A RELAÇÃO ENTRE A EXTENUAÇÃO MENTAL E A SÍNDROME DE BURNOUT EM ESTUDANTES DE MEDICINA E MÉDICOS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249041433


ISADORA HAÍSSA MARQUES CAVALCANTE
DIVALDO AIRES AGUIAR
DERYCK ANTONNY DE SOUSA HENRIQUES
GLAUCIA GONÇALVES PELIZARI
YASMIN MARTINS ROSA
MATEUS FERNANDES DOS SANTOS
JULIANA PANTOJA GONÇALVES
MARIA CLARA ARAÚJO ANDRADE
RAPHAELA AGUIAR PARANAGUA
PRISCILA AMORIM ANDRADE
LUANA MOURA GONÇALVES
LARA GABRIELLA NEMEZIO FEITOSA DE MOURA
ANDRIELLY RODRIGUES RIBEIRO DE SOUSA
EDJOSY ALMEIDA RAMOS
NATHALYA LUANA DANTAS SOUZ


Introdução:

A síndrome de Burnout (SB) é objeto de estudo desde a década de 70, na qual foi descrita pelo psicanalista alemão Hebert J. Freudenberger como um quadro de esgotamento físico e mental com intensa irritabilidade relacionado a diversas condições de trabalho. Ao defini-la, Freudenberger a caracterizou como um ‘’incêndio interno’’; um ‘’esgotamento dos recursos físicos e mentais com o objetivo de atingir uma meta irrealizável’’ (Freudenberger, 1974). Os estudos de Freuenberger se completaram em 1977, estabelecendo a definição como: comportamentos de fadiga, depressão, irritabilidade, aborrecimento, sobrecarga de trabalho, rigidez e inflexibilidade. (França, 1987).

Paralelamente, em 1976, a psicóloga social, Christina Maslach propós um modelo teórico para caracterizar a síndrome que se baseou em estudos com profissionais da saúde e de serviços sociais acerca das emoções e seu manejo, chegando à definição mais aceita atualmente da SB, sendo ela uma resposta prolongada a estressores interpessoais crônicos no trabalho, que se apresenta em três dimensões relacionadas, mas independentes: exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal (Perconiciotti et all, 2020). Atualmente a ferramenta de aferição ‘’ Maslach Burnout Inventory – MBI’’ e suas adaptações são amplamente utilizadas para detecção de Burnout em várias áreas de atuação profissional (Jarruche et all, 2021).

 A síndrome de burnout emerge como um problema de saúde pública sendo um dos principais transtornos mentais que atinge profissionais de diversas áreas de atuação no brasil, possuindo notoriedade no ramo da saúde, em que sua incidência é potencializada pelas características deste tipo de trabalho (De Oliveira et all, 2023). Estudos sugerem que o desenvolvimento do transtorno em médicos se inicia muitas vezes ainda durante a graduação, sendo esse fato explicado pela carga horária intensa que reflete na pouca qualidade de vida, além do estresse rotineiro com avaliações, confrontos com a morte e tragédias diversas, intenso contato com pacientes e seus familiares somados a altas taxas de angústia pessoal (Nassar, 2021).

Contudo, apesar de sua relevância, atualmente, não existem muitas publicações acerca da síndrome de burnout no país (Trigo et all, 2020), caracterizando a pertinência de estudos em âmbito nacional, visto que são significativas as consequências advindas do declínio mental e emocional nos atuais e futuros médicos, que, por sua vez, refletem não apenas no estudante e/ou profissional, mas também na comunidade em que seus serviços são prestados. Logo, com o objetivo de relacionar a exposição prolongada a estressores interpessoais no trabalho e faculdade a alta incidência da síndrome de burnout em acadêmicos de medicina e médicos esta pesquisa realizou uma revisão integrativa acerca do transtorno nesse público específico.

Metodologia:

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura, que se refere a um método que tem como base a análise e sintetização de pesquisas, contribuindo para o aprofundamento da temática investigada, partindo de estudos que investigaram problemas semelhantes ou idênticos possibilitando então a construção de única conclusão (Mendes, 2008).

