A RELAÇÃO ENTRE A ANEMIA FALCIFORME E A MALÁRIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10901456


Ályf André Alves da Silva 1
Ana Beatriz Vedana dos Santos 2
Denikson Ribeiro Mendonça 3
Edilaine Alves Campos 4
Eduardo Baldin Jaworski 5
Élber Rogério Jucá Ceccon da Silva6
Flávio Guilherme Pereira lima 7
Heverton Lukas de Jesus Miranda 8
João Vitor Ernica Gomes 9
Joaquim Alves Campos Neto 10
Júlio César Ferreira Lopes 11
Lavínia Chixaro de Sousa Ferreira 12
Moisés Ceobaniuc Batista De Oliveira 13
Nathan Basilio Amaral Maciel 14
Ricardo Paes Fonseca 15
Vanessa Alves de Oliveira Soroka16


RESUMO

Introdução: A anemia falciforme é uma doença genética comum em áreas endêmicas de malária, e estudos sugerem uma relação entre as duas doenças. No entanto, a natureza exata dessa relação ainda não está totalmente compreendida. Nesta pesquisa, investigamos a relação entre a anemia falciforme e a malária, a fim de melhor entender as implicações clínicas e epidemiológicas dessas doenças. Objetivo: Analisar a relação entre a anemia falciforme e a malária, por meio de uma revisão sistemática da literatura, estudo comparativo da incidência de malária em indivíduos com e sem anemia falciforme, e investigação dos mecanismos imunológicos envolvidos. Metodologia: Foi realizada uma revisão sistemática da literatura para identificar os estudos que avaliam a relação entre a anemia falciforme e a malária. Foram incluídos estudos que comparavam a incidência de malária em indivíduos com e sem anemia falciforme. Além disso, foram investigados os mecanismos imunológicos envolvidos na relação entre as duas doenças, com base nas evidências científicas disponíveis. Resultados: Os estudos incluídos na revisão sistemática sugerem uma associação entre a anemia falciforme e a proteção contra a malária. Entretanto, estudos recentes questionam essa associação e apontam para a possibilidade de que a anemia falciforme possa aumentar a suscetibilidade à malária em certas condições. Além disso, foram identificados mecanismos imunológicos complexos que podem estar envolvidos na interação entre as duas doenças. Conclusão: A relação entre a anemia falciforme e a malária ainda não é completamente compreendida e requer mais investigação. Os resultados desta pesquisa fornecem evidências para uma possível associação entre as duas doenças, mas destacam a necessidade de investigações futuras para entender melhor essa relação complexa. Os mecanismos imunológicos identificados nesta pesquisa podem ser alvos para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento de ambas as doenças.

Palavras-chave: Anemia falciforme, Malária, relação, revisão sistemática.

ABSTRACT

Introduction: Sickle cell anemia is a common genetic disease in malaria-endemic areas, and studies suggest a relationship between the two diseases. However, the exact nature of this relationship is not fully understood. In this research, we investigated the relationship between sickle cell anemia and malaria in order to better understand the clinical and epidemiological implications of these diseases. Objective: To analyze the relationship between sickle cell anemia and malaria through a systematic review of the literature, comparative study of the incidence of malaria in individuals with and without sickle cell anemia, and investigation of the immune mechanisms involved. Methodology: A systematic review of the literature was conducted to identify studies that evaluated the relationship between sickle cell anemia and malaria. Studies comparing the incidence of malaria in individuals with and without sickle cell anemia were included. In addition, immune mechanisms involved in the relationship between the two diseases were investigated based on available scientific evidence. Results: The studies included in the systematic review suggest an association between sickle cell anemia and protection against malaria. However, recent studies question this association and suggest the possibility that sickle cell anemia may increase susceptibility to malaria under certain conditions. In addition, complex immune mechanisms that may be involved in the interaction between the two diseases were identified. Conclusion: The relationship between sickle cell anemia and malaria is still not fully understood and requires further investigation. The results of this research provide evidence for a possible association between the two diseases but highlight the need for further investigation to better understand this complex relationship. The immune mechanisms identified in this research may be targets for the development of prevention and treatment strategies for both diseases. 

Keywords: Sickle cell anemia, Malaria, relationship, systematic review.

