OCCURRENCE AND RISK FACTORS ASSOCIATED WITH FECAL AND ANAL INCONTINENCE IN WOMEN WHO PRACTICE CROSSFIT®
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10936453
Leno Da Silva Martins1
Patrícia Lima Ventura, Dra.2
RESUMO
O assoalho pélvico desempenha funções críticas no corpo, incluindo a manutenção da continência, a sustentação de órgãos pélvicos e um papel durante a atividade sexual. A prática de atividades físicas de alta intensidade, como o CrossFit®, pode exercer uma sobrecarga significativa nesses músculos, levando a compensações musculares que, potencialmente, se tornam fatores de risco para a incontinência fecal (IF) e anal (IA). Este estudo objetiva investigar a ocorrência e os fatores de risco associados à IF e IA em mulheres praticantes de CrossFit®. Conduziu-se um estudo quantitativo em Teresina, Piauí, aplicando questionários a 109 mulheres praticantes de CrossFit® para avaliar a ocorrência de IF e IA. A ocorrência de IF foi de 11,01% (12/109; IC 95% 6,41 a 18,26), enquanto a de IA foi de 48,62% (53/109; IC 95% 39,45 a 57,89). Adicionalmente, foi observada a concomitância de IF e IA em 10,09% dos casos (11/109; IC 95% 4,44 a 15,75). As mulheres com IF tiveram uma idade média de 31,58 anos e com IA, de 28,91 anos. Além disso, para cada ano adicional de idade, o risco de IF aumenta em 15,6% (β = 0,156; p = 0,004), e o risco de IA em 15,1% (β = 0,151; p = < 0,001). Além disso, foi detectado que presença de IA aumentou o risco de IF em 14,4 vezes (OR = 14,40; p = 0,002), treinar de 3 a 4 vezes por semana foi associado a um risco significativamente maior de IF (OR = 9,70; p = 0,001) e IA (OR = 2,21; p = 0,047) e o histórico de cirurgia no assoalho pélvico também foi identificado como um fator de risco significativo tanto para IF (OR = 15,17; p = 0,000) quanto para IA (OR = 14,40; p = 0,002). Os achados enfatizam a necessidade de conscientização sobre os riscos associados ao CrossFit® e a importância de estratégias preventivas e terapêuticas, considerando os impactos tanto físicos quanto emocionais na qualidade de vida das praticantes.
Palavras-chave: Exercícios de Alta Intensidade; Impacto da Idade; Qualidade de vida; Disfunção Assoalho Pélvico.
ABSTRACT
The pelvic floor performs critical functions in the body, including maintaining continence, supporting pelvic organs, and a role during sexual activity. Practicing high-intensity physical activities, such as CrossFit®, can exert significant overload on these muscles, leading to muscular compensations that potentially become risk factors for fecal (FI) and anal (AI) incontinence. This study aims to investigate the occurrence and risk factors associated with FI and AI in women practicing CrossFit®. A quantitative study was conducted in Teresina, Piauí, applying questionnaires to 109 women practicing CrossFit® to assess the occurrence of FI and AI. The occurrence of FI was 11.01% (12/109; 95% CI 6.41 to 18.26), while the occurrence of AI was 48.62% (53/109; 95% CI 39.45 to 57 .89). Additionally, the concomitance of FI and IA was observed in 10.09% of cases (11/109; 95% CI 4.44 to 15.75). Women with FI had a mean age of 31.58 years and with AI, 28.91 years. Furthermore, for each additional year of age, the risk of FI increases by 15.6% (β = 0.156; p = 0.004), and the risk of AI by 15.1% (β = 0.151; p = < 0.001) . Furthermore, it was detected that the presence of AI increased the risk of FI by 14.4 times (OR = 14.40; p = 0.002), training 3 to 4 times a week was associated with a significantly higher risk of FI (OR = 9.70; p = 0.001) and FI (OR = 2.21; p = 0.047) and a history of pelvic floor surgery was also identified as a significant risk factor for both FI (OR = 15.17; p = 0.000) and for AI (OR = 14.40; p = 0.002). The findings emphasize the need to raise awareness about the risks associated with CrossFit® and the importance of preventive and therapeutic strategies, considering both the physical and emotional impacts on the quality of life of practitioners.
