A PERSPECTIVA DO ENFERMEIRO NO ACOLHIMENTO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA SOBRE OS DESAFIOS PARA A HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO

THE NURSE’S PERSPECTIVE ON RECEPTION: AN INTEGRATIVE REVIEW OF THE CHALLENGES FOR HUMANIZING CARE

LA PERSPECTIVA DEL ENFERMERO EN LA ACOGIDA: UNA REVISIÓN INTEGRATIVA SOBRE LOS DESAFÍOS PARA LA HUMANIZACIÓN DEL CUIDADO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504251140


Windson Martins Possmoser1
Laura Akemi Storer Makita2
Andressa Aya Ohta3
Larissa Face Kuvabara4
Herbert Leopoldo de Freitas Góes5


RESUMO 

Objetivo: Compreender as percepções dos profissionais de enfermagem sobre o acolhimento e a classificação de risco, identificando desafios para aprimorar essa prática. Métodos: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, conduzida conforme o protocolo PRISMA e a estratégia PICo. Foram incluídos estudos publicados entre 2020 e 2025, em português, inglês e espanhol. A busca foi realizada utilizando a equação “enfermagem AND percepção AND (triagem OR acolhimento)”, com filtros para acesso aberto e publicações dos últimos cinco anos. A pesquisa foi refinada com os descritores “Relações Enfermeiro-Paciente”, “Percepção”, “Triagem” e “Acolhimento”. A triagem dos estudos foi realizada por meio da leitura de títulos e resumos. Resultados: O acolhimento enfrenta desafios como sobrecarga de trabalho, subfinanciamento e centralidade no modelo biomédico, além de barreiras culturais e insuficiência na formação sobre diversidade. Estratégias como capacitação contínua, reorganização do trabalho e escuta qualificada são fundamentais para torná-lo mais inclusivo e resolutivo. Conclusão: O acolhimento exige melhorias estruturais, investimentos institucionais e maior sensibilização cultural para se fortalecer como prática humanizada. Essas mudanças são essenciais para garantir um cuidado mais inclusivo, resolutivo e alinhado às necessidades dos pacientes.

Palavras-chave: Enfermagem, Acolhimento, Humanização, Triagem.

ABSTRACT

Objective: To understand the perceptions of nursing professionals regarding reception and risk classification, identifying challenges to improve this practice. Methods: This is an integrative literature review conducted following the PRISMA protocol and the PICo strategy. Studies published between 2020 and 2025 in Portuguese, English, and Spanish were included. The search was performed using the equation “nursing AND perception AND (triage OR reception)”, with filters for open access and publications from the last five years. The search was refined using the descriptors “Nurse-Patient Relations,” “Perception,” “Triage,” and “Reception.” Study selection was carried out through title and abstract screening. Results: Reception faces challenges such as work overload, underfunding, and a biomedical-centered model, along with cultural barriers and insufficient training on diversity. Strategies such as continuous training, work process reorganization, and active listening are essential to make it more inclusive and effective. Conclusion: Reception requires structural improvements, institutional investments, and greater cultural awareness to strengthen its role as a humanized practice. These changes are essential to ensure more inclusive, effective, and patient-centered care.

Keywords: Nursing, Reception, Humanization, Triage.