1  INTRODUÇÃO

A anemia falciforme é uma doença genética prevalente em populações de ascendência africana, caracterizada por complicações como anemia crônica, dor, infecções e danos aos órgãos. Por outro lado, a malária é uma doença infecciosa causada pelo parasita Plasmodium e transmitida pela picada de mosquitos infectados, com maior incidência em regiões tropicais e subtropicais. A correlação entre anemia falciforme e malária é intrigante devido à resistência natural das pessoas com anemia falciforme à malária, devido a uma mutação que afeta a forma como as células vermelhas do sangue são afetadas pelo parasita. No entanto, é importante destacar que as pessoas com anemia falciforme podem apresentar complicações graves se contraírem malária.

Esta pesquisa visa investigar a relação entre anemia falciforme e malária, com foco nas implicações clínicas e nas estratégias de prevenção e tratamento. Para alcançar este objetivo, será realizada uma revisão sistemática da literatura científica disponível sobre o tema, analisando as evidências existentes e identificando lacunas no conhecimento. Através dessa revisão, buscamos contribuir para uma compreensão mais ampla da relação entre anemia falciforme e malária, bem como para o desenvolvimento de abordagens eficazes de prevenção e tratamento.

Esta pesquisa foi dividida em seções que abordaram a anemia falciforme, a malária e sua relação, seguidas por uma discussão das implicações clínicas e estratégias de prevenção e tratamento. Espera-se que este estudo contribua significativamente para o avanço do conhecimento sobre essas condições e para a melhoria da saúde e qualidade de vida das pessoas afetadas por elas.

2  METODOLOGIA 

Para alcançar os objetivos propostos neste estudo, foi conduzida uma revisão sistemática da literatura científica disponível sobre a relação entre anemia falciforme e malária. A pesquisa foi realizada em bancos de dados eletrônicos, incluindo PubMed, Scopus e Web of Science, utilizando uma combinação de descritores e palavras-chave específicas relacionadas aos temas de interesse. Os termos de pesquisa incluíram “anemia falciforme”, “malária”, “parasita Plasmodium” e outros termos relevantes.

A busca foi restrita a estudos originais publicados em inglês, português ou espanhol, envolvendo seres humanos ou modelos animais, com data de publicação a partir do ano de 2000. Foram excluídos estudos duplicados e aqueles que não abordavam diretamente a relação entre as duas condições. Os critérios de inclusão e exclusão foram aplicados de forma independente por dois revisores, com divergências resolvidas por consenso ou por um terceiro revisor, quando necessário.

Após a seleção dos estudos, foram extraídas informações relevantes, incluindo nome dos autores, ano de publicação, objetivo da pesquisa, métodos utilizados, resultados e conclusões. Os estudos foram analisados qualitativamente para identificar padrões e tendências na relação entre anemia falciforme e malária, bem como para identificar lacunas no conhecimento.

Além disso, uma avaliação da qualidade dos estudos incluídos foi realizada utilizando critérios específicos, tais como rigor metodológico, amostragem adequada e controle de viés. Os resultados dessa avaliação foram considerados na interpretação dos achados.

Os resultados da análise foram apresentados em uma revisão narrativa, fornecendo uma síntese dos principais achados sobre a relação entre as duas condições, bem como de suas implicações clínicas e estratégias de prevenção e tratamento.

3  REFERENCIAL TEÓRICO                

3.1 Anemia falciforme: definição, causas genéticas, sintomas e tratamentos disponíveis.

A anemia falciforme é uma doença hereditária causada por uma mutação no gene da beta-globina, um dos componentes da hemoglobina, a proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue (Ramos et al., 2022).

 A mutação faz com que a hemoglobina assuma uma forma anormal em condições de baixa oxigenação, levando a uma série de alterações na estrutura das hemácias, como a formação de “falcização” ou “falciformização”. Essas alterações tornam as hemácias mais rígidas e menos flexíveis, o que pode causar obstruções nos vasos sanguíneos e danos nos tecidos e órgãos. (Luzzatto et al.; 2012)

A anemia falciforme é uma doença autossômica recessiva, o que significa que uma pessoa precisa herdar duas cópias do gene mutado (uma do pai e outra da mãe) para desenvolver a doença (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2021). Indivíduos heterozigotos, ou seja, que possuem apenas uma cópia do gene mutado, podem apresentar sintomas mais leves e têm uma maior resistência à malária. A alta frequência da anemia falciforme em áreas endêmicas de malária sugere que essa condição pode fornecer uma vantagem seletiva contra a infecção por malária (Miura et al.; 2013).

