A ORIGEM COSMOLÓGICA DO UNIVERSO:UM PROBLEMA FILOSÓFICO

THE COSMOLOGICAL ORIGIN OF THE UNIVERSE:
A PHILOSOPHICAL PROBLEM

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10211396


Danilo Dambróz Soprani1


RESUMO

Faremos neste trabalho uma discussão filosófica a respeito da origem cosmológica do universo. Para tal, apresentaremos uma síntese sobre os principais modelos acerca da origem do universo, iniciando pela teoria moderna de universo criado – a Teoria do Big Bang – e posteriormente mostraremos a teoria do universo eterno. Em cada modelo, exporemos cientificamente o embasamento teórico e observacional, mostrando como estes modelos nasceram, se desenvolveram e se apresentam atualmente, e traremos uma reflexão acerca da implicação filosófica de se admitir tais modelos.

Palavras-chaves: Origem do universo; Big Bang; Singularidade; Universo Eterno.

Abstract

In this work we will carry out a philosophical discussion regarding the cosmological origin of the universe. To this end, we will present a summary of the main models regarding the origin of the universe, starting with the modern theory of the created universe – the Big Bang Theory – and later we will show the theory of the eternal universe. In each model, we will scientifically expose the theoretical and observational basis, showing how these models were born, developed and present themselves today, and we will reflect on the philosophical implications of admitting such models.

Keywords: Origin of the universe; Big Bang; Singularity; Eternal Universe.

1 INTRODUÇÃO

            O problema da origem do universo é um dos problemas que mais intrigam filósofos e físicos. Os primeiros filósofos gregos já se debruçavam a respeito de qual seria o princípio fundador do cosmos. Ao longo da história, muitas teorias surgiram, algumas tendo permanecido até hoje e outras não. Mas mesmo com o advento da Física Moderna, essa questão ainda permanece nos instigando.

            Perguntas que inicialmente tiveram motivações metafísicas e depois se tornam questões de interesse científico, tais como: “De onde viemos?” e “Para onde vamos?” sempre fizeram parte do nosso imaginário. E ainda que não consigamos responder a tais questões, neste trabalho nosso interesse é sobre uma questão cosmológica e filosófica fundamental: Qual a origem do universo?

            O objetivo central deste artigo é propor um debate filosófico à luz da Filosofia da Cosmologia, uma subárea da Filosofia da Ciência e da Metafísica. Não temos aqui a pretensão de dar respostas finais, mas de levar o leitor a um questionamento, uma vez que ambos os modelos apresentam sua plausibilidade. Cremos que não cabe à Filosofia dar as respostas. Isso cabe à Ciência ou à Religião. À Filosofia cabe fazer as perguntas e levantar os questionamentos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

            No que diz respeito à literatura sobre Cosmologia, estes temas são geralmente tratados por físicos, astrônomos e divulgadores da ciência. Existem poucos materiais (livros, artigos, etc) oriundos da Filosofia, sobretudo no âmbito nacional. Nesse sentido, acreditamos que esse trabalho possa colaborar de forma a reunir o pensamento de diversos autores, apresentando uma síntese acerca do problema tratado e consolidar-se como uma fonte de pesquisa para trabalhos futuros.

          Como este é um tema escasso dentro da Filosofia, tivemos que recorrer a diversos autores e materiais de divulgação científica oriundos da Física, Astronomia e Cosmologia Moderna, mas também utilizaremos textos filosóficos.

3 METODOLOGIA

Nossa metodologia consistirá em um levantamento bibliográfico, seguida da leitura analítica das obras pesquisadas. Não seguiremos um autor e nem uma obra em especial, mas faremos uma compilação de diversos livros e artigos de autores nacionais e internacionais que tratam de Cosmologia.

Iniciaremos nosso debate propriamente dito apresentado a hipótese do universo ter tido uma origem no tempo, e para tal, traremos a teoria mais aceita pela ciência na atualidade, a Teoria do Big Bang. Explicaremos seus aspectos fundamentais e faremos uma reflexão sobre os problemas filosóficos de tal teoria.

Depois, mostraremos a possibilidade do universo não ter tido uma origem, isto é, de existir eternamente e, quais os problemas filosóficos que essa hipótese apresenta.

