A PREVALÊNCIA DO USO DE ANTIAGREGANTES PLAQUETÁRIOS E ANTICOAGULANTES ORAIS EM PACIENTES COM HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NO HOSPITAL DE URGÊNCIAS DE GOIÁS DR VALDEMIRO CRUZ – HUGO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202509101218


Jarbas Ferreira da Silva Segundo
João Vitor Franco Flores
Orientação: Dr. Murilo Meneses Nunes


RESUMO 

A hemorragia digestiva alta (HDA) representa uma emergência médica relevante, com elevado impacto na morbimortalidade hospitalar, especialmente entre pacientes idosos e com comorbidades. Com o aumento da expectativa de vida e da prevalência de doenças cardiovasculares, o uso de terapias antitrombóticas, como anticoagulantes orais e antiagregantes plaquetários, tornou-se cada vez mais comum, o que contribui para a elevação do risco de eventos hemorrágicos, incluindo a HDA. O objetivo deste trabalho é avaliar a prevalência do uso de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes orais em pacientes com hemorragia digestiva alta no Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (HUGO), caracterizando o perfil epidemiológico e clínico dos pacientes, além de investigar os desfechos relacionados, como internação em UTI e mortalidade. Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo e transversal, baseado na análise de prontuários eletrônicos de pacientes atendidos no HUGO entre julho e dezembro de 2024. Foram incluídos 133 pacientes com diagnóstico de HDA, e os dados foram extraídos do sistema SOULMV, incluindo variáveis sociodemográficas, uso de medicamentos, comorbidades e desfechos clínicos. Do total de pacientes analisados, 27 (20,30%) faziam uso de anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários. O ácido acetilsalicílico (AAS) foi o fármaco mais utilizado (50,0% entre mulheres e 76,92% entre homens), seguido por DOACs – Direct Oral Anticoagulant (Anticoagulante Oral de Ação Direta), clopidogrel e varfarina. A média de idade foi de 62,5 anos. A taxa de mortalidade foi de 10,3% entre os usuários dessas medicações. A maioria dos pacientes evoluiu com alta hospitalar. A prevalência do uso de antitrombóticos em pacientes com HDA no HUGO é consistente com dados da literatura. Embora esses medicamentos representem um fator de risco relevante, os desfechos clínicos desfavoráveis parecem estar mais relacionados à presença de comorbidades e à gravidade do quadro clínico do que ao uso isolado das medicações. Esses achados reforçam a importância da estratificação de risco e do manejo individualizado desses pacientes em ambientes de urgência. 

Palavras-chave: Epidemiologia, perfil epidemiológico, anticoagulante, antiagregante plaquetário, hemorragia gastrointestina

ABSTRACT 

Upper gastrointestinal bleeding (UGIB) represents a relevant medical emergency, with a high impact on hospital morbidity and mortality, especially among elderly patients and those with comorbidities. With the increase in life expectancy and the prevalence of cardiovascular diseases, the use of antithrombotic therapies, such as oral anticoagulants and antiplatelet agents, has become increasingly common, which contributes to the increased risk of hemorrhagic events, including UGIB. To evaluate the prevalence of the use of antiplatelet agents and oral anticoagulants in patients with upper gastrointestinal bleeding at the Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (HUGO), characterizing the epidemiological and clinical profile of patients, in addition to investigating related outcomes, such as ICU admission and mortality. This is an observational, retrospective, cross-sectional study based on the analysis of electronic medical records of patients treated at HUGO between July and December 2024. A total of 133 patients diagnosed with UGIB were included, and data were extracted from the SOULMV system, including sociodemographic variables, medication use, comorbidities, and clinical outcomes. The research was approved by the Ethics Committee, following the guidelines of Resolution No. 466/2012. Of the total number of patients analyzed, 27 (20.30%) were using anticoagulants or antiplatelet agents. Acetylsalicylic acid (ASA) was the most commonly used drug (50.0% among women and 76.92% among men), followed by NOACs, clopidogrel, and warfarin. The mean age was 62.5 years. The mortality rate was 10.3% among users of these medications, although there was no proven direct causal association with the drugs. Most patients were discharged from hospital. The prevalence of antithrombotic use in patients with UGIB at HUGO is consistent with data in the literature. Although these medications represent a relevant risk factor, unfavorable clinical outcomes appear to be more related to the presence of comorbidities and the severity of the clinical condition than to the isolated use of medications. These findings reinforce the importance of risk stratification and individualized management of these patients in emergency settings. 

