A RELAÇÃO DA HISTERIA COM OS ROMPIMENTOS EMOCIONAIS: UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA CONTEMPORÂNEA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501252326


Lohayne Bispo de Almeida1


RESUMO

Para o indivíduo histérico é inaceitável se colocar no papel de desejante, visto que seu modus operandi é transmitir que a falta se encontra no outro e não em si. Quando um rompimento de laço se dá pelo outro, o histérico é colocado em um papel que não o cabe, levando-o assim a um cenário que é de seu desagrado verdadeiro e não mais de um prazer-desprazer, que seria o seu habitual, causado por ele mesmo. Se faz necessário analisar como é feita essa elaboração de mudança de papeis na vida do histérico, como ele reage quando retirado pelo outro da função de objeto de desejo e não se retirando para manter seu desejo insatisfeito.

Palavras-chave: Histeria, Rompimento e Psicanálise.  

1 INTRODUÇÃO

Compreende-se que a histeria mesmo sendo demarcada no final do século XIX ainda é uma temática recorrente e presente nos dias atuais, apresentando novas nuances e demais segmentações. Este estudo se propõe a explorar, sob uma perspectiva psicanalítica contemporânea, a complexa relação entre a histeria e os rompimentos emocionais, visando uma compreensão ampliada dos males emocionais que esse quadro pode gerar. 

A flexão do quadro de histeria e rompimentos emocionais está presente por toda a trajetória histórica dessa patologia, desde a concepção edipiana até as consequências socioemocionais que se agravam com o desenvolvimento do indivíduo. Vale ressaltar as mudanças de sintomatologias que acompanharam esse quadro com o passar dos anos, apresentando hoje em dia representações fisiopatológicas menos evidentes e com uma ótica comportamental voltada a construção da personalidade histérica.  

O estudo da psicanálise mediante ao tema faz-se necessário não somente no meio acadêmico, mas também no meio clínico, uma vez que psicopatologias como transtorno dissociativo e transtorno conversivo que hoje são diagnósticos utilizados em larga escala, fazem parte justamente do quadro de histeria representado nos estudos da psicanálise. Essa constante análise de seus desdobramentos pode trazer inúmeros benefícios para seu tratamento.  

2 DESENVOLVIMENTO 

2.1 Metodologia 

O tipo de pesquisa realizada foi uma Revisão de Literatura, foram pesquisados livros, dissertações e artigos científicos selecionados através de busca nas seguintes bases de dados: Freud (1895/1927),CAPES, Scholar, Scielo. Com relação ao período dos artigos pesquisados delimitou-se as publicações dos últimos 120 anos, com base na primeira publicação do material até sua atualização atual. As palavras-chave utilizadas na busca foram: histeria, rompimento e psicanálise.  

2.2 Resultados e Discussão

A histeria é um dos transtornos psicológicos mais intrigantes e historicamente significativos na história da psicanálise. Desde os primórdios da psicanálise, Sigmund Freud dedicou grande parte de seu trabalho à compreensão da histeria, contribuindo para o desenvolvimento da teoria psicanalítica. A histeria tem suas raízes na história da medicina, remontando à antiguidade, quando era associada às perturbações do útero. No entanto, a psicanálise trouxe uma compreensão completamente diferente dessa condição. Freud (1905)2, em seu livro “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade”, descreveu a histeria como uma neurose de transferência, enfatizando a relação entre sintomas físicos e conflitos psíquicos reprimidos. Ele argumentava que a etiologia da histeria era de fato psicossexual e seus sintomas eram uma manifestação de desejos inconscientes. 

As causas das doenças histéricas se encontram nas intimidades da vida psicossexual dos doentes, e que os sintomas histéricos são expressão de seus mais secretos desejos reprimidos, a elucidação de um caso de histeria não poderá senão revelar essas intimidades e trair esses segredos. (FREUD, 1901/1905, p. 174).3

Entretanto, esses desejos reprimidos remontam de um período anterior, na fase de construção do complexo de édipo, onde existe ali o temor pela castração (FREUD, 1905)4, a menina se vê como um objeto defeituoso, que já nasceu com a falta, sendo imposta a tomar o papel de desejante, não apenas do órgão faltante, mas de se tornálo assumindo assim o papel de objeto de desejo do outro. “Ela admite o fato de sua castração e, com isso, a superioridade do homem e sua própria inferioridade, mas também se revolta contra esse desagradável estado de coisas.” (FREUD,1931, p.207).5

2.2.1 A BUSCA HISTÉRICA

Iniciasse então uma busca pela completude e o terror pela falta, Lucien Israël (1974, p.19) elucida que “dar-se conta de que um desejo existe talvez implique gozálo, e satisfazer esse desejo, talvez implique perdê-lo – ao menos por um instante – e perder-se ao mesmo tempo”. O quadro histérico é banhado pela eterna insatisfação, do não deter, não ser e quando se é, amedronta-se.  