Apesar de ainda ser impossível dizer qual modelo está correto, tentaremos, à luz da Filosofia, mostrar ao menos qual apresenta maior plausibilidade. Dessa forma, traremos aqui uma análise de cada modelo, indicando as vantagens cosmológicas de cada um e quais as implicações filosóficos presentes em ambos. Tal estudo é fundamental não só para a Cosmologia, mas também para a Filosofia, uma vez que o entendimento de tais questões ajudará o homem a compreender sua origem e seu papel neste mundo, e consequentemente, seu destino.

4 O início do universo

            Com o advento da modernidade, a criação da Teoria da Relatividade, os avanços na produção de telescópicos, entre outros fatores, começará a entrar em vigor uma nova concepção de mundo, e, porque não, do próprio universo. Assim, a concepção de que o universo sempre existiu começa a ser questionada e surge uma nova possibilidade: o universo pode ter tido um início.

            O grande desafio de pensar sobre o início do universo é que, se realmente houve um início, este aconteceu uma única vez e em um passado muito distante. Não temos outro universo para observar (até onde sabemos) e nem podemos recriar o universo em laboratório, até porque, por definição, universo é tudo que existe. Assim, essa unicidade do universo pode tornar-se um empecilho (ELLIS, 2014, p. 3).

4.1 Hubble e a expansão das galáxias

            Estudos experimentais sobre Óptica mostraram que a luz nada mais é do que uma onda eletromagnética, e quando enxergamos uma cor específica, na verdade estamos vendo um espectro com um determinado comprimento de onda. De acordo com (HAWKING, 2015, p. 59): “Os diferentes comprimentos de onda da luz são o que o olho humano vê como cores diferentes, sendo que os comprimentos de onda mais longos aparecem no extremo vermelho do espectro, e os mais curtos, no extremo azul”.

            Com isso, à medida que a fonte de luz se move em nossa direção, os comprimentos de onda que veremos serão menores e consequentemente serão de cor azul; e à medida que a fonte se distancia de nós, os comprimentos de onda serão maiores e consequentemente terão cor vermelha.

            Isso significa que ao observarmos uma galáxia, se o espectro eletromagnético for para o azul, a galáxia estará se aproximando de nós. Se o espectro for para o vermelho, isso indicará que a galáxia estará se afastando de nós. Esse fenômeno ficou conhecido como Desvio para o Vermelho (HAWKING, 2016, p. 103).

            A partir dessas informações, Edwin Powell Hubble (1889-1953), astrônomo estadunidense, que já tinha conhecimento da existência de outras galáxias, conseguiu catalogar um grande número de galáxias, medindo suas distâncias, velocidades e seu espectro eletromagnético.

            A princípio, era de se esperar que as galáxias catalogadas apresentassem velocidades e espectros aleatórios. Porém, para a surpresa de Hubble, grande parte das galáxias apresentavam um espectro com desvio para o vermelho. Isso significava que as galáxias estavam se afastando de nós (DAMINELI, 2003, p. 90-92).

            Mas o que isso significa? Será que somos o centro do universo e por algum motivo, as demais galáxias estavam “fugindo” de nós? Certamente que não. O ego humano já havia sido ferido uma vez, quando Copérnico descobriu que não éramos o centro do universo, e não somos tolos o suficiente para crer que seríamos agora. Mas então, como explicar esse aparente afastamento das galáxias em relação a nós?

            A explicação era simples: todas as galáxias estavam se afastando umas das outras. E mais: ao traçar um gráfico com as medidas da distância versus velocidade, o gráfico apresentou uma linha reta, ou seja, o deslocamento das galáxias apresentava um comportamento uniforme e linear. Essa relação entre distância e velocidade da galáxia ficou conhecida como Lei de Hubble. Mas Hubble não foi o único a fazer descobertas surpreendentes.

4.2 O dia sem ontem: Lemaître e a Teoria do Big Bang

            O padre e cosmólogo belga George Henri Joseph Édouard Lemaître (1894-1966) havia feito descobertas similares às de Hubble. Ele especulou que, se as galáxias estavam se afastando umas das outras, deve ter havido um momento em que elas estavam mais próximas.         Se fizermos um exercício de regressão no tempo, quanto mais voltamos, mais próximas estavam as galáxias. Até que, em um dado instante, todas elas estiveram juntas num só lugar, uma espécie de ponto inicial em que o tamanho do universo era mínimo.

