A RELAÇÃO PSICOSSOCIAL DOS FAMILIARES DA PESSOA COM ESPECTRO AUTISTA COM A SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA

THE PSYCHOSOCIAL RELATIONSHIP OF THE FAMILIES OF INDIVIDUALS WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER WITH BRAZILIAN CIVIL SOCIETY

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202505231425


Livia Gama Meireles Reis
Maria Clara Mércuri Jorge
Nathalia Faleiros Macedo
Viviane Rodrigues Esperandim


RESUMO

O comportamento da sociedade civil brasileira afeta o psicossocial e o cotidiano dos familiares de pessoas com Transtorno Espectro Autista (TEA). Tal abordagem é devida ao fato de que as políticas públicas, com ênfase em pessoas com TEA, ainda são pouco abordadas no Brasil, principalmente voltadas aos familiares. O objetivo deste trabalho é explorar as principais dificuldades vivenciadas pelas famílias, e quais são os efeitos desta para os autistas em relação ao comportamento da sociedade civil brasileira frente ao diagnóstico de TEA. Este propósito foi conseguido mediante pesquisas qualitativas com familiares que participam dos Centros Especializados de Reabilitação no ano de 2025, no município de Três Pontas (Minas Gerais); com entrevistas semiestruturadas realizadas com sujeito de pesquisa e com a equipe profissional de saúde, como também, revisão bibliográfica de livros e artigos científicos. Os dados foram analisados com técnicas estatísticas descritivas, comparando as diversas entrevistas sobre a relação psicossocial de pessoas com espectro autista na sociedade.

Palavras-chave: Autismo; Comportamento psicossocial; Políticas públicas.

1. INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) ganhou uma repercussão ampla em nossa sociedade atual, com um número de diagnósticos em crescimento vertiginoso, sendo ainda considerado um desafio para a pesquisa neurológica  interessando a mídia, as autoridades públicas, os vários profissionais envolvidos, e o conjunto da sociedade, mesmo daqueles que não se encontram diretamente tocados pelo problema (UNESP,2021). Descrito pela primeira vez em 1943 (Mello et al, 2013) pelo médico Leo Kanner, atualmente é definido como uma disfunção do neurodesenvolvimento, com amplo espectro de manifestações clínicas, caracterizado pela presença de distúrbios do comportamento, desde o início da vida, contendo diferentes graus de comprometimento e de déficits associados. A versão mais atual do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5, da Associação Americana de Psiquiatria, caracteriza o TEA a partir de dois aspectos: (a) déficits na comunicação e na interação sociais; e (b) comportamentos e interesses estereotipados ou repetitivos. De acordo com o DSM-5, a etiologia do TEA é multifatorial e envolve fatores genéticos e ambientais. (LAZZARINI,2022)

É de importância ressaltar que os sintomas costumam ser reconhecidos por pais ou cuidadores em sua grande maioria durante o segundo ano de vida (12 a 24 meses), embora possam ser vistos antes dos 12 meses de idade, se os atrasos do desenvolvimento forem graves, ou percebidos após os 24 meses, se os sintomas forem mais sutis. Nos casos em que houve perda de habilidades, os responsáveis podem relatar história de deterioração gradual ou relativamente rápida em comportamentos sociais ou nas habilidades linguísticas, e são os primeiros a notarem que algo não está de acordo com o desenvolvimento. Entre as características relatadas, as mais frequentes são falta de interesse em interações sociais no primeiro ano de vida, platôs ou regressão no desenvolvimento, com uma deterioração gradual ou relativamente rápida em comportamentos sociais ou uso da linguagem. Com isso, os pais enfrentam um desafio desde o momento em que começam a perceber essas alterações em seus filhos, é de suma importância que tenham apoio e consigam sanar suas dúvidas para uma melhor promoção de saúde da família.