Como critérios de inclusão foram considerados artigos originais, dissertações e revisões de literatura em língua inglesa, espanhola e portuguesa, publicados nos últimos 5 anos e disponíveis na íntegra, cujo público-alvo fossem estudantes de medicina e médicos. Foram excluídas as publicações que não atenderam os critérios de inclusão, bem como duplicatas, trabalhos em outros formatos ou pagos.

A escolha do recorte cronológico se dá em razão do interesse por análises mais atuais sobre o tema em questão.  Sendo a questão norteadora do estudo: Qual a relação da exposição prolongada a estressores interpessoais no trabalho e na faculdade e a alta incidência da síndrome de burnout em acadêmicos de medicina e médicos? As referências utilizadas foram coletadas a partir das bases eletrônicas de dados: Biblioteca virtual de Saúde (BVS) e Google scholar. Os descritores utilizados foram ‘’burnout’’, ‘’síndrome’’, ‘’acadêmicos de medicina’’ e ‘’médicos’’ aplicando o operador booleano AND.

Primariamente, buscou-se um estudo para entendimento do tema, identificando nas leituras a definição da questao norteadora e seu impacto em âmbito nacional e mundial. No segundo momento foi realizada uma busca nos bancos de dados utilizando os descritores e o operador booleano. Os artigos analisados foram selecionados com base no título e resumo, em seguida, os critérios de inclusão e exclusão foram aplicados e 6 artigos foram selecionados para compor o material de estudo.

Por fim, houve leitura dos materiais escolhidos, priorizando o alinhamento com o presente trabalho científico. Tendo em vista que as informações e dados coletados são informações públicas e de livre acesso, não houve necessidade de submissão a um Comite de Ética em Pesquisa (CEP).

Resultados e discussão:

Ao inserir os descritores nas bases de dados foram identificadas 36 publicações inicialmente, 16 foram excluídas por nao serem dos últimos 5 anos e apenas 6 foram selecionados por demonstrarem maior potencial para o presente estudo, estes foram classificados com título, autor\ano, tipo de estudo e resultados obtidos (tabela 1).

Tabela 1. Categorização dos artigos selecionados

TítuloAutor e anoTipo de estudoResultados
Prevalência da síndrome de burnout em estudantes de medicina e sua relação com variáveis demográficas, pessoais e acadêmicasMendes, k. D. S et all (2020)Estudo transversalAnos acadêmicos mais altos mostraram um aumento significativo na prevalência da síndrome em ambas as coortes.
Síndrome de burnout em profissionais da saúde: revisão integrativaJarruche, l. T. Et all (2021)Revisão integrativa de literaturaÍndice significativo de síndrome de burnout em profissionais da saúde.
Burnout em estudantes de medicina do primeiro ano: experiências, motivadores e o valor percebido de uma intervenção baseada em reflexão  Prendergast, M. (2024)Estudo de abordagem qualitativa explratória, realizado em alunos do primeiro ano do curso de medicina do imperial college londonOs estudantes de medicina começam a mostrar sinais de esgotamento já nos primeiros anos da faculdade de medicina.  A prevenção e o gerenciamento do burnout devem fazer parte do currículo acadêmico
Saúde mental e esgotamento profissional: um estudo qualitativo sobre os fatores associados à síndrome de burnout entre profissionais da saúdeDe oliveira lima, l. A. Et all (2023)Estudo qualitativo exploratórioAnálise dos fatores associados à síndrome de burnout identificou a alta jornada de trabalho como um fator predominante, além disso, a infraestrutura deficiente e a falta de insumos básicos para atendimento contribuem para o desgaste profissional.
Síndrome de burnout em estudantes de graduação de medicina no brasil: uma revisão do panorama brasileiro  Nassar, l. M. Et all (2021)Estudo de uma scooping reviewO burnout em estudantes de graduação de medicina é um problema amplo e e frequente no brasil, ocorrendo em universidades de vários estados de diferentes regiões
Síndrome de burnout nos profissionais de saúde: atualização sobre definições, fatores de risco e estratégias de prevençãoPerniciotti, p.  Et all (2020)Revisao sistemática de literaturaA SB tem efeitos negativos no bem-estar dos profissionais da saude que implicam diretamente no cuidados prestados ao paciente, sendo necessárias intervenções voltadas para esse publico, com o objetivo de diminuir os níveis de estresse ocupacional e a construção de um ambiente de trabalho saudável

