A REFORMA PSIQUIÁTRICA E O ATENDIMENTO HUMANIZADO DE ENFERMAGEM AO PACIENTE COM TRANSTORNOS MENTAIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7320112


Jociele Carla Gomes Milliano1
Cícera Estefany Silva de Lima2
Deivid Nicolas de Assis Silva3
Ana Lúcia Mendes da Silva4


Resumo

A reforma psiquiátrica no Brasil surge da necessidade de quebrar estigmas relacionados à loucura e humanizar o tratamento dispensado às pessoas com transtornos mentais. Tal movimento social ganhou sua força devido a profissionais que participaram ativamente como agentes sociais para a revolução do modelo de atenção à saúde mental. A presente revisão integrativa possui como objetivo entender o papel da enfermagem na transformação social de um novo modelo de atendimento psiquiátrico e refletir acerca das contribuições dadas pela enfermagem para esse novo modo de atenção em saúde mental. É possível concluir que a enfermagem marca momentos específicos do processo de transformação, de um atendimento rudimentar em atendimento humanizado e, desta forma, o enfermeiro passa a ter autonomia e colaborar para a desmistificação da loucura. 

Palavras-chave: Enfermagem Psiquiátrica; Reforma dos Serviços de Saúde; Saúde Mental; Humanização da Assistência.

Abstract

Psychiatric reform in Brazil arises from the need to break stigmas related to madness and humanize the treatment given to people with mental disorders. This social movement gained its strength due to professionals who actively participated as social agents in the revolution of the mental health care model. This integrative review aims to understand the role of nursing in the social transformation of a new model of psychiatric care and to reflect on the contributions given by nursing to this new mode of mental health care. It is possible to conclude that nursing marks specific moments

of the transformation process, from a rudimentary care into a humanized care and, in this way, the nurse starts to have autonomy and collaborate for the demystification of madness.

Keywords: Psychiatric Nursing; Health Services Reform; Mental health; Humanization of Assistance.

Introdução

A enfermagem psiquiátrica surgiu com a criação de uma escola de enfermagem em um estabelecimento hospitalar, sob a orientação médica, visando o cuidado de pacientes da ala psiquiátrica. Dentre as habilitações do enfermeiro especialista em saúde mental, estão o auxílio ao paciente em enfrentar sua enfermidade, que acomete seu convívio social, adversidades e demais problemas que podem surgir em seu cotidiano. (ALVES, M; OLIVEIRA, R.M.P., 2010), (AMARANTE, A.L. et al., 2011), (COSTA, M.F. et al., 2017)

O profissional de enfermagem foi peça chave na construção de um novo modelo de tratamento para pacientes de  saúde mental. O modelo manicomial isolava os pacientes do convívio social em respeito à moral e bons costumes, visando a ordem pública. Entretanto, este modelo caiu em desuso graças à sua base moralista e ideológica (PENEDO; SPIRI, 2014; COSTA et al., 2017).

A trajetória da enfermagem nos estabelecimentos psiquiátricos é marcada por dois momentos: a falta de profissionais qualificados nos hospitais, que prestavam atendimentos de forma não-humanizada, e acabavam não promovendo a qualidade de vida para aquele paciente ou sua evolução; e o segundo, fala sobre a assistência psiquiátrica prestada por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem realizada de forma satisfatória à reforma psiquiátrica (ALVES; OLIVEIRA, 2010), (COSTA et al., 2017).

A partir da discussão e implementação da reforma psiquiátrica, uma população que antes era isolada da sociedade e não recebia o tratamento singular necessário, passou, então, a gozar de políticas públicas criadas no intuito de promover um atendimento humanizado para as pessoas com sofrimento ou transtorno mental. O projeto de lei da reforma psiquiátrica tramitou por 12 anos antes de sua aprovação, na Lei nº 10.216/01, a qual tem a finalidade de garantir a assistência aos portadores de sofrimento mental em serviços abertos (BRASIL, 2005).