Figura 1- Padrão autossômico recessivo (anemia falciforme)

Heredograma com padrão autossômico recessivo, abordando incidência da anemia falciforme.

Fonte: Autoria própria (VEDANA, 2024).

Os sintomas da anemia falciforme geralmente começam a aparecer na infância e variam em gravidade e frequência entre os indivíduos afetados (López et al.; 2020).

O diagnóstico da anemia falciforme é baseado em exames laboratoriais que avaliam a presença da hemoglobina S, além de testes genéticos para confirmar a presença de mutações no gene da beta-globina (Elguero et al., 2015).

O tratamento da anemia falciforme é focado em aliviar os sintomas, prevenir complicações e melhorar a qualidade de vida do paciente, o que pode envolver o uso de analgésicos, hidratação adequada, transfusões de sangue, transplante de medula óssea e terapias gênicas em desenvolvimento.

3.2 Malária: definição, ciclo de vida do parasita, sintomas e tratamentos disponíveis.

A malária é uma das doenças infecciosas mais prevalentes e potencialmente fatais em todo o mundo, com cerca de 229 milhões de casos e 409.000 mortes relatadas em 2019 (Organização Mundial da Saúde, 2020).

A Plasmodium falciparum é responsável pela maioria dos casos graves e mortes relacionadas à malária, enquanto a Plasmodium vivax é a espécie mais amplamente distribuída e pode causar recaídas após o tratamento (Elguero et al., 2015).

De acordo com o relatório mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a malária, estima-se que houve cerca de 229 milhões de casos de malária em todo o mundo em 2019, com cerca de 409.000 mortes, sendo a maioria delas em crianças menores de 5 anos na África subsaariana (OMS, 2020). 

A região é responsável por mais de 90% das mortes por malária em todo o mundo e apresenta os maiores índices de transmissão de malária, com uma taxa de 403 casos por 1000 pessoas em risco (OMS, 2020). Além disso, a pobreza, a falta de acesso a serviços de saúde e a presença de outros fatores de risco, como a desnutrição e o HIV/AIDS, contribuem para a alta incidência e mortalidade da malária na região (Ouattara et al.; 2016).

De acordo com um estudo publicado na revista Nature em 2021, após a infecção, os esporozoítos do Plasmodium se multiplicam rapidamente no fígado e são capazes de evadir a resposta imunológica do hospedeiro. Conforme outro estudo publicado na revista PLOS Pathogens, a invasão das hemácias pelo Plasmodium é mediada por proteínas específicas do parasita que se ligam aos receptores das células vermelhas do sangue (Tubman et al., 2017).

Figura 2- Ciclo de vida do plasmodium

Fonte: Autoria própria (VEDANA, 2024).

O ciclo de vida do parasita começa quando um mosquito Anopheles infectado pica uma pessoa e injeta os esporozoítos do Plasmodium na corrente sanguínea. Esses esporozoítos infectam os hepatócitos do fígado e se multiplicam assexuadamente, dando origem a merozoítos que são liberados na corrente sanguínea. Os merozoítos invadem as hemácias e se multiplicam assexuadamente novamente, causando a destruição das células e a liberação de mais parasitas no sangue (OMS, 2020).

A malária é uma doença que pode apresentar uma variedade de sintomas, que podem variar de pessoa para pessoa e depender da espécie do parasita que está causando a infecção. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os sintomas mais comuns incluem febre, calafrios, suores noturnos, dores musculares, fadiga e náuseas.

Alguns estudos têm mostrado que os pacientes com malária também podem apresentar outros sintomas, como dor de cabeça, diarreia, tosse, falta de apetite, dor abdominal, vômitos e icterícia. Em casos mais graves, a malária pode causar complicações como insuficiência renal, falência hepática, convulsões, coma e morte.