Keywords: Epidemiology, epidemiological profile, anticoagulant, antiplatelet agent, gastrointestinal bleeding. 

 1 INTRODUÇÃO 

A hemorragia digestiva alta (HDA) é considerada uma das principais emergências médicas do trato gastrointestinal, apresentando impacto direto na morbimortalidade hospitalar. Define-se pela exteriorização de sangue proveniente do trato gastrointestinal proximal ao ligamento de Treitz, com manifestações clínicas predominantes como hematêmese e melena, podendo em casos de sangramento volumoso apresentar-se como hematoquezia. Estima-se que a incidência global da HDA varie entre 50 a 150 casos por 100.000 habitantes ao ano, com taxas de mortalidade que podem alcançar 10% em determinados grupos populacionais¹,². 

Apesar da relevância clínica, a etiologia da HDA é multifatorial. Úlceras pépticas, varizes esofagogástricas, lesões da mucosa gástrica e infecção por Helicobacter pylori permanecem como as principais causas descritas na literatura. No entanto, a utilização de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes orais constitui fator agravante, que pode potencializar a gravidade dos episódios hemorrágicos, ainda que eventualmente não seja a causa isolada do evento³,⁶. A gravidade do quadro hemorrágico está intimamente relacionada a variáveis como idade avançada, comorbidades associadas e uso prévio de fármacos lesivos à mucosa gastrointestinal ou interferentes na hemostasia⁷. 

A crescente utilização de terapias antitrombóticas na prática clínica se deve, sobretudo, ao envelhecimento populacional e à maior prevalência de doenças cardiovasculares. Estima-se que apenas nos Estados Unidos mais de seis milhões de indivíduos façam uso de anticoagulantes orais, o que aumenta o risco de sangramento e repercute na morbimortalidade desta população⁴. Entre as principais condições que demandam anticoagulação estão fibrilação atrial, tromboembolismo venoso, síndromes coronarianas agudas e valvopatias. 

Os antagonistas da vitamina K (AVKs), representados pela varfarina, acenocumarol e femprocumona, foram durante décadas a base do tratamento anticoagulante. Esses agentes atuam inibindo a síntese hepática dos fatores de coagulação II, VII, IX e X, todos dependentes da vitamina K³. Ainda hoje, determinados grupos de pacientes, como aqueles com fibrilação atrial de etiologia valvar ou com síndrome antifosfolípide, necessitam do uso contínuo de varfarina pela ausência de alternativas mais eficazes em tais cenários clínicos. 

Nos últimos anos, os anticoagulantes orais diretos (DOACs) foram incorporados à prática clínica como alternativas seguras e eficazes aos AVKs. Esses fármacos incluem os inibidores diretos do fator Xa (rivaroxabana, apixabana, edoxabana) e o inibidor direto da trombina (dabigatrana). Diferenciam-se por apresentarem farmacocinética mais previsível, ausência da necessidade de monitorização rotineira da coagulação e menor risco de complicações graves, como a hemorragia intracraniana. Contudo, apesar dessas vantagens, os DOACs ainda se associam a risco não desprezível de hemorragia digestiva em determinados perfis de pacientes⁵. 