Para afastar essa ameaça de um gozo maldito e temido, o histérico inventa inconscientemente um cenário fantasístico destinado a provar a si mesmo e ao mundo que só existe gozo insatisfeito. (NASIO, 1991, p.16). 

Visto que o quadro de histeria se inicia no período pré-edipiano, o indivíduo então perante a castração busca a posição de falo, sendo esse o primeiro objeto de desejo e faltante em si. 

Na concepção lacaniana a castração é o corte produzido por um ato que cinde e dissocia o vínculo imaginário e narcísico entre mãe e filho: Por isso a criança se aloja na parte faltosa do desejo insatisfeito do Outro materno. (DIAS, 2013, p.16). 

Essa busca não é pelo objeto de desejo, mas por não obtê-lo entende que precisa se tornar, sendo assim o objeto de desejo do outro, suprindo sua falta e atribuindo-a ao outro. O indivíduo então ali toma as decisões da sua vida, segura as suas próprias rédeas e se torna aquilo que o outro deseja, porém ao se colocar e ser aceito como objeto de desejo sua falta teria sido saciada e isso levaria ao verdadeiro gozo que não é de interesse do indivíduo histérico, fazendo com que assim possa se retirar desse papel para manter seu desejo de ser desejado ainda insatisfeito.   

O sujeito histérico teme o confronto com a castração que já nascerá, busca retomar esse poder impondo a falta ao outro, Lacan (1999, p. 393) exemplifica essa conduta de detentor do comando que o histérico pretende se mostrar “Não vale a pena você abrir meu corpete, porque não encontrará aí o falo, mas se eu levo a mão ao corpete, é para lhe apontar, por trás dela, o falo, isto é, o significante do desejo”. Assim cabe a ele se mostrar completo, mascarando sua falta.  

Essa necessidade de ser, cria nesse cenário um meio de comandar, um anseio de poder, esse poder deve ser detentor do indivíduo e não do outro, visto que seu objetivo é justamente ser o falo. Quando o outro o retira desse papel de desejo o indivíduo deixa de ser o falo e se volta a sua falta, precisando encarar um desaprazer que lhe foi causado não mais por si mesmo e sim pelo outro. Como Lacan (1985, p.100)  elucida o histérico precisa de um Senhor para que possa reinar, se esse Senhor toma suas próprias decisões de abandonar o indivíduo histérico, esse já não o reina mais, é então colocado no papel de desejante e não mais de desejo como busca. 

2.2.3 FLEXÃO DA HISTERIA CONTEMPORANEA 

Pode-se assim fazer uma flexão entre os rompimentos de laços emocionais ao processo de luto, uma perda, um rompimento do elo do sujeito com seu objeto que não parte do próprio individuo, mas sim do outro e analisar como um paciente no quadro de histeria reage ao luto, as perdas e aos rompimentos.  

Na obra Luto e Melancolia, Freud (1915)6 elucida que o luto não diz respeito apenas a morte, mas a todo o significante de perda, seja ela física ou imaginaria, diferente da melancolia, o luto tem seu objeto bem elaborado, o sujeito está consciente da sua falta em questão.  

O luto é um processo lento e doloroso, que tem como características uma tristeza profunda, afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no mundo externo e a incapacidade de substituição com a adoção de um novo objeto de amor (FREUD, 1915). 

Toda essa sintomatologia faz parte da elaboração de luto e é justamente a ela que a flexão entre a histeria contemporânea se apresenta, a conversão de sintomas que anteriormente eram apresentados em notoriedade evidente no individuo histérico, como adoecimento físico, cegueira, desmaios, já não são tão abrangentes nos dias atuais, tais aspectos transacionaram para sintomas mais amenos, tais sintomas que aparecem no luto, no rompimento de laços, na perca do seu objeto.  

Esse luto na histeria se inicia no próprio nascimento do quadro, o luto pelo objeto perdido, a castração. E acompanha o indivíduo por todo o seu desenvolvimento. (KLEIN, 1952)7 ampara a teoria de Freud elucidando que o luto de fato se inicia ainda no início da vida, pontuando não apenas a castração, mas o luto objetal no desmame. Vale destacar que quando flexionado o quadro de histeria contemporânea ao luto de um relacionamento fracassado, uma de suas sintomatologias é o ódio direcionado ao objeto perdido, visto que ele foi causador do seu real desprazer, quem o tirou do seu posto de objeto de desejo e tirou o Senhor para que se possa reinar.  

O amor e o ódio lutam entre si na mente da criança; essa luta continua presente de certa forma pelo resto da vida e pode se tornar fonte de perigo nas relações humanas (KLEIN, 1975)8. A histeria enquanto neurose de transferência, se encaixa confortavelmente em meio ao caos emocional, visto que sua recorrência é justamente a intermitências das emoções básicas e para além, o seu confronto com o que é socialmente pressuposto desejar. 

Ainda no âmbito social Figueiredo (2008, p.37) aponta uma das grandes problemáticas contemporâneas, “Quanto mais os aspectos da experiência – em particular das experiências afetivas mais intensas – são invalidadas por não encontrarem um contexto social de legitimação, mais cresce e pesa a força do inconsciente invalidado”. A ideação romantizada do conceito de completude e como tal pode evocar os sintomas da histeria. 