RESUMEN

Objetivo: Comprender las percepciones de los profesionales de enfermería sobre la acogida y la clasificación de riesgo, identificando desafíos para mejorar esta práctica. Métodos: Se trata de una revisión integrativa de la literatura, realizada según el protocolo PRISMA y la estrategia PICo. Se incluyeron estudios publicados entre 2020 y 2025 en portugués, inglés y español. La búsqueda se llevó a cabo utilizando la ecuación “enfermería AND percepción AND (triaje OR acogida)”, con filtros para acceso abierto y publicaciones de los últimos cinco años. Posteriormente, la búsqueda fue refinada con los descriptores “Relaciones Enfermero-Paciente”, “Percepción”, “Triaje” y “Acogida”. La selección de estudios se realizó mediante la lectura de títulos y resúmenes. Resultados: La acogida enfrenta desafíos como sobrecarga de trabajo, financiamiento insuficiente y un modelo biomédico centralizado, además de barreras culturales y deficiencias en la formación sobre diversidad. Estrategias como capacitación continua, reorganización del trabajo y escucha activa son fundamentales para hacerla más inclusiva y efectiva. conclusión: La acogida requiere mejoras estructurales, inversiones institucionales y mayor sensibilización cultural para consolidarse como una práctica humanizada. Estos cambios son esenciales para garantizar un cuidado más inclusivo, resolutivo y centrado en el paciente.

Palabras-clave: Enfermería, Acogida, Humanización, Triaje.

INTRODUÇÃO

O acolhimento é um dos pilares da humanização no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo essencial para garantir um atendimento integral e equitativo aos usuários. No entanto, sua implementação enfrenta desafios estruturais e organizacionais que comprometem a qualidade da assistência prestada. O subfinanciamento dos serviços, a falta de infraestrutura adequada e a insuficiência de profissionais capacitados impactam diretamente a efetivação do acolhimento como prática resolutiva e humanizada. Além disso, a fragmentação dos processos de cuidado e a centralidade do modelo biomédico dificultam a abordagem interdisciplinar e integrada, gerando encaminhamentos excessivos e sobrecarregando os diferentes níveis de atenção (Caminha, Jorge & Linard, 2021).

Apesar dos avanços promovidos pela Política Nacional de Humanização (PNH), ainda há dificuldades na incorporação do acolhimento como estratégia efetiva no cotidiano dos serviços de saúde. Profissionais relatam sobrecarga de trabalho, dificuldades na articulação entre os níveis de atenção e falta de suporte institucional para aprimorar as práticas assistenciais (Santos et al., 2020). Essas barreiras resultam em um atendimento fragmentado, que muitas vezes não atende às necessidades dos usuários, especialmente aqueles em situação de vulnerabilidade. Para superar esses desafios, torna-se fundamental investir na capacitação permanente dos profissionais, no fortalecimento do apoio matricial e na reestruturação das políticas de financiamento, garantindo um acolhimento mais inclusivo e resolutivo (Caminha, Jorge & Linard, 2021).

A Política Nacional de Humanização reforça o acolhimento como um elemento transformador das práticas assistenciais, propondo mudanças nas relações entre gestores, profissionais e usuários, de modo a garantir uma abordagem mais humanizada no cuidado em saúde (Silva et al., 2022). Entretanto, estudos apontam que a implementação efetiva dessas diretrizes ainda enfrenta barreiras, como limitações estruturais, dificuldades na articulação entre as equipes e a invisibilidade de determinadas populações no atendimento das unidades de saúde (Weber et al., 2020; Rocha et al., 2020).

A enfermagem, como maior categoria profissional no SUS, possui papel importante na operacionalização dessas políticas, liderando iniciativas voltadas para a integralidade e equidade do cuidado. O enfermeiro atua como mediador entre os diferentes níveis de atenção, articulando fluxos assistenciais e promovendo um acolhimento qualificado, elemento essencial para a humanização do atendimento (Gomes et al., 2024). A abordagem humanizada da enfermagem não se restringe apenas à aplicação de técnicas assistenciais, mas envolve a escuta ativa, a construção de vínculo com o paciente e o reconhecimento de sua singularidade, garantindo um cuidado mais próximo, resolutivo e eficiente (Silva et al., 2022).

No entanto, desafios como a sobrecarga de trabalho, a carência de recursos e a fragmentação das políticas de saúde ainda dificultam a efetivação plena dessas ações. Para que a enfermagem exerça seu papel com maior efetividade, torna-se essencial o fortalecimento de iniciativas que garantam melhores condições de trabalho e investimentos na capacitação contínua dos profissionais (Santos et al., 2020). Diante desse cenário, a valorização da enfermagem e o reconhecimento de sua atuação na promoção da equidade e da humanização são indispensáveis para a construção de um sistema de saúde mais inclusivo e eficaz.