Keywords: High Intensity Exercises; Impact of Age; Quality of life; Pelvic Floor Dysfunction.
1. INTRODUÇÃO
A prevalência de incontinência fecal (IF) e anal (IA) em mulheres praticantes de CrossFit® constitui um tópico de investigação emergente na interface da saúde e do esporte, realçando a necessidade de compreender os impactos desta prática intensiva sobre o assoalho pélvico feminino. O CrossFit®, um regime de treinamento caracterizado pela sua intensidade e variedade, envolve uma série de exercícios que podem exercer pressão significativa sobre o assoalho pélvico, potencializando o risco de disfunções como a IF e IA. Esta preocupação é sustentada por evidências que apontam para uma incidência notável de disfunções do assoalho pélvico em praticantes femininas, desencadeadas pelos regimes de alta intensidade característicos do CrossFit® (Claudino, 2018; Souza; Siqueira, 2017).
A incontinência fecal é a incapacidade de controlar a evacuação, levando à perda involuntária de fezes líquidas ou sólidas e a incontinência anal, inclui a incapacidade de reter gases, e afeta significativamente a qualidade de vida. As causas são diversas, envolvendo danos ou disfunções nos músculos do esfíncter anal, alterações na função de armazenamento ou sensibilidade do reto, e fatores neurológicos que afetam o controle intestinal (Rao, 2004; Jorge; Wexner, 1993).
A complexidade do assoalho pélvico, composto por músculos, ligamentos e tecidos conectivos, desempenha um papel vital na manutenção da continência fecal e urinária, bem como no suporte dos órgãos pélvicos. No entanto, a prática do CrossFit®, especialmente sem a devida atenção à técnica e ao condicionamento específico do assoalho pélvico, pode levar a um aumento da pressão intra-abdominal, comprometendo essas estruturas e funções essenciais (Bo, 2020).
Investigações recentes evidenciam a prevalência de IF e IA entre mulheres que praticam CrossFit®, com estudos apontando para uma correlação entre a frequência e a intensidade dos treinos e o surgimento dessas condições (Pisani; Sato; Carvalho, 2020; Bo, 2020; Fontenele et al., 2018). Além disso, a idade é um fator importante na predisposição à IF e IA, em praticantes de CrossFit com idades mais avançadas (Silva; Silva; Furlanetto, 2021).
Este cenário sublinha a importância de uma abordagem multidisciplinar para o manejo e prevenção das disfunções do assoalho pélvico em praticantes de CrossFit®, englobando não apenas o treinamento adequado e a conscientização sobre os riscos associados, mas também a implementação de estratégias específicas de fortalecimento do assoalho pélvico (Mazur-Biały et al., 2020).
A pesquisa atual, focada na relação entre a prática de CrossFit® e a incidência de IF e IA em mulheres, busca preencher lacunas no conhecimento existente, oferecendo percepções valiosas para o desenvolvimento de práticas mais seguras e informadas (Prado, 2022). Nesse sentido, o objetivo do presente estudo é avaliar a ocorrência e os principais fatores de risco associados à IF e IA em mulheres praticantes de CrossFit®.
2. METODOLOGIA
2.1 Desenho e Abordagem do Estudo
Este estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa transversal, adotando um caráter exploratório e uma abordagem quantitativa. Os dados foram coletados através de questionários, visando investigar a prevalência de sintomas de IF e IA em mulheres que praticam atividades físicas de alta intensidade, especificamente o CrossFit®, na cidade de Teresina-PI. A população alvo consistiu em mulheres praticantes de CrossFit®, selecionadas por meio da técnica de amostragem “bola de neve”, conforme proposto por Bernard (2005). Esta metodologia é especialmente adequada para acessar populações de difícil alcance ou de tamanho incerto. Para inclusão no estudo, as participantes precisavam ser atletas do sexo feminino, com idade superior a 18 anos, praticantes de CrossFit® há pelo menos um mês, e concordarem em participar da pesquisa. Foram excluídas do estudo aquelas com idade superior a 45 anos, que haviam se submetido a qualquer tipo de cirurgia pélvica, ou que não praticavam CrossFit® regularmente.