 Outro marco importante foi a oficialização dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) por meio da Portaria nº 224/92 e a criação das diversas modalidades de CAPS por meio da Portaria nº 336/02. Com a criação dos CAPS, passou a ser papel do profissional de enfermagem guiar a equipe multidisciplinar e promover o cuidado, com o objetivo de reabilitação biopsicossocial e. no caso de dependência química, integrando a família do paciente no processo terapêutico, buscando compreender o indivíduo com o olhar para além dos termos técnicos, com um foco individualizado e humanizado (BRASIL, 2005).

Anos após, foi aprovada a Portaria nº 3.088/11, a qual institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), onde vários serviços em diferentes níveis de complexidade dão suporte às pessoas com sofrimento mental ou que possuem algum transtorno psíquico. A enfermagem possui papel fundamental nessa rede, uma vez que em todos os componentes da RAPS há a preconização da presença do enfermeiro (BRASIL, 2005).

Tendo em vista que o profissional de enfermagem é essencial para a integralização e humanização do cuidado e que os avanços sobre a enfermagem na saúde mental são relativamente recentes, a presente revisão tem o objetivo de entender, pontuar e contextualizar os processos históricos e sociais por trás da legislação vigente em 2022 nos atendimentos de saúde mental, focando no papel do enfermeiro e sua contribuição para a humanização do cuidado dispensado para pessoas com sofrimento/transtorno mental.

Metodologia

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, fundamentada no referencial de Mendes, Silveira e Galvão (2008), por meio da construção de análise, constituída a partir de seis etapas, a fim de alcançar um melhor entendimento sobre a temática, baseada em estudos anteriores. Segundo Mendes, Silveira e Galvão (2008) “este método tem o objetivo de agrupar e sistematizar resultados de pesquisas sobre um delimitado assunto ou questão, de maneira sistemática e ordenada, cooperando para o aprofundamento do conhecimento do tema pesquisado”. A revisão integrativa da literatura, foi realizada na base de dados da BVS – Biblioteca Nacional de Saúde e Google Acadêmico, sendo selecionados 08 artigos que abordam diferentes pontos de vista sobre a reforma psiquiátrica e luta antimanicomial.

Para a elaboração da questão de pesquisa da revisão integrativa, utilizou-se a estratégia PICO (acrônimo para população, intervenção, comparação e Outcomes). O uso dessa estratégia para formular a questão de pesquisa na condução de métodos de revisão possibilita a identificação de palavras-chave, as quais auxiliam na localização de estudos primários relevantes nas bases de dados (FINEOUT-OVERHOLT et al., 2011). Assim, a questão de pesquisa delimitada foi: “Como a enfermagem participou da reforma psiquiátrica e quais são suas contribuições para a psiquiatria contemporânea?” 

Após a definição do tema e a construção da questão de pesquisa, iniciou-se a busca nas bases de dados para identificação dos estudos a serem incluídos na revisão. Utilizamos como estratégia de busca as palavras-chave encontradas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) sendo elas: “Enfermagem Psiquiátrica”, “Reforma dos Serviços de Saúde”, “Saúde Mental”, “Humanização da Assistência”. Os critérios de inclusão e exclusão dos estudos foram:

  • Critérios de inclusão: artigos publicados na íntegra em português e inglês na forma online e gratuita, que retratem a temática pesquisada e publicados e indexados nos referidos bancos de dados entre os anos 2000 e 2022.
  • Critério de exclusão: capítulos de livros, teses, dissertações, editoriais, artigos que não respondiam à questão de pesquisa e estudos duplicados.

Para categorização dos artigos incluídos na revisão integrativa foi empregada a ferramenta proposta por Ganong (1987), a qual contempla os seguintes itens: dados de identificação do artigo; referencial teórico-metodológico empregado, informações sobre os conceitos pesquisados, características metodológicas, análise dos dados, resultados, conclusões e implicações para a enfermagem. As informações extraídas estão apresentadas no quadro I.

