A relação entre TEA e indivíduos com Mucopolissacaridose Tipo IIID

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.10229263


Daniel Ferreira dos Santos1
Maria Denise Fernandes Carvalho de Andrade2


Resumo:

Os erros inatos do metabolismo são doenças genéticas de baixa prevalência que conferem, geralmente, uma grande sintomatologia no paciente. Com isso, um grupo de doenças de grande importância a serem estudadas são as doenças do armazenamento lisossomal, como a Mucopolissacaridose Tipo IIID. Por conta dessa grande sintomatologia, doenças como a Mucopolissacaridose tipo IIID podem induzir o surgimento de outras condições clínicas que acometem o paciente, como o desenvolvimento de um transtorno do espectro autista. Muitas vezes, a ocorrência de ambos os fenômenos é mal observada, o que possibilita um diagnóstico impreciso na hora da análise do quadro clínico. Uma das causas para esse possível mal diagnóstico é a dificuldade de identificar padrões específicos de cada doença, pois a Mucopolissacaridose Tipo IIID e o Transtorno do Espectro Autista possuem complicações neuropsicológicas muito similares, dificultando a avaliação médica. Assim, há uma intensa necessidade de produzir mais artigos sobre o assunto, que ajudarão a fomentar o conhecimento científico sobre o conteúdo e, a posteriori, aumentar a eficiência no tratamento de ambas as doenças.

Abstract: Inborn errors of metabolism are low-prevalence genetic diseases that usually cause many symptoms in the patient. Thus, a group of diseases of great importance to be studied are lysosomal storage diseases, such as Mucopolysaccharidosis Type IIID. Due to this great symptomatology, diseases such as Mucopolysaccharidosis type IIID can induce the emergence of other clinical conditions that affect the patient, such as the development of an autistic spectrum disorder. Often, the occurrence of both phenomena is rarely observed, which allows an inaccurate diagnosis when analyzing the clinical picture. One of the causes for this possible misdiagnosis is the difficulty in identifying specific patterns of each disease, as Mucopolysaccharidosis Type IIID and Autism Spectrum Disorder have very similar neuropsychological complications, making medical evaluation difficult. Thus, there is an intense need to produce more articles on the subject, which will help to foster scientific knowledge about the content and, a posteriori, increase the efficiency in the treatment of both diseases.

Palavras Chave: Mucopolissacaridose Tipo IIID; Transtorno do Espectro Autista; Relação

Key-Words: Mucopolysaccharidosis Type IIID; Autism Spectrum Disorder; Relation

1.      INTRODUÇÃO

As mucopolissacaridoses são um grupo de desordens metabólicas hereditárias dentro da categoria de doenças de armazenamento lisossomal. Como acontece nas doenças de armazenamento lisossomal, cada tipo de mucopolissacaridose é marcado pela ausência ou deficiência de uma enzima lisossomal específica que leva ao acúmulo de macromoléculas não digeridas ou parcialmente digeridas dentro dos lisossomos. Nas mucopolissacaridoses, o acúmulo de glicosaminoglicanos produz dano celular progressivo que resulta em doença multissistêmica. (NEUFELD, 2001)

O transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do desenvolvimento comportamental definido pelo comprometimento da comunicação e interação social. Na maioria dos casos inicia antes dos três anos de idade e as crianças com autismo podem ser reconhecidas por padrões de comportamento estereotipados e repetitivos, bem como por suas atividades e interesses restritos. (MAENNER et al., 2020).

Recentemente, houve a proposta de que uma grande quantidade de casos de Transtorno do Espectro Autista poderia estar associado a várias anormalidades metabólicas, incluindo erros inatos do metabolismo, com algumas delas detectáveis apenas mediante perfis metabolômicos não direcionados, conferindo simultaneamente um espaço extra para a adição de tentativas terapêuticas (GLINTON e ELSA, 2019).

Diante desse contexto, um questionamento surgiu: existe correlação clínica entre transtorno do espectro autista e a mucopolissacaridose tipo IIID?

Portanto, o presente estudo tem por objetivo fazer uma varredura bibliográfica em estudos que avaliam a prevalência, ou não, de uma correlação entre o Transtorno do Espectro Autista e a Mucopolissacaridose tipo IIID.

