A PEJOTIZAÇÃO E SEU PAPEL NAS FRAUDES DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

PEJOTIZATION AND ITS ROLE IN THE LABOR RELATIONS FRAUDS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10069396


Isadora de Barros Kuhn
Profª. Orientadora: Janay Garcia


RESUMO

O objetivo deste estudo é examinar o conceito de “pejotização” e seu lugar na atual estrutura organizacional do trabalho em nosso país. É fundamental a constante revisão das leis trabalhistas para acompanhar as mudanças políticas, sociais e econômicas que inevitavelmente afetam a sociedade. Analisar minuciosamente cada contrato de trabalho é fundamental, principalmente quando o contrato pode mascarar uma relação empregador-empregado. Para isso, foi realizada uma revisão da literatura, avaliando dados sobre a situação do mercado de trabalho em nosso país e examinamos as decisões legais relevantes. Após uma análise cuidadosa, foram encontradas duas tendências ideológicas opostas. Um grupo contesta a existência de fraude nas relações de pejotização, enquanto o outro defende que tais situações constituem uma farsa. Nós nos encontramos concordando com o último grupo devido a seus argumentos convincentes. Concluímos que, embora as relações trabalhistas sejam um aspecto inevitável do progresso sociopolítico e econômico, a proteção do trabalhador deve continuar sendo nossa principal prioridade. Sem ela, o verdadeiro desenvolvimento social não pode ser alcançado.

Palavras-chave: Direito constitucional do trabalho. Pejotização. Fraude. Empregado. Empregador.

ABSTRACT

The aim of this study is to examine the concept of “pejotização” and its place in the current organizational structure of work in our country. The constant review of labor laws is essential to keep up with the political, social and economic changes that inevitably affect society. Thoroughly analyzing each employment contract is essential, especially when the contract may mask an employer-employee relationship. For this, we carried out a literature review, evaluated data on the labor market situation in our country and examined relevant legal decisions. Upon careful analysis, we find two opposing ideological trends. One group contests the existence of fraud in pejotization relationships, while the other defends that such situations constitute a farce. We found ourselves agreeing with the latter group due to their compelling arguments. We conclude that while labor relations are an inevitable aspect of socio-political and economic progress, worker protection must remain our top priority. Without it, true social development cannot be achieved.

Keywords: Constitutional labor law. Pejotization. Fraud. Employee. Employer.

1. INTRODUÇÃO

A ciência das relações socioeconômicas necessita de uma abordagem dinâmica para acompanhar sua operação em constante mudança. O direito, em particular, é um campo dinâmico, conforme a teoria tridimensional do direito de Miguel Reale (1991). A teoria de Reale postula que fato, valor e norma são interdependentes, e as dimensões factual, axiológica e normativa são indivisíveis. Em essência, isso significa que a vida do direito é um amálgama inseparável desses aspectos.

O advento da tecnologia e a disseminação global da comunicação levaram a mudanças significativas no mercado de trabalho. Para se manterem competitivas, as empresas devem manter um controle rígido das despesas, o que tem resultado em redimensionamentos em todos os setores. Essa transformação exige uma nova abordagem da organização do trabalho.

No mercado atual, o método tradicional de contratação por meio da clássica relação de trabalho foi complementado por novas formas de contratação, como trabalho autônomo, terceirizado e teletrabalho. Com as empresas precisando se especializar em seus respectivos nichos de mercado, elas perceberam a importância de delegar atividades para atender às demandas do crescimento exponencial.

Em um mundo onde os trabalhadores devem consumir para sobreviver e os custos de produção devem ser minimizados, surgiu uma prática fraudulenta: “PEJOTIZAÇÃO”. Esse termo, derivado da sigla PJ (abreviação de pessoa jurídica), refere-se à coação de empregados a constituir pessoa jurídica para continuar trabalhando. Esse fenômeno surgiu da necessidade de redução de custos e é predominante entre os trabalhadores especializados.