A partir das informações extraídas, foram realizadas as etapas subsequentes da revisão integrativa, que está sintetizada na Figura 1.

Figura 1. Fases da revisão integrativa.

Resultados
Foram escolhidos 08 artigos conforme os critérios adotados neste estudo, como mostra o Quadro 1

ANOPERIÓDICOTÍTULO DO ARTIGOAUTORES
2004Revista Brasileira de Enfermagem“A Enfermagem e o cuidar na área de saúde mental.”VILELA, C.S. e SCATENA, M.C.M
2010Escola Ana Nery, Revista de Enfermagem.“Enfermagem psiquiátrica: discursando o ideal e praticando o real.”ALVES, M. e OLIVEIRA, R.M.P.
2010UNIRIO“A importância da reforma psiquiátrica na mudança do paradigma de enfermagem em saúde mental.”CEDRO, L.F. e SOUZA, C.A
2011Texto & Contexto Enfermagem, UFsc“As estratégias dos enfermeiros para o cuidado em saúde mental no programa saúde da família.”AMARANTE, A. et al.
2014Acta Paulista de Enfermagem“Significado da sistematização de enfermagem para enfermeiros gerentes”PENEDO, M.R. e SPIRI, C.L.
2017Interface – Comunicação, Saúde e Educação.“Reforma Psiquiátrica: as experiências francesa e italiana.” LAKI, M.C.A.
2017Journal of Health Communications“Trajetória histórica da enfermagem do Brasil”COSTA, F.M et. al.
2021Revista JRG“O atual papel da enfermagem na saúde mental.”RODRIGUES, F.L. e CUSTÓDIO, T.S.P.A. 
2020 Archives of Health InvestigationEletroconvulsoterapia como prática psiquiátrica: revisão de literaturaJOSÉ, B.B e CRUZ, M.C.C.
Quadro 1:  Artigos selecionados de acordo com o ano, periódico, títulos do artigo e autores.

Discussão

Assistência de Enfermagem aos pacientes com sofrimentos e transtornos mentais antes da reforma psiquiátrica

A reforma psiquiátrica no Brasil teve como principal fonte de inspiração o médico psiquiatra Italiano, Francisco Basaglia, no ano de 1960. Basaglia foi nomeado diretor do hospital psiquiátrico de Gorizia e, a partir desta nomeação, deparou-se com o total caos e objetificação dos pacientes em sofrimento mental que era causada pela institucionalização do local. Nisto, o diretor moveu esforços e convidou todos os trabalhadores do hospital a serem agentes de transformação social daquele lugar. Este movimento não tinha como objetivo fechar o estabelecimento hospitalar, mas sim visava a sua humanização (LAKI, M.C.A., 2017).

A reforma psiquiátrica no Brasil foi um processo político e social, que começou em 1978 com o denominado Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental – MTSM. Esse movimento iniciou uma grande crítica e discussão em todo o território nacional que movimentou os poderes estadual e federal, universidades, conselhos profissionais, dentre outros grandes espaços da época. O MTSM, composto de forma pluralista, deu início a denúncia dos mais diversos tipos de maus tratos que ocorriam nos hospitais psiquiátricos da época e a crítica ao modelo hospitalocêntrico. Durante as manifestações e diversas mobilizações sociais que aconteceram no Brasil, Francisco Basaglia visitou o país em 1979, onde promoveu e compareceu a diversos simpósios, além de conhecer manicômios existentes no Brasil naquela época. Basaglia se assustou com a forma que os estabelecimentos hospitalares funcionavam no país, no que diz respeito à saúde mental. Ao conhecer o Hospital Psiquiátrico de Barbacena, ele chegou a comparar-lo com um campo de concetração Nazista. Além disso, Francisco inspirou e guiou diversos militantes do MTSM com seus discursos baseados em suas experiências como diretor, além de despertar a constante reflexão sobre o atendimento aos pacientes (LAKI, M.C.A., 2017).