Com o tempo, a mobilização dos familiares e comprovação de estudos levou à aprovação de uma lei federal específica para o autismo. Em 27 de dezembro de 2012, foi sancionada a Lei nº 12.764, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012). Além de reconhecer a pessoa com transtorno do espectro autista (TEA) como “pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais” (Lei nº 12.764, § 2o), produz incidências em diversos campos, como na esfera assistencial, político/gestora, científico/acadêmica educacional/pedagógica, bem como no campo dos direitos básicos. A Lei representou um marco histórico na luta pelos direitos dos autistas, de maneira que tal inclusão no campo das deficiências viabiliza politicamente o acesso a direitos previstos na legislação já existente para pessoas com deficiência no país, como benefícios financeiros, garantia à educação em escolas regulares e de ingresso no mercado de trabalho, entre outros. Além disso, consideram que esse veículo jurídico representa a condição de acesso a atendimentos em serviços de saúde especializados, em oposição aos ofertados pela rede de saúde mental.(OLIVEIRA et al,2017)

O diagnóstico de TEA permanece essencialmente clínico, e é feito a partir de observações da criança e entrevistas com pais e/ou cuidadores. O uso de escalas e instrumentos de triagem padronizados ajuda a identificar problemas específicos, sendo importante para o rastreamento e a triagem de casos suspeitos, mas não é essencial para a avaliação nosológica. A partir da identificação dos sinais de alerta, podem ser iniciadas a intervenção e a monitoração dos sinais e sintomas ao longo do tempo. É importante salientar que há instrumentos de rastreamento/ triagem que podem ser aplicados por profissionais de diversas áreas, para que se possa ser o mais abrangente possível. Instrumentos de rastreamento são aqueles que, em linhas gerais, detectam sinais relativos ao que pode estar relacionado ao espectro, mas não determinam o diagnóstico. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014)

É importante a forma que é identificado o diagnóstico, e de como a família em conjunto deve ser contemplada, tendo como atenção a pessoa e aos seus familiares, não deve ser reduzida a uma condição diagnóstica, pois deve se pensar em aspectos psíquicos, no que está relacionado aos sentimentos, pensamentos e a forma de se relacionar com o meio em que se faz parte. Isto significa, que estamos diante da necessidade de ofertar, também aos pais e cuidadores, espaços de escuta e acolhimento, de orientação e até de cuidados terapêuticos específicos. O diagnóstico de TEA, ainda que constitua um estressor para a família, pode também ser uma experiência que potencializa os recursos familiares, tais como flexibilidade na mudança de seus valores, suas expectativas, prioridades na vida e na qualidade das relações entre os membros da família. (BRASIL, 2014)

A identificação de sinais iniciais de problemas possibilita a instauração imediata de intervenções extremamente importantes, uma vez que os resultados positivos em resposta a terapias são tão mais significativos quanto mais precocemente instituídos. A maior plasticidade das estruturas anátomo-fisiológicas do cérebro nos primeiros anos de vida e o papel fundamental das experiências de vida de um bebê, para o funcionamento das conexões neuronais e para a constituição psicossocial, tornam este período um momento sensível e privilegiado para intervenções.(BRASIL,2014)

Assim, as intervenções em casos de sinais iniciais de problemas de desenvolvimento que podem estar futuramente associados aos TEA podem ter maior eficácia, devendo ser privilegiadas pelos profissionais. Sabe-se que, para fins de diagnóstico, manifestações do quadro sintomatológico devem estar presentes até os 3 anos de idade. Nas ações de assistência materno-infantil da Atenção Básica, por exemplo, as equipes profissionais são importantes na tarefa de identificação de sinais primários de problemas de desenvolvimento.(BRASIL,2014)

Além disso, é de extrema importância, lembrar que é dever do Estado o diagnóstico precoce (BRASIL,2015), pois o comportamento da sociedade civil brasileira afeta o psicossocial e o cotidiano dos familiares de pessoas com TEA, pois a integridade e equidade da qualidade de serviços de saúde, da rede de apoio, das equipes multidisciplinares, e dos recursos econômicos que o governo disponibiliza afeta integralmente a qualidade de vida dos familiares de uma criança diagnosticada com TEA.

2. OBJETIVOS

Objetivo geral

Explorar a importância da relação psicossocial dos familiares da pessoa com espectro autista com a sociedade civil brasileira.