O tema experimentou um salto significativo após a edição do artigo 129 da lei 11.196/2005. O artigo visava dar maior segurança aos trabalhadores intelectuais que buscam constituir uma pessoa jurídica para oferecer seus serviços. A lei autorizou a constituição de tais pessoas jurídicas sem as restrições do artigo 50 do Código Civil de 2002.

O princípio constitucional da livre iniciativa (art. 170, caput, da CF/88) justifica a autorização legal para a adaptação ao mercado de trabalho em constante mudança. No entanto, essa flexibilidade criou a oportunidade para disfarçar uma relação de trabalho subordinado quando os serviços de um trabalhador intelectual não podem ser facilmente substituídos, exigindo, assim, subordinação legal.

A demanda por flexibilização das relações de trabalho e ampliação das oportunidades de trabalho resultou na promulgação da Lei 13.467, em 13 de julho de 2017. Essa lei, conhecida popularmente como “reforma trabalhista”, visava tratar dessas questões. No entanto, levou a mudanças significativas nos direitos dos trabalhadores, o que causou grande preocupação entre o público.

O tema da mudança e seu impacto nos trabalhadores e na sociedade em geral é de grande importância. Esta questão põe em causa os direitos essenciais dos trabalhadores protegidos pela carta magna e exige uma resposta urgente dos especialistas na área do direito do trabalho.

O objetivo deste trabalho é aprofundar o tema da “Pejotização”, explorando os necessários princípios e requisitos que distinguem a legítima contratação de pessoas jurídicas e autônomos. Por meio de pesquisa em fontes bibliográficas, jurisprudência e legislação, este estudo tem como objetivo fornecer informações sobre a “Pejotização” e contribuir para a resolução de questões de fraudes contratuais trabalhistas.

Neste trabalho, foi empregada uma abordagem dedutiva, sintetizando vários pontos de vista doutrinários e jurisprudenciais relacionados ao assunto, juntamente com um exame minucioso da legislação nacional. Foi realizada uma exploração bibliográfica, aprofundando-se tanto nas leis do país quanto no estudo da doutrina e jurisprudência. O foco desta pesquisa qualitativa foi identificar os fatores determinantes e contribuintes para o fenômeno em questão.

2. Evolução histórica do direito trabalhista

Embora alguns estudiosos possam argumentar que a Lei Áurea carece de certos traços do modelo de trabalho justo, ela marcou a fundação do direito do trabalho no Brasil. Isso ocorre porque a escravidão contradiz fundamentalmente os princípios das práticas modernas de trabalho justo (DELGADO, 2013).

Embora existissem instâncias de subordinação e experiência industrial relacionadas às relações de trabalho no Brasil antes dessa época, o ponto de partida significou um momento crucial na história do país. Foi quando os direitos dos trabalhadores e as condições necessárias para ramos de trabalho justo foram devidamente reconhecidos (DELGADO, 2013).

Quando a princesa Isabel assinou a Lei 3.353/88, conhecida como Lei Áurea, ela não só aboliu a escravidão como abriu caminho para o surgimento de uma nova classe de trabalhadores. Esses indivíduos recém-libertos receberam direitos sem precedentes, incluindo o direito à própria liberdade. No entanto, embora a abolição da escravatura se apresentasse como um passo em direção à liberdade, ela simplesmente substituiu uma forma de servidão por outra. O modelo inicial de trabalho assalariado revelava apenas uma faceta da liberdade que ainda se formava.

A República Federativa do Brasil consagrou em sua Constituição Federal o objetivo de construir uma sociedade justa e equitativa. Este objetivo fundamental, delineado no Artigo 3º, destaca a dedicação do país à liberdade, um direito que foi garantido com sucesso ao longo do tempo e agora é protegido pela legislação nacional (DELGADO, 2013).

O trabalhador não tinha autonomia dentro de seu emprego, a ponto de dificilmente poder ser rotulado como tal, sendo marcado apenas pela sujeição e obrigação. O trabalhador estava profundamente em dívida com a autoridade de seu empregador, encarregado de desempenhar suas funções de maneira semelhante à servidão.