Embora a literatura reconheça os avanços promovidos pela PNH, estudos como o de Weber et al. (2020) e Rocha et al. (2020) evidenciam que ainda existem desafios significativos na implementação efetiva do acolhimento. Entre eles, destacam-se as limitações estruturais, a sobrecarga de trabalho dos profissionais de saúde e a dificuldade na articulação entre as equipes para garantir um atendimento contínuo e integrado. Além disso, a relação entre o modelo biomédico e a fragmentação das práticas de cuidado é um tema recorrente na literatura, ressaltando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar e centrada no usuário (Raimundo & Silva, 2020; Oliveira et al., 2024).

Diante desse contexto, este estudo busca compreender as percepções dos profissionais de enfermagem em relação ao acolhimento, identificando dificuldades enfrentadas, barreiras organizacionais e estratégias para aprimorar essa prática. A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma revisão integrativa da literatura, utilizando a estratégia PICo para orientar a formulação da questão norteadora: “Quais as percepções dos profissionais de enfermagem frente ao atendimento de pacientes no momento do acolhimento/triagem?”

A relevância deste estudo reside na possibilidade de subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas e práticas assistenciais mais resolutivas e inclusivas, alinhadas aos princípios da PNH. Ao sintetizar e analisar as evidências disponíveis, espera-se contribuir para o aprimoramento das ações de acolhimento, fortalecendo o papel da enfermagem como protagonista na promoção de um cuidado integral e humanizado.

REFERENCIAL TEÓRICO

O acolhimento, prática essencial ao Sistema Único de Saúde (SUS), transcende a simples recepção dos usuários, configurando-se como um ato relacional que visa assegurar integralidade e humanização do cuidado em diversos contextos, incluindo atenção primária, urgência e emergência. Sua efetivação enfrenta desafios estruturais e organizacionais significativos, descritos em estudos recentes (Caminha, Jorge e Linard, 2021; Carvalho et al., 2023; Lopes e Toledo, 2020).

Em contextos de urgência e emergência, Lopes e Toledo (2020) destacam a insegurança e o desconforto enfrentados pelos enfermeiros ao acolher pacientes psiquiátricos em situações de crise aguda, frequentemente caracterizadas por agitação e agressividade. A pesquisa salienta que investimentos em capacitação específica e em ambientes estruturados para o acolhimento são fundamentais para promover segurança e humanização nesses cenários críticos.

Na atenção primária, Carvalho et al. (2023) identificam a necessidade de clareza nos fluxos de trabalho e nos papéis profissionais para o acolhimento efetivo da demanda espontânea. Capacitação contínua é apontada como essencial para reorganizar práticas assistenciais e atender às necessidades locais de maneira eficaz, destacando a relevância da preparação contínua das equipes.

Caminha, Jorge e Linard (2021) enfatizam que na saúde mental, especialmente na rede psicossocial, o acolhimento inicial é crucial para estabelecer vínculos, mas frequentemente limitado por recursos insuficientes e sobrecarga de demandas, comprometendo assim a qualidade assistencial e a continuidade do cuidado.

Silva, David e Romano (2020) indicam que o modelo biomédico prevalente, tanto na atenção primária quanto em contextos hospitalares e de emergência, centraliza o protagonismo em médicos e enfermeiros, enfraquecendo a interdisciplinaridade e limitando o acolhimento integral e humanizado.

Rocha et al. (2020) discutem a invisibilidade de determinados grupos populacionais, como os homens, em diferentes níveis assistenciais, apontando que barreiras culturais e educacionais dificultam o acolhimento adequado, reforçando a necessidade de capacitação específica sobre diversidade e gênero.