            Infelizmente, Lemaître havia publicado sua descoberta em uma revista de baixa importância e por isso, sua descoberta ficou esquecida por algum tempo, até que o artigo pudesse ser republicado em uma nova revista, desta vez, de grande importância.

            Após um estudo muito aprofundado da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, e após obter muitos dados observacionais, Lemaître conjecturou o modelo teórico que explicava a origem e evolução do universo, que na época chamou de modelo do Átomo Primordial, que depois ficou conhecido como Teoria do Big Bang (ARTHURY & PEDUZZI, 2015, p. 69).

            Segundo o modelo acima, tudo o que há no universo estava compactado em um único ponto, infinitamente pequeno, quente e denso. Após a expansão, não apenas as galáxias e as estruturas do universo foram criadas, mas o próprio espaço e tempo passaram a existir.

            Assim, de acordo com o referido modelo, o universo teve uma origem, e consequentemente, não é eterno. Os dados cosmológicos atuais estimam que esse início tenha ocorrido a cerca de 13,8 bilhões de anos atrás.

            É importante dizer que o Big Bang não se trata literalmente de uma “explosão” que aconteceu em algum lugar do universo. Embora a palavra Big Bang possa ser traduzida por “grande explosão, cientificamente não se trata de uma explosão propriamente dita (HENRIQUE; SILVA, 2011, p. 27). Quando pensamos em explosão, podemos ser levados a crer (erroneamente) em algo semelhante à explosão de uma granada, em que estilhaços são lançados a partir do centro para fora, em todas as direções.

            No caso da granada, há uma violenta liberação de energia, e nisso, podemos dizer que o Big Bang se parece se assemelha com a explosão da granada. Porém, ao contrário do que acontece na explosão da granada, em que os estilhaços são lançados para fora por todas as direções do espaço, no Big Bang essa liberação violenta de energia não se espalha pelo espaço, mas ela cria o próprio espaço-tempo (HENRIQUE & SILVA, 2011, p. 27).

            O termo mais correto seria falar de uma Grande Expansão e não necessariamente Grande Explosão. O termo Big Bang foi dado de forma pejorativa por Fred Hoyle, que queria zombar de seu colega Lemaître. Ironicamente, a expressão se popularizou e é mantida até hoje.

4.3 Singularidade

            Um dos grandes conceitos presentes na Cosmologia do Big Bang, e de uma complexidade matemática, física e filosófica imensa, é o conceito de Singularidade.

            Uma singularidade pode ser entendida como uma região com características tão únicas que todo nosso conhecimento científico, todas as leis da física e todas as regras da matemática falham. Os conceitos e modelos teóricos que conhecemos e as próprias leis do universo não podem ser definidas e nem aplicadas. Nas palavras de (RIBEIRO & VIDEIRA, 1999, p. 1), a singularidade pode ser entendida como “regiões do espaço-tempo nos quais os próprios conceitos físicos e matemáticos, que definem a física do Universo, deixam de ser definíveis”. Isso significa que, se há uma singularidade, há um limite teórico das leis científicas e, consequentemente, pouco saberemos dela.

            E essa é uma das formas de se tentar definir o que foi o Big Bang. Muitos pesquisadores o classificam como uma singularidade, isto é, um evento único na qual nenhuma lei científica que conhecemos pode ser usada. Isso significa que tudo o que sabemos sobre a origem do universo se refere a um instante após o Big Bang, e não ao momento exato em que este aconteceu (RIBEIRO & VIDEIRA, 1999, p. 9).       

            Aqui, percebemos que essa discussão tem um grande caráter metafísico. A existência do Big Bang é um problema filosófico por excelência, afinal, a ciência não sabe praticamente nada sobre esse exato momento. Tudo o que sabemos é o que ocorreu após o Big Bang. Segundo Daminelli, ainda não podemos descrever o momento exato do Big Bang, pelo menos não com as atuais leis da física que conhecemos, pois neste instante o Universo era, de acordo com a Teoria da Relatividade Geral, uma singularidade. Isso significa que está fora do alcance da física, uma vez que as propriedades como densidade e temperatura são infinitos (DAMINELI et al., 2011, p. 264).