Conforme afirma Mauricio Godinho Delgado (2013), em uma época anterior caracterizada por uma economia rural e pela prevalência do trabalho escravo, havia pouco espaço para o crescimento e desenvolvimento de condições de trabalho justo.

O surgimento de um verdadeiro marco do Direito do Trabalho no Brasil foi impulsionado pela abolição da escravatura. Com o advento dessa nova era, os trabalhadores finalmente conquistaram sua liberdade na esfera trabalhista, abrindo caminho para o desenvolvimento do modelo de relação de trabalho que vemos hoje. Como resultado, tornou-se cada vez mais claro que havia uma necessidade premente de regulamentar o Direito do Trabalho.

2.1. Flexibilização dos Direitos Trabalhistas

O conceito de “flexibilização” ou “flexibilidade” surgiu na Europa em 1973 como uma solução para os problemas econômicos criados pela crise do mercado de petróleo. A ideia central dessa teoria era flexibilizar as leis trabalhistas e reduzir o protecionismo estatal nos contratos de trabalho, com o objetivo de aumentar a lucratividade e a produtividade das empresas que lutam para sobreviver à crise global (ROBORTELLA, 2013). A crise do petróleo teve um grande impacto na economia, levando a uma queda significativa nos níveis de emprego e salários. Em resposta, a necessidade de flexibilização das leis trabalhistas tornou-se imperativa para reduzir os custos de contratação de empresários que viam as leis trabalhistas como um grande obstáculo para a superação da crise.

O avanço do Direito do Trabalho era anteriormente impulsionado pelos princípios do estado de bem-estar social de proteção ao trabalhador e à dignidade humana, que obrigavam o governo a desenvolver políticas de geração de empregos e distribuição de renda. No entanto, o advento do neoliberalismo, com ênfase no estado mínimo e na desregulamentação, levou ao declínio do estado de bem-estar, principalmente durante as crises econômicas. Com isso, o Direito do Trabalho sofreu um retrocesso e surgiu a teoria da flexibilidade, marcando uma guinada para políticas econômicas mais laissez-faire. É possível estabelecer uma correlação entre o declínio do estado de bem-estar e a ascensão da teoria da flexibilidade no Direito do Trabalho (NASCIMENTO, 2008).

A proposta de flexibilização costuma ser vista como uma medida de redução de custos para as empresas, alcançada por meio do afrouxamento de direitos trabalhistas duramente conquistados pelos trabalhadores ao longo de anos de luta. A ideia de cortar direitos trabalhistas foi apresentada a empresários, políticos e economistas como a maneira mais fácil e rápida de aumentar a produtividade e sair da crise, aumentando os lucros e impulsionando o crescimento econômico. Embora a crise econômica seja um fator significativo que contribuiu para o surgimento da flexibilidade, ela não é a única. Segundo o autor Amauri Mascaro Nascimento, a flexibilidade surge como solução para questões de âmbito tecnológico e econômico, como formação de blocos econômicos, altas taxas de desemprego e avanços tecnológicos. Portanto, a flexibilidade é vista como uma forma de enfrentar as crises econômicas (NASCIMENTO, 2008).

Nelson Mannrich argumenta que a teoria da flexibilização surgiu como resposta a vários fatores, incluindo crises econômicas como a crise do petróleo de 1973, a globalização e o crescimento do setor de serviços. Adicionalmente, a reorganização estrutural do mercado de trabalho e a rápida evolução tecnológica também contribuíram. Segundo Mannrich, a teoria surgiu como forma de adequar as leis trabalhistas à realidade social atual, com a flexibilização servindo como forma de renovar as políticas existentes. Ele acredita que adaptar as leis trabalhistas às mudanças nas condições sociais e econômicas por meio da flexibilidade pode reduzir a intervenção do Estado e enfatizar a negociação coletiva (MANNRICH, 1998).