Antes da reforma psiquiátrica, no Brasil, as pessoas com transtornos mentais eram tratadas como uma ameaça à moral e aos bons costumes. Com isso, os pacientes considerados “loucos”, ficavam condenados ao isolamento em manicômios e eram submetidos a métodos de tratamento que causavam ao paciente danos psíquicos, piora do quadro e segregação social (ARBEX, D., 2013). Um dos exemplos de tratamentos utilizados na época era a medicação prescrita apenas com a finalidade de tratar os sintomas incômodos para as pessoas ao redor daquele paciente e, quando não efetivas, eram submetidos a procedimentos que, além de causarem danos irreversíveis, comprometiam a sua vida, como a lobotomia. A lobotomia é um procedimento que consiste na retirada dos lóbulos cerebrais do paciente acometido com um quadro de sofrimento mental. Outro exemplo de tratamento muito utilizado naquela época era o eletrochoque, hoje conhecido como eletroconvulsoterapia (LAKI, M.C.A., 2017). A eletroconvulsoterapia consistia em induzir corrente elétrica por meio de eletrodos para estimular uma convulsão, sem a utilização de anestesia ou qualquer tipo de relaxamento. Na época, em 1930, acreditava-se que os pacientes submetidos à convulsões não sofreriam com psicoses e assim teriam uma melhora do quadro (JOSÉ, B.B.C e CRUZ, M.M.C, 2020).

Um outro ponto constante antes da reforma psiquiátrica seria a não participação do paciente ou da família na escolha do tratamento, que ficava restrito apenas ao hospital (CEDRO; SOUZA, 2010). A família do paciente não participava do processo de tratamento, o que hoje é um dos pilares para o sucesso das terapias disponíveis para o paciente acometido de sofrimento ou perturbações na saúde mental. A falta da humanização e singularidade no tratamento cronificava o quadro do paciente, gerando incontáveis danos para sua saúde e convívio social, até mesmo com a própria família (CEDRO; SOUZA, 2010).

Em 1987 foi realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental, promovida pelo MTSM, com o tema “Por uma sociedade sem manicômios”. Neste período começaram a ser discutidos e implementados novos métodos de tratamento em saúde mental (BRASIL, 1988).

No Brasil, na década de 70 destaca-se uma enfermeira, Maria Aparecida Minzoni, que se preocupou com a humanização da assistência ao doente mental. Aparecida, muito contribuiu para a Enfermagem Psiquiátrica neste país, com atuações nos vários campos da Enfermagem, como no ensino, na pesquisa e na assistência (VILELA; SCATENA, 2004).

O Holocausto Brasileiro 

No contexto histórico, o Brasil possui uma marca negativa no tratamento de pessoas com sofrimento ou perturbações relacionadas à sua saúde mental. Conhecido como o “Holocausto Brasileiro”, a literatura retrata por meio dos depoimentos de pessoas reais como o atendimento psiquiátrico funcionava na época de 1903 até o fim da década de 80 (ARBEX, 2013).

A jornalista e escritora Daniela Arbex relata em sua obra, escrita com base em relatos de ex-funcionários do hospital de Barbacena, em Minas Gerais, os maus tratos sofridos por pacientes da ala de saúde mental antes de acontecer a reforma sanitária. Os depoimentos relatam a morte de mais de 60 mil pacientes em estado de sofrimento mental. A obra retrata que a maioria das vítimas eram mulheres, negras e pobres, bem como pessoas com orientação sexual que fugisse do espectro hétero, aceito pela sociedade conservadora daquela época (ARBEX, 2013).

De modo geral, o hospício não internava apenas pacientes considerados “loucos”, mas também qualquer um que divergia do que era considerado normal pela sociedade conservadora do século XX, período o qual perdurou a ditadura militar. Há, ainda, relatos que após submetidos à tortura, o corpo dos pacientes considerados indigentes eram vendidos para universidades de medicina e cursos relacionados à área da saúde (ARBEX, 2013).

