento, criação de laços de amizades e a realização consigo mesmo. Faz-se importante lembrar que até há poucos anos atrás a possibilidade de realizar um curso de graduação era bastante restrita a classes mais elitizadas. Grande parte da população iniciou o ingresso ao mercado de trabalho na adolescência, assim como, as mulheres casaram-se cedo e muitas vezes eram impedidas de estudar para cuidar dos filhos, marido e afazeres domésticos.
“Fazer uma faculdade” para diversas pessoas é um sonho antigo que pode ser “tirado da gaveta” após os cinquenta anos. Inspirador é perceber que os sonhos e a mente embora envelheçam continuam produzindo desejos, novas formas de crescer e de ser/existir.
2.1 EXPERIÊNCIA – O INÍCIO
M. relatou que após cinquenta anos decidiu iniciar uma graduação no curso de Psicologia da Unisãoroque, depois de passar pelo luto da perda de seus pais, decidiu estudar novamente devido a sentir a falta de um curso superior em alguns momentos da trajetória de sua vida.
N. aos 53 anos de idade, optou a retornar aos estudos e resgatar o sonho antes abandonado devido ao medo e à sensação de incapacidade que a afligia, pois se considerava “pouco inteligente”. Retornou à educação formal no nível fundamental aos 22 anos, por meio do programa de supletivo, e completou o ensino médio aos 52 anos, após a conclusão de disciplinas no ENCCEJA, evidenciando um potencial que excedeu suas expectativas.
2.2 OS DESAFIOS
Conforme N., o motivo da decisão em retornar às salas de aula foi a recusa em aceitar que não estava cumprindo meu propósito neste mundo. Em suas palavras: “Ao atingir a idade de 80 anos, desejo não constatar a ausência de qualquer contribuição significativa à sociedade”. Relata que aos 14 anos, junto a suas irmãs saiu de casa para viver em outra cidade sem a presença dos pais, em busca de oportunidades de emprego. Nesse período, assumiu tarefas como arcar com as despesas do aluguel e garantir a própria alimentação. Avalia que iniciou sua vida profissional precocemente, o que dificultou a conciliação entre os estudos e o trabalho. Pontuou ainda, que os desafios enfrentados ao iniciar o curso superior foram numerosos devido à dificuldade na compreensão de textos acadêmicos e na escrita. Relata que realizou um curso de informática.
N. relatou que diversas vezes considerou a possibilidade de abandonar a graduação, entretanto compreendeu que tal ato poderia proporcionar um alívio imediato, porém, posteriormente, lhe ocasionaria de lidar com a frustração e a sensação de incapacidade. Afirma que contou com o apoio de alguns alunos, amigos, professores e familiares. Pontuou também que encontrou em algumas pessoas o julgamento e a ideia de que, após atingir os 50 anos, a mulher deve assumir novas responsabilidades, tais como dedicar-se à maternidade de suas filhas e cuidar do lar dos netos.
Concluindo sua breve narrativa, N. pontua que nunca viu a idade como um impedimento para perseverar no curso, e que não estar dentro do “padrão esperado” não a afligiu. Entretanto, pontua que teve que enfrentar seus medos ao ingressar em uma sala de aula e o medo do contato com estudantes mais jovens.
M. relata que nessa fase da vida a sociedade e a família esperam1 que a pessoa exerça o papel de avó, apoiando aos filhos na criação dos netos, ficando dentro de casa cuidando de todos, cozinhando para toda família pratos que cada membro aprecia, enfim se dedicando exclusivamente ao outro, se anulando de seus cuidados físicos e de seus desejos de vida.
Diante de tal contexto torna-se muito complicado para a pessoa desconstruir esses pensamentos designados pela sociedade e se tornar uma estudante. Avalia que não é possível deixar de exercer alguns papéis dentro da família, entretanto algumas pessoas anulam-se. Em suas palavras: “é um esforço contínuo para colocar a frente sua prioridade como o estudo, seus exercícios físicos, sua alimentação e suas consultas e exames médicos”.