Objetivos específicos

Descrever o transtorno do espectro autista, juntamente com as políticas públicas prevista em direito desta sociedade;

Compreender a experiência vivenciada pelos familiares em relação ao psicossocial enfrentados pela vivência na sociedade civil brasileira;

Comparar o desempenho e dificuldades em cada local da sociedade nos quais os pacientes com TEA tem acesso em suas diversas fases da vida.

3. JUSTIFICATIVA

Devido à alta prevalência do espectro autista atualmente, e futuras maneiras de correlacionar tanto a disposição como o desempenho da sociedade juntamente com a população, devido à busca de melhorar a integração destes portadores, evitando riscos de exclusão devido a uma doença. Além disso, o conhecimento sobre a doença, e os direitos que estes familiares precisam receber, causa um novo modo de vida destes pacientes com a sociedade, o que pode afetar a melhora da funcionalidade desses.

4. MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de estudo exploratório, qualitativo, descritivo. O estudo foi realizado nos Centros Especializados de Reabilitação de Três Pontas, Minas Gerais. Os sujeitos de pesquisa foram 28 familiares de pessoas portadores do espectro autistas, sendo os responsáveis maiores de 18 anos, que acompanham a criança nos serviços multiprofissionais, por no mínimo seis meses e que frequentam semanalmente o equipamento.

Os dados foram obtidos através de entrevistas semi-estruturadas, composta por 12  questões, com respostas descritiva e de múltipla escolha,  que abordaram diversas áreas sobre a relação psicossocial dos familiares e da pessoa com espectro autista. Dentre elas questionamos sobre a identificação, como foi feito o diagnóstico de TEA, qual a maior dificuldade que os pais encontram emocionalmente, o que ajudou os mesmos a passarem por esse momento e, ainda, sobre políticas públicas e seus benefícios e uso de serviços multiprofissionais.

Definições sobre o tamanho amostral e o instrumento de pesquisa definidos baseados na literatura estudada na fase de levantamento bibliográfico.

Sendo a população total pequena e o estudo descritivo, os dados foram analisados com técnicas estatísticas descritivas, comparando as diversas entrevistas sobre a relação psicossocial de pessoas com espectro autista na sociedade moderna, entretanto sem a possibilidade de testar hipóteses ou fazer associações causais.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Uni-FACEF pelo número 85966264.3.0000.5384 no dia oito de abril de 2025.

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente estudo foi realizado no Centros Especializados de Reabilitação da cidade de Três Pontas (MG), o qual realiza serviços para 91 pessoas diagnosticadas com TEA. No questionário realizado por meio de entrevistas semiestruturadas, contou com a participação de 33 familiares desses.

Os resultados obtidos neste estudo reforçam as dificuldades psicossociais vivenciadas pelas famílias de pessoas com TEA, conforme apontado na literatura revisada.

A idade dos participantes, que são em sua grande maioria pais ou responsáveis de pessoas portadoras de TEA, varia entre 24 e 59 anos, majoritariamente do sexo feminino. Durante o questionário, percebe-se que a idade dos portadores do TEA varia entre 1 e 18 anos, com prevalência ao sexo masculino.

As respostas ao questionário são apresentadas nos quadros abaixo, algumas destas mencionam mais de um fator, por isso, a soma das porcentagens podem ultrapassar o valor de 100%:

