A RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS E OS DANOS AMBIENTAIS INTERINOS

CIVIL LIABILITY FOR ENVIRONMENTAL DAMAGES AND INTERIM ENVIRONMENTAL DAMAGES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8400307


Lucas Volker Pereira


RESUMO

Este artigo examina a responsabilidade civil por danos ambientais no contexto do direito brasileiro, com ênfase nos danos ambientais interinos. Tal instituto, inicialmente discutido apenas em âmbito doutrinário e acadêmico foi novamente trazido à tona após precedente do Superior Tribunal de Justiça, fixando novos contornos à responsabilidade civil em matéria ambiental. Nesse contexto, dado o rigor encampado pela Constituição Federal na defesa do meio ambiente, busca-se a partir deste instituto maior eficácia na proteção do meio ambiente.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Danos Ambientais. Danos Interinos.

ABSTRACT

This article examines civil liability for environmental damages in the context of Brazilian law, with an emphasis on interim environmental damages. This legal concept, initially discussed primarily in academic and doctrinal circles, was brought to the forefront once again following a precedent set by the Superior Court of Justice, establishing new parameters for civil liability in environmental matters. In this context, given the strong commitment enshrined in the Federal Constitution to environmental protection, this institute is sought as a means to enhance the effectiveness of environmental safeguards.

Keywords: Civil Liability, Environmental Damages, Interim Environmental Damages

1. INTRODUÇÃO

A questão da responsabilidade civil por danos ambientais e os danos ambientais interinos é de grande importância em um país como o Brasil, em que a carga de responsabilidade para defesa do meio-ambiente é tão evidente. Nesse contexto, a aplicação prática desse instituto é crucial para garantia da proteção do meio ambiente e para dar maior efetividade à legislação ambiental brasileira.

A responsabilidade civil ambiental abrange a obrigação de reparar danos causados ao meio ambiente, independentemente da intenção do agente poluidor, conforme previsto na Lei 6.938/81. No entanto, o conceito de danos ambientais interinos acrescenta uma camada adicional à discussão. Ele enfatiza que, em certos casos, ainda que haja a reparação in natura (restauração do status quo ante) nem sempre se mostra suficiente, surgindo dai a doutrina dos danos ambientais interinos como já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Assim, a análise dos danos ambientais interinos exige uma visão além da forma jurídica dos eventos. Em vez disso, deve-se considerar os efeitos ambientais efetivamente produzidos em razão da ausência do meio ambiente durante aquele interregno, entre a ocorrência do dano e sua efetiva recuperação. Isso permite que a responsabilidade civil ambiental seja aplicada de maneira mais abrangente, garantindo a proteção do meio ambiente, mesmo em casos em que os danos não se manifestam imediatamente.

Em resumo, a compreensão e aplicação adequada da responsabilidade civil por danos ambientais e dos danos ambientais interinos são fundamentais para a promoção da justiça ambiental, conforme reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, além de assegurar que a reparação seja efetiva, contribuindo para a preservação do meio ambiente a longo prazo.

2 MARCO TEÓRICO

Os danos ambientais são de natureza multifacetada. No mínimo, hoje falamos de danos intergeracionais. A premissa é que certos danos ecológicos afetam os interesses e direitos das gerações futuras no tempo (estendendo-se para o futuro). Tal amplitude é simbolizada pela ideia de que o bem jurídico ecológico consiste, ou reúne, os interesses e direitos de toda a comunidade, e que os interesses das gerações futuras e mesmo dos animais não humanos e da natureza devem também ser levado em conta. É calculado como um todo, em sua integralidade.

Nesse contexto, a responsabilidade civil por danos ambientais é um princípio essencial no campo do direito ambiental, cuja aplicação busca assegurar que os agentes poluidores assumam a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, independentemente de sua intenção. Nesse contexto, o conceito de danos ambientais interinos surge como um elemento crítico na jurisprudência e doutrina jurídica.

A reparação do meio ambiente degradado é essencial e deve ser buscada de forma integral, seja por meio da restauração in natura ou da indenização pecuniária. Mesmo quando a reparação primária integral é realizada, os danos interinos não podem ser negligenciados. Essa abordagem garante que a reparação seja abrangente e que a sociedade não suporte os custos das externalidades negativas ambientais.

O princípio do poluidor-pagador, consagrado em normas nacionais e internacionais, é fundamental nesse contexto, exigindo que o causador da contaminação arque com os custos de reabilitação:

O princípio do poluidor-pagador – assim como o princípio do usuário-pagador – é um dos princípios regentes do sistema da responsabilidade, justamente por se relacionar à obrigação do responsável por causar dano ecológico de repará-lo, inclusive como forma de evitar a “socialização” dos ônus ecológicos e, por outro lado, a “privatização” dos bônus ou lucros obtidos decorrentes de atividade predatória da natureza. Só é importante ressaltar que o princípio do poluidor-pagador não deve ser interpretado como uma “licença para poluir” e depois pagar pela poluição provocada, notadamente porque, muitas vezes, isso pode até mesmo ser visto como atrativo ou um estímulo a que empresas prefiram pagar pela poluição que ocasionam e embutir o custo da poluição nos seus produtos e serviços, em vez de investirem em tecnologias limpas de produção. (SARLET & FENSTERSEIFER, 2023)

A reparação dos danos interinos representa, por isso, a internalização dos custos das externalidades negativas ambientais.