M. avalia que a pessoa precisa estar bem para cuidar de sua família, e investindo em sua saúde corporal e mental, priorizando-se, realizando sonhos. Esses benefícios refletirão em toda a família, ela compreenderá que todos os integrantes precisam viver profundamente seus desejos e não um se sacrificar pela felicidade do outro.
Alguns estudantes querem fazer o curso superior para exercer uma profissão, mesmo que seja após os sessenta anos. Enquanto alguns já estão se aposentando, ele vai iniciar adicionando seu conhecimento acadêmico a sua experiência de vida e com certeza vai contribuir muito com a sociedade.
Outros estudantes, querem apenas conviver em um ambiente acadêmico, enriquecendo seus conhecimentos, estimulando seu cérebro, fazendo amigos, enfim, exercendo seus direitos de ir e vir da forma que achar adequado, alguns já trabalharam muito em sua vida, estão aposentados e podem pagar pelo seu curso superior.
Na compreensão de M. o objetivo maior é o estudante cinquenta mais estar vivenciando novas experiências, fazendo o que lhe apresenta prazer e estímulo de vida.
M. concluiu que para o estudante “cinquenta mais” não é fácil retornar ao ambiente escolar depois de muitos anos longe, ele apresenta inúmeras dificuldades, principalmente na área digital. Entretanto avalia que ao mesmo passo que a diversidade de faixas etárias e o processo de troca de informações entre os colegas traz conflitos e desafios. São estas mesmas diferenças que podem acrescentar conhecimento e desenvolvimento, nas suas palavras: “onde um escreve melhor, outro tem maiores habilidades com informática, outro facilidade de apresentação de trabalho, fortalecendo o grupo porque um vai aprendendo com o outro, apresentando suas facilidades e sanando suas dificuldades”.
CONCLUSÃO
Ao finalizarmos esse artigo, foi possível compreender com maior clareza o etarismo e o processo de envelhecimento. Tanto a revisão bibliográfica quanto os relatos das duas colegas do grupo, contribuíram no sentido de ampliar a compreensão sobre o tema estudado.
Ao longo da pesquisa levantou-se os vários desafios que o processo de envelhecimento pode trazer. O avanço da idade traz a chegada de um novo corpo, um novo rosto, novas doenças e uma mente que pode estar mais amadurecida. Visto que amadurecimento emocional e idade cronológica não necessariamente caminham juntos. Traz também a possibilidade para algumas pessoas de acessar sonhos que estavam guardados na gaveta e que por diversos motivos ali permaneceram por muito tempo.
Freud (1856-1939) inventor da Psicanálise no texto “Além do princípio do prazer” (1920) traz a ideia do dualismo pulsional, nesta concepção o sujeito vivencia em seu psiquismo a luta entre as pulsões de vida e de morte. Zimerman (2001) pontua referindo-se a este texto que as pulsões vida conjugam dentro de si as pulsões sexuais e de autoconservação. Ao aprofundar-se no tema do etarismo no ingresso em instituições de ensino superior pode-se vivenciar ao longo da pesquisa esta briga entre vida e morte. E o quanto a coragem em persistir este sonho de um novo diploma exige do psiquismo que as pulsões vida sobreponham-se às pulsões de morte.
Quando o corpo e mente aproximam-se da finitude a entrada na faculdade pode levar a novos começos. A manter mente e corpo vivos com um objetivo. Diante dos diversos desafios enfrentados, entre eles o etarismo e o corpo com novo ritmo, as pessoas cinquenta mais mostram a capacidade de dar um salto em direção a vida e as várias experiências e oportunidades que ela pode trazer. Para além da contribuição como novos profissionais para a sociedade, estes estudantes ensinam sobre esperança e persistência. Não mais aquela ideia de “guardar as chuteiras” e sim jogar o “jogo da vida” em toda sua beleza e precariedade. Que os mais novos possam aprender com tanto amor à vida e ao conhecimento.
1O Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) é um exame promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em parceria com as secretarias estaduais e municipais de educação com o objetivo de conceder certificados de conclusão do Ensino Fundamental e Médio.
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