Tabela 1: forma de descoberta

FORMA DE DESCOBERTAQUANTIDADE DE PARTICIPANTESPORCENTAGEM (%)EXEMPLOS/ DESCRIÇÃO
LAUDO MÉDICO / NEUROPEDIATRA1030,3%COM LAUDO MÉDICO, COM NEUROPEDIATRA LUCAS GABRIEL, DR. WALTER CAMARGO
AVALIAÇÃO NA APAE927,3%PELA APAE, APAE DE TRÊS PONTAS, AVALIAÇÃO MULTIDIMENSIONAL CER III
OBSERVAÇÃO DOS PAIS (ATRASOS PERCEBIDOS)824,2%DESDE NOVINHA JÁ HAVIA PERCEBIDO, PAROU DE FALAR
ALERTA DA ESCOLA/CRECHE412,1%ESCOLINHA ALERTOU SOBRE ESTEREOTIPIAS, CRECHE ENCAMINHOU
SINTOMAS PERCEPTÍVEIS (ENGASGOS, ESTEREOTIPIAS, SELETIVIDADE)721,2%ENGASGAVA COM TUDO, FALTA DE FALA, POUCA INTERAÇÃO SOCIAL
AVALIAÇÃO MULTIDISCIPLINAR CER III DA APAE26,1%AVALIAÇÃO MULTIDIMENSIONAL NO CER III DA APAE
CONDIÇÃO ASSOCIADA (RUBÉOLA CONGÊNITA)13,0%SEQUELAS DA RUBÉOLA CONGÊNITA
DIAGNÓSTICO AINDA NÃO FECHADO13,0%AINDA NÃO TEM DIAGNÓSTICO FECHADO
FORMA DE DESCOBERTAQUANTIDADE DE PARTICIPANTESPORCENTAGEM (%)EXEMPLOS/ DESCRIÇÃO
LAUDO MÉDICO / NEUROPEDIATRA1030,3%COM LAUDO MÉDICO, COM NEUROPEDIATRA LUCAS GABRIEL, DR. WALTER CAMARGO
AVALIAÇÃO NA APAE927,3%PELA APAE, APAE DE TRÊS PONTAS, AVALIAÇÃO MULTIDIMENSIONAL CER III
OBSERVAÇÃO DOS PAIS (ATRASOS PERCEBIDOS)824,2%DESDE NOVINHA JÁ HAVIA PERCEBIDO, PAROU DE FALAR
ALERTA DA ESCOLA/CRECHE412,1%ESCOLINHA ALERTOU SOBRE ESTEREOTIPIAS, CRECHE ENCAMINHOU
SINTOMAS PERCEPTÍVEIS (ENGASGOS, ESTEREOTIPIAS, SELETIVIDADE)721,2%ENGASGAVA COM TUDO, FALTA DE FALA, POUCA INTERAÇÃO SOCIAL
AVALIAÇÃO MULTIDISCIPLINAR CER III DA APAE26,1%AVALIAÇÃO MULTIDIMENSIONAL NO CER III DA APAE
CONDIÇÃO ASSOCIADA (RUBÉOLA CONGÊNITA)13,0%SEQUELAS DA RUBÉOLA CONGÊNITA
DIAGNÓSTICO AINDA NÃO FECHADO13,0%AINDA NÃO TEM DIAGNÓSTICO FECHADO                       
Fonte: elaborado pelos autores

O diagnóstico do TEA foi, em sua maioria, realizado entre 1 e 3 anos de idade, obtido por avaliações clínicas com neuropediatras, serviços especializados como APAE, ou por encaminhamentos escolares diante da percepção de atrasos no desenvolvimento, dificuldades de fala ou comportamentos estereotipados.

Além disso, os pais e responsáveis entrevistados relatam enfrentar dificuldades emocionais relacionadas principalmente ao medo do futuro, à ausência de fala, à falta de interação social e à sobrecarga decorrente da ausência de rede de apoio. Muitos mencionam o sofrimento com crises de comportamento e a exclusão social. Enquanto parte da família lida bem com o diagnóstico e oferece apoio, há também relatos de afastamento e falta de compreensão por parte de familiares mais distantes, o que agrava o desgaste emocional dos responsáveis diretos pelo cuidado.

Tabela 2: tipo de suporte emocional

TIPO DE SUPORTE EMOCIONALQUANTIDADE DE PARTICIPANTESPERCENTUAL DE PARTICIPANTES QUE CITARAM
FÉ (RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE)2578,1%
APOIO DE PSICÓLOGOS515,6%
APOIO DE FAMILIARES1854,5%
APAE2060,6%
IGREJA515,6%
AMIGOS412,5%
MÉDICOS515,6%
ENFERMEIRO13%
Fonte: elaborado pelos autores

No aspecto positivo, muitos participantes apontaram a fé, o suporte familiar e o acesso aos serviços da APAE como fatores que os ajudaram a atravessar momentos difíceis. Esse achado vai ao encontro da literatura que destaca a importância dos fatores protetores, como a espiritualidade, redes de apoio e intervenções precoces na qualidade de vida das famílias e das crianças com TEA.