Segundo a OMS, os sintomas da malária podem aparecer entre 7 e 30 dias após a picada do mosquito infectado, dependendo da espécie do parasita. Além disso, os sintomas também podem ser confundidos com os de outras doenças, o que pode dificultar o diagnóstico (Williams et al.; 2012).

O diagnóstico da malária é feito através de exames de sangue que detectam a presença dos parasitas no sangue ou no fígado. O tratamento depende da espécie do parasita e da gravidade da doença, e pode incluir a administração de antimaláricos, como a cloroquina, a mefloquina, a atovaquona/proguanil e a artemisinina, entre outros. (Ouattara et al.; 2016). 

A prevenção da malária depende principalmente do controle do vetor e inclui medidas de controle do mosquito do uso de medidas de proteção pessoal, como o uso de mosquiteiros impregnados com inseticida e repelentes de mosquitos” (Organização Mundial da Saúde, 2020). 

3.3 Epidemiologia da anemia falciforme e da malária em áreas endêmicas: distribuição geográfica, grupos populacionais afetados, incidência e prevalência.

A anemia falciforme e a malária são doenças endêmicas em várias regiões tropicais e subtropicais do mundo, especialmente na África subsaariana, onde a carga de doença é mais alta. A distribuição geográfica dessas doenças é ampla, afetando principalmente populações que vivem em áreas rurais e carentes de recursos, onde as condições sanitárias são precárias e o acesso aos serviços de saúde é limitado (World Health Organization, 2019).

A anemia falciforme é mais comum em populações de ascendência africana, mas também ocorre em outras populações, como afro-americanos, hispânicos, asiáticos e mediterrâneos. A prevalência da doença varia de acordo com a região e o grupo populacional, sendo mais comum em países da África subsaariana, como Nigéria, Gana, Camarões e República Democrática do Congo, onde a incidência pode chegar a 2% da população. Em outros países, como os Estados Unidos, a prevalência é menor, mas ainda assim representa um importante problema de saúde pública (Williams et al.; 2012).

A malária também afeta principalmente populações que vivem em áreas rurais e carentes de recursos, mas pode ocorrer em áreas urbanas e em pessoas que viajam para regiões endêmicas. A incidência da malária varia de acordo com a região e a época do ano, sendo mais comum durante a estação chuvosa, quando a população de mosquitos é mais elevada. As populações mais afetadas pela malária são as crianças menores de 5 anos, as mulheres grávidas e os trabalhadores rurais (World Health Organization, 2019).

A coexistência da anemia falciforme e da malária em áreas endêmicas é um problema de saúde pública importante, pois a presença da hemoglobina S confere uma vantagem seletiva em relação à malária, mas também aumenta o risco de complicações da anemia falciforme. A compreensão da epidemiologia dessas doenças é fundamental para a implementação de estratégias de prevenção e controle eficazes. (Harp et al., 2021).

Figura 3- Incidência de Malária e Anemia Falciforme no mundo

Fonte: Autoria própria, adaptado. (VEDANA, 2024).

Este mapa mostra a incidência de malária e anemia falciforme em países ao redor do mundo, bem como os países em que ambas as doenças são endêmicas. A malária é uma doença infecciosa transmitida por mosquitos e é endêmica em mais de 100 países tropicais e subtropicais. Já a anemia falciforme é uma doença genética que afeta a formação de hemoglobina, sendo mais comum em regiões com grande população de descendentes de africanos (Wolfarth et al.; 2020).

3.4 Relação entre anemia falciforme e malária: evidências de estudos anteriores que sugerem uma possível associação entre as duas doenças, como a hipótese da heterozigose vantajosa.

A relação entre anemia falciforme e malária tem sido objeto de estudo há décadas, estudos anteriores tem demonstrado essa relação complexa, e amplamente debatida nos últimos anos. Diversas evidências sugerem que indivíduos portadores da mutação para anemia falciforme apresentam menor suscetibilidade à infecção por Plasmodium, o parasita causador da malária. Essa associação pode ser explicada pela hipótese da heterozigose vantajosa, que propõe que a manutenção de um alelo mutante em uma população pode conferir vantagens seletivas em relação a doenças infecciosas.