Paralelamente, os antiagregantes plaquetários, como o ácido acetilsalicílico (AAS) e o clopidogrel, possuem papel central na prevenção secundária de eventos trombóticos, especialmente em indivíduos com doença arterial coronariana, histórico de síndrome coronariana aguda ou revascularização miocárdica. Sua utilização, entretanto, também pode contribuir para o desenvolvimento de sangramentos gastrointestinais, sobretudo quando associados a fatores de risco como idade avançada, uso concomitante de anti-inflamatórios não esteroidais e presença de lesões ulceradas prévias³,⁴. 

Dessa forma, tanto os anticoagulantes quanto os antiagregantes plaquetários atuam em diferentes pontos da cascata hemostática com finalidade profilática e terapêutica. Os AVKs agem na síntese dos fatores dependentes de vitamina K, os DOACs interferem diretamente nos fatores Xa e IIa, e os antiagregantes inibem a ativação e agregação plaquetária. Embora indispensáveis na prática clínica moderna, essas classes farmacológicas apresentam como efeito colateral esperado o risco de sangramentos, incluindo a hemorragia digestiva alta³,⁴. 

Esse risco está diretamente vinculado ao aumento da prevalência de doenças cardiovasculares, atualmente a principal causa de mortalidade global. Trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar, síndromes coronarianas agudas e arritmias cardíacas são condições que exigem abordagem com medicações antitrombóticas. Todavia, ao mesmo tempo em que reduzem eventos isquêmicos fatais, esses fármacos expõem o paciente a complicações hemorrágicas de magnitude variável, podendo evoluir para quadros graves e até fatais⁵,⁸,⁹. 

Nesse contexto, observa-se aumento expressivo no número de pacientes admitidos em serviços de emergência com hemorragia digestiva alta, decorrente não apenas de causas clássicas como uso de anti-inflamatórios não esteroidais, consumo excessivo de álcool e infecção por H. pylori, mas também relacionado ao uso disseminado de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários¹⁰,¹¹. Assim, a relação entre tais terapias e a HDA torna-se cada vez mais relevante, exigindo do clínico abordagem criteriosa para equilibrar risco hemorrágico e benefício antitrombótico. 

O Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (HUGO), localizado em Goiânia, destaca-se como centro de referência regional no atendimento de urgências e emergências de alta complexidade. Recebe elevado número de pacientes com múltiplas comorbidades e politraumatismos, constituindo ambiente estratégico para a análise do impacto das terapias antitrombóticas em contextos críticos, como nos episódios de HDA. 

Apesar da ampla utilização desses fármacos, ainda são escassos na literatura nacional os dados que descrevem a prevalência do uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários entre pacientes admitidos com hemorragia digestiva alta em serviços de urgência, sobretudo em hospitais de referência como o HUGO. Diante disso, emergem questionamentos relevantes: qual a prevalência do uso dessas medicações entre pacientes com HDA atendidos no HUGO? Quais as características epidemiológicas e clínicas associadas a esse perfil de pacientes? 

A presente pesquisa busca responder a essas questões, oferecendo subsídios importantes para a compreensão do perfil clínico-terapêutico de pacientes com HDA em uso de antitrombóticos. Os resultados poderão contribuir para decisões assistenciais mais seguras, implementação de protocolos direcionados e melhor planejamento terapêutico desses pacientes, fortalecendo a prática clínica no contexto hospitalar de alta complexidade¹². 

2. JUSTIFICATIVA 

A hemorragia digestiva alta (HDA) é uma das principais emergências gastrointestinais, responsável por elevadas taxas de hospitalização e mortalidade, especialmente entre pacientes idosos ou com comorbidades clínicas significativas. Nesse contexto, o uso de medicamentos antitrombóticos — como anticoagulantes orais e antiagregantes plaquetários — tem ganhado atenção especial, uma vez que, embora fundamentais para o manejo de doenças cardiovasculares e tromboembólicas, também podem aumentar o risco de sangramentos. 

O envelhecimento populacional e a maior prevalência de condições como fibrilação atrial, trombose venosa profunda e doença arterial coronariana tornam cada vez mais comum o uso crônico dessas medicações na população atendida em serviços de urgência e emergência. 