4.4 Pilares a favor do Big Bang

            Toda teoria científica, para ter condições mínimas de ser levada a sério, precisa de evidências observacionais e um bom embasamento teórico capaz de dar explicações suficientemente convincentes. Com a teoria do Big Bang não é diferente.

            Entre essas evidências, destaca-se a Radiação Cósmica de Fundo — RCF, uma espécie de “fóssil” do Big Bang, e que, curiosamente, foi descoberta por acaso.

            Desde a década de 40 os pesquisadores Gamow e Alpher já acreditavam na existência dessa radiação, tendo calculado com precisão razoável a temperatura do universo primordial, obtendo uma aproximação muito próxima da temperatura conhecida hoje (cerca de 3 graus Kelvin) (WAGA, 2005, p. 135).

            A descoberta propriamente dita aconteceu em 1964, em uma estação de rádio, nos Estados Unidos da América, e, curiosamente, de forma acidental. Os físicos estadunidenses Arno Penzias (1933-) e Robert Wilson (1936-), notaram uma espécie de ruído estranho e não identificável, vindo de todas as direções. Após inúmeras tentativas de compreender o que acontecia, concluíram que se tratava de uma radiação eletromagnética vinda dos confins do universo. Essa radiação apresentava (experimentalmente) uma temperatura muito próxima à temperatura prevista pela teoria do Big Bang logo nos primeiros instantes do universo (HENRIQUE, 2011, p. 107).

            Simultaneamente, uma equipe de cientistas de Princeton, EUA, sabendo da possibilidade da existência dessa radiação, construíram um equipamento para tentar detectá-la, ainda que não obtiveram sucesso. Foi aí que ficaram sabendo da descoberta por acaso feita por Penzias e Wilson. Aí estava a comprovação da Radiação Cósmica de Fundo (TYSON, 2017, p. 36).

            Além disso, outra evidência considerável é a existência dos elementos químicos. Como sabemos, tudo o que existe e ocupa lugar no espaço é composto por algum tipo de matéria. A matéria, por sua vez, é composta por átomos de diferentes elementos químicos (Carbono, Oxigênio, Hidrogênio, Ferro, e tantos outros). Mas afinal, em que isso nos interessa? Ao que tudo indica, a origem dos elementos químicos está diretamente ligada à origem do universo.

            Esse processo de formação dos elementos químicos recebe o nome de Nucleossíntese, e segundo (DAMINELI et al., 2011, p. 194), pode ser de dois tipos: estelar e primordial. A nucleossíntese estelar, como o nome sugere, acontece nas estrelas, tanto durante a vida da estrela, como na morte de estrelas massivas. Já a nucleossíntese primordial é a nucleossíntese que ocorreu nos primeiros minutos após a origem do Universo, formando o Hidrogênio, Hélio e Lítio.

            A nucleossíntese estelar é um processo natural e não nos interessa, mas a nucleossíntese primordial é de grande relevância. Se as descobertas em Astroquímica estiverem corretas, quase todos os elementos químicos que existem (com exceção dos elementos muito leves) são formados no interior das estrelas, através do processo de fusão nuclear (KEPLER & SARAIVA, 2014, p. 658). Isso significa que praticamente tudo o que existe à nossa volta foi formado nas estrelas. Por isso, o famoso astrônomo estadunidense Carl Sagan costumava dizer que nós todos somos “poeira das estrelas”.

4.5 O quê havia antes?

            Se admitimos um início para o universo, ou seja, um momento em que este passou a existir, somos tentados a perguntar: se o Big Bang criou tudo, então havia algo antes?

            Para questionarmos o que havia antes, primeiro devemos acreditar que havia algo lá. Mas, se havia algo antes, então esse algo é anterior ao Big Bang? O Big Bang não criou tudo a partir do nada?

            Para nós, seres humanos limitados ao tempo, sempre conseguimos pensar no dia anterior. Podemos perfeitamente lembrar o que ocorreu ontem, e no dia anterior, e no dia anterior a este, e assim sucessivamente. Mas, pensemos com calma: se pudéssemos ter assistido ao Big Bang, aquele evento singular não teve um “ontem”. Assim, podemos dizer que o Big Bang é, de fato, o dia sem ontem.