Segundo Sérgio Pinto Martins (2008), o objetivo da flexibilização dos direitos trabalhistas é suprir as discrepâncias existentes entre as leis e a atual relação capital social. Diante disso, ele defende a necessidade de tornar as leis trabalhistas mais adaptáveis ​​às mudanças sociais e econômicas em evolução.

A doutrina da flexibilidade compreende diversas classificações, determinadas por critérios variados. A primeira classificação depende da legalidade, conforme exposto pelo autor JAVILLIER e citado por Sérgio Pinto.

Discordo veementemente da posição dos autores que defendem que a flexibilização é um meio de adequar as leis trabalhistas à realidade. Na minha opinião, esta perspectiva dá demasiada importância à negociação coletiva e enfraquece o significado da legislação. Além disso, reduzir a intervenção do Estado, especialmente durante uma crise econômica, pode levar a uma diminuição dos direitos dos trabalhadores e favorecer os empresários. A expressão “ajustar as normas jurídicas à realidade econômica” parecem mais com sacrificar o bem-estar social em benefício do capital. Essa abordagem coloca injustamente o fardo da crise econômica sobre os trabalhadores mais vulneráveis ​​e desprivilegiados.

A flexibilização pode ser: legal ou autorizada, quando a própria lei permite a flexibilidade, como na redução da jornada de trabalho (art. 7º, XIII, CF) e dos salários (art. 7º, VI, CF); ilegal ou ilícita, quando é feita com o objetivo de burlar a lei e os direitos dos trabalhadores. (JAVALLIER, Jean-Claude, 1986, 55-57).

JAVAILLIER categorizou a flexibilidade com base em um critério de finalidade e identificou três tipos: proteção, adaptação e desregulamentação. Segundo o autor, a flexibilização da proteção só deve ser implementada em favor dos trabalhadores, pois o Direito do Trabalho foi originalmente concebido para protegê-los. A flexibilidade de adaptação envolve a modificação de normas rígidas por meio de negociações coletivas para melhor adequação à realidade. Embora isso possa acarretar alguma perda de direitos trabalhistas, em última análise, é benéfico para a classe trabalhadora. Por fim, a flexibilidade da desregulamentação substitui os rígidos padrões de proteção por outros mais baixos que impactam negativamente as condições de trabalho (JAVALLIER, 1986).

O autor identifica uma categorização crucial quando se trata das origens da flexibilização no direito. Essa categorização se divide em dois tipos: autônomos e heterônomos. A flexibilização autônoma ocorre por meio da autonomia da negociação coletiva, em que o acordo coletivo prevalece sobre a regulamentação trabalhista estabelecida em lei. Por outro lado, a flexibilidade heterônoma é quando o Estado impõe unilateralmente mudanças em uma regulamentação trabalhista que tenha um impacto negativo sobre o trabalhador. Um exemplo disso é um projeto de lei que implementa uma reforma trabalhista durante uma crise econômica (JAVALLIER, 1986).

2.2. Elementos essenciais para se considerar relação de emprego

Leone Pereira dá uma definição para a relação de trabalho, que diz respeito especificamente aos serviços prestados com subordinação e remuneração via salário.

A expressão “relação de emprego” é mais restrita, na medida em que compreende apenas os serviços prestados sob determinadas condições que justificam a aplicação das normas protetivas trabalhistas, pois nem todo trabalhador possui relação de emprego (PEREIRA, 2013. Pág. 45).

A Consolidação das Leis do Trabalho e legislação complementar servem de referência para as normas aplicáveis. Mas para estabelecer uma relação de trabalho, alguns requisitos devem ser atendidos, o que a diferencia das demais relações de trabalho. Esses requisitos são conhecidos como elementos fático-jurídicos, e são componentes essenciais da relação de trabalho,conforme ensina Mauricio Godinho Delgado.