Reis et al. (2021) alertam sobre os desafios no acolhimento de travestis e transexuais, relatando que profissionais frequentemente demonstram desconhecimento e constrangimento frente às demandas dessa população, sugerindo que a formação inclusiva é essencial para superar preconceitos e promover um cuidado verdadeiramente humanizado.

Esses estudos confirmam que desafios como subfinanciamento dos serviços de saúde, sobrecarga dos profissionais e persistência do modelo biomédico fragmentado são obstáculos importantes para a implementação plena do acolhimento humanizado, independentemente do contexto assistencial (Gomes et al., 2024; Silva et al., 2022).

MÉTODOS 

Este estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, que permite a síntese de evidências ao avaliar e analisar todas as pesquisas relevantes sobre uma questão específica, área do conhecimento ou fenômeno de interesse, conforme definido por Dantas et al. (2022). Por se fundamentar em documentos de bases de dados indexadas nacionais e internacionais, de acesso público, às informações metodológicas, resultados e principais conclusões apresentadas possuem confiabilidade e fidedignidade garantidas, devidamente referendadas e interpretadas de maneira robusta.

O protocolo de revisão seguiu as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA, 2021), que estrutura o processo em cinco etapas principais: (1) definição da questão de pesquisa; (2) identificação de estudos relevantes; (3) seleção de estudos com base em critérios preestabelecidos; (4) mapeamento e extração de dados dos estudos incluídos; e (5) síntese e análise narrativa dos resultados.

A estratégia PICo (quadro 1) foi utilizada para guiar a pesquisa, levando à formulação da seguinte questão norteadora: “quais as percepções dos profissionais de enfermagem frente ao atendimento de pacientes no momento do acolhimento/triagem ?”.

Quadro 1: Estratégia PICo

PICoDefiniçãoDescrição
PopulaçãoProfissionais de enfermagemResponsáveis pelo cuidado direto aos pacientes, incluindo administração de medicamentos, monitoramento de sinais vitais, entre outros.
InteressePercepção de atendimentoAvaliação objetiva e subjetiva das dificuldades e barreiras no atendimento de pacientes em diferentes condições de saúde.
ContextoAcolhimento/triagem clínicaPrimeira avaliação das necessidades dos pacientes, com organização do atendimento e foco na humanização.

Fonte: Autores

Foram incluídos estudos publicados em português, inglês e espanhol, nos últimos cinco anos, para garantir a atualidade dos resultados. A busca foi direcionada para artigos observacionais que tratassem da percepção de profissionais de enfermagem no momento do acolhimento/triagem. Foram excluídos artigos que apresentassem dados incompletos, não relevantes ou que focaram exclusivamente na perspectiva dos pacientes.

A busca foi realizada em janeiro de 2025 no Portal de Periódicos da CAPES. Na primeira etapa, aplicou-se uma busca ampla utilizando a seguinte equação: “enfermagem AND percepção AND (triagem OR acolhimento)”, com filtros para acesso aberto e publicações dos últimos cinco anos, resultando em 3.500 artigos. A partir da análise dos títulos e resumos, foram identificados descritores mais específicos: “Relações Enfermeiro-Paciente”, “Percepção”, “Triagem” e “Acolhimento”. Uma nova busca direcionada utilizando esses descritores retornou  717 artigos.

Na leitura inicial dos títulos, 19 estudos foram selecionados. Em seguida, 8 artigos foram elegíveis após a leitura dos resumos, sendo 1 excluído por falta de acesso ao texto completo. A amostra final consistiu em 7 estudos, conforme detalhado no fluxograma PRISMA (figura 1).

Os estudos selecionados foram avaliados por meio de um instrumento padronizado com base nas recomendações do JBI. Os dados extraídos incluíram autor, ano de publicação, título, objetivo, desenho do estudo e principais resultados. Os resultados foram analisados qualitativamente e organizados em uma narrativa crítica, considerando as percepções dos enfermeiros, as barreiras enfrentadas e as estratégias identificadas para aprimorar o acolhimento/triagem.