2.2 Recrutamento e Coleta de Dados
O recrutamento das participantes ocorreu de forma virtual, utilizando-se e-mails e redes sociais, como WhatsApp, para a divulgação. Um questionário, previamente elaborado pelos pesquisadores e contendo questões sobre dados sociodemográficos, antropométricos, morbidades associadas, histórico de saúde, características da prática de exercícios físicos, e sintomas urinários e fecais relacionados ao exercício, foi aplicado. Além disso, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi disponibilizado junto ao questionário, assegurando às participantes o direito ao sigilo das informações e à privacidade. Os links para o acesso ao TCLE foram enviados por e-mail, e um prazo de 15 dias foi dado para a devolução dos questionários preenchidos, seguido de uma segunda tentativa de contato, se necessário.
2.3 Análise Estatística
Os dados sobre a ocorrência de incontinência urinária (IF) e incontinência anal (IA) em praticantes de CrossFit® foram analisados utilizando várias técnicas estatísticas. O Teste U de Mann-Whitney comparou idades entre indivíduos com e sem incontinência, tratando a idade como variável contínua. A análise de como a idade afeta a ocorrência de IF e IA, foi realizada pela regressão. Para identificar fatores de risco, foi empregado o teste de associação Chi-quadrado – Mantel-Haenszel e os Odds Ratio com seus intervalos de confiança de 95%. Análises descritivas também foram realizadas. Foram considerados intervalos de confiança de 95% e um valor de p < 0,05 foi considerado significativo. As estatísticas e a elaboração gráfica foram realizadas com o auxílio dos softwares Microsoft Excel, Epiinfo™ (Versão 7.2.6.0) e GraphPad Prism.
2.4 Considerações Éticas
Este estudo foi conduzido em conformidade com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016), que regulam pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil. A pesquisa recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Santo Agostinho (CEP/UNIFSA) número: 6.654.125, garantindo a observância aos princípios éticos.
3. RESULTADOS
O total de dados de 109 mulheres de 11 academias com box de CrossFit®, da cidade de Teresina – PI, foram coletados. revelou dados importantes sobre a incidência de IF e IA entre praticantes femininas dessa modalidade. Os resultados enfocam a relação entre idade e incontinência, bem como outros fatores de risco associados.
Os resultados revelaram uma ocorrência de 11,01% (12/109; IC 95% 6,41 a 18,26) de IF e de 48,62% (53/109; IC 95% 39,45 a 57,89) para incontinência anal. Um achado notável é que 10,09% (11/109; IC 95% 4,44% a 15,75) das mulheres apresentaram ambas as condições, ou seja, IF e IA concomitantes, com um intervalo de confiança de 95% de 4,44% a 15,75% (Tabela 1).
Tabela 1. Ocorrência de incontinência fecal e anal (IF e IA) em mulheres praticantes de crossfit.
Variável | % (n/Total) | IC 95% |
Incontinência Fecal | 11,01% (12/109) | 6,41 – 18,26 |
Incontinência Anal | 48,62% (53/109) | 39,45 – 57,89 |
Concomitantes (Anal e fecal) | 10,09% (11/109) | 4,44 – 15,75 |
A idade média das mulheres que relataram IF foi de 31,58 anos, enquanto aquelas com IA tinham uma idade média de 28,91 anos (Figura 1). A análise pelo Teste U de Mann-Whitney indicou diferenças estatísticas significativas nas idades entre as mulheres com essas condições em comparação à população geral de praticantes, com valores de p significativos (0,0075 para IF e 0,0004 para incontinência anal). Esses resultados apontam para uma correlação entre a faixa etária e o risco de incontinência, ressaltando a necessidade de abordagens preventivas e terapêuticas direcionadas.
Figura 1. Ocorrências de Incontinências Fecal e Anal em mulheres praticantes de CrossFit®.