A falta de humanidade no tratamento destes indivíduos mostra um reflexo da sociedade machista, patriarcal, racista e homofóbica do século XX, que se utilizava de patologias não diagnosticadas para higienizar a sociedade e ainda gerar lucro sob o sofrimento (ARBEX, 2013).

A Reforma Psiquiátrica: O que mudou na assistência

No Brasil, a reforma psiquiátrica surge como necessidade de alteração dos modelos de atenção e práticas em saúde. Uma marca na defesa da saúde coletiva, equidade da oferta dos serviços e do protagonismo dos profissionais de saúde no tratamento de pacientes com transtornos mentais. 

Em relação à assistência, cabe ressaltar que o modelo psiquiátrico, antes de 2001, transformava todos os tipos de perturbações mentais em doenças e criava uma necessidade de distanciar o indivíduo do convívio social, negando um dos principais objetivos no tratamento, que é o objetivo da reabilitação e da reinserção do paciente em suas atividades diárias e laborais (LAKI, 2017).

Com a concretização da Reforma Psiquiátrica no Brasil, por meio da Lei nº 10.216, de 2001, a assistência em saúde mental passou a priorizar o ambiente extra-hospitalar, visando o fechamento gradual dos manicômios já existentes no Brasil e inviabilizando a abertura de demais estabelecimentos hospitalares com foco exclusivo em tratamentos psiquiátricos (BRASIL, 2005). A desinstitucionalização passou a ser o pilar chave da Reforma Psiquiátrica e, com isso, a palavra-chave de luta do movimento social denominado “Luta Antimanicomial” (COSTA et al., 2017).

Para suprir o fechamento dos manicômios e com foco principal no atendimento humanizado em saúde mental, a lógica de internação em hospitais psiquiátricos foi sendo substituída pelo atendimento, principalmente, nos CAPS em todo o território brasileiro. Diferentemente dos hospitais psiquiátricos, o CAPS tem como objetivo o tratamento voltado à reabilitação e preservação do convívio social do cidadão acometido com qualquer tipo de sofrimento psíquico persistente (BRASIL, 2022). Neste novo modelo de estabelecimento voltado ao cuidado de pacientes acometidos de desordens mentais, também é dispensado o cuidado aqueles que possuem necessidades decorrentes do uso de drogas e álcool (BRASIL, 2022).

No CAPS, é obrigatório a composição de uma equipe multiprofissional com o objetivo de traçar e aplicar diferentes abordagens e intervenções estratégicas  de acolhimento, como a psicoterapia, terapia ocupacional, neuroreabilitação, psiquiatria clínica, acolhimento familiar, medicação assistida, entre outros. O CAPS funciona com uma equipe mínima composta de 01 médico clínico, 01 médico psiquiatra, 01 enfermeiro com experiência e formação na área de saúde mental, 04 técnicos de enfermagem e profissionais de nível médio para realizar as tarefas de ordem administrativa. Esta equipe multiprofissional é habilitada para prestar o cuidado de habilitação psicossocial, preservando a cidadania da pessoa acometida por tal sofrimento ou transtorno mental (BRASIL, 2005).

No contexto da ampliação de políticas públicas voltadas à promoção da saúde mental, como visa o Sistema Único de Saúde (SUS), em 2011 foi criada a RAPS. A RAPS é o órgão governamental que engloba todos os estabelecimentos de saúde voltados para a prevenção e tratamento de distúrbios mentais, como o CAPS, Unidades de Acolhimento, Centros de Convivência, entre outros. Essa rede prioriza iniciativas que visam contribuir para o cuidado integral, com o intuito de garantir direitos, cidadania e inclusão social dos pacientes de saúde mental (BRASIL, 1988).