Figura 1: Fluxograma PRISMA

Fonte: adaptado de Page et al. (2021).

RESULTADOS 

Os resultados desta revisão integrativa revelam que o acolhimento e a humanização na enfermagem enfrentam desafios estruturais e organizacionais significativos, apesar de serem considerados fundamentais para a integralidade e qualidade do cuidado prestado aos usuários dos serviços de saúde. Os sete estudos analisados destacam de forma recorrente algumas barreiras importantes, como a sobrecarga de trabalho vivenciada pelos profissionais, o subfinanciamento crônico dos serviços de saúde e a predominância do modelo biomédico, que limita a autonomia profissional dos enfermeiros e dificulta a adoção de práticas mais humanizadas e inclusivas. Esses desafios, por sua vez, geram um impacto direto na qualidade do atendimento oferecido, restringindo as possibilidades de um acolhimento verdadeiramente resolutivo e equitativo.

Além dessas questões estruturais, verificou-se que a falta de capacitação específica e contínua também representa uma barreira significativa. Os estudos apontam que os profissionais de enfermagem frequentemente não estão devidamente preparados técnica e emocionalmente para lidar com situações complexas, como o atendimento de pacientes psiquiátricos em crises agudas, caracterizadas por comportamentos agressivos ou agitados. Essa falta de preparo gera insegurança entre os enfermeiros e reforça a necessidade urgente de investimentos institucionais em treinamento contínuo, abrangendo tanto técnicas específicas quanto o desenvolvimento de habilidades interpessoais e emocionais.

Outra barreira identificada relaciona-se às questões culturais e sociais, especialmente a invisibilidade e marginalização de grupos específicos no contexto do acolhimento. Observou-se que profissionais de enfermagem apresentam dificuldades significativas em acolher adequadamente populações como travestis, transexuais e homens em geral, devido à falta de formação específica sobre diversidade de gênero e saúde masculina. Esses obstáculos culturais resultam na perpetuação de preconceitos e estigmas, impedindo o acesso equitativo desses grupos aos serviços de saúde.

Ademais, foi constatado que o modelo biomédico predominante reforça a fragmentação das ações de cuidado, comprometendo a implementação de abordagens interdisciplinares e integradas, essenciais para garantir a continuidade e integralidade da assistência. Estratégias identificadas nos estudos revisados incluem a capacitação continuada dos profissionais, reorganização dos processos de trabalho, fortalecimento da escuta qualificada e a criação de ambientes acolhedores e estruturados.

Por fim, o subfinanciamento persistente e a alta demanda por serviços continuam sendo entraves centrais, especialmente no contexto da saúde mental e atenção primária, onde a capacidade das equipes é frequentemente superada pelas necessidades locais. Esses fatores reforçam a necessidade urgente de mudanças estruturais e políticas robustas para garantir um acolhimento humanizado, efetivo e equitativo nos serviços de saúde.

Quadro 2: Síntese dos estudos sobre acolhimento e humanização na perspectiva dos enfermeiros

Fonte: Elaborado pelo autor (2025)

DISCUSSÃO

A análise dos trabalhos evidencia que o acolhimento, enquanto prática relacional e dispositivo estratégico, desempenha um papel central no fortalecimento do cuidado em saúde, particularmente na atuação dos enfermeiros. Borges et al. (2020) investigaram como profissionais de enfermagem vivenciam o respeito aos direitos humanos em unidades de emergência, destacando que práticas como o diálogo, o cuidado integral e os esforços para garantir direitos emergem mesmo diante de limitações estruturais e organizacionais. A pesquisa revelou que a inadequação desses ambientes, marcados pela alta demanda e condições de trabalho adversas, compromete a qualidade da assistência, embora a busca pela humanização do cuidado se mantenha como um objetivo constante​.