*p<0,05: Teste U de Mann-Whitney; “+”: média. [Box plot mínimo-máximo].
A idade foi identificada como um fator de risco significativo para a IF e anal nessa população (Tabela 2). Para cada ano adicional de idade, o risco de IF aumentou em 15,6% (coeficiente = 0,156, p = 0,0042, IC 95% = 0,049 – 0,263), enquanto o risco de IA aumentou em 15,1% (coeficiente = 0,151, p = 0,0005, IC 95% = 0,066 – 0,236).
Tabela 2. Regressão logística de incontinência fecal e anal, em função da idade das praticantes de crossfit
Condição | Coeficiente Idade | Valor-p | IC 95% | Pseudo R² |
Incontinência Fecal | 0,156 | 0,0042 | 0,049 – 0,263 | 0,117 |
Incontinência Anal | 0,151 | 0,0005 | 0,066 – 0,236 | 0,100 |
Os dados referentes à prática de Crossfit (Figura 2) revelaram que em relação à frequência semanal de treinos, a maioria das participantes, 43 (39,4%), realizava de 3 a 4 sessões por semana. Um total de 27 (24,8%) praticantes treinava de 1 a 2 vezes por semana e 39 (35 %) participantes relataram treinar 5 vezes ou mais semanalmente. No que diz respeito à duração média das sessões de treino, 51 participantes (46,8%) relataram sessões entre 1 e 2 horas, enquanto 57 (52,3%) praticavam por até 1 hora. Apenas 1 participante (0,9%) realizava sessões com duração de 3 horas ou mais. Notavelmente, a grande maioria das participantes, 106 (97,2%), realizava exercícios de alto impacto durante os treinos de CrossFit®, enquanto apenas 3 (2,8%) não realizavam esse tipo de exercício.
Durante a prática de Crossfit, a IF foi relatada por 37 (33,9%) participantes, sendo relatada durante o uso dos equipamentos: Double under (33%), Single under (21%), Box Jump (23%), Wall ball (13%) e Overhead squat, Front squat, Back squat e Medicine ball clean com 3% dos relatos. A IA foi relatada por duas participantes (1,8%), sendo citados os equipamentos Box Jump, Medicine ball clean, Overhead squat, Front squat e Double under.
Figura 2. Características da Prática de CrossFit® entre as Participantes:
Foram detectados importantes fatores de risco para IF e IA associados às variáveis (Tabelas 3 e 4). Há uma forte associação entre a IA e a incontinência fecal. Mulheres com IA apresentaram um risco 14,4 vezes maior de ter IF (OR = 14,40, IC 95% = 1,79 – 116,01, p = 0,002). Além disso, 91,67% (11/12) das mulheres com IF também relataram incontinência anal. Durante a prática de CrossFit, 100% (2/2) das mulheres com IF e 21,62% (8/37) das mulheres com IA relataram episódios de incontinência, sugerindo que os movimentos intensos e o aumento da pressão intra-abdominal durante os exercícios podem desempenhar um papel significativo no desencadeamento da incontinência.
Em relação à frequência de treino semanal, uma frequência de 3 a 4 vezes por semana foi associada a um risco 9,7 vezes maior de IF (OR = 9,70, IC 95% = 2,00 – 46,85, p = 0,001) e 2,21 vezes maior de IA (OR = 2,21, IC 95% = 1,00 – 4,84, p = 0,047) em comparação com as outras frequências. Surpreendentemente, uma frequência de treino de 5 vezes ou mais por semana não apresentou risco aumentado de IF (OR = 0,00, p = 0,006) e, na verdade, mostrou um efeito protetor contra a IA (OR = 0,38, IC 95% = 0,16 – 0,85, p = 0,018) (Araújo et al., 2020). Esses resultados sugerem que uma prática moderada de CrossFit pode ser mais prejudicial do que uma prática mais intensa, possivelmente devido a uma melhor condição física e fortalecimento do assoalho pélvico nas praticantes mais dedicadas.