Os elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego são cinco: a) prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; b) prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; c) também efetuada com não eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e) prestação de trabalho efetuada com onerosidade. A CLT aponta esses elementos em dois preceitos combinados. No caput de seu art. 3º. […] por fim, no caput do art. 2º da mesma Consolidação (RESENDE, 2014. Pág. 155/156).

É importante ressaltar que essas estipulações são de natureza legal e cumulativa. Forneça mais contexto ou uma frase completa para que eu possa ajudá-lo melhor. Qualquer uma dessas demandas retrata erroneamente a relação empregador-empregado.

2.3. O fenômeno da pejotização como fraude às normas trabalhistas e seus efeitos

O conceito de pejotização está ganhando mais força nas relações de trabalho. Envolve os empregadores que obrigam os prestadores de serviços a formar uma entidade legal antes de poderem ser empregados. Essa prática infeliz efetivamente os remove da esfera protetora das leis trabalhistas.

O termo PJ, comumente usado no Brasil, é derivado da sigla para pessoa jurídica, ou “pejotização”. Refere-se ao processo de transformação de um funcionário individual em uma pessoa jurídica.

A pejotização é uma tática empregada para ocultar a verdadeira natureza de uma relação de trabalho. Seu principal objetivo é conferir maiores benefícios ao empregador, reduzindo os custos trabalhistas. Para persuadir o empregado, o empregador promete aumentar substancialmente sua remuneração, graças à redução de custos e impostos. No entanto, esse aumento de salário pode não necessariamente fornecer ao empregado qualquer proteção real sob as leis trabalhistas. Eles podem ser privados de inúmeros benefícios exclusivos aos trabalhadores, incluindo horas extras, férias remuneradas, décimo terceiro salário, benefícios previdenciários, entre outros.

O empregado não apenas trabalha em condições perigosas, mas também incorre em todas as despesas relacionadas ao estabelecimento de uma pessoa jurídica, incluindo pagamentos de impostos, contribuições, manutenção e os riscos potenciais de atividades fraudulentas.

As empresas que se beneficiam da tática de pejotização operam sob as diretrizes do art. 129. Decorre da Lei nº. 11.196 de 2005, que dispõe:

A prestação de serviços intelectuais, de natureza artística, cultural ou científica, está sujeita a regulamentação fiscal e de segurança social. Pode ser realizada por empresa prestadora de serviços, de forma personalíssima ou não, com ou sem o envolvimento de sócios ou empregados. Cumprimento do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, sem prejuízo da observância da legislação aplicável às pessoas jurídicas.

Infelizmente, a interpretação correta dessa regra é frequentemente negligenciada. A pessoa jurídica só deve ser utilizada em casos de prestação de serviços não rotineiros, sem subordinação, e exclusivamente para atendimento de demanda temporária e específica. Essa abordagem garante o cumprimento da legislação trabalhista, pois tal relação se enquadra na categoria de contrato padrão de prestação de serviços.

A fraude fez com que os funcionários perdessem a proteção e os benefícios que eram deles por direito. Além disso, foi um ato ilegal que causou danos aos funcionários afetados.

Quando um empregador viola a legislação trabalhista, pode parecer que ele está se beneficiando de custos reduzidos para manter uma relação de trabalho. Mas, na verdade, é uma atitude míope que pode levar a sérios prejuízos para o empregador. O comportamento fraudulento pode resultar em perdas monetárias e pessoais uma vez expostas, superando quaisquer benefícios percebidos.

A invalidade de tal acordo pode ser confirmada pelo exame do artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho. Este artigo estabelece que serão consideradas nulas quaisquer ações praticadas com a intenção de distorcer, obstruir ou contornar a aplicação das regras previstas na lei.

A pejotização não só é considerada nula, como também tipificada como crime contra a organização do trabalho, nos termos do artigo 203 do Código Penal.

É inaceitável impedir, por meios fraudulentos ou violentos, um direito garantido aos empregados pela legislação trabalhista.