2.      METODOLOGIA

É um estudo descritivo com abordagem qualitativa, por meio de uma revisão integrativa de literatura (RIL), modalidade de pesquisa que sintetiza os conhecimentos já produzidos, proporcionando informações para melhor compreensão do assunto (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2019)

Para a sua execução foram utilizados as seguintes etapas: (1) identificação do tema e seleção da pergunta norteadora; (2) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; (3) identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; (4) categorização dos estudos selecionados; (5) análise e interpretação dos resultados obtidos; (6) apresentação da revisão

(SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010)

A partir da pergunta norteadora, houve a busca na literatura científica, com os seguintes critérios de inclusão: artigos completos, com acesso nas bases de dados artigos em inglês e português, publicados nos últimos 10 anos (2012-2022). Foram excluídos da pesquisa: artigos que não respondem ao objetivo da pesquisa, artigos escritos em outras línguas, publicações em duplicata, artigos de revisão, resenhas, artigos de opinião, resumos de conferência, editoriais e cartas ao editor.

As bases utilizadas foram: MEDLINE/PubMed (via National Library of Medicine) e Embase (Elsevier). No MEDLINE/PubMed envolveu os descritores “Delayed Diagnosis”, “Diabetes Mellitus, Type 1”, “Child”, “Diabetes Complications”, extraídos no Medical Subject Headings (MeSH). Na Embase (Elsevier) os descritores foram “Delayed Diagnosis”, “insulin dependent diabetes mellitus”, “child”, “Diabetic Complication”, extraídos no Emtree. Em ambas as buscas, esses descritores foram utilizados em associação com o operador booleano “AND”.

Na terceira etapa, as informações foram organizadas, para formar um banco de dados de fácil acesso. Para analisar e sintetizar os artigos selecionados, foi utilizado um formulário (URSI, 2005) preenchendo para cada artigo da amostra final, contendo dados referentes à identificação do artigo (título, periódico, autores e ano) e identificação da pesquisa (objetivo, tipo de estudo e resultados principais).

Nas últimas três etapas houve uma avaliação crítica dos estudos incluídos, interpretação dos resultados e apresentação da revisão.

A coleta de dados se deu no mês de novembro de 2022

3.      RESULTADOS

Na base de dados PUBMED, apenas com os descritores, foram encontrados 5

trabalhos. Destes, 1 artigo estava fora dos critérios de inclusão, reduzindo- se a 4. Após a leitura, 0 trabalhos foram excluídos pelo título, 3 pelo resumo e 0 pelo conteúdo na íntegra. Na base de dados EMBASE, apenas com os descritores, foram encontrados 70 trabalhos. Quando foram aplicados os critérios estabelecidos, 19 foram excluídos por estarem fora dos critérios de inclusão, restando apenas 50. Após a leitura, 26 trabalhos foram excluídos pelo título, 15 pelo resumo e 5 pelo conteúdo na íntegra. Ao todo, foram selecionados 5 artigos como corpus de análise, sendo 1 indexados na PUBMED e 4 na EMBASE.

Figura 1 – Fluxograma com a descrição das etapas de obtenção das produções

Fonte: O próprio autor

Os artigos selecionados foram submetidos à análise de forma interpretativa, sendo

os resultados confrontados com a literatura pertinente à temática.

Com base na análise dos estudos selecionados, a RIL é composta por cinco artigos

publicados entre os anos de 2012 e 2022, sendo dois (40,0%) publicados em 2021, um (20,0%) publicados em 2018, um (20,0%) publicado em 2015 e um (20,0%) publicado em 2013, estando os publicados em 2015, 2018 e 2021 na base de dados EMBASE e o publicado em 2013 na base de dados PUBMED.

Os resultados encontrados foram agrupados de acordo com: a base de dados,

autor, ano de publicação, local de condução do estudo e existência de relação ou não entre Transtorno do Espectro Autista e Mucopolissacaridose Tipo III-D. Após agrupamento foram expostos na tabela 1.

Tabela 1: artigos encontrados nas bases de dados Pubmed e Embase, no ano de 2022.