O histórico de cirurgia no assoalho pélvico foi identificado como um fator de risco significativo tanto para a IF (OR = 15,17, IC 95% = 3,74 – 61,58, p = 0,000) quanto para a IA (OR = 14,40, IC 95% = 1,79 – 116,02, p = 0,002).
Tabela 3. Fatores de risco associados à incontinência fecal em mulheres praticantes de Crosfit.
Variável* | % (n/total) | Valor-p | OR | IC 95% |
Incontinência Fecal | ||||
Incontinência anal | 91,67% (11/12) | 0,002 | 14,40 | 1,79 – 116,01 |
Treino: 3 a 4 vezes/sem. | 23,26% (10/43) | 0,001 | 9,70 | 2,00 – 46,85 |
Treino: > 5 vezes/sem. | 0% (0/39) | 0,006 | 0,00 | – |
Horas por sessão: ≤ 1h | 5,26% (3/57) | 0,046 | 0,27 | 0,07 – 1,04 |
Horas por sessão: > 3h | 100,00% (1/1) | 0,004 | – | – |
Freq. IA: Nunca | 1,85% (1/54) | 0,003 | 0,08 | 0,01 – 0,61 |
Freq. IA: Mensal | 60,00% (3/5) | < 0,001 | 15,83 | 2,33 – 107,50 |
Freq. IA: Sem. | 100,00% (2/2) | < 0,001 | – | – |
IF durante CrossFit | 100,00% (2/2) | < 0,001 | – | – |
IA durante CrossFit | 21,62% (8/37) | 0,012 | 4,69 | 1,31 – 16,81 |
CrossFit contribui | 23,53% (8/34) | 0,005 | 5,46 | 1,52 – 19,68 |
Impacto na qualidade de vida | 34,78% (8/23) | < 0,001 | 10,58 | 2,84 – 44,90 |
Cirurgia no assoalho pélvico. | 50,00% (6/12) | < 0,001 | 15,17 | 3,74 – 61,58 |
*IF: Incontinência fecal; IA: incontinência anal; Freq.: frequência; sem.: semanal
Tabela 4. Fatores de risco associados à incontinência anal em mulheres praticantes de Crosfit.
Variável* | % (n/total) | Valor-p | OR | IC 95% |
Incontinência Anal | ||||
Incontinência fecal | 91,67% (11/12) | 0,002 | 14,40 | 1,70 – 116,01 |
Treino: 3 a 4 vezes/sem. | 60,47% (26/43) | 0,047 | 2,21 | 1,00 – 4,84 |
Treino: > 5 vezes/sem. | 33,33% (13/39) | 0,018 | 0,38 | 0,16 – 0,85 |
Freq. IF: Nunca | 44,33% (43/97) | 0,011 | 0,16 | 0,03 – 0,77 |
Freq. IF: Raramente | 90,91% (10/11) | 0,003 | 12,79 | 1,58 – 103,82 |
CrossFit não contribui | 20,31% (13/64) | < 0,001 | 0,03 | 0,01 – 0,10 |
Impacto na qualidade de vida | 95,65% (22/23) | < 0,001 | 39,03 | 5,02 – 303,75 |
Cirurgia no assoalho pélvico. | 20,75% (11/53) | 0,002 | 14,40 | 1,79 – 116,02 |
*IF: Incontinência fecal; IA: incontinência anal; Freq.: frequência
4. DISCUSSÃO
Os resultados da pesquisa revelam uma alta prevalência de IA e fecal em mulheres praticantes de CrossFit, com 48,62% relatando IA e 11,01% incontinência fecal. Notavelmente, 10,09% apresentaram ambas as condições concomitantes (Tabela 1). Esses dados alarmantes estão alinhados com estudos anteriores que identificaram a prática de CrossFit, caracterizada por exercícios de alto impacto e aumento da pressão intra-abdominal, como um fator contribuinte para essas condições (Araújo et al., 2020; Pisani Sato & Carvalho, 2020).