De acordo com a redação da Lei nº 9.777 de 1998, quem for considerado culpado de violência poderá ficar sujeito a detenção com duração de um a dois anos, além de multa pecuniária.

Para que um empregador enfrente repercussões criminais, uma acusação formal deve ser apresentada pelo empregado ao tribunal criminal.

2.4. Aplicação dos princípios trabalhistas em combate a pejotização

As leis trabalhistas são regidas por um conjunto de princípios que orientam sua aplicação. Esses princípios visam garantir que as leis trabalhistas sejam aplicadas da maneira mais eficaz e ética. A autorização para o uso desses princípios está prevista no art. 8º da CLT. Decreto Lei 5452/43 afirma que:

As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Segundo Sérgio Pinto Martins (2011), os princípios fornecem a base fundamental para a correta aplicação da lei, ao mesmo tempo em que sustentam e organizam as normas jurídicas.

Sustentam os princípios os sistemas jurídicos, dando-lhes unidade e solidez. São, portanto, vigas mestras do ordenamento jurídico. Princípio é a bússola que norteia a elaboração da regra, embasando-a e servindo de forma para a sua interpretação. Os princípios inspiram, orientam, guiam, fundamentam a construção do ordenamento jurídico. (MARTINS, 2011, p.63).

Na ausência de legislação específica, os princípios que regem o fenômeno da pejotização têm peso significativo na determinação de sua classificação nas relações de trabalho e essa prática contraria princípios fundamentais do direito do trabalho, incluindo o princípio da não renúncia aos direitos trabalhistas, o princípio da primazia da realidade e o princípio da proteção do trabalhador.

Para combater a fraude de pejotização, é essencial examinar a praticidade desses princípios. O princípio da primazia da realidade sobre a forma, em especial, é uma ferramenta crucial para o juiz identificar as relações de trabalho. Sua aplicabilidade neste contexto merece uma análise cuidadosa.

2.5. Princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas

O princípio da não renúncia aos direitos trabalhistas é inegociável e não pode ser abdicado por ninguém.

Se o trabalhador se demitir no cumprimento das obrigações contratuais, a demissão pode ser considerada inválida.

Segundo Maurício Godinho Delgado, este princípio pode ser definido como:

O presente princípio é proteção do anterior, referente a imperatividade das regras trabalhistas. Ele traduz a inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado despoja-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteção que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato. (DELGADO, 2011.p.195).

Américo Plá Rodriguez (1997, p. 66) dá o conceito como “o princípio”. O princípio da “impossibilidade jurídica” afirma que é impossível ao empregado abrir mão voluntariamente de benefícios trabalhistas concedidos em benefício próprio. Isso significa que um empregado não pode renunciar a seus direitos garantidos, e não é admissível argumentar que um empregado concordou com esse tipo de emprego para apoiar a legalidade da “pejotização”.

2.5.1. Princípio da primazia da realidade sobre a forma

O princípio de priorização da realidade serve como uma ferramenta útil para conciliar as expectativas estabelecidas em um contrato com as ocorrências reais no trabalho cotidiano.

O princípio pode ser utilizado em diversas situações, inclusive aquelas que beneficiam o empregador, pois a relação de trabalho é fundada na obrigação imparcial. Este princípio também pode ser aplicado a mudanças nas responsabilidades do trabalho que não foram especificadas no contrato inicial.

Vejamos um cenário, por exemplo, em que um funcionário é encarregado de um trabalho além da descrição de seu cargo ou quando um empregador não compensa adequadamente as horas extras trabalhadas. Tais práticas são frequentemente empregadas para sonegar impostos ou negar direitos aos trabalhadores.

“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.” (BOMFIM, 2017).

O termo “desvio de função” refere-se a um cenário em que um funcionário recebe tarefas diferentes daquelas descritas em sua descrição inicial de trabalho. Nesses casos, a função do empregado sofre uma mudança de função.