Por outro lado, os danos ambientais interinos referem-se a danos que ocorrem desde o momento da lesão ambiental até a sua reparação, que pode ser no futuro. Isso abrange situações variadas, como danos instantâneos com recuperação demorada ou danos duradouros, mas ainda reversíveis dentro de um prazo razoável. A importância desses danos interinos reside na compensação que a sociedade merece pelo período em que foi privada dos serviços e recursos ambientais, incluindo medidas de precaução e reserva.

Essa classificação dos danos ambientais já foi trabalhada anteriormente pela doutrina:

“(…) a reparação integral do dano ao meio ambiente deve compreender não apenas o prejuízo causado ao bem ou recurso ambiental atingido, como também, na lição de Helita Barreira Custódio, toda a extensão dos danos produzidos em consequência do fato danoso, o que inclui os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um bem ambiental corpóreo que estiverem no mesmo encadeamento causal, como, por exemplo, a destruição de espécimes, habitats, e ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado; os denominados danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos futuros que se apresentarem como certos, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental.” (MIRRA, 2004)

 “E se a restauração integral do meio ambiente lesado, com a consequente reconstituição completa do equilíbrio ecológico, depender de lapso de tempo prolongado, necessário que se compense tal perda: é o chamado lucro cessante ambiental, também conhecido como dano interino ou intercorrente.” (FREITAS, 2011)

O princípio do poluidor-pagador, consagrado em normas nacionais e internacionais, é fundamental nesse contexto, exigindo que o causador da contaminação arque com os custos de reabilitação. A reparação dos danos interinos representa, por isso, a internalização dos custos das externalidades negativas ambientais.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou a aplicação do instituto no seguinte sentido:

O cumprimento da obrigação de reparar integralmente o dano ambiental (in natura ou pecuniariamente) não afasta a obrigação de indenizar os danos ambientais interinos.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.845.200-SC, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/8/2022 (Info Especial 8).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão dos danos interinos no contexto da responsabilidade civil ambiental representa um desafio significativo para o direito ambiental contemporâneo. Como discutido ao longo deste artigo, esses danos representam a perda temporária do valor do bem ambiental e a privação da sociedade dos serviços e recursos ecológicos desde o momento da lesão até sua completa reparação. A compreensão e a abordagem adequadas dos danos interinos são cruciais para garantir uma justa compensação dos prejuízos ambientais e promover a responsabilidade ambiental.

Uma das questões-chave em torno dos danos interinos é se eles podem ser cumulados com as obrigações de fazer e indenizar. A jurisprudência e a doutrina jurídica têm se posicionado favoravelmente à cumulação dessas obrigações, reconhecendo que os danos interinos não podem ser simplesmente ignorados. Essa abordagem é consistente com o princípio da reparação integral do dano ambiental e do “poluidor-pagador”.

A reparação integral do dano ambiental é fundamental para assegurar que a sociedade seja devidamente compensada pelos impactos adversos causados pela atividade humana. No entanto, os danos interinos representam uma realidade complexa que não pode ser totalmente abordada apenas com medidas de restauração in natura. A privação temporária da fruição dos benefícios ambientais e dos serviços ecossistêmicos deve ser considerada na equação da responsabilidade civil ambiental.

Além disso, a análise econômica do direito desempenha um papel crucial na compreensão e na gestão dos danos interinos. A internalização dos custos ambientais, ou seja, a atribuição dos custos das externalidades negativas ambientais aos causadores dos danos, é um princípio fundamental que desempenha um papel preventivo importante na promoção da responsabilidade ambiental.

Em última análise, os danos interinos não são apenas uma questão jurídica complexa, mas também uma questão moral e ética. Eles representam a necessidade de reconhecer e compensar os prejuízos ambientais que ocorrem durante o período entre a ocorrência do dano e sua completa reparação. Ignorar esses danos seria injusto para a sociedade e inadequado para a proteção do meio ambiente.

Portanto, é essencial que o sistema jurídico continue a considerar os danos interinos como parte integrante da responsabilidade civil ambiental, garantindo assim uma proteção eficaz do meio ambiente e a busca pela justiça ambiental. A evolução da jurisprudência e da doutrina jurídica nessa área é fundamental para promover a sustentabilidade e a conservação dos recursos naturais para as gerações presentes e futuras.

REFERÊNCIAS

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O cumprimento da obrigação de reparar integralmente o dano ambiental (in natura ou pecuniariamente) não afasta a obrigação de indenizar os danos ambientais interinoso. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/58d123e75dac4f3e9fb6c4d20ca6f517>. Acesso em: 25/09/2023

BRASIL. Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm. Acesso em: 25 jun. 2023.

SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Curso de Direito Ambiental. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559643783. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559643783/. Acesso em: 25 set. 2023.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e a Reparação do Dano Ambiental. 2ª ed., São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, fl. 314.

FREITAS, Cristina Godoy de Araújo. Valoração do dano ambiental: algumas premissas. In: Revista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Edição Especial Meio Ambiente: A Valoração de Serviços e Danos Ambientais, 2011, p. 11.