Tabela 3: dificuldade financeira relatada

DIFICULDADE FINANCEIRA RELATADAQUANTIDADE DE PARTICIPANTESPORCENTAGEM
TRANSPORTE PARA TERAPIAS E ESCOLA722,6%
GASTOS COM ALIMENTAÇÃO E MEDICAMENTOS412,9%
PAGAR TERAPIAS PARTICULARES (ABA, TO, ETC.)1032,3%
FALTA DE MORADIA PRÓPRIA (ALUGUEL)39,7%
FALTA DE ACESSO A BENEFÍCIOS SOCIAIS (BPC/LOAS)412,9%
OUTRAS (FALTA DE EMPREGO, BAIXOS SALÁRIOS)39,7%
TOTAL31100%
Fonte: elaborado pelos autores

Tabela 4: utilização de políticas públicas

UTILIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICASQUANTIDADE DE PARTICIPANTESPORCENTAGEM
RECEBE OU CONHECE BPC/LOAS/BENEFÍCIOS618,8%
NÃO RECEBE OU NÃO CONHECE POLÍTICAS PÚBLICAS2681,2%
TOTAL32100%
Fonte: elaborado pelos autores

Tabela 5: dificuldade financeira relatada

DIFICULDADE FINANCEIRA RELATADAQUANTIDADE DE PARTICIPANTESPORCENTAGEM
TRANSPORTE PARA TERAPIAS E ESCOLA722,6%
GASTOS COM ALIMENTAÇÃO E MEDICAMENTOS412,9%
PAGAR TERAPIAS PARTICULARES (ABA, TO, ETC.)1032,3%
FALTA DE MORADIA PRÓPRIA (ALUGUEL)39,7%
FALTA DE ACESSO A BENEFÍCIOS SOCIAIS (BPC/LOAS)412,9%
OUTRAS (FALTA DE EMPREGO, BAIXOS SALÁRIOS)39,7%
TOTAL31100%
Fonte: elaborado pelos autores

Conforme descrito por Oliveira et al. (2017), o diagnóstico de TEA impõe um desafio significativo às famílias, não apenas no aspecto clínico, mas também nas dimensões emocionais, econômicas e sociais. Neste estudo, o medo em relação ao futuro dos filhos, a ausência de rede de apoio e a dificuldade financeira foram elementos constantes nos relatos, o que está de acordo com o que Lazzarini e Elias (2022) descreveram sobre o impacto psicossocial do autismo nas famílias.

Ademais, observou-se que grande parte dos familiares perceberam que, apesar do acesso a alguns serviços especializados, como psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional, ainda há insuficiência em políticas públicas que garantam suporte integral. Muitos familiares relataram dificuldades em obter benefícios sociais, como o BPC/LOAS, e a falta de informações sobre seus direitos. Este dado é preocupante, considerando que a Lei nº 12.764/2012 reconhece o TEA como deficiência, assegurando acesso a uma série de direitos previstos na legislação para pessoas com deficiência.

O dado do questionário que aponta  51,5% dos filhos com TEA frequentam escola comum, enquanto 48,5% não estão inseridos em escolas regulares, demonstra uma realidade ainda distante da plena inclusão educacional defendida pelas Diretrizes Nacionais da Educação Especial. O preconceito, a falta de preparo das instituições e a ausência de suporte adequado continuam sendo barreiras para uma inclusão verdadeira na sociedade.

Tabela 6: relações sociais

DE ACORDO COM AS RELAÇÕES SOCIAIS, COM FAMILIARES E SUA COMUNIDADE, VOCÊ CONSIDERA QUE:QUANTIDADE DE PARTICIPANTESPORCENTAGEM
TEM ÓTIMAS RELAÇÕES COM TODOS, TEM COM QUEM CONTAR QUANDO PRECISA4 
TEM BOAS RELAÇÕES, MAS PREFERE NÃO CONTAR COM NINGUÉM, NÃO PEDE AJUDA927,3%
NÃO TEM BOAS RELAÇÕES, FAZ TUDO SOZINHO2060,6%
Fonte: elaborado pelos autores