            Segundo Hawking, “o conceito de tempo não tem significado antes do início do universo”, sendo o tempo uma propriedade do universo. Não faz sentido perguntar o  que havia antes. Inclusive, Hawking cita a clássica brincadeira que fizeram com santo Agostinho. Ao indagarem sobre “O que Deus fazia antes de criar o universo?”, o santo não respondeu que “Ele estava preparando o inferno para pessoas que fizessem perguntas como essa”, mas explicou que o tempo era uma propriedade intrínseca do universo e que não poderia haver nada antes (HAWKING, 2015, p. 19).

4. 6 O Big Bang e a Falseabilidade

            Um conceito muito importante em Filosofia da Ciência é a noção de Falseabilidade (ou Falsificacionismo), introduzida pelo filósofo Karl Popper (1902-1994). Embora Popper não tenha escrito diretamente sobre Cosmologia, suas contribuições para a Filosofia da Ciência podem nos ajudar a melhor compreender nosso problema. Segundo Popper, quando temos uma teoria, não precisamos necessariamente verificá-la como verdadeira, mas precisamos conseguir falseá-la. Isso ocorre porque no início do século XX surgiu uma corrente intelectual chamada Positivismo Lógico, que defendia que o conhecimento deveria ser adquirido e verificado por via empírica (BORTOLOTTI, 2013, p. 16-17). Popper foi contrário a essa ideia. Para ele, não é possível verificar empiricamente uma teoria. Segundo sua famosa tese:

… deve ser tomado como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema cientifico empírico (POPPER, 1972, p. 42).


Mas afinal, o que isso significa e como pode nos ajudar? Ora, Popper acreditava que a verdadeira ciência (e consequentemente as verdadeiras teorias científicas) eram muito diferentes de proposições pseudocientíficas. Para ele, não bastava apelar à verificabilidade, uma vez que seriam necessárias infinitas observações para verificar se um enunciado é de fato verdadeiro (BORTOLOTTI, 2013, p. 28-29). Assim, o ponto de partida era a falsificação. Somente as hipóteses científicas são falsificáveis. Isso significa que, dada uma hipótese, se conseguirmos falseá-la, esta será uma boa hipótese.

            Não se trata de exigir uma “prova” que confirme a teoria. A questão aqui é mais delicada. Segundo (ARTHURY & PEDUZZI, 2015, p. 77), desde que Karl Popper introduziu o conceito de falseabilidade, a discussão não é mais sobre conseguir ou não provar umateoria, e sim falsear a teoria.

            Nesse sentido, percebemos que, quanto mais se tenta provar que a teoria é falsa e não se consegue, mais aumenta a força dessa teoria. Como dito por Popper: “Na medida em que a teoria resista a provas pormenorizadas e severas, e não seja suplantada por outra, no curso do progresso científico, poderemos dizer que ela ‘comprovou sua qualidade’ ou foi ‘corroborada’ pela experiência passada” (POPPER, 1972, p. 34).

            Agora, a pergunta que podemos fazer é: “A teoria do Big Bang é falsificável?” A resposta parece ser “Sim!”. Para tal, basta encontrarmos elementos que a possam contradizer. Lembremos que ser falseável (ou falsificável) é a capacidade de uma teoria ser testada por via empírica. Não podemos confundir falseabilidade com ser falso. O fato de uma teoria ser falsificável não significa que ela seja falsa (ou seja, que esteja errada), mas significa que existem elementos que poderiam contradizê-la.

            No caso da teoria do Big Bang, uma contradição possível seria a Radiação Cósmica de Fundo. Se, por exemplo, a temperatura prevista pela Radiação Cósmica de Fundo fosse muito diferente da temperatura atual do universo, possivelmente a teoria do Big Bang seria considerada errada e seria abandonada. O que, sabemos, não é verdade. Outra evidência é a abundância dos elementos químicos leves, como Hidrogênio e Hélio, que também foram confirmados por observações empíricas.             Assim, a teoria do Big Bang tem se mostrado, até agora, falseável porque, mesmo existindo elementos que poderiam hipoteticamente contradizê-la, a teoria passa pelo crivo desses elementos e mantêm-se intacta.