No âmbito da Atenção Básica, Silva, David e Romano (2020) exploraram como as relações interpessoais configuram o acolhimento em uma unidade de saúde no Rio de Janeiro. A análise de redes sociais mostrou que médicos e enfermeiros ocupam posições centrais na rede de cuidado, enquanto agentes comunitários de saúde permanecem na periferia, refletindo a prevalência de um modelo biomédico. Este cenário limita a potencialidade do acolhimento como ação coletiva e interdisciplinar, indicando a necessidade de integrar de forma mais equitativa os diferentes atores na produção do cuidado. Além disso, o estudo ressalta que a centralidade dos profissionais de nível superior impacta a dinâmica organizacional e reforça a fragmentação dos processos assistenciais​.

Lopes e Toledo (2020), ao abordarem os sentimentos de enfermeiros que acolhem pacientes psiquiátricos agitados e agressivos em emergências, destacaram o desconforto e a insegurança relatados pelos profissionais. Os resultados indicaram que cerca de 10% dos atendimentos psiquiátricos em emergências envolvem comportamentos agitados, exacerbados por ambientes sobrecarregados de estímulos e longos tempos de espera. A pesquisa aponta que a utilização de técnicas de manejo interpessoal terapêutico e ambientes mais reservados são estratégias fundamentais para promover um acolhimento seguro e eficaz, reduzindo o impacto emocional sobre os profissionais​.

No Distrito Federal, Carvalho et al. (2023) investigaram o acolhimento à demanda espontânea na Atenção Primária à Saúde, identificando que o processo de trabalho dos enfermeiros carece de clareza em fluxos e papéis. A pesquisa, conduzida com 33 enfermeiros, evidenciou que a capacitação contínua e a organização interna das equipes são indispensáveis para responder às necessidades do território e reorganizar o cuidado. Esses achados corroboram a importância de alinhar as práticas do acolhimento às especificidades locais, considerando a complexidade e diversidade das demandas apresentadas pelos usuários​.

Na saúde mental, Caminha, Jorge e Linard (2021) destacam o acolhimento como o momento inicial de pactuação entre usuários e serviços na Rede de Atenção Psicossocial. Contudo, o estudo revelou que o excesso de demandas, aliado ao subfinanciamento e à desestruturação dos serviços, limita a capacidade dos profissionais de refletirem e reorganizarem processos de trabalho. Essa situação perpetua o estigma associado aos usuários de saúde mental e compromete a qualidade do cuidado oferecido, indicando a necessidade de mudanças institucionais profundas para garantir o acesso equitativo e integral​.

Rocha et al. (2020) abordaram a invisibilidade da população masculina na Estratégia Saúde da Família, evidenciando a dificuldade dos profissionais em acolher homens devido a barreiras culturais e a uma formação insuficiente em saúde do homem. O estudo apontou que a ausência masculina nas unidades básicas reflete questões de gênero que perpetuam a vulnerabilidade desse grupo, indicando a necessidade de estratégias educativas e políticas específicas para superar essas limitações e promover uma abordagem mais inclusiva​.

Por fim, Reis et al. (2021) destacaram que o acolhimento de travestis e transexuais na Atenção Básica é marcado por constrangimento e desconhecimento por parte dos enfermeiros, que frequentemente reproduzem uma formação biomédica descolada de aspectos socioculturais. O estudo sugere que a implementação de práticas inclusivas e a capacitação sobre questões de gênero são indispensáveis para promover um cuidado humanizado e efetivo a essa população, que enfrenta desafios significativos no acesso aos serviços de saúde​.

Os achados apresentados, embora reforcem a relevância do acolhimento como estratégia essencial para a humanização do cuidado, também expõem fragilidades sistêmicas que comprometem sua efetividade. A análise crítica dos estudos revela que muitos desafios permanecem atrelados à formação dos profissionais, à estrutura organizacional dos serviços e às barreiras culturais, indicando que os avanços na prática do acolhimento ainda são insuficientes para atender plenamente às demandas da população.