3. OBJETIVO 

3.1 Objetivo Geral 

Avaliar a prevalência do uso de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes orais em pacientes internados por hemorragia digestiva alta atendidos em um serviço terciário, de alta complexidade, 

3.2 Objetivos Específicos 

● Identificar o antitrombótico mais prevalente nos pacientes que apresentaram hemorragia digestiva alta.  

● Caracterização do perfil epidemiológico dos pacientes em uso de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes orais em pacientes internados por hemorragia digestiva alta. 

● Identificar a gravidade do caso, por meio da avaliação da necessidade de admissão em UTI, óbito ou alta hospitalar. 

4. METODOLOGIA 

Trata-se de uma pesquisa observacional retrospectiva transversal, conduzida por meio da análise de prontuários eletrônicos de pacientes diagnosticados com hemorragia digestiva alta em um Hospital Público. A pesquisa seguiu as recomendações do checklist STROBE (Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology), uma ferramenta desenvolvida para auxiliar na elaboração e avaliação de estudos de coorte, caso-controle e transversais, e suas principais extensões 

4.1 Procedimentos Éticos 

Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa para avaliação e emissão de parecer técnico sobre a pesquisa, de acordo com a Resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.). 

O presente estudo partiu da coleta de dados de prontuário específico (MVPEP) dos pacientes do Hospital de Urgências de Goiás Dr Valdemiro Cruz. A coleta de dados foi realizada preservando o anonimato dos pacientes, seguindo as normas de Boas Práticas Clínicas em Pesquisa. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Urgências de Goiás Dr Valdemiro Cruz(HUGO), e aprovado sob o número do CAAE: 90159925.7.0000.5082. 

4.2 Cenário e amostra 

A pesquisa foi realizada no Hospital de Urgências de Goiás (HUGO), localizado na Avenida 101, nº 146, Bairro Jardim Bela Vista, CEP 74884-510, em Goiânia-GO. O hospital é referência em atendimentos de urgência e emergência, com abrangência regional e estadual. 

A população da pesquisa foi composta por todos os pacientes atendidos entre os meses de julho a setembro de 2024, com registro no sistema SOULMV, abrangendo atendimentos ambulatoriais e internações. 

Após exclusão de duplicatas por nome completo, obteve-se um total de 189 pacientes únicos, que constituem a amostra final deste estudo. A análise considerou variáveis sociodemográficas como idade e sexo, permitindo a caracterização epidemiológica do perfil dos pacientes atendidos no período analisado. 

4.3 Instrumento de coleta de dados 

Os dados utilizados neste estudo foram extraídos diretamente do sistema eletrônico de gestão hospitalar SOULMV. A coleta foi realizada a partir dos prontuários eletrônicos dos pacientes atendidos entre julho e setembro de 2024, abrangendo tanto internações quanto atendimentos ambulatoriais. 

Foi utilizada para a coleta de dados uma ficha de registro padronizada, desenvolvida pelo autor da pesquisa, com base nas informações disponíveis no sistema. Essa ficha foi estruturada em duas seções principais: Seção sociodemográfica – contemplando dados como idade e sexo dos pacientes; Seção assistencial – contendo informações sobre o atendimento realizado  

Não foi necessária a realização de entrevistas ou contato direto com os pacientes, pois os dados disponíveis nos registros eletrônicos foram suficientes para atender aos objetivos da pesquisa. Todos os registros duplicados por nome completo foram previamente excluídos, garantindo a unicidade dos participantes na amostra final. 

4.4 Critério de inclusão 

Foram incluídos no estudo todos os pacientes atendidos no Hospital de Urgências de Goiás (HUGO). Foram considerados elegíveis para inclusão os pacientes de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, que tenham sido atendidos e que apresentavam dados completos de identificação, incluindo nome, idade e sexo, disponíveis nos prontuários eletrônicos. 