4.7 O problema filosófico do início do universo

            Isso nos abre para uma reflexão filosófica importante. Afinal, estamos lidando com uma teoria científica, e que mesmo sendo apoiada fortemente em dados matemáticos e observacionais, continua sendo uma teoria. Não podemos esquecer que as teorias são representações da natureza, uma vez que, aquilo que constitui a realidade da natureza, é incognoscível para a ciência (RIBEIRO & VIDEIRA, 1999, p. 11).

            Isso significa que não podem haver teorias eternamente verdadeiras. Toda teoria explica a realidade dentro de suas limitações, mas nada impede que essa mesma teoria seja refutada no futuro. Para (RIBEIRO & VIDEIRA, 1999, p. 12) “O conhecimento científico é melhor caracterizado por uma busca incessante e sem fim por melhores, mas nunca definitivas, representações dos fenômenos naturais”.

            O grande problema que a Filosofia (e também a ciência) esbarra aqui é que a matéria, bem como todas as coisas que existem, supostamente, não poderiam simplesmente ter surgido do nada, ou em outras palavras: como pode o tudo ter vindo do nada?

            Nesse ponto, parece que somos forçados a recorrer à creatio ex nihilo, isto é, a criação a partir do nada. Não pretendemos aqui recorrer à religião e nem dizer que a criação é obra de Deus. Mas parece ser fato que a “criação” proposta no Big Bang se assemelhe muito com uma criação ex nihilo.

            A esse respeito, o filósofo e teólogo estadunidense William Lane Craig, ao citar Barrow e Tipler, diz, sobre a singularidade do Big Bang, que “nessa singularidade, espaço e tempo vieram a existir; literalmente nada existia antes da singularidade, de modo que, se o universo se originou em tal singularidade, teríamos verdadeiramente uma criação ex nihilo” (BARROW & TIPLER, 1986 apud CRAIG, 2022, p. 442). O autor postula que, ao falarmos que o universo se origina ex nihilo, queremos dizer que que não havia nada anterior à singularidade.

            Mas, a questão fundamental é: Porquê aconteceu o Big Bang? A resposta, infelizmente, não é muito satisfatória. A ciência pode responder questões parciais, como o porquê de uma estrela se comportar de determinada forma, ou porquê os corpos caem, mas não questões maiores, como o porquê de existirem as leis da física. Vai dizer Ellis que a ciência conseguiu chegar no nível que chegou – de determinar leis físicas e prever resultados – justamente porque omitiu essas questões mais profundas (ELLIS, 2014, p. 27). Essa também é a opinião de Carl Sagan, quando diz acerca do Big Bang: “Dez ou 20 bilhões de anos atrás, algo aconteceu – o Big Bang, evento que deu início a nosso universo. Por que aconteceu é o maior mistério que conhecemos” (SAGAN, 2017, p. 261).

            Somos forçados a admitir que existe aqui uma limitação cognoscível do ser humano. Não sabemos muitas questões, e talvez nunca saberemos. Segundo Marcelo Gleiser, existem questões que estão além da compreensão humana, e talvez, esse problema seja uma dessas questões.

5 O universo eterno

            Após a ascensão científica do modelo do Big Bang, não faltaram teorias rivais que o tentaram contrapor. Muitas destas teorias se mostraram fracas e caíram em desuso. Mas outras permanecem fortes e atualmente mostram-se com boa plausibilidade.

5.1 Novello e o universo eterno dinâmico

            Nesta seção, apresentaremos uma defesa de universo eterno, proposto após a Teoria do Big Bang. Para tal, nos valeremos principalmente dos estudos do físico brasileiro Mario Novello, forte defensor deste tipo de paradigma.

            Mario Novello defende em seus diversos escritos que é possível pensarmos em um modelo de universo eterno que se oponha ao modelo do Big Bang, de forma racional e científica.

            Para ele, tal universo existiria sem a famosa singularidade (descrita na seção anterior), e teria sido criado espontaneamente, a partir da instabilidade de um estado vazio, e com uma característica muito curiosa: este universo supostamente teria passado por uma fase colapsante até chegar em um volume mínimo, tendo posteriormente se expandido até os dias de hoje (NOVELLO, 2006, p. 180). Para o autor, foi a partir deste estado vazio que se originou o espaço, o tempo e toda forma de matéria.