Base de dadosAutorAno de publicaçã oLocal de condução do estudoHá relação ou não entre TEA e MPS III-D
PubMedWIJBURG, F. A. et al.2013AmsterdãSim
EmbaseŽIGMAN, T. et al2021CroáciaSim
EmbaseÇAKAR, N. E.; YILMAZBAŞ, P.2021TurquiaSim
EmbaseBARONE, R. et al.2018ItáliaSim
EmbaseKIYKIM, E. et al.2015TurquiaSim

Fonte: o próprio autor

*TEA: Transtorno do Espectro Autista; MPS III-D: Mucopolissacaridose tipo III-D

4.      DISCUSSÃO

Quanto ao local de condução dos estudos, observa-se que houve uma predominância em países da europa oriental. De acordo com Wijburg, F. A. et al., a mucopolissacaridose tipo III-D possui uma relação tão íntima com o transtorno do espectro autista que, inclusive, dificulta o diagnóstico preciso entre uma doença e/ou outra. Žigman, T. et al. também afirma essa relação. Em consonância com Barone, R. et al., essa relação é válida, pois por volta dos 4 anos de idade, pacientes que possuam Mucopolissacaridose tipo III podem, eventualmente, apresentar sintomas do Transtorno do Espectro Autista. Essas informações são importantes, pois devido à dificuldade diagnóstica entre uma doença e outra, a determinação da prevalência de ambas no mesmo indivíduo é dificultada, podendo ocorrer somente após longos anos de vida, como ocorre no estudo realizado por Kiykin, E. et al.. É curioso que, apesar de também concordarem com a existência de conexão entre transtorno do espectro autista e mucopolissacaridose tipo IIID, Çakar, N. E. e Yilmazbas, P. afirmam que essa dupla sintomatologia raramente ocorre.

5.      CONCLUSÃO

É evidente que, com base nos dados coletados, há uma grande correlação entre o

Transtorno do Espectro Autista e a Mucopolissacaridose tipo III. Essa correlação se apresenta das mais variadas formas, seja uma confusão diagnóstica, isto é, uma imprecisão no diagnóstico precoce de alguma das duas doenças, causado primordialmente por uma sintomatologia similar, ou até mesmo um duplo diagnóstico, podendo esse ser realizado em uma fase prematura da vida, por volta dos 4 anos de idade ou até mesmo após um longo período de vida, com prevalência de alguma das duas doenças em fases mais iniciais da vida (que inclusive dificulta o diagnóstico preciso devido à sua similaridade). Apesar disso, é interessante ressaltar que nem sempre haverá uma correlação entre as duas doenças, ou seja, adquirir transtorno do espectro autista não confere mucopolissacaridose tipo III e tão pouco a existência de mucopolissacaridose tipo III garante a prevalência de transtorno do espectro autista, portanto a ocorrência bi patológica é rara.

Contudo, apesar das informações coletadas e de todos os estudos realizados em relação a essa temática, ainda é impreciso determinar com exatidão uma relação entre as duas patologias, pois a disponibilidade de conteúdo é mínima, ou seja, há poucos estudos conduzidos que tratam de uma relação, ou não, entre mucopolissacaridose tipo III-D e o transtorno do espectro autista. Portanto, ainda é necessário a realização de mais estudos e a

produção de mais literatura científica para comprovar, ou não, a hipótese de que há relação entre transtorno do espectro autista e mucopolissacaridose tipo III-D

REFERÊNCIAS

WIJBURG, F. A. et al. Mucopolysaccharidosis type III (Sanfilippo syndrome) and misdiagnosis of idiopathic developmental delay, attention deficit/hyperactivity disorder or autism spectrum disorder. Acta Paediatrica, v. 102, n. 5, p. 462–470, 6 fev. 2013

ŽIGMAN, T. et al. Inborn Errors of Metabolism Associated With Autism Spectrum

Disorders: Approaches to Intervention. Frontiers in Neuroscience, v. 15, 28 maio 2021

ÇAKAR, N. E.; YILMAZBAŞ, P. Cases of inborn errors of metabolism diagnosed in children with autism. Ideggyógyászati szemle, v. 74, n. 1-2, p. 67–72, 2021.

BARONE, R. et al. Neurobehavioral phenotypes of neuronopathic mucopolysaccharidoses. Italian Journal of Pediatrics, v. 44, n. S2, nov. 2018.

KIYKIM, E. et al. Inherited metabolic disorders in Turkish patients with autism spectrum disorders. Autism Research, v. 9, n. 2, p. 217–223, 7 jun. 2015.

Neufeld, E. F., and J. Muenzer. “The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease.

Volume 3.” (2001).

MAENNER, M. J. Prevalence of Autism Spectrum Disorder Among Children Aged 8 Years — Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2016. MMWR. Surveillance Summaries, v. 69, n. 4, 27 mar. 2020.

GLINTON, K. E.; ELSEA, S. H. Untargeted Metabolomics for Autism Spectrum Disorders: Current Status and Future Directions. Frontiers in Psychiatry, v. 10, 10 set. 2019.