4.5 Risco e benefício 

Este estudo apresenta risco mínimo aos participantes, uma vez que foi realizado exclusivamente com dados secundários, extraídos de prontuários eletrônicos do sistema SOULMV, sem contato direto com os pacientes e sem qualquer tipo de intervenção clínica, psicológica ou social. 

Todas as informações utilizadas foram tratadas com sigilo e anonimato, respeitando os princípios éticos previstos na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Os dados foram utilizados exclusivamente para fins de pesquisa científica, sem exposição da identidade dos indivíduos. 

Como benefício, a pesquisa possibilita a melhoria do conhecimento sobre o perfil sociodemográfico e assistencial dos pacientes atendidos em serviços de urgência, contribuindo para o planejamento e aprimoramento das políticas públicas de saúde, especialmente no contexto hospitalar. Além disso, os resultados podem apoiar a gestão hospitalar na organização de fluxos, estratégias de atendimento e recursos assistenciais. 

5. RESULTADOS 

Os resultados desse estudo foram tabulados a partir de uma análise minuciosa dos dados de prontuários dos pacientes entre julho de 2024 e setembro de 2024 com HDA. Sendo essas informações transformadas em números e porcentagens para melhor elucidação do perfil epidemiológico deste hospital, levando em consideração sexo, idade, indicação médica, dose do medicamento. 

Foram incluídos 279 pacientes que deram entrada por hemorragia digestiva no Hospital Universitário de Goiânia – HUGO. Após aplicação dos critérios de exclusão devido a duplicações nos nomes de pacientes, havia 133 internados, então N=133 foi o valor utilizado para coleta de dados onde foram avaliados e estratificados pela sessao demográfica com a quantidade de pacientes masculinos e femininos. 

Tabela 1. Características sociodemográficas  e assistencial dos pacientes com hemorragia digestiva alta. 

Fonte: Dados coletados dos prontuários dos pacientes atendidos entre julho e dezembro de 2024, HUGO – Goiânia, GO. 

A tabela 1 foi subdivida em dois tipos de faixa etária descrevendo todos os pacientes que deram entrada do hospital. Dos paciente que tiveram hemorragia digestiva alta internados no hospital, o maior percentual foi em pacientes masculinos tanto com menos de 60 anos quanto com mais de 60 anos 

Durante a internação, foram analisados dois grupos específicos, sendo eles pacientes que foram diagnosticados por melena e pacientes que foram diagnosticados por hematemese. 

Tabela 2. Pacientes internados separados por manifestação, sendo ela melena ou hematemese. 

Fonte: Dados coletados dos prontuários dos pacientes atendidos entre julho e dezembro de 2024, HUGO – Goiânia, GO. 

  Segundo esse desfecho, entre os pacientes que estiveram internados e diagnosticados ou por Melena ou por Hematose, foi filtrado os pacientes que fizeram uso de medicações antitrombóticas como o uso de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes. 

Gráfico 1. Proporção de pacientes que fizeram uso de anticoagulantes ou antiagregantes 

Fonte: Dados coletados dos prontuários dos pacientes atendidos entre julho e dezembro de 2024, HUGO – Goiânia, GO. 

Do total de pacientes que fizeram uso de algum anticoagulante ou antiagregante plaquetário (n=27 20,30%), os medicamentos utilizados eram:  ácido acetilsalicílico (AAS), clopidogrel, varfarina e DOACs (anticoagulantes orais diretos). 

Todos os fármacos avaliados — AAS, Clopidogrel, DOAC e Varfarina — foram utilizados por pelo menos um dos pacientes analisados no estudo, como consta abaixo. 

Gráfico 2.  Distribuição do uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários entre os pacientes de acordo com o sexo. 

Fonte: Dados coletados dos prontuários dos pacientes atendidos entre julho e dezembro de 2024, HUGO – Goiânia, GO. 

Tabela 3. Frequência e percentual de uso de medicamentos por pacientes com hemorragia digestiva alta, segundo o sexo.  