A sobrecarga quantitativa e qualitativa de trabalho se configura como fator risco para o desenvolvimento da síndrome de Burnout, pois favorece a exaustão emocional diante do pouco tempo disponível para o indivíduo se recuperar de um evento estressante no trabalho (Perniciotti et all, 2020). Diante das pesquisas realizadas para o presente estudo fica evidente que a SB em médicos frequentemente se inicia durante a graduação, posto que desde cedo são inseridos em uma rotina exaustiva com pouca qualidade de vida e em situações em que precisam ignorar suas próprias demandas emocionais em prol das necessidades de terceiros (NASSAR et all,  2021).

Ao analisar a carga horária de acadêmicos de medicina, Nassa et all (2021), verificou que a qualidade vida destes, quando comparada com estudantes de outros cursos, é substancialmente menor. Enquanto o sistema atual de ensino das faculdades médicas intimida seus alunos com a quantidade de excessiva de conteúdos complexos a serem estudados e a pressão diante da futura profissão, os futuros médicos se tornam aptos no cuidado de terceiros, mas deficientes quando se fala em autocuidado, o que futuramente emerge em uma deficiência em cuidar de ambos, visto que são altos os índices de abandono de serviço decorrente de transtornos psiquiátricos.

Mendes et all (2008), evidenciou em seu estudo que quanto mais avançado no curso de medicina maiores os índices de acadêmicos com SB. Sendo esse aumento decorrente de uma maior quantidade de alunos em exaustão emocional, devido ao acúmulo de estresse durante a graduação, bem como a proximidade das provas de residências que demandam maior e mais intenso estudo por parte dos futuros médicos. O mesmo estudo não encontrou relação entre sexo e níveis de burnout, bem como o fato de o estudante morar ou não com a família influenciar na SB, o que difere do estudo que foi realizado com estudantes de odontologia que demonstrou menores taxas da síndrome entre os alunos que moram com seus familiares, demonstrando que a rotina de um acadêmico de medicina é cansativa independente de auxílio externo com as atividades domiciliares.

Ao terminar a graduação, os profissionais da saúde continuam lidando constantemente com ambientes desafiadores e cargas horarias altas, se mantendo suscetíveis a transtornos mentais, como: ansiedade, depressão, fobia social e esgotamento emocional.  Perniciotti et all traz como fatores de risco para o desenvolvimento da SB em médicos os fatores ambientais e sociais tanto no contexto hospitalar quanto nas Unidade de Terapia Intensiva (UTI), além dos fatores individuais, como a autoestima. Dentre os fatores relacionados ao contexto hospitalar e a UTI tem-se como principais contribuintes: exposição a riscos, tanto químicos, quanto físicos; problemas administrativos, principalmente quanto a falta de autonomia; longas jornadas de trabalho; número elevado de pacientes; poucos profissionais e\ou recursos disponíveis; caráter estressante das responsabilidades médicas; exposição excessiva a situações emocionalmente intensas, bem como interações complexas com pacientes e familiares.

Por fim, à medida que se agrava o profissional acometido pela síndrome passa a experimentar diminuição ainda maior da qualidade de vida, insatisfação laboral, erros nas práticas médicas, diminuição no sentimento de empatia pelo paciente, quebra da confiança médico-paciente, dano à sua imagem profissional e por vezes até abandono do trabalho. Portanto, a SB não afeta apenas o indivíduo, mas também o paciente e seus familiares, os colegas de serviço e a instituição (Perniciotti et all, 2020).

Esses estudos fornecem uma visão detalhada acerca da relação da exposição prolongada a estressores interpessoais no trabalho e a alta incidência da síndrome de burnout em acadêmicos de medicina e médicos. Ressaltando as altas taxas de SB nos atuais e futuros profissionais da saúde e a sua implicação na qualidade de vida dos indivíduos afetados, bem como no atendimento aos pacientes e no bom funcionamento da instituição.