A histeria contemporânea apesar de se apresentar com sintomatologias amenas as originarias, mantem sua etiologia, sua conduta primaria, todo o seu percurso desde a angústia a castração até o seu real desprazer. O quadro de histeria é plural, o indivíduo precisa do outro para ser, mesmo que seu objetivo seja ser completo sozinho, sendo assim, não é cabível que o outro se retire, mas que seja fantasiosamente inalcançável.   

3 CONCLUSÃO 

Inegavelmente a análise de situações cotidianas frente a quadros psicoemocionais sob a ótica psicanalítica traz não apenas uma reflexão sobre como o mundo é interpretado pelos indivíduos, mas também a resposta muito procurada na clínica, o motivo de tais “obsessões” que outrora poderia ser sublocado em vivencias humanas cotidianas. 

Essa flexão debatida é apenas uma entre tantas que surgem com o passar do tempo e das demandas que emergem. A ótica psicanalítica pode proporcionar um olhar além da banal patologização que vem atravessando a clínica, voltar ao início dos sintomas fundadores, fazer essa comparação do sujeito que sofre com o motivo do seu sofrimento evidencia dados e respostas antes nem mesmo procurados. 

A histeria nunca saiu do foco de estudos dentro da psicologia, ela foi alterada, renomeada, e muitas vezes camuflada em demais sintomatologias, mas sempre esteve presente. A análise feita nesse artigo pode denotar a sua presença nas queixas clínicas e traz a necessidade de novos debates, além dos rompimentos emocionais, quais áreas podem ser afetadas e destorcidas por esse quadro sem que fosse notado. A investigação do efeito histérico no sujeito é crucial para um bom desenvolvimento de tratamento e um real entendimento do mal emocional que o atinge. 

Essa analise se faz necessária para a compreensão dos males emocionais que ainda assolam a sociedade contemporânea e que está cada vez mais presente no âmbito social, a histeria não se restringe mais apenas a repressões e sintomatologias físicas, as mudanças de paradigmas e relações atuais devem ser incluídas no entendimento da histeria moderna. Essa compreensão possibilita os profissionais e acadêmicos um entendimento amplo e contemporâneo desse cenário psíquico que apesar de ter sido a primeira formulação teórica da psicanálise ainda se faz vigente nos dias de hoje e apresenta ramificações que interagem com as relações sociais atuais.  

Após esse debate foi possível compreender melhor um quadro que muitas das vezes se apresenta com certa complexidade, mas que precisa ser considerado durante uma análise, a histeria, a grande joia da psicanálise e a suas ramificações até os presentes dias. Repetir, relembrar e elaborar não ficou para trás, ainda se faz digno de utilização, afinal até que ponto um comportamento vira sintoma e sintoma vira patologia e todas essas angústias deixam de ser apenas um mal-estar da civilização. 


2FREUD, S. Freud (1901-1905) – Obras completas Volume 6. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (p.13173). 

3FREUD, S. Freud (1901-1905) – Obras completas Volume 6. “O Caso Dora” (p.173-30).

4FREUD, S. Freud (1901-1905) – Obras completas Volume 6. A Pesquisa Sexual Infantil (p.103-107).

5 FREUD, S . Freud (1930-1936) – Obras completas Volume 18.  Sobre A Sexualidade Feminina (p. 202- 222).

5FREUD, S . Freud (1914-1916) – Obras completas Volume 12. Luto E Melancolia (p. 127- 144).

7KLEIN, M. (1946-1963)-Inveja e gratidão e outros ensaios. Sobre A Observação Do Comportamento De Bebês (p. 147).

8KLEIN, M. (1975) – Amor, ódio e reparação. A situação emocional do Bebê (p. 83).

REFERÊNCIAS

DIAS, G. S. Considerações Psicanalíticas sobre a histeria feminina. Rio Grande do Sul: Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia, 2013.

FREUD, S. Freud – Obras completas Volume 6. São Paulo: Companhia das Letras, 2016                        .

FREUD, S . O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia Das Letras, 2011.

FREUD, S . Luto e Melancolia. Rio de Janeiro: Imago,1974.

FIGUEIREDO, L. C. Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea. São Paulo, SP: Escuta, 2008.  

SRAEL, L. El goce de la histérica. Escuela de Filosofía Universidad ARCIS, 1974. 

KLEIN, M. Inveja e gratidão e outros ensaios.  Imago, 1991. 

KLEIN, Melanie. Amor, ódio e reparação. Rio de janeiro: Imago, 1975.

LACAN, J. O seminário : livro 5: As Formações do. Inconsciente. Rio De Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

LACAN, J. O seminário : livro 20: Mais, ainda. Rio De Janeiro: M.D. Magno, 1985.

NASIO, J.-D. A Histeria. Companhia das Letras, 2017.


1Psicóloga – CRP-04/78235