Fonte: Dados coletados dos prontuários dos pacientes atendidos entre julho e dezembro de 2024, HUGO – Goiânia, GO. 

O AAS foi o fármaco mais utilizado em ambos os grupos, sendo utilizado por 50,0% das mulheres (n=7) e por 76,92% dos homens (n=10). O clopidogrel foi utilizado por 35,71% das mulheres (n=5) e 23,07% dos homens (n=3). Já os anticoagulantes orais diretos (DOACs) foram utilizados por 35,71% das mulheres (n=5) e por 14,28% dos homens (n=2). A varfarina apresentou menor frequência, sendo utilizada por  0% das mulheres (n=0) e 14,28% dos homens (n=2).  

Ademais, todos esses n=27 pacientes internados, diagnosticados com melena ou hematemese, que faziam ou fizeram uso de algum tipo de medicação, anticoagulante ou antiagregante, tinham algum tipo de comorbidade.  

Tabela 4. Estratificação de dados  

  Fonte: Dados coletados dos prontuários dos pacientes atendidos entre julho e dezembro de 2024, HUGO – Goiânia, GO. 

A mortalidade geral observada entre os pacientes foi de n=14 óbitos (10,5%). Entre os pacientes que utilizavam medicações antitrombóticas, ocorreram 3 óbitos (11% do grupo), enquanto entre os pacientes que não fizeram uso das medicações antitrombóticas o resultado foi de 20 óbitos (18,86% do grupo). Ao estabelecer admissão em UTI como critério de gravidade, verificou-se a presença de 2 internações em leito de UTI no grupo de pacientes que utilizavam medicações antitrombóticas (7,4%% do grupo), todavia, entre os pacientes que não fizeram uso das medicações antitrombóticas o resultado foi de 12 admissões em leitos de UTI óbitos (9,02% do grupo)  

Tabela 5. Óbito x Alta segundo uso de medicação 

Fonte: Dados coletados dos prontuários dos pacientes atendidos entre julho e dezembro de 2024, HUGO – Goiânia, GO. 

6. DISCUSSÃO 

Apesar da taxa de mortalidade de 11,1% entre os usuários de medicação estar dentro da faixa descrita na literatura internacional para HDA, o dado reforça a necessidade de vigilância clínica intensiva nesse subgrupo de pacientes, sobretudo considerando que um dos casos necessitou de internação em unidade de terapia intensiva (UTI). 

Observou-se que a taxa de alta hospitalar foi inferior entre os pacientes que não faziam uso de terapia antitrombótica, resultado considerado inicialmente inesperado. No entanto, tal achado pode ser explicado pela elevada prevalência de indivíduos com doença hepática crônica nesta população. Devido à condição clínica subjacente e ao histórico frequente de hemorragia digestiva alta, esses pacientes, em geral, não recebem prescrição de agentes antitrombóticos, o que pode ter influenciado os desfechos observados13

Esses achados reforçam a necessidade de uma abordagem clínica individualizada, considerando o histórico farmacológico do paciente, mas também sua condição geral, a etiologia do sangramento e a necessidade de suporte intensivo. A presença de tratamento antitrombótico deve ser vista como um fator relevante, mas não isoladamente determinante para o desfecho13

A endoscopia digestiva alta (EDA) identifica lesões estruturais (como úlceras pépticas, eosfagites, varizes esofágicas), que representam um possível foco de sangramento, levando a uma HDA. Dessa forma, algo que pode estar relacionado aos anticoagulantes e antiagregantes, nesses casos, é de potencializar a gravidade da hemorragia em contextos de lesão prévia, mas não de constituir, por si só, um achado endoscópico característico. Sendo assim, não se pode estabelecer relação causal entre o uso de anticoagulantes/antiagregantes e a ocorrência da hemorragia, embora esses fármacos possam atuar como fatores agravantes em contextos de lesão prévia. 