            Para Novello, esse tipo de cenário é chamado de bouncing e consiste, como dito acima, em uma época anterior à atual fase de expansão, em que o universo teve uma fase de contração do volume total do espaço (NOVELLO, 2018, p. 9).

5.2 O cenário de Bouncing

            No final da década de 70, alguns físicos, entre eles o brasileiro Mário Novello, conseguiram desenvolver uma conciliação entre a Teoria da Relatividade Geral de Einstein e o modelo de universo sem singularidade. Todavia, naquela época, devido a limitações empíricas, havia uma impossibilidade de aplicar os resultados na prática. Passaram-se quase vinte anos até que esses modelos voltassem a ocupar espaço de importância. Segundo descreve Novello, o modelo de bouncing:

começa no infinito passado a partir do vazio completo (de matéria/energia e de curvatura do espaço-tempo nula) e termina no infinito futuro em um vazio completo (de matéria/energia e de curvatura do espaço-tempo nula). Isso sugere a ideia de ciclos eternos (NOVELLO, 2018, p. 34).

Neste cenário, em que o universo passa por uma fase anterior, seu volume total diminui com o tempo, chega a um valor mínimo (diferente de zero) e inicia a nova expansão.

            Esse modelo, apesar de resolver alguns problemas, cria outros, como por exemplo: O que causou esse colapso e por que ele foi interrompido e transformado em expansão? Responder a essas perguntas não é tarefa fácil e requer uma boa base teórico matemática, além de muita especulação, uma vez que se trata de um modelo altamente teórico e, por enquanto, não testado.

5.3 O vazio

            Se o modelo do Big Bang tem como chave a questão da singularidade, no modelo de Novello a chave é entender o conceito de vazio. Mas não se trata aqui de qualquer vazio. Quando falamos em vazio, podemos ser levados a crer que nos referimos a ausência de algo, ou ao nada. Mas a concepção de vazio para a Física Moderna é bem diferente.

            Anteriormente se acreditava haver uma entidade física chamada vácuo (ou vazio) absoluto, isto é, a total ausência de tudo (matéria, energia, etc) (NOVELLO, 2010b, p. 34). A Física Moderna nos apresentou um novo conceito: o vazio quântico, uma espécie de estado fundamental, possuindo uma quantidade mínima de energia. Esse vazio quântico seria composto de estruturas opostas que se cancelam (NOVELLO, 2021, p. 174).

            É difícil definir esse vazio sem recorrer às complexas equações da Mecânica Quântica, mas, o que importa para nós é saber que o vazio quântico consiste em um “estado fundamental a partir do qual todos os demais estados fisicamente relevantes são definidos” (NOVELLO, 2006, p. 182). O vazio quântico é um estado da matéria, com suas particularidades, porém, possuindo uma característica especial: a partir dele, todos os demais estados podem ser construídos.

            A grande chave para entender o vazio quântico é que, segundo Novello, esse vazio é instável. Em outras palavras, ser instável, para a Física, significa que o vazio não pode ser vazio para sempre, ou seja, a instabilidade do vazio faz com que o vazio deixe de ser vazio.

            Parafraseando Sartre, que dizia que o homem está condenado a ser livre, Novello diz que a instabilidade do vazio faz com que o universo estivesse condenado a existir. Segundo ele, seria impossível não existir algo (NOVELLO, 2010b, p. 34).

5.4 A filosofia do universo eterno

            Na entrevista concedida à revista do Instituto Humanitas Unisinos, quando foi questionado sobre o impacto de um universo eterno nas questões existenciais, Novello enfatiza a importância desse modelo para o avanço da ciência e para nossa própria compreensão de mundo. Segundo o autor, como o modelo do Big Bang é inacessível – por conter uma singularidade– não há nada que possa ser feito para conhecer esse momento da criação, sendo um “mistério insondável”.