SAE e o papel do enfermeiro no atendimento e cuidado a pessoas com perturbações, sofrimentos ou transtornos mentais

SAE é a sigla para Sistematização da Assistência de Enfermagem, que é caracterizada por um conjunto de ações que visa o planejamento e organização do cuidado a ser prestado pela equipe de enfermagem. A enfermagem se utiliza dessa sistematização para organizar a assistência e direcionar o cuidado, prezando a segurança do paciente e profissionais envolvidos na rotina do sistema de saúde (RODRIGUES; CUSTÓDIO, 2021).

A SAE é extremamente importante e indispensável para tornar o tratamento mais efetivo e garantir a autonomia do enfermeiro. Ela permite diagnosticar, prescrever corretamente a rotina de cuidados, e nortear a tomada de decisão do profissional de enfermagem. (RODRIGUES; CUSTÓDIO, 2021). 

Com a democratização do ensino de enfermagem, as disciplinas do ensino superior do curso voltadas à área de saúde mental vêm se modificando e ganhando cada vez mais espaço no âmbito acadêmico e profissional, partindo do princípio da necessidade de atenção psicossocial para a população com sofrimento psíquico. (VILELA; SCATENA, 2004).

A ampliação dos conhecimentos em saúde mental atrai diversos estudantes dos cursos de graduação em enfermagem para a atuação no cuidado e prevenção de riscos nos pacientes em sofrimento mental. O enfermeiro deve ser habilitado para exercer sua função na área, no entanto, muitas das vezes, o agravo de sofrimentos mentais poderia ser evitado com o treino do olhar mais cuidadoso sobre situações que colocam em risco a saúde mental do paciente (VILELA; SCATENA, 2004).

A autonomia da profissão permite que o enfermeiro realize ações para prevenir e educar as pessoas em relação à saúde como: visitas às escolas, atenção domiciliar, promoção da educação em saúde nas comunidades e estabelecimentos de vários âmbitos, respeitando o seu princípio, que é: a responsabilidade de se ser solidário com as pessoas, grupos, famílias e comunidades para contribuir para a conservação e manutenção da saúde (VILELA; SCATENA, 2004). 

São habilidades do enfermeiro especialista em saúde mental: manter o cuidado supervisionado e seguro do paciente em sofrimento ou perturbação mental, realizar a administração segura e assistida dos medicamentos previamente prescritos, auxiliar no trabalho da equipe terapêutica provendo informações e notícias acerca do estado de saúde do paciente e trabalhar envolvendo a família do paciente no processo terapêutico em todas as suas fases, até mesmo na fase externa ao leito psiquiátrico. Por se tratar de uma atuação diferente da, geralmente, praticada por um enfermeiro clínico, o profissional de enfermagem envolvido nesta área necessita realizar uma residência ou pós graduação na área de saúde mental, para assim obter os conhecimentos devidos à área, além de aprimorar os conhecimentos de psicofarmacologia e psicopatologia (VILELA; SCATENA, 2004). 

O cuidado de enfermagem humanizado no atendimento de pacientes acometidos por sofrimento/perturbação mental é atrelado a luta antimanicomial, buscando entender para além dos sintomas físicos e psíquicos a causa de tal sofrimento e comprometimento da vida nos padrões de normalidade sociais. A enfermagem busca desmistificar estigmas relacionados à loucura, e ainda integrar a família do paciente ao seu tratamento, tornando ele mais efetivo sem o uso de métodos rudimentares que poderiam vir a cronificar o seu quadro (VILELA; SCATENA, 2004). 

Considerações Finais

Com os marcos históricos abordados nesta revisão integrativa, pode-se observar que a enfermagem, mesmo com sua desvalorização histórica, foi e continua sendo responsável por diversas manutenções, revoluções e mudanças no sistema de saúde brasileiro. 