 No contexto atual da medicina, o manejo da HDA é complexo, especialmente em pacientes que fazem uso de terapias antitrombóticas, como antiagregantes plaquetários e anticoagulantes orais. Essas medicações, embora cruciais na prevenção e tratamento de eventos tromboembólicos, inerentemente aumentam o risco de sangramento, um dilema clínico que exige uma abordagem equilibrada e individualizada1. 

Um dos achados centrais deste estudo foi a identificação de 27 pacientes (equivalente a 20,30% da amostra final de 133 participantes) que faziam uso de alguma medicação antiagregante ou anticoagulante no momento da admissão por HDA. Este dado é de extrema importância, pois reflete a crescente utilização dessas terapias na população geral, impulsionada pelo envelhecimento populacional e pelo aumento da prevalência de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares que demandam profilaxia antitrombótica15

A prevalência observada neste estudo está em consonância com a literatura internacional, que aponta uma taxa considerável de pacientes com HDA em uso dessas medicações, variando entre 10% e 30% dependendo da coorte e da região estudada16. A análise detalhada dos tipos de medicamentos utilizados revelou a presença de ácido acetilsalicílico (AAS), clopidogrel, anticoagulantes orais diretos (DOACs) e varfarina. A prevalência do AAS como o fármaco mais utilizado em ambos os sexos (50,0% das mulheres e 76,92% dos homens) é um reflexo de sua ampla indicação na prevenção primária e secundária de eventos cardiovasculares, sendo um medicamento de baixo custo e fácil acesso17

Os DOACs, por sua vez, têm ganhado destaque devido à sua maior estabilidade como anticoagulante e menor risco de hemorragia intracraniana em comparação com a varfarina. A presença de varfarina, embora em menor frequência, indica que esta ainda é uma opção terapêutica relevante, especialmente em cenários específicos ou em pacientes já estabilizados com o fármaco. A compreensão da prevalência de cada classe e medicamento é fundamental para o planejamento de estratégias de prevenção e manejo da HDA em pacientes sob terapia antitrombótica. 

O perfil sociodemográfico dos pacientes com HDA em uso de antiagregantes e anticoagulantes no HUGO revelou uma maior prevalência em indivíduos com idade superior a 60 anos. Este achado é consistente com a epidemiologia da HDA, que tende a afetar predominantemente indivíduos mais velhos, nos quais a prevalência de comorbidades crônicas e a necessidade de polifarmácia são maiores5. O envelhecimento é um fator de risco independente para sangramento gastrointestinal, e a combinação de idade avançada com o uso de antitrombóticos potencializa esse risco7

Embora alguns estudos sugiram diferenças de gênero na apresentação e nos desfechos da HDA, os dados indicam que, nesta coorte específica, o sexo por si só não foi um fator determinante para a evolução clínica, o que pode ser atribuído à complexidade multifatorial da HDA e à influência de outras variáveis, como as comorbidades e o tipo de medicação utilizada4.5

A Tabela 1, que detalha a distribuição por faixa etária e sexo, mostra uma maior proporção de homens na amostra (93 homens vs. 40 mulheres), um padrão que pode refletir a demografia da população atendida no HUGO ou a maior incidência de certas condições subjacentes em homens que requerem terapia antitrombótica 19

A análise das comorbidades é crucial para entender o perfil de risco dos pacientes com HDA. A categorização das comorbidades revelou a predominância de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), coronariopatias e Diabetes Mellitus (DM) entre os pacientes. A HAS é uma das comorbidades mais prevalentes em pacientes com HDA, e sua presença pode estar associada a um maior risco de sangramento devido a alterações vasculares e à necessidade de uso de medicações que podem contribuir para hemorragias gastrointestinais19

Da mesma forma, a DM é um fator de risco conhecido para complicações micro e macrovasculares, que frequentemente exigem terapias antitrombóticas, aumentando a suscetibilidade a eventos hemorrágicos14.  