Esta pesquisa ressaltou que a idade é um fator de risco para IF e IA nas mulheres de 18 a 45 anos, com um aumento no risco de 15,6% para IF e 15,1% para anal por cada ano adicional de idade (Tabela 2). Esses achados contestam a ideia de que essas condições são prevalentes somente em mulheres de idades mais avançadas, indicando a necessidade de estratégias preventivas para todas as idades, conforme apontado por Mazur-Biały et al. (2020). As causas incluem danos nos músculos esfíncteres e assoalho pélvico, bem como alterações neurológicas, comuns com o envelhecimento, mas que podem iniciar cedo, segundo Mazur-Biały et al. (2020) e Makol; Grover; Whitehead (2008). Fatores como gravidez, parto e exercícios intensos como CrossFit, que aumentam a pressão intra-abdominal, podem acelerar o enfraquecimento desses músculos, aumentando o risco de incontinência em jovens (Dudding et al., 2008; Araújo et al., 2020; Pisani Sato & Carvalho, 2020). O estudo ressalta a importância de abordagens preventivas e terapêuticas adaptadas, incluindo treinamento dos músculos do assoalho pélvico desde cedo, para manter a função pélvica e prevenir a incontinência, considerando idade e outros fatores de risco (Mazur-Biały et al., 2020).
A forte associação entre IA e fecal, com mulheres com IA apresentando um risco 14,4 vezes maior de incontinência fecal, sublinha a complexa interconexão dessas condições, destacando que 91,67% das mulheres com IF também relataram incontinência anal, evidenciando a estreita relação entre essas duas condições (Tabelas 3 e 4). Vitton et al. (2011) relatam que a IF raramente ocorre isoladamente, geralmente acompanhada de outros sintomas de disfunção do assoalho pélvico, como a incontinência anal. Além disso, os movimentos intensos e o aumento da pressão intra-abdominal podem ser fatores desencadeantes para essas incontinências (Araújo et al., 2020; Pisani Sato & Carvalho, 2020). Essa interdependência reforça a necessidade de uma abordagem integrada de avaliação e tratamento, considerando a conexão complexa entre essas condições ao abordar pacientes com queixas de incontinência.
Surpreendentemente, os resultados deste estudo mostraram que treinar de 3 a 4 vezes por semana está associado a um aumento significativo no risco de incontinência fecal (OR = 9,70) e incontinência urinária (OR = 2,21), em comparação com outras frequências de treino. Contudo, uma frequência de treinos de 5 vezes ou mais por semana não apenas evitou o aumento do risco de incontinência fecal, mas também, demonstrou ter um efeito protetor contra a incontinência anal (OR = 0,38), conforme indicado nas Tabelas 3 e 4. Essa descoberta sugere uma narrativa complexa sobre a relação entre frequência de treino e saúde do assoalho pélvico. Esses resultados parecem contraditórios à primeira vista, mas podem ser explicados pelas observações de Araújo et al. (2020) e Pisani Sato e Carvalho (2020). Esses autores apontam que, embora a prática de CrossFit, com seus exercícios de alto impacto e aumento da pressão intra-abdominal, possa contribuir para a prevalência de incontinência, a atividade física intensa também pode fortalecer os músculos do assoalho pélvico, oferecendo proteção.
Portanto, uma frequência moderada de treino (3 a 4 vezes por semana) pode não ser suficiente para desenvolver a força e resistência muscular necessárias para contrabalancear os efeitos negativos dos exercícios de alto impacto sobre o assoalho pélvico. Por outro lado, uma prática mais intensa (5 vezes ou mais por semana) pode resultar em um melhor condicionamento e fortalecimento desses músculos, conferindo um efeito protetor contra a incontinência anal. Mazur-Biały et al. (2020) e Makol; Grover; Whitehead (2008) reforçam que o treinamento dos músculos do assoalho pélvico é uma estratégia eficaz na prevenção e tratamento da incontinência, melhorando significativamente a qualidade de vida. Assim, é plausível que as praticantes mais dedicadas de CrossFit possam estar desenvolvendo essa musculatura protetora por meio de seus regimes de treinamento intensivos. Portanto, os achados do presente estudo, combinados com as observações de Araújo et al. (2020), indicam que a frequência e intensidade dos exercícios desempenham um papel complexo na modulação dos riscos e benefícios para a saúde do assoalho pélvico em praticantes de CrossFit.