As relações sociais dos familiares de pessoas com TEA demonstraram fragilidade significativa, com 60,6% relatando ausência de boas relações e tendência ao isolamento. Apenas 12,1% afirmaram ter ótimas relações e apoio disponível, enquanto 27,3% possuem boas relações, mas evitam buscar ajuda. Esses dados reforçam a importância de redes de apoio social para o enfrentamento dos desafios emocionais e práticos do cuidado, e o olhar voltado também para a família,  visto que o suporte comunitário é um fator protetor fundamental para a saúde mental dos cuidadores e para o sucesso do tratamento dos pacientes.

Tabela 7: atendimento psicológico

FAMILIARES PASSARAM POR ATENDIMENTO PSICOLÓGICO APÓS O DIAGNÓSTICO?QUANTIDADE DE PARTICIPANTESPORCENTAGEM
SIM2472,7%
NÃO927,3%
Fonte: elaborado pelos autores

Outro ponto importante é que apenas 27,3% dos familiares buscaram atendimento psicológico após o diagnóstico, embora mais de 70% tenham relatado dificuldades emocionais. Isso confirma o que o Ministério da Saúde (2014) aponta: a necessidade de se pensar não apenas no atendimento clínico do indivíduo com TEA, mas também em espaços de escuta e acolhimento psicológico para as famílias.

6. CONCLUSÃO

O presente estudo demonstrou a complexidade e os inúmeros desafios enfrentados pelas famílias de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no contexto da sociedade civil brasileira. Observou-se que, embora avanços legais, como a criação da Lei nº 12.764/2012, tenham contribuído para o reconhecimento de direitos, na prática, ainda há um grande descompasso entre a legislação e sua efetiva implementação no cotidiano das famílias.

Os dados levantados revelam que o diagnóstico precoce é fundamental para a intervenção e promoção de um melhor desenvolvimento das crianças com TEA. No entanto, muitos familiares ainda encontram barreiras no acesso a serviços especializados, no reconhecimento de direitos sociais e na inclusão educacional. A ausência ou insuficiência de apoio financeiro, psicológico e social agrava o estresse vivido pelos cuidadores, refletindo diretamente em sua qualidade de vida e no cuidado oferecido às pessoas com TEA.

Espaços de acolhimento psicológico, fortalecimento das redes de apoio comunitário e acesso facilitado a informações e benefícios sociais são pontos essenciais para a promoção de uma sociedade mais inclusiva e justa. As dificuldades psicossociais relatadas, como o medo do futuro, o isolamento social e a sobrecarga emocional, evidenciam a necessidade de políticas públicas mais efetivas que considerem não apenas o indivíduo diagnosticado, mas também toda a sua rede familiar.

Por outro lado, fatores como a fé, a espiritualidade, o apoio de familiares próximos e instituições como a APAE demonstraram ser de extrema importância na resiliência das famílias. Esses elementos, quando reforçados por políticas públicas bem estruturadas, podem transformar significativamente a experiência de cuidado e convívio social.

Assim, conclui-se que a relação psicossocial das famílias de pessoas com TEA com a sociedade civil brasileira ainda enfrenta obstáculos importantes, mas também apresenta potenciais caminhos para melhoria. Por meio desse estudo é possível analisar que investir em educação social, fortalecer a rede de suporte institucional e garantir o cumprimento dos direitos previstos em lei são medidas imprescindíveis para promover a verdadeira inclusão social e o bem-estar dessas famílias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Associação Americana de Psiquiatria. (2014).  Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (5ª ed., texto traduzido). Artmed.

Lazzarini, F. S., Elias, N. C. História Social autismo: Uma revisão de literatura. Revista Brasileira de Educação Social. 2022

Oliveira, B. D. C., et al. Políticas para autismo no Brasil: entre a atenção psicossocial e reabilitação. Revista de saúde coletiva.2017

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde. Brasília:Ministério da Saúde, 2015.

BRASIL. Lei nº 10.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2012.

MELLO, A.M. et al. Retratos do autismo no Brasil. São Paulo: Associação dos Amigos do Autista, 2013.