A complexidade da Hemorragia Digestiva Alta (HDA) em pacientes que utilizam terapias antitrombóticas é significativamente ampliada pela elevada prevalência de comorbidades. A estratificação dessas comorbidades mostrou que a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), coronariopatias e o Diabetes Mellitus (DM) foram as mais prevalentes. 

A análise das comorbidades associadas aos pacientes internados por HDA em uso de terapia antitrombótica evidencia um perfil clínico complexo e multifatorial. A predominância de hipertensão arterial sistêmica (HAS), infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) e diabetes mellitus (DM2) entre os indivíduos reflete a interseção entre doenças cardiovasculares (microvascular e macrovascular) e a necessidade de anticoagulação ou antiagregação como medida preventiva. 

Essas condições, são mais evidentes na população idosa e configuram fatores de risco não apenas para eventos tromboembólicos, mas também para complicações hemorrágicas, uma vez que a utilização dessas medicações potencializa a gravidade do sangramento gastrointestinal. A coexistência/duplicidade de múltiplas comorbidades em alguns pacientes reforça o impacto da polifarmácia e da fragilidade clínica sobre os desfechos observados. 

Outro ponto relevante é a presença expressiva de cardiopatias estruturais e arritmias, como fibrilação atrial, e coronariopatias (DAC/IAM), que justificam o uso frequente de antitrombóticos nessa população. Tais condições, ao mesmo tempo em que demandam intervenção farmacológica contínua, contribuem para um cenário de vulnerabilidade, no qual o risco de trombose compete com o risco de sangramento.  

Esses achados corroboram a literatura que aponta as comorbidades cardiovasculares e metabólicas como determinantes do prognóstico em HDA, evidenciando que a interação entre fragilidade clínica, uso de terapia antitrombótica e presença de múltiplos agravos é decisiva para a evolução hospitalar. 

A mortalidade geral de 3 óbitos (10,3%) entre os pacientes que utilizaram antiagregantes ou anticoagulantes é um dado que merece atenção. Embora o número absoluto seja pequeno, a taxa percentual é relevante e está dentro da faixa de mortalidade reportada para HDA em pacientes sob terapia antitrombótica, que pode variar de 5% a 15% dependendo da gravidade do sangramento e das comorbidades associadas22

7. CONCLUSÃO 

Em suma, este estudo no HUGO reitera a prevalência do uso de antiagregantes plaquetários e anticoagulantes orais em pacientes com hemorragia digestiva alta, destacando o perfil demográfico e de comorbidades associado a essa condição. Os resultados obtidos são consistentes com a literatura global, mas fornecem dados específicos e valiosos para o contexto local do HUGO. 

A complexidade do manejo desses pacientes, que frequentemente apresentam múltiplas comorbidades e um delicado equilíbrio entre risco trombótico e hemorrágico, é evidente. Os achados reforçam a necessidade de uma abordagem clínica individualizada, considerando não apenas o histórico farmacológico do paciente, mas também sua condição geral, a etiologia do sangramento e a necessidade de suporte intensivo. 

A presença de tratamento antitrombótico deve ser vista como um fator relevante na avaliação de risco, mas não isoladamente determinante para o desfecho. Futuras pesquisas poderiam explorar a relação entre doses específicas dos medicamentos, combinações de terapias antitrombóticas e o risco de HDA, bem como a eficácia de protocolos de reversão da anticoagulação ou antiagregação no contexto de sangramento agudo. Além disso, estudos multicêntricos e com amostras maiores poderiam fornecer uma visão mais abrangente da prevalência e dos desfechos em diferentes hospitais de urgência, contribuindo para aprimorar as diretrizes clínicas e a segurança do paciente. 

Portanto, a análise integrada entre uso medicamentoso, internação e evolução clínica aponta para a importância de uma vigilância contínua e uma estratificação de risco criteriosa, especialmente em pacientes com sangramento digestivo e uso crônico de fármacos com potencial para alterar a coagulação. 

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