O histórico de cirurgia no assoalho pélvico emergiu como um fator de risco significativo para ambas as condições, conforme observado por Dudding et al. (2008). Esses autores apontam que o dano esfincteriano obstétrico é uma causa comum de IF em mulheres, com uma incidência verdadeira provável de aproximadamente 11% das mulheres pós-parto. Isso sugere que procedimentos cirúrgicos na região pélvica podem enfraquecer ou danificar os músculos do assoalho pélvico, elevando a susceptibilidade à incontinência. Portanto, o achado do presente estudo de que mulheres com histórico de cirurgia no assoalho pélvico apresentaram risco significativamente maior de IF (OR = 15,17) e IA (OR = 14,40) está alinhado com as observações previamente reportadas por Dudding et al. (2008) sobre o potencial impacto negativo de intervenções cirúrgicas nessa região.
Notavelmente, dentre as mulheres com IF, (100%) relataram IF e 21,62% relataram episódios de IA durante a prática de CrossFit (Tabela 3). Essa evidência reforça o papel dos exercícios intensos e do aumento da pressão intra-abdominal como fatores desencadeantes, conforme sugerido por Araújo et al. (2020) e Pisani; Carvalho (2020).
Diante desses achados alarmantes, é crucial que a comunidade de CrossFit e os profissionais de saúde colaborem para fornecer suporte, recursos educacionais e acesso a intervenções eficazes, como o treinamento dos músculos do assoalho pélvico (TMAP). Estudos demonstraram que o TMAP é eficaz na prevenção e tratamento da incontinência, melhorando significativamente a qualidade de vida (Mazur-Biały et al., 2020; Makol; Grover; Whitehead, 2008). A conscientização sobre os riscos, a adoção de medidas preventivas, como o PFMT, e a busca precoce por tratamento podem minimizar o impacto devastador da incontinência na saúde e qualidade de vida dessas atletas (Vitton et al., 2011; Makol; Grover; Whitehead, 2008).
5. CONCLUSÃO
A pesquisa sobre a incidência de IF e IA entre mulheres praticantes de CrossFit® em Teresina-PI forneceu importantes percepções sobre a correlação entre a prática intensiva desta modalidade esportiva e o aumento do risco de tais condições. Os resultados indicam que a idade é um preditor importante de incontinência, com um aumento estatístico na probabilidade de desenvolvimento da condição a cada ano adicional de idade. Além disso, a prevalência de IA (48,62%) foi notavelmente superior à de IF (11,01%), destacando a necessidade de uma maior conscientização e de medidas preventivas específicas para essa população.
Fatores adicionais, como a frequência de treinos, a ocorrência de incontinência durante os exercícios e um histórico de cirurgia pélvica, também foram identificados como contribuintes significativos para o risco de incontinência, ressaltando a complexidade do impacto físico do CrossFit®. Essas descobertas sugerem a importância de abordagens preventivas e terapêuticas direcionadas, que considerem tanto os fatores físicos quanto emocionais, para melhorar a qualidade de vida das praticantes afetadas.
Em síntese, este estudo enfatiza a necessidade de uma maior atenção aos riscos associados à prática de CrossFit®, especialmente entre as mulheres, e a importância de estratégias integradas que abordem tanto a prevenção quanto o manejo da IF e IA visando um equilíbrio entre os benefícios do exercício e a preservação da saúde e bem-estar das atletas. Sendo assim, há a necessidade de propor ações de conscientização sobre os riscos associados ao CrossFit® e a importância de estratégias preventivas e terapêuticas, considerando os impactos tanto físicos quanto emocionais na qualidade de vida das praticantes.
6. REFERÊNCIAS
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1ORCID: https://orcid.org/0009-0001-1340-6304
Centro Universitário Santo Agostinho, Brasil
2ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8920-2877
Centro Universitário Santo Agostinho, Brasil