            Quanto ao modelo de universo eterno, este abre as portas para o futuro, pois a ciência consegue avançar nas suas indagações. Afinal, “Não é isso que devemos entender como a verdadeira prática científica?” (NOVELLO, 2010b, p. 34).             Mas apesar desse desejo que move a ciência (e a filosofia) pelo conhecimento, Novello também acredita haver aqui uma limitação, pois mesmo que a ciência tenha o desejo de conhecer tudo, ela jamais conseguirá explicar tudo que existe. Segundo ele:

A ciência tem como principal função produzir uma explicação racional para todos os processos observados na natureza. Essa é a função, o objetivo maior do cientista. Mas esse projeto é um caminhar para sempre. Imaginar que o conhecimento científico vai ser completamente realizado e que esta estrada tem um fim, nada mais é do que a esperança de abarcar o absoluto, um desejo típico dos momentos mágicos, irracionais, da espécie humana (NOVELLO, 2010b, p. 34).

Nesse sentido, a filosofia tem papel fundamental. Não cabe à filosofia apenas fazer críticas ou perguntas, mas levar a uma reflexão que transcende as barreiras do inimaginável, um conhecimento que sozinha, a ciência não conseguiria.

Nesse ponto, Marcelo Gleiser, (GLEISER, 2021) apesar de não ser um exímio defensor desse tipo de modelo, nos ajuda a refletir, retomando uma inquietação filosófica dos gregos antigos: o problema da causa primeira.

Se admitimos que o universo tem uma história, diz Gleiser, seja ela originada na singularidade do Big Bang ou no vazio do universo eterno dinâmico, temos que admitir algum tipo de “começo”, seja ele finito ou infinito. A inquietação filosófica que nos fica é: “O que a ciência pode fazer em relação à causa primeira?”

Na Física Clássica isso permanece um mistério. Na Física Quântica temos um aparente avanço: podemos recorrer às flutuações do vazio, ou seja, eventos que ocorrem aleatoriamente, sem uma causa, devido à instabilidade do vazio (conforme postulado por Novello). Assim, o universo teria começado sem um tempo, nesse vácuo quântico, e transitaria espontaneamente do atemporal para o temporal.

Isso nos leva a seguinte inquietação filosófica: mesmo que esses modelos estivessem certos – o que não temos certeza–, será que eles resolvem o problema da causa primeira? E a resposta, infelizmente, é não! Isso porque para esses modelos existirem, para eles serem formulados matematicamente, os físicos consideram uma série de leis físicas. Mas podemos nos perguntar: Por que o universo funciona dessa forma e não de outra? Por que o universo tem as leis que tem ao invés de outras leis?

Essas são perguntas cujas respostas ainda não temos, não sabemos como fazer. Nesse ponto, é necessário recorrer à metafísica, ou a uma metateoria para poder explicar a origem das leis da natureza. O importante é sermos curiosos e trazermos sempre conosco essa inquietação filosófica, esse desejo de aprendermos sempre mais.

6 Considerações Finais

A pergunta que fizemos ao longo deste trabalho – Qual a origem do universo? – é, talvez, a maior e mais complexa de todas as indagações. Não tínhamos a pretensão de dar uma resposta final, mas de levar a uma reflexão.

Diante de tudo o que foi apresentado, parece-nos que a única certeza que temos é a incerteza. Não temos ainda a capacidade de responder qual a origem do universo, e é provável que jamais teremos.

            O fato é que, dar uma resposta acerca da origem do universo, está fora do nosso alcance. Cientificamente, trata-se de uma questão incognoscível, ou seja, nós não conseguimos usar o método científico tradicional para responder essa questão. E mais do que não conseguirmos dar as respostas, nós não precisamos ter todas as respostas. Nossa natureza humana é limitada, nossa intelecção é limitada. Temos que aceitar com humildade essa limitação.             Precisamos sim ter a pretensão de conhecer sempre mais, porém, sabendo que jamais conseguiremos saber tudo. Mas esse desejo de ir além, de conhecer sempre mais é fundamental. Se desistirmos do conhecimento, ficaremos estagnados no tempo. Ao contrário, se queremos avançar, somos movidos por um contínuo desejo pelo além. Foi isso que moveu a humanidade ao longo de tantos milênios, e é isso que nos moverá em direção ao futuro.

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Danilo Dambróz Soprani – Danilo Dambróz Soprani é bacharel em Ciência da Computação pela UFES. Atualmente está finalizando o bacharelado em Filosofia pelo ISTA. E-mail: daniloccomp@gmail.com1