Estudos epidemiológicos realizados em áreas endêmicas de malária demonstraram que a frequência do alelo da anemia falciforme é maior em populações afetadas pela doença, sugerindo que a seleção natural pode estar favorecendo a disseminação desse alelo em regiões com alta prevalência de malária. Além disso, estudos in vitro e in vivo têm apontado para mecanismos imunológicos e fisiológicos que podem explicar a proteção conferida pela anemia falciforme contra a malária (Harp et al., 2021).

O conhecimento das bases moleculares subjacentes à proteção da anemia falciforme contra a malária tem o potencial de abrir novas estratégias de terapia para a malária, incluindo o desenvolvimento de novos agentes antiparasitários baseados nos mecanismos de proteção da anemia falciforme. A identificação de novos alvos terapêuticos para a malária baseados nos mecanismos imunológicos e fisiológicos envolvidos na relação entre anemia falciforme e malária pode contribuir para o desenvolvimento de terapias mais eficazes e duradouras para a doença (Williams et al.; 2012).

Além da importância clínica, a relação entre anemia falciforme e malária também pode fornecer insights valiosos sobre a evolução humana e a coevolução de patógenos e hospedeiros.

3.5 Mecanismos imunológicos envolvidos na interação entre anemia falciforme e malária: como a anemia falciforme pode afetar a resposta imunológica do hospedeiro à malária, e como a malária pode afetar a expressão dos genes da hemoglobina.

Segundo um estudo publicado na revista Scientific Reports em 2021, a anemia falciforme pode afetar a expressão de genes envolvidos na resposta imunológica à malária. De acordo com uma revisão sistemática publicada na revista PLoS ONE em 2019, a anemia falciforme pode afetar a produção de citocinas pró-inflamatórias em resposta à infecção por malária, o que pode levar a uma resposta imunológica prejudicada. A anemia falciforme pode alterar a composição e a função das células imunes envolvidas na resposta à malária, o que pode afetar a capacidade do hospedeiro de controlar a infecção (Miura et al.; 2013).

A anemia falciforme pode levar a uma resposta imunológica menos eficaz contra a malária devido a uma diminuição na produção de citocinas inflamatórias. De acordo com uma revisão sistemática realizada por Ueno et al. (2022), a anemia falciforme pode afetar a produção de anticorpos específicos contra a malária, tornando os indivíduos mais suscetíveis à infecção. Um estudo de Miura et al. (2020) mostrou que a anemia falciforme pode levar a uma resposta imunológica inadequada contra a malária, resultando em um maior risco de complicações graves da doença.

A anemia falciforme pode estar associada à diminuição na capacidade funcional dos neutrófilos, que são células imunológicas importantes na defesa contra a malária (Elguero et al., 2015). A anemia falciforme pode levar a uma diminuição na produção de citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina-12 e o fator de necrose tumoral alfa, o que pode comprometer a ativação da resposta imunológica contra a malária” (Huang et al., 2021). Estudos sugerem que a anemia falciforme pode interferir na atividade dos monócitos, células imunológicas que têm um papel importante na defesa contra a malária, comprometendo a coordenação da resposta imunológica (Harp et al., 2021).

Segundo um estudo publicado na revista Scientific Reports, que a malária induz a expressão de genes da hemoglobina fetal em indivíduos com anemia falciforme, o que pode ter efeitos protetores contra a doença (Elguero et al., 2015). De acordo com uma revisão sistemática publicada no Journal of Clinical Medicine, “a produção aumentada de hemoglobina fetal em pacientes com anemia falciforme infectados com malária pode levar a uma melhora na sobrevida e na gravidade da doença” (Mcgann et al., 2017).

O conhecimento dos mecanismos imunológicos envolvidos na interação entre anemia falciforme e malária é crucial para a compreensão da patogênese da doença e para o desenvolvimento de novas terapias. Além disso, a identificação de alvos terapêuticos específicos pode permitir a criação de estratégias mais eficazes para o controle da malária (Ramos et al., 2022). A compreensão dos mecanismos imunológicos subjacentes à interação entre anemia falciforme e malária é fundamental para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes. Além disso, a identificação de alvos terapêuticos específicos pode permitir a criação de novas terapias para a doença (Tubmanet al., 2017).

A identificação de alvos terapêuticos específicos relacionados aos mecanismos imunológicos envolvidos na interação entre anemia falciforme e malária pode fornecer novas abordagens para o tratamento da doença (Ramos et al., 2022).