Conclusão:

De modo geral, conclui-se que a exaustão emocional em acadêmicos de medicina e médicos é uma problemática atual e crescente que, frequentemente culmina no desenvolvimento de diversos transtornos mentais, em especial a síndrome de burnout. Sendo que os sinais de esgotamento emocional já estão constantemente presentes nos primeiros anos da faculdade, sendo que ao avançar os períodos a quantidade de acadêmicos de medicina em sofrimento psíquico aumenta gradativamente e no mercado de trabalho se tornou comum médicos com SB decorrente do estresse ocupacional.

Diante da questão é notável a necessidade de uma reformulação no sistema de ensino das práticas médicas que visem adicionar ao currículo acadêmico a prevenção e o gerenciamento do burnout, com o objetivo de garantir maior bem-estar do aluno e de seus futuros pacientes. Outrossim, é importante uma regulamentação efetiva e maior vigilância quanto a carga horaria realizada por médicos nos serviços de saúde, visando a segurança do profissional e da comunidade por ele atendida. Em suma, posto que as consequências da SB no bem-estar dos atuais e futuros médicos implicam diretamente nos cuidados por eles prestados, é imprescindível urgência nas intervenções, objetivando diminuição dos níveis de estresse ocupacional e o aumento da autoestima e autocuidado, em prol de um ambiente de estudo e de trabalho saudável e seguro.

Referências:

AMOR, Eva M.; BAÑOS, Josep E.; SENTÍ, Mariano. Prevalencia del síndrome de burnout entre los estudiantes de medicina y su relación con variables demográficas, personales y académicas. FEM: Revista de la Fundación Educación Médica, v. 23, n. 1, p. 25-33, 2020.

DE OLIVEIRA LIMA, Lucas Alves; JUNIOR, Paulo Lourenço Domingues; DE OLIVEIRA GOMES, Olga Venimar. Saúde mental e esgotamento profissional: um estudo qualitativo sobre os fatores associados à Síndrome de Burnout entre profissionais da saúde. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 16, n. 47, p. 264-283, 2023.

França, H. H. (1987). A síndrome de burnout. Revista Brasileira de Medicina, 44(8) 197-199.

FREUDENBERGER, H. J. Staff burnout. Journal of Social Issues, v. 30, p. 159-165, 1974

JARRUCHE, Layla Thamm; MUCCI, Samantha. Síndrome de burnout em profissionais da saúde: revisão integrativa. Revista Bioética, v. 29, n. 1, p. 162-173, 2021.

MENDES, Karina Dal Sasso; SILVEIRA, Renata Cristina de Campos Pereira; GALVÃO, Cristina Maria. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & contexto-enfermagem, v. 17, p. 758-764, 2008.

NASSAR, Leonardo Maso; DE CARVALHO, Josué Pires. Síndrome de Burnout em estudantes de graduação de medicina no Brasil: uma revisão do panorama brasileiro. Espaço para a Saúde, v. 22, 2021.

Prendergast M, Cardoso Pinto AM, Harvey CJ, Muir E. Burnout em estudantes de medicina do primeiro ano: experiências, motivações e o valor percebido de uma intervenção baseada em reflexão. BMC Med Educ. 2024 3 de janeiro; 24(1):7. DOI: 10.1186/S12909 -023-04948-0. PMID: 38172864; PMCID: PMC10765935.

Perlman, B., & Hartman A. E. (1982). Burnout: Sumary and future research. Human Relations, 35(4), 283-305.

PERNICIOTTI, Patrícia et al. Síndrome de Burnout nos profissionais de saúde: atualização sobre definições, fatores de risco e estratégias de prevenção. Revista da SBPH, v. 23, n. 1, p. 35-52, 2020.

TRIGO, Telma Ramos; TENG, Chei Tung; HALLAK, Jaime Eduardo Cecílio. Síndrome de burnout ou estafa profissional e os transtornos psiquiátricos. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), v. 34, p. 223-233, 2007.