Um exemplo, para além da saúde mental, foi a percepção dos cuidados de enfermagem aos pacientes acometidos com COVID-19. Os profissionais de enfermagem marcaram os momentos mais importantes da história da psiquiatria brasileira e continuam contribuindo para a promoção de saúde e qualidade de vida para todos. O marco da reforma psiquiátrica no Brasil foi e continua sendo de extrema importância para o desenvolvimento de uma enfermagem mais humana e democratizada, diga-se, de acesso para todos. O tratamento antes realizado de forma empírica, com pouca base científica e com teor moral não contribuia para o bem estar e melhora do quadro que acometia o paciente. Com a SAE e a reforma psiquiátrica, o paciente com transtorno mental tem a oportunidade de receber um cuidado mais diferenciado, voltado para a sua singularidade, sempre respeitando a sua dignidade enquanto pessoa.

A enfermagem participa de forma marcante e efetiva da construção de uma nova página da história da saúde mental no Brasil quando seus trabalhadores exercitam um pensamento crítico e revolucionário acerca de suas atribuições e condições de trabalho. Por realizar o trabalho mais voltado ao cuidado, o enfermeiro é o profissional mais habilitado para falar, emitir e reivindicar direitos de um tratamento mais humanizado e efetivo para o paciente. Quando o sistema de saúde pratica a negligência, cabe ao enfermeiro ser o principal agente transformador da realidade do sistema.

Referências

  1. ALVES, M; OLIVEIRA, R.M.P. Enfermagem psiquiátrica: discursando o ideal e praticando o real. Escola Anna Nery, Revista de Enfermagem. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 64-70, jan/mar, 2010. 
  2. AMARANTE, A.L. et al. As estratégias dos enfermeiros para o cuidado em saúde mental no programa saúde da família. Texto e contexto Enfermagem. Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 85-93, 2011.
  3. ARBEX, D. Holocausto brasileiro. 1 Ed – São Paulo: Geração Editorial. 2013.
  4. BRASIL. Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. Brasília: Ministério da Saúde, 2022; Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/caps
  5. BRASIL. I Conferência Nacional de Saúde Mental: Relatório Final. Brasília: Ministério da Saúde, 1988. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0206cnsm_relat_final.pdf.
  6. BRASIL. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
  7. CEDRO, L.F.; SOUZA, A.C. A reforma psiquiátrica na mudança do  paradigma da assistência de enfermagem em saúde mental prestada ao portador de sofrimento mental. R. pesq. cuid. fundam. online [Internet]. 2010. Disponível em: http://seer.unirio.br/cuidadofundamental/article/view/1122.
  8. COSTA, M.F. et al. Trajetória Histórica da Enfermagem no Brasil: Uma Revisão Integrativa.  Sergipe: Journal Of Health Connections.v.1.n.1, 2017.
      
  9. JOSÉ, B.B; CRUZ, M.C.C, Eletroconvulsoterapia como prática psiquiátrica: uma revisão de literatura. Brasil: Archive of Health Investigation, 2020.
  10. LAKI, M.C.A. A Reforma Psiquiátrica Brasileira e Italiana: Um Relato de Experiência. Campinas, 2017.
  11. PENEDO, M.R.; SPIRI,C.L. Significado da Sistematização da Assistência de Enfermagem para enfermeiros gerentes. São Paulo: Acta Paulista de Enfermagem, 2014.
  12. RODRIGUES, F.L.; CUSTÓDIO, T.S.P.A. O Atual Papel da Enfermagem na Saúde Mental.  Brasília: Revista JRG de Estudos Acadêmicos, 2021.
  13. VILELA, C.S.; SCATENA, M.C.M, A enfermagem e o cuidar na área de saúde mental. Brasil: Revista Brasileira de Enfermagem, 2004.

 1Graduanda em Enfermagem na Universidade Mário Pontes Jucá. Email: jociele.miliano144@academico.umj.edu.br
2Graduanda em Enfermagem na Universidade Mário Pontes Jucá. Email: esteffany.movel@clara
3Graduando em Enfermagem na Universidade Federal de Alagoas. Licenciatura em letras Inglês.. Técnico em Informática para Internet pelo Instituto Federal de Alagoas. Email: deivid.silva@eenf.ufal.br
4Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Alagoas. Enfermeira pela Universidade Federal de Alagoas. E-mail: analuciamendes.s@hotmail.com