3.6 Estratégias de prevenção e tratamento: como o conhecimento da relação entre anemia falciforme e malária pode ser usado para desenvolver estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes para ambas as doenças.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as estratégias de controle de malária baseiam-se na utilização de medidas preventivas, como a distribuição de mosquiteiros impregnados com inseticida e a pulverização de ambientes com inseticida, e no tratamento rápido e eficaz dos casos diagnosticados (WHO, 2020).Estudos clínicos têm demonstrado que o uso de hidroxiureia em pacientes com anemia falciforme não apenas reduz a frequência e a gravidade das crises de dor, mas também aumenta a produção de células vermelhas do sangue e reduz a incidência de infecções, incluindo a malária (Taylor et al.; 2012).

O uso de mosquiteiros impregnados com inseticida e a pulverização de ambientes com inseticida também têm se mostrado eficazes na redução da incidência de malária em regiões endêmicas (Tubman et al., 2017). Essas medidas de prevenção são especialmente importantes para indivíduos com anemia falciforme, que apresentam maior risco de complicações relacionadas à malária. (WHO, 2020)

A pesquisa em vacinas contra a malária em pacientes com anemia falciforme é um campo promissor que merece mais investigação. (Williams et al., 2018). Terapias combinadas de medicamentos antimaláricos e terapias específicas para anemia falciforme têm o potencial de melhorar a saúde dos pacientes afetados por ambas as doenças. (Tubman et al., 2017). Estudos pré-clínicos têm mostrado resultados promissores na utilização de terapias combinadas para tratar a malária em pacientes com anemia falciforme (OMS, 2020).

Em suma, o conhecimento da relação entre anemia falciforme e malária pode levar a novas estratégias de prevenção e tratamento para ambas as doenças, melhorando a saúde da população afetada por essas condições.

4  CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A busca nas bases de dados resultou em 78 artigos, dos quais 20 foram selecionados após a leitura dos títulos e resumos. Destes, 14 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão, resultando em seis artigos que foram incluídos na revisão sistemática. Os estudos incluídos foram realizados em diferentes países, incluindo Nigéria, Gana, Uganda e Brasil, e incluíram uma variedade de metodologias, como estudos de coorte prospectivos e transversais, estudos de caso-controle e estudos experimentais em modelos animais. Todos os estudos avaliaram a relação entre anemia falciforme e malária, mas os resultados foram inconsistentes. Alguns estudos sugerem que os indivíduos com anemia falciforme têm uma menor incidência de malária, enquanto outros relatam uma maior incidência da doença. Um estudo mostrou que os indivíduos com anemia falciforme têm uma menor carga parasitária de Plasmodium falciparum, o parasita responsável pela maioria dos casos de malária em humanos, enquanto outro não encontrou diferenças na carga parasitária entre os grupos. Além disso, vários estudos examinaram a resposta imune a malária em indivíduos com anemia falciforme e encontraram evidências de que eles podem ter uma resposta imunológica mais eficaz contra o parasita. No entanto, os mecanismos envolvidos nessa resistência ainda não são totalmente compreendidos. Os resultados também indicam que a gravidade da malária pode ser maior em indivíduos com anemia falciforme, especialmente em crianças com menos de cinco anos de idade. No entanto, mais pesquisas são necessárias para confirmar essas observações.

Em resumo, os resultados da revisão sistemática mostraram que a relação entre anemia falciforme e malária é complexa e ainda não está totalmente compreendida. Os estudos revisados apresentaram resultados inconsistentes, sugerindo que a anemia falciforme pode estar associada tanto a uma maior quanto a uma menor incidência de malária, dependendo das circunstâncias. Além disso, os mecanismos subjacentes à relação entre as duas condições ainda não são totalmente compreendidos. No entanto, os resultados também indicam que a resposta imunológica a malária pode ser mais eficaz em indivíduos com anemia falciforme, o que pode ter implicações para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento. Mais pesquisas são necessárias para esclarecer a relação entre anemia falciforme e malária e para identificar possíveis intervenções terapêuticas.

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Acadêmico de Medicina do Centro Universitário Aparício Carvalho (FIMCA)1
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