A doutrina descreve o princípio da primazia da realidade como o domínio dos fatos sobre a verdade formal.

A perspectiva de Américo Plá Rodriguez (2015, p.339). é que ‘’em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos.”

Essencialmente, esse princípio do Direito do Trabalho garante a veracidade da informação fática, independentemente de sua organização em documentos e registros.

É importante observar a súmula 12 do TST que estabelece:

“as anotações apostas pelo empregador na Carteira de Trabalho do empregado não geram presunção juris et de jure, mas apenas juris tantum.”

Se um funcionário estiver registrado como recepcionista em um posto de gasolina em seu cartão de trabalho, mas for visto trabalhando como frentista, qualquer prova que conteste sua designação de trabalho pode ser usada como prova para ajudar o funcionário a obter compensação por quaisquer danos sofridos.

Luciano Martinez, doutor e mestre em Direito pela USP, explica que esse princípio beneficia a parte menos poderosa em qualquer processo judicial. Não é restrito aos trabalhadores e pode ser utilizado por empreiteiros para garantir um veredicto justo com base nos fatos reais do caso.

O que importa é o que aconteceu e não o que está escrito. (…). O princípio da primazia da realidade destina-se a proteger o trabalhador, já que seu empregador poderia com relativa facilidade, obrigá-lo a assinar documentos contrários aos fatos e aos seus interesses. Ante o estado de sujeição permanente que o empregado se encontra durante o contrato de trabalho, algumas vezes submete-se às ordens do empregador, mesmo que contra sua vontade. (BOMFIM, 2017, p. 187).

2.5.2. Princípio da proteção do trabalhador

Sussekind (2002) argumenta que o Direito do Trabalho é fundado em um desequilíbrio de poder inerente entre empregadores e empregados. Para enfrentar essa desigualdade, a legislação trabalhista utiliza medidas legais para corrigi-la. O princípio fundamental da proteção do trabalhador é parte integrante do Direito do Trabalho, orientando sua construção, interpretação e aplicação. Em última análise, o fundamento sociológico do trabalho justo está centrado na salvaguarda do bem-estar social dos trabalhadores.

Como observa Cassar (2014, p. 169), o Direito do Trabalho centra-se na salvaguarda dos direitos dos trabalhadores. Isso se deve à inerente desigualdade jurídica entre empregados e empregadores, que não está presente na relação entre contratantes no âmbito do Direito Civil.

O Direito do Trabalho existe para estabelecer a verdadeira igualdade entre as partes envolvidas (CASSAR, 2014). O objetivo é proteger a parte mais vulnerável da relação, que é o empregado. Isso levou à introdução do princípio protetivo, visando equilibrar a dinâmica entre empregador e empregado. Segundo o autor, o Estado intervém nas relações de trabalho, limitando a autonomia de vontade das partes.

Segundo Sussekind (2002), o papel do Estado nas relações de trabalho é garantir a proteção do trabalhador como aspecto fundamental da ordem pública. Isso se consegue pela implementação de normas imperativas que contrariam qualquer obstáculo à autonomia da vontade. Posteriormente, surgem diversos princípios, entre eles in dubio pro operario, norma mais favorável, condição mais benéfica, primazia da realidade, inalterabilidade contratual em detrimento do trabalhador, integralidade e intangibilidade da proteção salarial.

Martins (2014) destaca que o princípio da proteção se estende apenas aos trabalhadores empregados e não a todos os trabalhadores. Dentro desse princípio, há três elementos distintos: “in dubio pro workerio”, que favorece o trabalhador em caso de dúvida; a aplicação da regra mais favorável ao trabalhador; e a aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador.

Segundo Delgado (2014), a proteção do trabalhador abrange, em geral, todos os princípios particulares do Direito Individual do Trabalho quando vistos de forma mais ampla.