A centralidade do modelo biomédico, evidenciada em estudos como o de Silva, David e Romano (2020), reflete uma limitação estrutural que restringe a autonomia de outros atores da equipe multiprofissional, enfraquecendo a capacidade coletiva de produzir cuidado integral. Essa dependência de um modelo hierárquico perpetua a fragmentação das práticas e distância o acolhimento de seu potencial como ação transformadora e inclusiva​.

De maneira similar, os sentimentos de insegurança e desconforto relatados por enfermeiros ao acolherem pacientes psiquiátricos, conforme Lopes e Toledo (2020), ilustram uma lacuna significativa na preparação emocional e técnica desses profissionais. Essa fragilidade não apenas compromete a qualidade do cuidado prestado, mas também impacta negativamente a saúde mental dos próprios trabalhadores, revelando a urgência de investimentos em capacitação e suporte institucional​.

A invisibilidade de grupos específicos, como homens e pessoas trans, abordada por Rocha et al. (2020) e Reis et al. (2021), evidencia barreiras socioculturais que perpetuam desigualdades no acesso aos serviços de saúde. Embora as políticas de inclusão e humanização avancem em suas diretrizes, sua implementação prática esbarra em preconceitos arraigados e na insuficiência de abordagens educativas voltadas para a diversidade​​.

Por fim, os desafios identificados no acolhimento à demanda espontânea e na saúde mental, como apontado por Carvalho et al. (2023) e Caminha, Jorge e Linard (2021), revelam que a sobrecarga das equipes e o subfinanciamento dos serviços continuam a limitar a efetividade do acolhimento como dispositivo estratégico. A incapacidade de reorganizar processos de trabalho e enfrentar demandas crescentes reforça a necessidade de mudanças estruturais e políticas para viabilizar práticas mais resolutivas e equitativas​​.

Portanto, apesar das contribuições significativas dos estudos analisados, é evidente que o acolhimento, enquanto prática relacional e humanizadora, ainda enfrenta desafios estruturais, culturais e organizacionais que precisam ser superados. Apenas por meio de um compromisso coletivo entre gestores, profissionais e formuladores de políticas será possível transformar o acolhimento em um elemento verdadeiramente integrado, garantindo cuidado de qualidade para todos os usuários do sistema de saúde.

CONCLUSÃO 

O acolhimento é um componente essencial para a humanização e integralidade do cuidado na enfermagem, garantindo um atendimento equitativo e qualificado aos usuários. No entanto, sua implementação enfrenta desafios estruturais, como a sobrecarga de trabalho, a escassez de recursos e a centralização do modelo biomédico, que limitam a autonomia dos enfermeiros e fragmentam a assistência. A falta de capacitação contínua também compromete a segurança dos profissionais no atendimento, especialmente a grupos historicamente negligenciados, como pacientes psiquiátricos, homens e pessoas trans, cuja invisibilidade nos protocolos de acolhimento reflete a ausência de uma formação voltada à diversidade. Além disso, o subfinanciamento da saúde e a alta demanda por serviços agravam essas dificuldades, restringindo a efetividade do acolhimento e impactando diretamente a qualidade do cuidado prestado. Para superar essas barreiras, torna-se essencial o investimento em capacitação permanente, a reestruturação dos processos de trabalho e a melhoria das condições assistenciais, garantindo que a enfermagem, como protagonista no acolhimento, exerça seu papel de forma qualificada e sensível às necessidades dos usuários, promovendo inclusão, equidade e um atendimento verdadeiramente humanizado.

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1Mestrando, Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, wpossmoser.martins@gmail.com
2Doutoranda, Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, lauraakemii94@gmail.com
3Doutoranda, Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, andressaayaohta@gmail.com
4Mestranda, Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, larissafacekuvabara@gmail.com
5Doutor, Universidade Estadual de Maringá, Maringá/PR, hlfgoes@uem.br