Como excluir essa noção do princípio da imperatividade das normas trabalhistas? Ou do princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas? Ou do princípio da inalterabilidade contratual lesiva? Ou da proposição relativa à continuidade da relação de emprego? Ou da noção genérica de despersonalização da figura do empregador (e suas inúmeras consequências protetivas ao obreiro)? Ou do princípio da irretroação das nulidades? E assim sucessivamente. Todos esses outros princípios especiais também criam, no âmbito de sua abrangência, uma proteção especial aos interesses contratuais obreiros, buscando retificar, juridicamente, uma diferença prática de poder e de influência econômica e social apreendida entre os sujeitos da relação empregatícia. (2017, p.213/214)

Cassar (2014) observa que há uma falta de concordância entre os estudiosos sobre o princípio fundamental do Direito do Trabalho. Especificamente, não está claro se o princípio da proteção do trabalhador é o princípio abrangente que rege todos os outros princípios ou se aplica apenas à regra mais favorável, à condição mais benéfica e ao salário mínimo. Embora haja algum debate, Cassar (2014) aponta que a maioria dos estudiosos segue a visão de Américo Plá Rodriguez de que o princípio da proteção abrange todas as três espécies. Embora o princípio protetivo tenha ampla abrangência, ele articula-se principalmente nos princípios da norma mais favorável, da condição mais favorável e do in dubio para o trabalhador. Esses princípios constituem a base da proteção ao trabalhador e serão esmiuçados à luz das alterações da reforma trabalhista.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Indubitavelmente, o fenômeno da pejotização tornou-se uma dura realidade no âmbito das relações de trabalho, desrespeitando as normas legais estabelecidas e erodindo direitos trabalhistas duramente conquistados. Quando os empregadores priorizam lucros e dividendos em detrimento da remuneração justa de seus contratados, eles não apenas desrespeitam a lei, mas também geram conflitos sobre a redução da jornada de trabalho. Isso prejudica o progresso feito ao longo de anos de luta.

Ao longo da história, houve inúmeras histórias de determinação implacável e lutas difíceis entre a classe trabalhadora e a classe patronal. Ambos os grupos ocupam extremos opostos do espectro, muitas vezes em desacordo sobre seus objetivos. Infelizmente, esse conflito só serviu para reforçar o conceito de desigualdade social, com o capital e os fatores sociais pesando na balança.

Vale a pena notar o significado histórico vital dos tribunais trabalhistas em proteger os cidadãos mais vulneráveis ​​da classe trabalhadora contra a discriminação. Por meio de suas decisões astutas e intransigentes, esses tribunais garantiram que os preconceitos fossem mantidos sob controle.

O magistrado Cristiano Siqueira de Abreu e Lima observa que as leis trabalhistas e as interpretações dos tribunais passaram por várias mudanças devido à evolução das percepções de antigos problemas ou preocupações relacionadas a instituições não estabelecidas. Com isso, acredita que a Justiça do Trabalho tem desempenhado um papel significativo na interpretação criativa da atual legislação trabalhista para defender o princípio da dignidade da pessoa humana em meio às transformações da sociedade. Apesar de enfrentar a resistência de ideologias antiquadas que se disfarçam de novas, o tribunal manteve uma postura harmoniosa diante de tais pressões.

Vale a pena mencionar que o engano acima mencionado merece uma punição severa. Confiar apenas na detecção de violações da lei não é suficiente para o funcionamento da sociedade.

Para combater as condutas ilícitas, os órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho, a tutela do Ministério Público do Trabalho e a educação da Justiça do Trabalho devem atuar de forma resolutiva e assertiva. Seu objetivo principal deve ser identificar e eliminar atividades fraudulentas, preservando a integridade das práticas comerciais legítimas.

Finalmente, é crucial enfatizar o impacto significativo da prevenção. Isso requer uma compreensão mais profunda entre os trabalhadores de seus direitos legais, status e as diferenças críticas entre ser um trabalhador subordinado e um empresário genuíno. Todas as medidas devem ser tomadas para evitar danos à classe que forma a espinha dorsal da economia.

REFERÊNCIAS

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